Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
119/19.4PTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOANA GRÁCIO
Descritores: REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
MODO DE EXECUÇÃO
PENA DE PRISÃO DE CURTA DURAÇÃO
Nº do Documento: RP20200212119/19.4PTPRT.P1
Data do Acordão: 02/12/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Apurada a prática de crime punido com pena de prisão não superior a dois anos, o juiz deve proceder a uma dupla operação:
a) A primeira consiste no juízo de mérito quanto à adequação e suficiência da aplicação de uma pena de substituição;
b) Na impossibilidade de aplicar pena de substituição, sendo necessária a aplicação de pena de prisão, é necessário ponderar se o regime de permanência na habitação realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades de execução da pena de prisão, caso em que deve ser aplicado.
II – A circunstância de a casa do arguido não ter energia elétrica, mas não resultando apurado que tal situação não é suscetível de alteração, não é obstáculo à aplicação do regime de permanência na habitação.
III – Só no caso de efetiva inviabilidade técnica é que o tribunal pode determinar o cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 119/19.4PTPRT.P1
Processo de Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto - Juiz 3

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
No âmbito do Processo Sumário n.º 119/19.4PTPRT, a correr termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto, Juiz 3, por sentença de 08-04-2019 foi decidido condenar o arguido B… como autor material de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 2, do DL 22/98, de 03-01, na pena de 13 (treze) meses de prisão.
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Inconformado, o arguido interpôs recurso, solicitando a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que determine a suspensão da execução da pena de 13 (treze) meses de prisão aplicada, por igual período e com sujeição a regime de prova, ou, assim não se entendendo, pelo cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, mostrando-se o recorrente em vias de regularizar a problemática da falta de fornecimento de energia eléctrica.
Apresenta em apoio da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«I. O arguido ora recorrente foi condenado na pena de 13 meses de prisão mostrando-se, por conseguinte preenchido o pressuposto formal para a aplicação de pena de substituição.
II. Resta a verificação do pressuposto material.
III. Analisadas todas as circunstâncias deste processo, resulta óbvio para o recorrente que a execução da pena de prisão não é, de modo algum, necessária «para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias».
IV. Em nossa opinião, temos de convir que o argumento para a não aplicação do instituto da suspensão da pena de prisão ao arguido é manifestamente insuficiente para a fundamentação de tal decisão.
V. Com efeito, os fundamentos para a não aplicação de tal instituto não se esgotam, nem podem esgotar no simples facto de o arguido já ter sido alvo de condenações anteriores, pois o facto de existir uma condenação anterior não pode ter como efeito automático o impedimento de uma nova suspensão.
VI. Pois ninguém pode assegurar que um arguido a quem é aplicado o instituto da suspensão da execução da pena de prisão não venha, de futuro, e mesmo no decorrer do período da suspensão, a cometer um novo crime.
VII. E nada consta no processo que possa infirmar o raciocínio, no sentido do arguido apresentar uma personalidade ainda recuperável.
VIII. Claramente o Tribunal a quo atribuiu à pena aplicada ao recorrente um efeito de repressão e de castigo.
IX. Embora se reconheça estarmos perante um caso limite, cremos, que o Tribunal a quo ainda podia fazer um juízo de prognose favorável, assente na expectativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, acompanhadas do regime de prova, deveres e regras de conduta impostas, realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, funcionando a condenação como uma advertência (séria) para evitar a prática de futuros crimes, assim se conferindo e reconhecendo à pena de substituição o seu conteúdo reeducativo e pedagógico.
X. Nessa medida, entendemos que ainda é possível formular um juízo de prognose favorável, tanto que se revelaria mais eficaz neste caso concreto de um arguido já com alguma idade que não tira a carta de condução porque simplesmente não consegue.
XI. Apresenta limitações graves pois que é praticamente analfabeto encontrando-se neste momento a frequentar a escola com empenho e com bons resultados.
XII. É precisamente tendo em vista a ideia de prevenção especial (finalidade de socialização) que se justifica a escolha de uma pena de substituição, a qual se mostraria suficiente não só para evitar que o recorrente reincida (dissuadir o agente da prática de novos crimes), como também para satisfazer aquele limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico.
XIII. A verdade é que condenação na pena de 13 meses de prisão efetiva terá mais de prejudicial do que terá de vantajoso pois não irá tratar o problema de fundo existente neste tipo de criminalidade.
XIV. Entendemos, assim, que existe uma prognose social favorável ao arguido em termos que permitem suspender-lhe a execução da pena de prisão em que foi condenado.
XV. Por isso, conclui-se que a aplicação de uma pena de substituição (que não deve ser confundida com uma pena de clemência) sendo a mesma subordinada a regime de prova, enquanto verdadeira pena autónoma, revelar-se-ia suficiente e adequada à realização das finalidades da punição, sendo, assim, possível alcançar a almejada ressocialização do arguido em liberdade.
XVI. Pelo que entende o recorrente, por conseguinte, que a sentença recorrida deverá ser revogada no segmento decisório respeitante à pena efectiva de 13 meses de prisão, devendo a mesma ser suspensa na sua execução, por igual período de tempo e sujeita a regime de prova, assim se respeitando as normas dos artigos 70.º, 71.º, n.º 1, 50, n.º 1 e 53.º, n.3, todos dos Código Penal.
XVII. Mas ainda que V.Exas assim não entendam sempre será de ponderar a possibilidade de cumprimento de tal pena em regime de permanência na habitação mostrando-se o recorrente em vias de regularizar a problemática da falta de fornecimento de energia elétrica.
Princípios e disposições legais violadas ou incorretamente aplicadas:
Artigos 18.ºda Constituição da República Portuguesa;
Artigos 40.º, 43.º, 50.º, 52.º, 53.º, 54.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º e 77.ºdo Código Penal;
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. Doutamente melhor suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a, aliás, Douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências.
Decidindo deste modo, farão V. Exas., aliás como sempre um ato de
INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.»
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, considerando que o mesmo não merece provimento, pois a pena de prisão é a única que assegura as exigências de prevenção que o caso merece e a reintegração do arguido na sociedade.
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Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer onde acompanhou em termos genéricos a posição do Ministério Público na resposta ao recurso quanto à pretensão do recorrente de ver a pena de prisão aplicada suspensa na sua execução, com sujeição a regime de prova.
Porém, quanto ao pedido subsidiário de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, considerou que o recurso merecia provimento, argumentando nesse sentido:
«É que todos os comportamentos conhecidos ao arguido são subsumíveis ao crime de condução de automóveis sem habilitação legal e esta situação tem-se vindo a repetir porque o arguido não tem sido capaz de obter a respetiva carta devido à sua falta de competências ao nível da escolaridade.
Ora, a douta sentença deu como provado o arguido frequenta, desde Outubro de 2018, um curso de alfabetização - com a duração de 400 horas e aulas diárias das 09,00 às 13,00 e das 18,00 às 21,30h –, que “é referenciado como um aluno responsável, assíduo, muito motivado para a aprendizagem e um elemento importante para a interação com os outros alunos e professores” bem como que o mesmo “já apresenta alguns conhecimentos de leitura”.
E, como melhor se pode alcançar da douta sentença, este parece ser um facto novo na vida do arguido, que até agora não se mostrava motivado para o ensino sendo certo que, como já se registou, é a sua falta de competências neste domínio que o tem impedido de obter a licença de condução.
Pelo exposto e em conclusão, embora se compreenda a posição assumida nas doutas sentença e resposta referidas, parece-nos que se justifica a ponderação da execução da pena em regime de permanência na residência, até porque este não é incompatível com a frequência do curso de alfabetização e pode ser condicionado à obrigação de inscrição e frequência em aulas de condução de veículos automóveis.
Mais do que isso, esta é a opção que – in casu – nos parece satisfazer, de forma mais eficaz e adequada, os fins das penas.
Aliás, o Mmº Juíz a quo apenas afastou (liminarmente) este regime por a residência do arguido não dispor de fornecimento (legal) de energia elétrica, problema que o arguido, de acordo com o exposto nas suas motivações, se encontra “em vias “de regularização.»
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É do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e fundamentação da escolha e determinação da medida concreta da pena constantes da decisão recorrida (transcrição):
«II – Fundamentação:
De Facto:
Discutida a causa, mostram-se provados, com interesse, os seguintes fades:
A) No dia 18 de Março de 2019, pelas 11H00M, na Estrada Nacional, ao Km ..,no Porto, o arguido conduzia o veículo automóvel de marca Ford, modelo …, matrícula .. - .. - ET, sem ser titular de carta de condução;
B) O arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito de conduzir o veículo na respectiva via pública, como fez, apesar de saber que não o podia fazer sem para tal estar habilitado;
C) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei;
D) O arguido nasceu no dia 26/12/1976, em Serpa. É oriundo de urna família de etina cigana tendo o seu processo de desenvolvimento decorrido em ambiente socioeconómico desfavorecido. Nesse contexto, o seu curto percurso escolar não lhe permitiu adquirir qualquer nível de escolarização, não lendo adquirido conhecimentos de escrita nem de leitura. Colaborou desde criança com os progenitores na criação e venda de burros em feiras e na e execução de trabalhos agrícolas. Aos 18 anos de idade, constituiu agregado próprio tendo passado a viver com uma jovem de etnia cigana. Desta união tem seis filhos de 6, 9, 14, 17, 19 e 22 anos de idade. Foi beneficiário do rendimento social de inserção de 09/10/2003 a 31/02/2012. Nesse período, no ano de 2006, integrou um programa ocupacional promovido pelo Centro de Emprego e frequentou de Maio a Julho de 2011 formação profissional, de 13/05/2011 a 25/07/2011 um curso de competências básicas, no dia 23/11/2011, um curso de educação e formação para adultos B1+2, tendo sido excluído no dia 10/02/2012, com cessação do contrato de inserção e da prestação com penalização por um período de vinte e quatro meses. A companheira foi titular da prestação do rendimento social de inserção de 01/04/2012 a 31/05/2019, com cessação da prestação por incumprimento do contrato de inserção na área da Educação, com penalização do benefício. Há alguns anos, na sequência de um problema de saúde de um familiar, o arguido e a companheira deslocaram-se para a Maia, tendo ali vivido, maioritariamente, em casas arrendadas. Nos finais do ano de 2015, o arguido deslocou-se para o Alentejo para visitar a família, tendo ali permanecido durante um ano. Cumpriu pena de prisão no âmbito do processo sumário n.º139/l5.8GDSRP que correu termos no Juízo Competência Genérica de Serpa até ao dia 10/12/2016. No início do ano de 2017, regressou à cidade da Maia e, desde Janeiro de 2015, reside com a companheira e os filhos de 6, 9, 14 e 17 anos de idade, numa casa na Estrada D. Miguel, nº2190, em Gondomar, cedida por um familiar que ali vivia, sem celebração de contrato de fornecimento de energia eléctrica. A energia eléctrica é recolhida de um poste de abastecimento de electricidade da EDP. O arguido está a fazer obras de remodelação – colocação de janelas e tecto. Desde o ano de 2004 que o arguido não desenvolve actividade laboral, com regularidade. Por vezes, o arguido e a companheira vendem porta a porta artigos de roupa interior e o arguido recolhe sucata. Não revelam motivação nem competências para o desempenho de uma actividade profissional mais estruturada. Desde o mês de Outubro de 2018, na sequência de um acordo celebrado no âmbito do rendimento social de inserção, que o arguido e os quatro filhos menores beneficiam desde 03/07/2018, o arguido frequenta um curso B1 – de alfabetização -, com duração de 400 horas e aulas diárias das 09H00M às 13H00M e das 18H00M às 21H30M, com vista à equivalência do 4.º ano de escolaridade no agrupamento de …, em Gondomar. É referenciado como um aluno responsável, assíduo, muito motivado para a aprendizagem e um elemento importante para a interacção com os outros alunos e professores. Já apresenta alguns conhecimentos de leitura. O agregado familiar subsiste do rendimento social de inserção no valor mensal de €568,98 acrescido de €150,00 de prestações familiares atribuídas aos descendentes e €140,00 de subsídio de almoço pela frequência escolar. Não tem despesas com a habitação, água e electricidade. O arguido mantém com a família constituída e alargada, forte afecto, sendo habitual ajudar e cuidar dos descendentes. O casal e os filhos frequentam um espaço de culto religioso da Igreja Evangélica em …;
E) Por sentença proferida no processo abreviado n.º123/05.0PAMRA que correu termos na extinta Secção Única do Tribunal Judicial de Moura, transitada julgado no dia 02/02/2006, o arguido foi condenado pela prática no dia 10/08/2005 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de quatro euros, pena já declarada extinta no dia 07/02/2007 pelo cumprimento;
F) Por sentença proferida no processo sumário n.º3/08.7GCSRP que correu termos na extinta Secção Única do Tribunal Judicial de Serpa, transitada em julgado dia 26/02/2008, o arguido foi condenado pela prática no dia 21/01/2006 de crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, na pena de cento e oitenta dias de multa, à taxa diária de cinco curos, pena já declarada extinta no dia 05/12/2008 pelo cumprimento;
G) Por sentença proferida no processo sumário nº243/13.7GAMAI que correu termos no extinto 1º Juízo de Competência Criminal da Maia, transitada em julgado no dia 18/03/2013, o arguido foi condenado pela prática no dia 21/01/2013 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, na pena de cento e oitenta dias de multa, à taxa diária de cinco euros, pena já declarada extinta no dia 29/04/2016 pelo cumprimento;
H) Por sentença proferida no processo sumário n.º734/14.2GAMAI que correu termos no juízo Local Criminal da Maia, Juiz 1, transitada em julgado no dia 03/09/2014, o arguido foi condenado pela prática no dia 04/06/2014 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3., n.ºs 1 e 2, do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, na pena de seis de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano sujeita à obrigação de o arguido comprovar nos autos, no prazo de seis meses a contar da data do trânsito em julgado, que se submeteu a exame teórico e o respectivo resultado, suspensão prorrogada pelo período de um ano, por decisão transitada em julgado, pena já declarada extinta no dia 03/09/2016 pelo cumprimento;
I) Por sentença proferida no processo sumário n.º467/14.0PBMAI que correu termos no Juízo local Criminal da Maia, Juiz 3, transitada em julgado no dia 18/03/2015, o arguido foi condenado pela prática no dia 30/06/2014 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, na pena de dez de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, pena já declarada extinta no dia 18/03/2016 pelo cumprimento;
J) Por sentença proferida no processo sumário n.º154/11.9GPPRT que correu termos no Juízo Local Criminal da Maia, Juiz 2, transitada em julgado no dia 24/11/2014, o arguido foi condenado pela prática no dia 10/10/2014 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, na pena de duzentos e quarenta dias de multa, à taxa diária de cinco euros, pena já declarada extinta no dia 17/08/2015 pelo cumprimento;
L) Por sentença proferida no dia 21/10/2015 no processo sumário n.º139/15SGDSRP que correu termos no Juízo Competência Genérica de Serpa, transitada em julgado no dia 20/11/2015, o arguido foi condenado pela prática no dia 29/09/2015 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, na pena de prisão a cumprir por dias livres – quarenta e dois períodos -, pena já declarada extinta no dia 13/01/2017 pelo cumprimento;
M) Por sentença proferida no dia 24/03/2015 no processo sumário n.º121/15.5SGSTS que correu termos no Juízo Local Criminal de Santo Tirso, Juiz 1, transitada em julgado no dia 01/05/2015, o arguido foi condenado pela prática no dia 18/02/2015 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, na pena de sete meses de prisão substituída por duzentos e dez horas de trabalho a favor da comunidade, pena já declarada extinta no dia 17/10/2016 pelo cumprimento.
Com interesse não se provou que:
I) nas circunstâncias aludidas em A), o arguido ia recolher sucatar para entregar a terceiros mediante o recebimento de quantias monetárias para com as mesmas adquirir pão para os filhos.
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Escolha e determinação da medida da pena:
O arguido cometeu um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido no art 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro.
O ilícito é punido com pena de prisão a fixar entre 1 mês e os 2 anos ou com pena de multa a fixar entre os 10 dias e 240 dias (os limites mínimos são os resultantes da aplicação das regras gerais previstas nos artigos 41º, n.º1 e 47.º, n.º1, ambos do CP).
Uma vez que a referida norma admite, em alternativa, as penas principais de prisão e de multa, cumpre, em primeiro lugar, proceder à escolha do tipo de pena a aplicar ao arguido.
Estipula o art. 70.º do CP que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar deforma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Segundo o critério geral de escolha da pena previsto no mencionado preceito, a opção por pena privativa de liberdade só deverá ser tomada por razões de prevenção especial de socialização, estritamente ligadas à prevenção da reincidência, e/ou por exigências irremediáveis de tutela do ordenamento jurídico, ou à “defesa” da ordem jurídica, no sentido do patamar mínimo das exigências de prevenção geral positiva ou de integração, o desaconselhem, assim, Prof. Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, pg. 333 e Temas Básicos da Doutrina Penal, Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal, Sobre a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pg. 105.
Apelando aos ensinamentos de Robalo Cordeiro, in Escolha e Medida da Pena, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, pg. 237, “determinar se as medidas não institucionais são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção do crime não é uma operação abstracta ou atitude/puramente intelectual, mas fruto de uma avaliação das circunstâncias dc cada situação concreta. Só caso a caso, processo a processo, mediante urna apreciação dos elementos de prova disponíveis, se legitimará uma escolha entre as penas detentivas e não detentivas.”
No contexto dos crimes relativos à condução de veículos sem habilitação legal as razões de prevenção geral positiva ou de integração, nomeadamente na modalidade de defesa do ordenamento jurídico e de tutela das expectativas comunitárias na validade da ordem jurídica violada, são prementes. Estes crimes são dos mais frequentes no País, designadamente no Porto – com aumento da sinistralidade rodoviária com intervenção, também, de condutores não habilitados, ou seja, sem conhecimentos básicos para tripular os veículos na via pública, tendo ocorrido, nos últimos dois, mais acidentes com vítimas mortais nas estradas portuguesas, invertendo tendência de decréscimo desde 2010 (cfr. http:///www.ansr.pt/Estatisticas/RelatoriosDeSinistralidade/Documents).
Impõe-se, assim, a escolha da pena que reafirme de forma eficaz a validade da norma violada, estabilizando comunitariamente o respeito pelo bem jurídico protegido pela mesma.
A par das exigências de prevenção geral devem fazer-se actuar as exigências de prevenção especial, seja na sua função positiva de socialização, seja, em qualquer uma das funções negativas subordinadas, de advertência individual ou de segurança.
O arguido já foi condenado pela prática de oito crimes de condução de veículo sem habilitação legal: sofreu quatro condenações em penas de multa – E), F), C) e J) -; duas condenações em penas de prisão suspensas na sua execução – H) e I) - uma das suspensões foi prorrogada-; uma condenação em pena de prisão a cumprir por dias livres – L), e uma condenação em pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade – M). Apesar de já ter sido condenado em penas de multa, penas de prisão suspensas na sua execução, pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade e pena de prisão a cumprir por dias livres – beneficiando de muitas oportunidades -, o arguido reitera na prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal sem que as condenações anteriores o tenham consciencializado do desvalor da sua conduta e, sem por isso, tenha optado, como se lhe impunha, pelo comportamento lícito. Não hesitou em voltar a conduzir, indiferente às advertências que lhe tinham sido feitas, indiferente às oportunidades que lhe foram dadas (apesar de já ser conhecedor do mundo da reclusão – em cumprimento de pena de prisão por dias livres até 10/12/2016) e sem intenção de mudar os comportamentos adaptando-os, como lhe compete, às exigências da ordem jurídica. Mantém baixa escolaridade e reduzido investimento laboral. Não tem habilitações, competências - conhecimentos de escrita e de leitura - que lhe permitam habilitar-se a conduzir. Acresce a inexistência de motivo relevante que tenha determinado o arguido a conduzir sem habilitação legal, da forma como o fez, indiferente aos riscos que determinaria para todos quantos com ele se cruzassem ou circulassem na rua.
Paralelamente, ao nível das exigências de prevenção especial - quer na vertente de socialização, quer do ponto de vista admonitório - não pode deixar de concluir-se que as mesmas se manifestam de uma forma muitíssimo premente, nomeadamente pelo facto de o arguido revelar uma clara propensão para delinquir e um indesmentível desrespeito pelas solenes advertências contidas nas anteriores condenações ofendas, inclusive penas detentivas, as quais não foram suficientes para o afastar da actividade delituosa.
Apenas a condenação do arguido numa pena de prisão é susceptível de fazer reflectir sobre a gravidade e perigosidade da sua conduta.
Optar-se-á, pois, pela pena de prisão.
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Cabe-nos, agora, fixar a sua medida:
A pena deve ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta.
A culpa não constitui, assim, apenas o pressuposto e fundamento a validade da pena, mas traduz-se no seu limite máximo, o que significa que, não só não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena como seu limite máximo.
De acordo com a teoria da margem da liberdade, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo já adequado à culpa e um limite máximo ainda adequado à culpa, devendo intervir os outros fins das penas, expressamente consignados no art. 40.º do CP.
A escolha do tipo de pena depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial, nada tendo a ver com a determinação da sua medida, a qual depende, essencialmente, da culpa do agente.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva de integração (na qual a pena aplicada ao agente mantém e reforça a confiança da comunidade na validade e eficácia das normas jurídico-penais como instrumento de tutela de bens jurídicos) podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial ou individual (negativa - em que a pena tem como objectivo neutralizar a perigosidade social do agente, exercendo sobre ele um efeito retractivo, mas também visa reinserir socialmente o agente, através da sua adesão aos valores da comunidade, evitando cometer novos crimes – prevenção especial positiva ou de socialização), sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve evitar a quebra da inserção social do agente e servir para a sua reintegração na comunidade, só deste modo e, por esta via, se alcançando uma eficácia de protecção dos bens jurídicos, ou seja, o ilícito deve ser valorado em função da gravidade do ataque ao bem jurídico em particular, nomeadamente, os danos ocasionados, a extensão e gravidade dos efeitos produzidos, em suma, o efeito externo, sem esquecer o desvalor do próprio comportamento delituoso.
Concretizando:
Atento o disposto no art. 71.º do CP, dentro da moldura penal abstracta cumpre determinar a medida concreta da pena em função da culpa do agente, tendo ainda em conta, as exigências de prevenção geral e especial e as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
Rectius:
A) Em desfavor do arguido milita:
O grau de ilicitude do facto e de violação dos deveres impostos ao arguido revelaram-se de uma forma muito elevada, uma vez que ao conduzir o veículo automóvel, em plena cidade do Porto (em pleno dia – às 11H00M-, em regra, durante o dia é maior a afluência do trânsito nas vias públicas e, consequentemente, aumenta a possibilidade de o veículo se cruzar com outros e com peões), sem possuir titulo que o habilite para esse efeito colocou em perigo a integridade física, o património e até a vida dos restantes utentes das estradas; al. a) do n.º 2 do art. 71.º - releva por via da culpa e da prevenção);
É mediana a gravidade das consequências do ilícito; al. a) do nº2 do art. 71.º - releva por via da culpa e da prevenção);
A intensidade do dolo (directo) do agente (al. b) do nº2 do art. 71.º - releva por via da culpa);
A gravidade da falta de conformação da personalidade do agente com o padrão do homem fiel ao direito, manifestada no facto, ou seja, o arguido – com competências pessoais e sociais reduzidas, que apresenta baixa escolaridade, reduzido investimento laboral qualificação profissional, com agregado beneficiário ao longo de vários anos do rendimento social de inserção, sem um projecto de vida consistente, estruturado mormente no sentido de inserção no mercado de trabalho - manifesta falta de preparação para manter uma conduta lícita porquanto já praticou e foi condenado, por decisões transitadas em julgado, oito crimes de condução de veículo sem habilitação legal. Apesar das oportunidades dadas – condenações em penas de multa, penas de prisão suspensas na sua execução, pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, prisão por dias livres - de ser conhecedor do mundo de reclusão, também pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal – cumprimento de pena de prisão por dias livres até 10/12/2016-, patenteia propensão para praticar actividades delituosas da mesma natureza a que já foi condenado e um claro desrespeito pelas solenes advertências - oito - contidas nas anteriores condenações. Não tem habilitações, competências que lhe permitam habilitar-se a conduzir, apesar de já ter frequentado vários cursos, até ao mês de Outubro 2018, não investiu – de forma empenhada- em aumentar as habilitações, as qualificações mormente para inserção no mercado de trabalho: alínea f) do n.º2 do art. 71.º - releva por via da culpa).
B) Em favor do arguido milita:
A atitude assumida em sede de audiência de discussão e julgamento, confessando os factos, que apesar de não ser decisiva para a descoberta da verdade (posto que, detido em flagrante delito, a prova dos factos facilmente seria alcançada pela valoração do depoimento do agente interveniente na operação de fiscalização, e, por apelo às regras da experiência comum/presunções quanto ao elemento subjectivo – ademais quando se considere que, em momento anterior, por decisões transitadas em julgado também em momento anterior – oito-, foi condenado pela prática de crimes de condução sem habilitação legal. Se até então não o soubesse, o que não é minimamente crível, a partir de então não está em condições de o ignorar), revela por parte do agente, uma (ainda que parca) capacidade de censura e uma personalidade, na medida do possível (e já não do desejável), responsável, não pretendendo frustrar-se à sua responsabilidade, inventando histórias [apesar do valorarmos a confissão sem que para tal se tenha dado como provada “que o arguido confessou os factos” – entendemos que, no caso, não importa fazê-lo porquanto a confissão é um meio de prova (e, nesse sentido, não é um facto) ademais porque o legislador impõe, em casos de confissão, o cumprimento do previsto no art. 344.º do CPP); o investimento/empenho, ainda recente e no âmbito do rendimento social de inserção, no curso que frequenta, sendo referenciado com responsável, assíduo, muito motivado para a aprendizagem e um elemento importante para a interacção com os alunos e professores; o apoio familiar -colabora com a companheira nos cuidados com os descendentes, com enquadramento familiar de acolhimento-, e o facto de não serem conhecidas consequências gravosas da sua conduta mormente que o veículo tenha sido interveniente em acidente (despiste/embate/atropelamento) …. alínea d) do n.º2 do art. 71.º - releva por via da culpa e da prevenção).
Não demos como provado nem atendemos na determinação da medida da pena que o arguido “demonstrou arrependimento”. A simples declaração proferida – ou a menção de outras expressões nesse sentido - em audiência não tem qualquer valor. O que tem valor, como circunstância atenuante da responsabilidade criminal do arguido, é a demonstração desse arrependimento – o arrependimento é um acto interior – mormente se a demonstração for visível de modo a convencer o Tribunal que, se no futuro vier a ser confrontado com uma situação idêntica, não voltará a delinquir. O que, no caso decidendo, não ocorreu. A confissão integral e sem reservas, atento o ilícito em causa e, nos termos referidos, à facilidade quanto à prova do seu cometimento, não se pode entender como relevante para efeitos de ajuizar qualquer traço de arrependimento.
As exigências de prevenção geral são elevadas, considerando a necessidade de punir este género de comportamentos que são cada vez mais frequentes na nossa sociedade. Abunda a prática de crimes ao longo das estradas caracterizadas e transformadas em autênticos campos de batalha por condutores experientes ... quanto mais, por aqueles que não o são.
Em termos de prevenção especial, apesar da frequência desde data próxima do curso, apoio familiar, considerando as competências pessoais e sociais reduzidas, baixa escolaridade, reduzido investimento laboral e qualificação profissional, sem um projecto consistente, estruturado no sentido de inserção no mercado de trabalho e a existência de vários antecedentes criminais (oito condenações pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal), a manutenção da permeabilidade às influências, aos contextos e às oportunidades criminais, impõe-se medidas elevadas de reeducação.
Ora a moldura penal abstracta prevista para o crime de condução sem habilitação, na opção pela pena de prisão, como é o caso dos autos, é fixada entre 1 mês e os 2 anos (o limite mínimo é o que decorre do art. 41.º, n.º1, do CP e o máximo do previsto no art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro).
Ponderadas todas as circunstâncias referidas supra, julgo adequada uma pena de treze meses de prisão.
Quanto à substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade:
Dispõe o artigo 58.º do CP:
“1 – Se ao agente deter ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
2 - A prestação de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, cada dia dc prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.
4 - O trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável.
5 - A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade só pode ser aplicada com aceitação do condenado.
6 - O tribunal pode ainda aplicar ao condenado as regras de conduta previstas nos n.os 1 a 3 do artigo 52.º, sempre que o considerar adequado a promover a respectiva reintegração na sociedade.”
Ao arguido deve ser aplicada uma pena de prisão que não é superior a dois anos, no caso, treze meses. O arguido tem 42 anos de idade e não lhe são conhecidos problemas de saúde que o impeçam de trabalhar.
O arguido aceitou prestar trabalho a favor da comunidade, condição necessária à aplicação desta reacção penal – art. 58.º, n.º5, do CP.
Sem prejuízo.
No que diz respeito à prevenção geral são consistentes/elevadas as necessidades respectivas, atendendo ao elevado número de crimes de natureza idêntica ao que constitui objecto dos presentes autos, à natureza do mesmo, ao sentimento de impunidade que quanto aos mesmos grassa na nossa comunidade, ao aumento de sinistralidade rodoviária com intervenção em acidentes também de condutores não habilitados, constituindo um motivo de grande preocupação para a comunidade, a fazerem elevar as exigências de prevenção geral.
O arguido demonstra um percurso criminoso considerável – o arguido já foi condenado pela prática de oito crimes de condução de veículo sem habilitação legal: sofreu quatro condenações em penas de multa – E), F), G) e J) -, duas condenações em penas de prisão suspensas na sua execução – H) e I) -, uma das suspensões foi prorrogada-, uma condenação em pena de prisão a cumprir por dias livres – L) – a última sentença proferida (no dia 21/10/2015) -, e uma condenação em pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade – M), ... não tendo ainda, apesar das várias hipóteses que lhe foram dadas – tendo já cumprido pena de prisão por dias livres pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal-, mudado de comportamento estando, como se disse, num quadro de igualmente elevadas exigências de prevenção geral. O arguido – que não tem habilitações, competências que lhe permitam habilitar-se a conduzir – já foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 04/05/2015, de um crime de condução sem habilitação legal numa pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade. Esta reacção penal não foi suficiente para o afastar da criminalidade. Voltou a praticar um crime de condução de veículo sem habilitação legal. Esta reacção penal exige capacidade de interiorização do desvalor da conduta, capacidade que o arguido já revelou não possuir.
Tendo presentes as assinaladas necessidades preventivas, apesar dos benefícios da pena de substituição (facilitando a manutenção dos laços positivos com a sociedade que também é chamada a fornecer o trabalho, beneficiando com o seu produto e com a correspondente diminuição dos encargos económicos que representa a pena de prisão, evitando por último os maus hábitos que a prisão cria, pela ociosidade e contactos viciosos com autores de delitos graves - cfr, ainda, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/03/2019, processo n.º299/17.3GBPRD.P1, n.º convencional JTRP000, Relator Dr Willian Themudo Gilman, disponível para consulta em www.dgsi.pt) mas tendo simultaneamente em consideração as características próprias da prestação de trabalho a favor da comunidade, a aplicação ao arguido desta reacção penal prevista no artigo 58.º do CP como alternativa ao cumprimento de uma pena de prisão efectiva, não é susceptível de fazer face àquelas necessidades.
Não obstante a gravidade da conduta do arguido, tem o Tribunal o dever de equacionar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.
Dispõe o art 50.º do CP:
“1 - O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, se atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da prevenção.
2 - (...).
3 - (…).
4 - (...).
5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.”
É consabido que o art. 50.º do CP reflecte um poder-dever que se impõe ao Tribunal, caso estejam verificados os pressupostos - formal (condenação em pena de prisão não superior a três anos) e material.
Tal como escreve Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Parte Geral, Vol. II, Lisboa, 1993, pg. 342 e Velhas e Novas Questões sobre a Pena de Suspensão da Execução da Pena, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124, pg. 68, pressuposto material da aplicação do instituto é que o Tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (...)», sendo que, «(...) na formulação do aludido prognóstico, o Tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto (...).
A finalidade político-criminal do instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente da prática de novos crimes e não qualquer “correcção”, “melhora” ou - ainda menos – “metanóia” das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como exprime Zipf, uma questão de “legalidade” e não de “moralidade” que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção de reincidência”, Figueiredo Dias, ob. cit.
Assim, a decisão de suspender a execução da pena deve ter na base uma prognose favorável ao arguido, isto é, a esperança de que ele assimilará a advertência que a condenação implica e que será desencorajado de cometer novos crimes. Não se trata, portanto, de uma certeza de que tal irá ocorrer. Há, por isso, um risco. O que está em causa não é qualquer infalibilidade, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda.
Subjacente à decisão de suspender a execução ode uma pena de prisão está uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/05/06, processo n.º695/05-1, Relator Dr. António Eleutério, disponível para consulta em www.dgsi.pt). No juízo de prognose deve o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática dc actos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir) – cfr, entre outros, o decidido no Acórdão do Tribuna) da Relação de Coimbra de 29/11/2017, processo n.º202/16.8PBCVL.C1, Relator Dr Orlando Gonçalves, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Rectius.
O arguido foi condenado na pena de treze meses de prisão, ficando, desde logo preenchido, o pressuposto formal de que depende a aplicação do regime do art. 50.º.
Há, pois, que aferir do pressuposto material.
O crime aqui em causa assume gravidade na medida em que condução de veículos automóveis por alguém que não se mostra habilitado, sem ter os conhecimentos básicos das regras de trânsito, pode colocarem perigo a vida e a integridade física de terceiros e do próprio arguido.
Após a primeira condenação e muitas outras – a maioria, com aplicação de penas não privativas da liberdade-, o arguido tinha de percorrer no sentido de uma integração dos valores societários do homem comum. Não fez esforço nesse sentido. Considerando o percurso de vida do arguido – que mantém baixa escolaridade – não tem habilitações, competências, conhecimentos de escrita e de leitura que lhe permitam habilitar-se a conduzir – não consegue perceber as mensagens escritas que, não raras vezes, são transmitidas aos condutores mormente de aviso de acidentes-, reduzido investimento laboral e qualificação profissional (não é conhecido um projecto de vida consistente, estruturado) – mantém permeabilidade às influências, aos contextos e às oportunidades criminais; os antecedentes criminais – já praticou e foi condenado pela prática de oito crimes de condução sem habilitação legal; a sua personalidade vincadamente desviante e resistente às sanções penais (já lhe foram concedidas – muitas – oportunidades), não são conhecidas quaisquer circunstâncias que nos permitam concluir que o arguido – com consistência – pretende investir, trilhar um caminho distinto-, é possível concluir que são elevadas as imposições de prevenção especial, devendo ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores. Apesar de já ser conhecedor do mundo da reclusão – também, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal – cumprimento de pena de prisão por dias livres-, não se coibiu de praticar facto similar, sem motivo relevante para o fazer. O arguido demonstra, claramente, desrespeito pela ordem jurídica. Confessou integralmente e sem reservas os fados. A confissão, como se disse (foi detido em flagrante delito, a prova dos factos facilmente seria alcançado pela valoração com o depoimento do agente interveniente na operação de fiscalização, e, por apelo às regras da experiência comum/presunções quanto ao elemento subjectivo - ademais quando se considere que, em momento anterior, por decisões transitadas em julgado também em momento anterior – oito -, foi condenado pela prática de crimes de condução sem habilitação legal. Se até então não o soubesse, o que não é minimamente crível, a partir de então não está em condições de o ignorar), não assumiu relevância probatória e não é relevante para se ajuizar qualquer traço de arrependimento.
São elevadas as imposições de prevenção especial, face aos antecedentes criminais do arguido, condições de vida, devendo ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores.
Tudo conjugado tem que se concluir que não é possível ao Tribunal fazer um juízo de prognose favorável em ordem a acreditar que a censura do facto e a ameaça da pena para afastar o arguido da criminalidade, principalmente do crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal. Efectivamente, nada permite afirmar a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de não voltar a conduzir sem ter habilitação legal. Aliás, refere o Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit, pg. 344 a 345, ... havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada. Não vislumbramos motivos para justificar uma terceira suspensão da execução da pena de prisão. Caso contrário, estar-se-ia a alimentar um mau sentimento de impunidade!
Não está, pois, verificado o requisito material.
Não é, pois, de suspender a execução da pena de prisão aplicada.
Prescreve o artigo 43.º do CP:
“1 - Sempre que o Tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
(…)
2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.
3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.
4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoávelmente de exigir, nomeadamente:
a) Frequentar certos programas ou atividades;
b) Cumprir determinadas obrigações;
e) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;
d) Não exercer determinadas profissões;
e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas;
f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes.
5 – Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.”
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/01/2018, processo n.º50/17.8GBTCS.C1, Relatora Dra. Helena Bolieiro, disponível para consulta em www.dgsi.pt, com a entrada em vigor da Lei nº94/2017, de 23/08/2017, o legislador veio prever a possibilidade de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação – forma de execução ou cumprimento da pena de prisão. Seguindo de perto o ali referido “conforme se assinala na exposição de motivos da proposta que esteve na origem da referida Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto (Cf. Proposta de Lei n.º 90/XIII, cujo texto se encontra disponível na internet em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=41417), pretendeu-se clarificar, estender e aprofundar o existente regime de permanência na habitação, conferindo-lhe um papel político-criminal de relevo. Vincando-se, por um lado, a sua natureza de regime não carcerário de cumprimento da pena curta de prisão e alargando-se, por outro lado, a possibilidade da sua aplicação aos casos em que a prisão é concretamente fixada em medida não superior a dois anos, quer se trate de prisão aplicada na sentença, de prisão resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º do Código Penal, ou de prisão decorrente da revogação de pena não privativa de liberdade ou do não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º do mesmo diploma.
Não obstante, como também ali se refere, o procedimento anteriormente vigente em matéria de aplicação de penas à pequena criminalidade não foi substancialmente alterado. O juiz continuará a proceder a uma dupla operação, sendo que, uma vez verificado que tem perante si um crime provado e concretamente punido com pena de prisão até dois anos, começará por determinar se é adequada e suficiente às finalidades da punição alguma pena de substituição (multa, suspensão da execução, trabalho a Favor da comunidade) ou se é necessário aplicar a pena de prisão. Nesta última hipótese, ficam à sua disposição duas possibilidades de execução, pela ordem seguinte: ou em regime de permanência na habitação, ou dentro dos muros da prisão, em regime contínuo.” Cfr, ainda, o referido por Maria João Antunes, in Penas e Medidas de Segurança, Almedina, Coimbra, 2018 – Reimpressão, pg. 90.
Pois bem.
O arguido foi condenado numa pena inferior a dois anos: treze meses de prisão.
O arguido declarou que aceita cumprir a pena de prisão em regime de permanência na habitação – condição necessária (art. 43.º, n.º 1, do CP).
Uma vez que a habitação onde reside não tem energia eléctrica – obtida de forma lícita (a que importa considerar), com celebração de um contrato de fornecimento de energia eléctrica – e o arguido não tem outra alternativa/local onde residir, não há condições técnicas que permitam instalar os necessários equipamentos/meios e, consequentemente, cumprir a pena em regime de permanência na habitação.
Não é, pois, possível determinar o cumprimento/execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação.»
*
II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
A única questão que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso é a de saber se a pena de prisão fixada na sentença recorridas devia ter sido suspensa na sua execução e, subsidiariamente, caso aquela primeira questão não mereça acolhimento, se devia ter sido determinado o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação.
Vejamos.
Não tendo o recorrente impugnado a decisão recorrida na parcela relativa à opção pela aplicação de uma pena de prisão e à medida concreta aplicada dentro da moldura penal abstracta, e não se detectando nesse vector da decisão qualquer desconformidade com alguma norma legal ou constitucional ou desproporcionalidade na fixação da medida concreta da pena, nada se impõe analisar ou alterar a tal propósito.
Importa, sim, determinar se a pena de 13 (treze) meses de prisão devia ter sido suspensa na sua execução, com sujeição a regime de prova, por assim se realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Sobre essa questão, a decisão recorrida debruçou-se de forma fundamentada e pormenorizada, como se vê do excerto supratranscrito.
Acolhe-se integralmente a posição assumida na sentença recorrida, por se concordar com a avaliação aí realizada, pois apesar do agravamento gradual das penas aplicadas ao arguido, que vão desde a pena de multa ao cumprimento de prisão por dias livre, passando pela prestação de trabalha a favor da comunidade e pela suspensão da execução da pena de prisão, o arguido não se coibiu de cometer uma vez mais o mesmo tipo de crime.
Este percurso revela que o arguido foi insensível às solenes advertências que sofreu em cada uma das referidas condenações, carecendo ainda neste domínio de firme reprimenda para que interiorize a necessidade de se abster daquele tipo de conduta.
Resulta dos factos provados que o arguido fez um esforço recente de aprendizagem no âmbito de programa relativo ao rendimento social de inserção mas mantém baixas competências pessoais, sociais e profissionais, exigindo ainda muito trabalho de reeducação e não se evidenciando ao longo dos anos um esforço relevante para colmatar a sua falta de habilitação para conduzir. Pelo contrário, o que os autos revelam é a sua indiferença perante o cometimento das infracções apontadas e das inerentes sanções aplicadas, voltando de novo ao cometimento do mesmo crime ao invés de procurar resolver a sua falha.
A circulação rodoviária é uma actividade altamente perigosa, responsável por elevados índices de sinistralidade nas nossas estradas, de que resultam anualmente inúmeras mortes e feridos, muitos com sequelas para toda a vida, com todo o leque de penalizações em termos patrimoniais, de qualidade de vida, de transtorno familiar, entre muitas outras, que lhes estão associadas.
A aptidão para a prática desta actividade não resulta apenas, como muitos pensarão, de saber colocar um veículo em funcionamento e fazê-lo circular pelas estradas.
Essa habilitação passa em primeira linha pela aprendizagem de um conjunto de regras de circulação, de cumprimento obrigatório ou aconselhável, que são essenciais ao bom funcionamento do tráfego e à segurança de todos os que circulam nas vias (veículos e peões).
Quem não conhece essas regras, mesmo que tenha extraordinárias capacidades para pilotar um veículo, não está minimamente apto para a actividade de condução rodoviária.
Daí que a imposição de que a condução de veículos automóveis seja apenas autorizada a quem frequentou uma escola de condução e teve aproveitamento na aprendizagem teórica e prática, possuindo uma carta de condução, seja uma garantia de todos os cidadãos de que a circulação rodoviária é mais segura, pois ao seu titular é reconhecido que tem as capacidades físicas necessárias à realização da condução e o conhecimento das regras essenciais à realização dessa actividade de forma prudente.
Perante a perigosidade da actividade e a gravidade das consequências que se sabe advêm de uma má condução, seja por inabilidade física, seja por desrespeito das regras de trânsito, não pode o combate ao flagelo da sinistralidade fazer-se com complacência.
Quando se aprecia um crime de condução de veículo sem habilitação legal não está causa necessariamente qualquer ligação directa a algum tipo de sinistralidade, como é disso exemplo o presente caso.
Mas o seu combate tem de ser feito em todas as frentes e uma delas é garantir que todos os condutores têm aptidão física para conduzir e que conhecem as regras estradais.
Ao condutor que não tem habilitação legal, como é o caso do arguido, não podem ser reconhecidos tais atributos.
Ao arguido já foram dadas ao longo dos anos várias hipóteses para avaliar o seu comportamento e optar por alterá-lo, tirando a carta de condução, ou abstendo-se de conduzir.
O arguido, insistentemente não o fez, mesmo quando sofreu as já enunciadas sanções de diversa natureza.
Nada mudou radicalmente na vida do arguido que leve a concluir que no futuro o seu comportamento será diferente e que não voltará a conduzir sem antes estar habilitado com carta de condução.
Por isso, bem andou o Tribunal a quo ao concluir não estarem reunidos os pressupostos para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, por nada levar a crer que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão o vão afastar da prática criminosa e satisfazer as elevadíssimas necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
Como tal, deve improceder esta parcela do recurso.
*
Subsidiariamente, apela o recorrente ao cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, tanto mais que, alega, mostra-se em vias de regularizar a problemática da falta de fornecimento de energia eléctrica.
O Tribunal a quo, como se vê da análise supratranscrita, descartou a priori esta possibilidade por considerar “que a habitação onde o arguido reside não tem energia eléctrica – obtida de forma lícita – e o mesmo não tem alterativa/local onde residir, pelo que não há condições técnicas que permitam instalar os equipamentos necessários e cumprir a pena em regime de permanência na habitação.
Porém, o Tribunal a quo não fez recair sobre a hipótese de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação ou em estabelecimento prisional qualquer juízo de mérito quanto à (in)suficiência da primeira em face das finalidades da punição, limitando-se a evidenciar o que deveria ser uma segunda fase da decisão, uma impossibilidade técnica de instalação de equipamentos.
Contudo, não só o Tribunal a quo omitiu a apontada decisão de mérito que se lhe impunha, como a conclusão a que chega, que poderá em abstracto ser validamente tomada, no caso dos autos não colhe apoio total na matéria de facto assente.
Com efeito, dos autos resulta apenas que o arguido reside numa casa com energia eléctrica recolhida de um poste de abastecimento da EDP. Ou seja, não tem energia lícita que permita o funcionamento dos equipamentos necessários à aplicação do regime de permanência na habitação.
Mas não resulta dos autos que tal situação não era susceptível de alteração em tempo útil à execução da pena no âmbito de tal regime ou até se o arguido estava ou não disposto a indicar outra morada para efeito de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação.
Perante as informações que foram colhidas no relatório prévio elaborado pela DGRSP, antes do julgamento, onde se reconhece que a casa onde habita o arguido não está apta à instalação de equipamentos para aplicação do regime de permanência na habitação, e se o Tribunal a quo ponderasse que esta seria a hipótese que melhor salvaguardaria as finalidades da punição, impunha-se que mandasse averiguar de novo, nos termos do art. 7.º, da Lei 33/2010, de 02-09 (redacção introduzida pela Lei 94/2017, de 23-08), em colaboração com o arguido, em que moldes poderia ser executado o referido regime de cumprimento de pena. E só na hipótese da sua efectiva inviabilidade (que no caso, posto que o arguido deu o seu consentimento, seria sempre por sua incúria – seja porque não diligenciou pela instalação de electricidade legal em tempo útil, seja porque não aceitou o cumprimento da pena noutra morada de familiares dotada com condições adequadas para o efeito – ou impedimento dos familiares) é que podia determinar o cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional.
Nem dos autos nem da matéria de facto assente resulta que esta averiguação tenha sido realizada.
Mais, da matéria de facto assente resulta que o arguido viveu um ano em casa de familiares no Alentejo, tendo sido condenado nessa altura, no Tribunal de Serpa, pela prática do tipo de crime que aqui se aprecia e tendo cumprido uma pena de prisão por dias livre, composta por 42 períodos.
Este dado revela que a possibilidade de o arguido cumprir a pena noutra habitação que não aquela onde reside actualmente não é uma possibilidade irreal.
Assim, quanto a esta parcela da sentença, o Tribunal a quo incorreu na omissão de pronúncia sobre a opção de mérito que se impunha tomasse entre o cumprimento da pena de prisão no estabelecimento prisional ou em regime de permanência na habitação, nos termos do art. 43.º, n.º 1, do CPenal.
E só depois de fazer uma opção no sentido de considerar que este último regime era o mais adequado à realização das finalidades da punição – ressalvada informação sobre recusa de consentimento do arguido – podia ponderar o respectivo afastamento por inviabilidade técnica, para o que, no caso concreto, seria necessário que previamente tivesse averiguado junto da DGRSP e em coordenação com o arguido (art. 5.º da Lei 33/2010, de 02-09), da exequibilidade, perante os vários cenários possíveis, do cumprimento da pena nestes moldes[2].
Na hipótese assim delineada, apenas perante a impossibilidade total, nos vários cenários que poderiam ser levantados, de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, apesar de esta ser a opção de mérito, seria viável afastar esta forma de cumprimento da pena de prisão e decidir pelo cumprimento da mesma em estabelecimento prisional.
A apontada omissão integra a nulidade, parcial, da decisão recorrida nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPPenal, que só poderá ser corrigida pelo Tribunal a quo.
Assim, devem os autos baixar à 1.ª Instância para que o Tribunal a quo reabra a audiência de julgamento e averigúe da viabilidade da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação junto da DGRSP e em coordenação com o arguido (art. 5.º da Lei 33/2010, de 02-09), perante os vários cenários possíveis, nos termos indicados, e, de seguida, complete a fundamentação da sentença quanto à opção de mérito pelo cumprimento da pena em estabelecimento prisional ou em regime de permanência na habitação em face das finalidades da execução da punição (art. 43.º, n.º 1, do CPenal).
Caso a opção seja pelo cumprimento da pena em regime de permanência na habitação o Tribunal a quo (e, sendo esse o caso, o de recurso) já estará na posse dos elementos necessários a uma decisão fundamentada quanto à viabilidade do regime.
No mais mantém-se tudo o decidido.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em:
a) - Reconhecer a nulidade parcial da sentença (art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPPenal), por omissão de pronúncia sobre a opção de mérito que se impunha que fosse tomada entre o cumprimento da pena de prisão no estabelecimento prisional ou em regime de permanência na habitação, nos termos do art. 43.º, n.º 1, do CPenal, e, em consequência, determinar a baixa do processo à 1.ª Instância para que o Tribunal a quo, reabrindo a audiência:
1) - Averigúe da viabilidade da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação junto da DGRSP e em coordenação com o arguido (art. 5.º da Lei 33/2010, de 02-09), perante os vários os cenários possíveis, nos termos indicados;
2) - Complete a fundamentação da sentença quanto ao resultado dessas averiguações e quanto à opção de mérito pelo cumprimento da pena em estabelecimento prisional ou em regime de permanência na habitação em face das finalidades da execução da punição (art. 43.º, n.º 1, do CPenal) e, nessa sequência, recaindo a opção por este último regime, e havendo necessidade disso, complete ainda a fundamentação quanto à respectiva (in)viabilidade em face dos elementos previamente recolhidos e indicados em 1);
b) - No mais manter o decidido.
Sem tributação - art. 513.º, n.º 1 do CPPenal.
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Porto, 12 de Fevereiro de 2020
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora)
Maria Joana Grácio
Paulo Costa
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[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, vejam-se os acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Em apoio deste entendimento, de que a opção de mérito quanto ao regime de permanência na habitação e a questão da sua viabilidade são duas questões totalmente distintas, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 31-03-2019, Proc. n.º 12/17.5JBLSB-G.L1-9, acessível in www.dgsi.pt, em contexto diverso, mesmo oposto, dir-se-á, segundo o qual «Apesar de o relatório [previsto na Lei n.º 33/2010, de 02-09] concluir pela compatibilidade e pela verificação das condições técnicas para aplicar a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica (OPHVE), o Tribunal não fica vinculado à aplicação daquela medida».