Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
31/09.5TBVCD.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
EXECUÇÃO CONTRA O INSOLVENTE
Nº do Documento: RP2017102631/09.5TBVCD.P2
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 108, FLS.118-123)
Área Temática: .
Sumário: I - Se, encerrado o processo de insolvência do devedor por insuficiência da massa insolvente, os credores da insolvência podem instaurar execuções contra o devedor nos termos do art.º 233º, nº 1, al. c), do CIRE, não deve ter-se por extinta nos termos do nº 3 do art.º 88º do mesmo código, antes deve prosseguir a execução que, por razões peculiares, não foi suspensa ao abrigo do art.º 88º, nº 1, do CIRE e manteve o seu curso até ao conhecimento daquele encerramento, e onde chegou a ser penhorado um bem imóvel que não integrou a massa insolvente, mas que supostamente pertence ao executado.
II - A extinção da execução ao abrigo do referido nº 3 do art.º 88º pressupõe a inutilidade superveniente da lide executiva, normalmente resultante da realização do rateio final ou da insuficiência de bens determinante do encerramento da insolvência, mas pode não ocorrer se estiver penhorado ou puder vir a ser penhorado um bem do executado que não foi considerado na (insuficiência da) massa insolvente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 31/09.5TBVCD.P2 (apelação)
Comarca do Porto – Juízos de Execução do Porto

Relator: Filipe Caroço
Adjuntos: Desemb. Judite Pires
Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
Na ação executiva comum que B…, residente na Rua …, …, Vila Nova de Famalicão, instaurou, a 5 de janeiro de 2009, contra C…, residente na Rua …, nº …, …, Vila do Conde, os autos seguiram a sua normal tramitação, designadamente com a penhora de um prédio urbano destinado a habitação descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde e inscrito na matriz predial urbana sob o 483.° com o valor patrimonial atual de €55.243,51, como resulta do auto de penhora junto a fl.s 23 e seg.s.
Após vicissitudes várias, houve notícia nos autos de que o executado fora declarado insolvente por sentença de 17.1.2013, no processo nº 3150/12.7TBVCD que correu termos pelo então 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila do Conde, pelo que, por despacho de 26.3.2014, foi declarada suspensa a instância executiva e foi pedida informação sobre a existência dessa sentença, data, trânsito em julgado e se a insolvência reveste carater pleno ou limitado.
Junta que foi certidão daquela sentença, com nota de trânsito em julgado, foi proferido o seguinte despacho:
«Nos presentes autos de execução, que B… move contra C…, considerando que, nos autos de insolvência n.° 3150/12, do 3.° Juízo Cível deste tribunal, o executado foi já declarado insolvente, com trânsito em julgado, nos termos do disposto nos arts. 88º, n.° 1, do CIRE e 277°, n.° 1, al. e) do Código de Processo Civil, declaro a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide.
Custas a cargo do executado, ora insolvente.
Registe e notifique.»
Na sequência de um requerimento do exequente, aquela sentença foi dada sem efeito, mas, por novo despacho, de 14.3.2017, na sequência de informação do Agente de Execução de que “o processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa insolvente --- art.º 230° n° 1, alínea d) e 232° n° 2 do CIRE”, a Ex.ma Juiz tomou a seguinte decisão:
«Conforme resulta da certidão da sentença de fls. 528 a 532 o executado C… foi declarado insolvente, tendo a declaração de insolvência sido decretada com carácter pleno e não com carácter limitado (não devendo confundir-se o incidente de qualificação da insolvência e os efeitos atribuídos ao mesmo com a decisão de declaração de insolvência em si mesmo), pelo que, tendo o processo de insolvência sido encerrado por insuficiência de bens, deve o Sr. Agente de execução dar cumprimento ao disposto no artº 88º, n° 3 do CIRE.»
Inconformado com esta decisão, o exequente dela recorreu, alegando com as seguintes CONCLUSÕES:
«1. O presente recurso tem por objecto o douto despacho proferido pela MM juiz a 14/03/2017;
2. Com a devida vénia, o douto despacho recorrido não se coaduna com as especificidades concretas do caso em apreço, padecendo de erro na aplicação de direito;
3. Porquanto, o despacho ora recorrido ao determinar que “deve o Sr. Agente de execução dar cumprimento ao disposto no artigo 88.º nº 3 do CIRE”, isto é, extinguir a acção executiva, está em contradição com a decisão judicial proferida a 08/06/2012 de fls..., que decidiu o seguinte:
a) – Julgo verificada a falta de citação do cônjuge do executado, D…, nos termos das disposições conjugadas dos art. 195.º, 1, al. e), 194.º, a), e 825.º, n.º 2, todos do CPC;
b) – Anulo todo o processado posterior à citação do executado, apenas se aproveitando, no tocante à D…, o requerimento executivo e, quanto ao executado, a citação dele – art. 864.º, n.ºs 3 e 11 e 921.º, ambos do CPC;
c) – Anulo a compra e venda titulada pela escritura de 30.6.2010, nos termos dos art. 195.º, 1, al. e), 194.º, a), 825.º, n.º 2, 864.º, n.ºs 3 e 11 e 921.º, todos do CPC;
d) – Mando se cancele o registo que tenha sido efectuado desta compra e venda.
e) – Transitado, comunique-se ao Registo Predial – fs. 27 a 30, com cópia deste.
4. Por força desta decisão judicial, já transitada em julgado a fls..., foi anulada a venda do imóvel regressando o mesmo à esfera patrimonial do executado C…;
5. Ou seja, no caso em apreço, actualmente existe, pelo menos, um bem imóvel – Prédio urbano destinado a habitação, que pertence ao executado C… e por isso não se encontram preenchidos os requisitos do artigo 88.º, n.º 3, do CIRE;
6. Apesar do processo de insolvência do executado ter encerrado por insuficiência da massa, a verdade é que o mesmo, por força da citada decisão judicial, ainda dispõe de um bem imóvel no seu património que justifica o prosseguimento do presente processo executivo;
7. Ora, o douto despacho ora sindicado não se compadece com a situação concreta dos presentes autos, uma vez que não tomou em consideração a decisão judicial identificada supra, fazendo tábua rasa da mesma e violando a referida decisão judicial, que aqui se argui para todos os legais efeitos;
8. Com efeito, o despacho ora recorrido está em contradição com a decisão judicial proferida a 08/06/2012, transitada em julgado a fls. E, tendo sido proferido num momento em que o processo de insolvência se encontra há muito encerrado é extemporâneo;
9. No fundo o que importa dirimir nos presentes autos é se os autos de execução devem prosseguir com a citação do cônjuge do executado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 825.º, n.º 2, do CPC (actuais artigos 740.º e 741.º do Novo CPC) em conformidade com a decisão judicial de 08/06/2012;
10. Ou se ao invés se mantém o douto despacho ora sindicado, que a manter-se, salvo melhor opinião, enferma de erro, uma vez que no caso em apreço não se encontram reunidos os pressupostos do artigo 88.º, n.º 3, do CIRE, porquanto existem bens (o prédio urbano) na esfera patrimonial do executado.
11. Além disso, encontrando-se o processo de insolvência do executado encerrado por insuficiência da massa, a execução deve prosseguir os seus termos, ex vi do disposto nos artigos 232.º, n.º e, artigo 191.º, n.º 1, e 233.º, todos do CIRE.
12. Com a devida vénia, padece de erro de aplicação da lei o despacho ora recorrido na medida em que o julgador a quo não teve presente todo este circunstancialismo específico dos presentes autos ignorando uma decisão judicial que entra em conflito e contradição com o despacho recorrido;
13. Além de que, existindo uma sentença a fls... ,que Anulou a compra e venda titulada pela escritura de 30.6.2010, nos termos dos art. 195.º, 1, al. e), 194.º, a), 825.º, n.º 2, 864.º, n.ºs 3 e 11 e 921.º, todos do CPC e mandou cancelar o registo que tenha sido efectuado dessa compra e venda;
14. Mas não mandou nem ordenou o cancelamento da penhora já efectuado tendo o processo que prosseguir com nova notificação do cônjuge para que diga se aceita ou não a comunicabilidade da dívida em razão do proveito comum alegado;
15. A douta sentença violou o disposto nos artigos 88.º, n.º 3, 232.º, n.º 5, 191.º, n.º 1, e 233.º, todos do CIRE.» (sic)
Terminou, assim, pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outra decisão que ordene o prosseguimento da ação executiva, em conformidade com a sentença proferida no dia 8 de junho de 2012.
Na 1ª instância, o recurso não foi admitido por se ter entendido que “o despacho recorrido não configura qualquer despacho ou sentença que determine a suspensão, extinção ou anulação da execução (cfr. artigo 853.°, n.° 2, al. b) do C.P.C.), nem cabe na previsão do disposto no artigo 644.º, n.º 2 do C.P.C.”, mas o recurso viria a ser admitido na sequência de reclamação do recorrente para esta Relação, como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Não foram oferecidas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho).

Somos chamados a decidir se, declarada a insolvência com carater pleno e, tendo sido o processo de insolvência encerrado por insuficiência de bens, a presente execução deve ser considerada extinta quanto ao executado insolvente, nos termos do art.º 88º, nº 3, do CIRE[1].
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III.
Os factos relevantes resultam do relatório que antecede.
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IV.
Abordando a questão que nos é colocada, enquanto o tribunal recorrido sustenta o funcionamento do nº 3 e do art.º 88º, o recorrente argumenta que tal decisão está em contradição com a decisão de 8.6.2012, proferida no processo nos seguintes termos:
«a) – Julgo verificada a falta de citação do cônjuge do executado, D…, nos termos das disposições conjugadas dos art. 195.º, 1, al. e), 194.º, a), e 825.º, n.º 2, todos do CPC;
b) – Anulo todo o processado posterior à citação do executado, apenas se aproveitando, no tocante à D…, o requerimento executivo e, quanto ao executado, a citação dele – art. 864.º, n.ºs 3 e 11 e 921.º, ambos do CPC;
c) – Anulo a compra e venda titulada pela escritura de 30.6.2010, nos termos dos art. 195.º, 1, al. e), 194.º, a), 825.º, n.º 2, 864.º, n.ºs 3 e 11 e 921.º, todos do CPC;
d) – Mando se cancele o registo que tenha sido efectuado desta compra e venda.
e) – Transitado, comunique-se ao Registo Predial – fs. 27 a 30, com cópia deste.
Diz-nos ainda o exequente que, em razão desta decisão, existe pelo menos um prédio urbano pertencente ao executado, apesar do processo de insolvência ter sido encerrado por insuficiência da massa insolvente, que justifica o prosseguimento da execução.
Pois bem…
A declaração de insolvência tem, além do mais, efeitos processuais, que são todos aqueles que atingem processos que, sendo exteriores ao processo de insolvência e podendo, inclusivamente, envolver pessoas distintas do devedor, são relevantes para a massa insolvente.
Tais efeitos têm subjacente o princípio da par conditio creditorum e dirigem-se, basicamente, a impedir que algum credor possa impedir, por via distinta do processo de insolvência, uma satisfação mais rápida ou mais completa, em prejuízo dos restantes credores.[2]
Esses efeitos processuais consistem na apensação (artºs 85º, nºs 1 e 2, 86º, nºs 1 e 2 e 89º, nº 2, na impossibilidade de instauração (artºs 88º, nº 1 e 89º, nº 1) e na suspensão (artºs 87º, nº 1 e 88º, nº 1) de certas ações.
São chamadas para o processo de insolvência determinadas ações e créditos em que se debatam interesses patrimoniais do insolvente, por forma a satisfazer com um único processo a totalidade dos créditos de todos os credores, em obediência ao princípio acima enunciado.
É neste ambiente que o nº 1 do art.º 88º estabelece que “a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; …”.
Assim, no que às execuções diz respeito, da conjugação entre o art.º 85º, nº 2 e o art.º 88º, nº 1, resulta o seguinte regime geral:
- Todas as execuções contra o insolvente se suspendem;
- Se nessas execuções não existir qualquer bem integrante da massa insolvente penhorado, o processo não é remetido para apensação ao processo de insolvência;
- Se nessa execução existirem bens integrantes da massa insolvente penhorados, o processo é remetido para apensação ao processo de insolvência[3] (o que é feito oficiosamente).
O nº 3 da mesma disposição legal estabelece que “as ações executivas suspensas nos termos do nº 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 230º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto”.
Esta norma, tal como a norma do subsequente nº 4, foi aditada na sexta alteração ao CIRE, dada pela Lei nº 16/2012, de 20 de abril.
Pressupondo a decisão recorrida a extinção da instância executiva por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, esta verifica-se, ao abrigo do art.º 277º, al. e), do Código de Processo Civil, “(…) quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio …”[4].
Encerrado o processo de insolvência, cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, podendo os credores exercer os seus direitos contra o devedor sem restrições, exceto as constantes do plano de insolvência aprovado e plano de pagamentos e do art.º 242º, nº 1 --- art.º 233º, nº 1, al.s a), e c), e os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos (cf. al. d) do nº 1 do art.º 233º). Após a liquidação da massa insolvente podem ainda sobrevir rendimentos e, desde que o devedor não beneficie da exoneração do passivo restante ou venha entretanto a ser revogada tal concessão, podem os credores que não obtiveram no processo de insolvência o ressarcimento integral do seu crédito, prosseguir a execução relativamente a esse novo e autónomo património. A lide executiva poderá continuar a ser possível, sendo que o princípio da economia processual aconselha a que a execução se mantenha até que o processo de insolvência se encerre, de forma a obstar a que haja necessidade de se iniciar um processo novo.
Refere-se no acórdão da Relação de Guimarães de 11.7.2013[5] que também não constitui causa de extinção das ações executivas declaradas suspensas nos termos do nº 1 do art.º 88º, (…), o encerramento do processo de insolvência que decorra do trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência nos termos da alínea b) do nº 1 do art.º 230º. Deste encerramento não decorre a absoluta inutilidade ou impossibilidade da execução suspensa, podendo vir a ocorrer o prosseguimento da ação executiva.
Na maior parte das situações, as execuções poderão retomar o seu rumo, podendo ser instauradas novas execuções contra o insolvente, assim como novas ações declarativas. Com o encerramento do processo o devedor recupera o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no art.º 234º quanto a sociedades comerciais --- cf. art.º 233º nº 1, al. a).
A existência de abundante jurisprudência nesta matéria é ilustrada no acórdão da Relação de Coimbra de 26.10.2010[6], de onde se colhe o seguinte: «A lide executiva pode continuar a ser possível e o princípio da economia processual exige até que a execução se mantenha até que o processo de insolvência se encerre, de forma a obviar que tenha, por vezes, que se iniciar um processo novo. (…) pode bem acontecer, com efeito, que após o encerramento da liquidação da massa e o rateio final haja rendimentos e desde que o devedor não beneficie da exoneração do passivo restante, podem, nessa circunstância, os credores que não obtiveram ressarcimento integral no processo de insolvência prosseguir com a execução relativamente a esse novo e autónomo património.
Por outro lado, prosseguindo o processo após declaração de insolvência, pode ocorrer o encerramento do processo a pedido do devedor quando deixe de encontrar-se em situação de insolvência e todos os credores nisso consintam (n.º 1, al. c), do art.º 230.º do CIRE), nada obstando, então, ao prosseguimento das execuções (nº 1, als. c) e d) do art.º 233.º do CIRE).”
Por assim ser, a maioria da jurisprudência é do entendimento que a declaração da insolvência determina a suspensão da execução e não a sua extinção por inutilidade superveniente da lide.
(..)
Ora, o que resulta daqueles assinalados normativos – artºs 88º e 230º - conjugados com os demais mecanismos legais no âmbito da insolvência (plano de insolvência, liquidação, exoneração do passivo restante), é que a extinção da execução pressupõe a declaração de encerramento do processo de insolvência, de modo a acautelar uma multiplicidade de situações que não afectem também o legítimo direito de crédito do exequente».
No caso sub judice, já foi declarado, com trânsito em julgado, o encerramento do processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente, assim, ao abrigo do art.º 230º, nº 1, al. d),. Esta é, pois, uma situação em que dificilmente se vislumbra utilidade superveniente da lide executiva.
Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal (art.º 1º, nº 1) ao qual todos os bens do devedor são remetidos para a realização coativa e equitativa do interesse de todos os seus credores, mal se compreende que os bens da massa insolvente, sendo insuficientes para satisfazer as custas do processo e as dívidas da própria massa, permitam o pagamento de um qualquer outro crédito, dentro ou fora do contexto daquela execução universal. Se há insuficiência da massa insolvente é porque não há bens penhorados nas execuções que estão suspensas, pois que, se os houvesse, as execuções estariam apensadas ao processo de insolvência e os bens teriam sido apreendidos para a massa insolvente.
Não admira que, nos termos do art.º 88º, nº 3, tanto a realização do rateio final, como a referida insuficiência da massa insolvente justifiquem a extinção das ações executivas pendentes contra o devedor (normalmente suspensas nos termos do nº 1 do mesmo artigo). Esta solução está em harmonia com o que dispõe o art.º 85º (efeitos da declaração de insolvência sobre as ações pendentes), onde se impõe a apensação ao processo de insolvência de todos os processos nos quais se tenha efetuado qualquer ato de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente, o que terá de ocorrer, desde logo, quanto às ações executivas em que já se tenham penhorado bens do devedor, sendo certo que os lapsos no cumprimento deste dispositivo legal sempre poderão ser corrigidos com a faculdade de qualquer credor obter a suspensão da execução a fim de impedir os pagamentos, invocando o disposto no art.º 793º do Código de Processo Civil.
Como a massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (n.º 1 do art.º 46.º), não se justifica manter pendente uma execução na esperança da descoberta de bens que não tenham sido apreendidos.[7]
Em qualquer dos casos, as execuções perdem a sua razão de ser, ocorrendo uma situação de inutilidade superveniente da lide, causadora da extinção da instância (art.º 277º, al. e), do Código de Processo Civil).
Acontece que o caso sob apreciação tem alguma peculiaridade.
Quando o devedor/executado foi declarado insolvente, por sentença de 17 de janeiro de 2013, no proc. 3150/12.7TBVCD já a presente execução havia sido instaurada em 5.1.2009 e efetuada a penhora do imóvel que, supostamente lhe pertence e deve responder pelo pagamento da dívida exequenda.
Não obstante, o processo não foi remetido, para apensação, ao processo de insolvência, nem se suspendeu a execução, como determinam os art.ºs 85º, nº 2, e 88º, nº 1, do Código de Processo Civil, certamente porque em junho de 2012, fora proferida uma decisão, posteriormente confirmada por acórdão da Relação de 6.5.2013 (não tendo sido admitido o recurso de revista interposto) que anulou o processado posterior à citação do executado e determinou que apenas se aproveitava, no tocante ao cônjuge do executado, o requerimento executivo e, quanto ao executado, a sua citação, anulando a compra e venda efetuada por escritura pública de 30.6.2010, nos termos dos art.ºs 195.°, 1, al. e), 194.º, al. a), 825.°, n.° 2, 864.º n.°s 3 e 11 e 921.º, todos do Código de Processo Civil.
Pela decisão recorrida, de 14.3.2017, foi tida como extinta a execução, nos termos do art.º 88º, nº 3, do CIRE.
A não suspensão da execução nos termos do art.º 88º, nº 1, não obstaria à sua extinção nos termos do subsequente nº 3.[8]
O processo de insolvência veio a ser encerrado por insuficiência da massa insolvente, nos termos do art.º 230º, nº 1, al. d), o que deveria significar como observámos já, que o insolvente não tem bens, pelo que, consequentemente, as execuções que contra ele estivessem pendentes (e nas quais também não haveria bens penhorados) se extinguiriam por inutilidade superveniente da lide.
Acontece que as circunstâncias, verdadeiramente peculiares, para não dizer anómalas, em que se encontrava o processo de execução, permitiram que o mesmo prosseguisse a sua tramitação própria, apesar da declaração de insolvência do executado e que persistisse no seu património um bem imóvel que aqui foi penhorado e que não foi levado à massa na insolvência, agora encerrada, assim, com violação do princípio da paridade dos credores.
Neste momento já não há possibilidade de resolver o problema no processo de insolvência, mas, havendo bens com os quais o insolvente deva responder pela quantia exequenda, nada obsta a que contra ele sejam instauradas novas execuções, nos termos do art.º 233º, nº 1, al. c).
Como se defende no citado acórdão desta Relação do Porto de 1.6.2017, se o exequente pode instaurar nova execução contra o ora executado, para pagamento do crédito exequendo, por maioria de razão, poderá prosseguir com a presente execução.
Dá-se, assim, guarida ao princípio da economia processual e do aproveitamento dos atos validamente praticados.
Não pode o exequente ficar prejudicado pelo facto de o único bem penhorado não ter sido levado à massa insolvente por razões singulares e a insolvência ter sido encerrada, nem pelo facto de nesse processo se não ter constituído a seu favor um novo título executivo nos termos do referido art.º 233º, nº 1, al. c).
Em termos gerais, pode dizer-se que instância não pode ser julgada extinta por inutilidade superveniente da lide se dela resultar ainda alguma utilidade, posto que mínima ou pouco provável.
A presente execução mantém a sua utilidade e, como tal, não se poder afirmar a inutilidade que está ínsita ou pressuposta no nº 3 do art.º 88º. Não pode ser extinta; antes deve prosseguir a sua normal tramitação, com todas as consequências que daí possam advir, designadamente com reclamação de créditos de outros eventuais credores.
A apelação deve proceder; a execução deve prosseguir.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. Se, encerrado o processo de insolvência do devedor por insuficiência da massa insolvente, os credores da insolvência podem instaurar execuções contra o devedor nos termos do art.º 233º, nº 1, al. c), do CIRE, não deve ter-se por extinta nos termos do nº 3 do art.º 88º do mesmo código, antes deve prosseguir a execução que, por razões peculiares, não foi suspensa ao abrigo do art.º 88º, nº 1, do CIRE e manteve o seu curso até ao conhecimento daquele encerramento, e onde chegou a ser penhorado um bem imóvel que não integrou a massa insolvente, mas que supostamente pertence ao executado.
2. A extinção da execução ao abrigo do referido nº 3 do art.º 88º pressupõe a inutilidade superveniente da lide executiva, normalmente resultante da realização do rateio final ou da insuficiência de bens determinante do encerramento da insolvência, mas pode não ocorrer se estiver penhorado ou puder vir a ser penhorado um bem do executado que não foi considerado na (insuficiência da) massa insolvente.
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e determina-se o prosseguimento da execução.
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Custas pelo executado, dado o seu decaimento na apelação.
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Porto, 26 de outubro de 2017
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, 2ª edição, pág. 45.
[3] Fátima Reis Silva, Efeitos Processuais da Declaração de Insolvência”, in Primeiro Congresso de Direito da Insolvência, 2013, págs. 261 e 262, citada no acórdão da Relação do Porto de 1.6.2017, proc. 718/09.2TBMTS.P1, in www.dgsi.pt.
[4] Acórdão da Relação do Porto de 26 de setembro de 2005, Colectânea de Jurisprudência, T. IV, pág. 181, citando J. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, 1999, pág. 512.
[5] Proc. 3567/08.1TBGMR.G1, in www.dgsi.pt.
[6] In www.dgsi.pt.
[7] Acórdão da Relação de Guimarães de 13.10.2016, proc. 165/09.6TBVNC-B.G1, in www.dgsi.pt.
[8] Neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 3.11.2015, proc. 3523/11.2TBVIS-A.C1, in www.dgsi.pt.