Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2351/15.0T8AVR-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: TRANSMISSÃO DO ESTABELECIMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
JUSTA CAUSA
RETRIBUIÇÃO EM DÍVIDA DO ANTECEDENTE
Nº do Documento: RP201706262351/15.0T8AVR-C.P1
Data do Acordão: 06/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 259, FLS 14-35)
Área Temática: .
Sumário: I – No artigo 285.º do CT de 2009 prevê-se uma noção ampla de transmissão de empresa ou estabelecimento, ou uma sua parte, com a consequente transmissão da posição jurídica do empregador, sempre que ocorra uma transferência de uma unidade económica que mantenha a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizado com objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória – o que tem sido também afirmado pela Jurisprudência do TJUE, à luz das Directivas 77/187/CE, 98/50/CE e 2001/23/CE –, englobando-se nesse conceito uma multiplicidade de hipóteses, tais como o trespasse do estabelecimento, a transmissão decorrente da venda judicial, a mudança de titularidade do estabelecimento por força da fusão ou cisão de sociedades, a aquisição de uma empresa privada por uma pessoa colectiva de direito público e até situações de transmissão inválida, neste caso por a destruição do negócio não obstar à eficácia dos contratos de trabalho com o transmissário relativamente ao tempo em que os mesmos forem executados.
II – O regime estabelecido teve em vista, por um lado, garantir o direito à manutenção do posto de trabalho, que constitui uma das vertentes do direito constitucional consagrado no artigo 53º da CRP, nos casos de transmissão do estabelecimento ou da sua exploração, e, por outro, tutelar o próprio estabelecimento, ou seja garantir a continuidade do funcionamento da empresa que é objecto da transmissão.
III – Numa situação de adjudicação em processo de execução, estando o adquirente privado sem culpa sua do livre acesso ao estabelecimento, que aliás continuou a ser explorado por outrem, não se pode considerar que aquele tenha já assumido a posição jurídica de empregador, para efeitos do disposto no artigo 285.º do CT, em relação aos trabalhadores, pois que, também por aquela razão, não pôde exercer os seus poderes enquanto tal.
IV – O trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva, nos termos do disposto no artigo 394.º do CT/2009, se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, sendo ainda necessária a exigência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral.
V – Quando perante um caso de transmissão do estabelecimento, transmitindo-se é certo por lei para o adquirente os direitos e obrigações quanto aos trabalhadores, já quanto à formulação do juízo de culpa, para efeitos de aferir da justa causa de despedimento pelo trabalhador com justa causa subjectiva, se impõe valorar apenas a actuação concreta do adquirente, o mesmo ocorrendo, ainda, quanto a saber se, em razão da sua gravidade e consequências, esse mesmo comportamento tornou imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho, em moldes de justificar a resolução do contrato com justa causa.
VI – Numa acção em que se invoque transmissão do estabelecimento e por sua decorrência da posição de empregador, a alegação e prova de que o adquirente tinha conhecimento de que se encontram em dívida remunerações ao trabalhador é constitutivo do direito, tendo presente o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 2351/15.0T8AVR-C.P1
Tribunal: Comarca de Aveiro, IC, 1.ª Secção do Trabalho
Recorrente: B...
Recorrida: C...
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Relator: Nelson Fernandes
1º Adjunto: Des. M. Fernanda Soares
2º Adjunto: Des. Domingos José de Morais

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. C... intentou acção declarativa com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra D..., Lda. e B..., pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhe:
a) Indemnização pela rescisão com justa causa do contrato de trabalho, a calcular nos termos do art.º 396º do Código do Trabalho;
b) € 3.547,56, referentes a salários de Julho (parte) a 9 de Dezembro de 2014;
c) € 937,50, a subsídios de férias vencidos em 1.1.2013 (50%) e em 1.1.2014 (75%);
d) € 1.583,95, a subsídios de Natal dos anos de 2012, 2013 (50%) e 2014 (75%);
e) € 687,50, a proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal de 2014;
f) € 750,00, a férias vencidas em 1.1.2014 e não gozadas;
g) € 454,32, a formação profissional;
h) Juros de mora sobre as importâncias em dívida, à taxa legal, desde o vencimento das respectivas obrigações, até integral pagamento.
Alegou para tanto, em síntese: que, trabalhando para a Ré desde Julho de 2009 no estabelecimento que esta possuía, esse estabelecimento foi adquirido pelo Réu, no dia 3 de Novembro de 2014, no âmbito de processo de execução, que correu termos pelo Serviço de Finanças de Aveiro, passando a partir de então a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização deste Réu, no mesmo estabelecimento, sem qualquer solução de continuidade do seu contrato de trabalho, nem interrupção da respectiva prestação laboral; Os Réus não lhe pagaram, nas datas dos respectivos vencimentos, os salários respeitantes aos meses de Julho (parte) a Outubro de 2014, o subsídio de Natal de 2012, 50% do subsídio de Natal de 2013 e 50% do subsídio de férias vencido em 1.1.2013, sendo que, por tal motivo, no dia 28 de Novembro de 2014 comunicou ao Réu B..., através de carta registada com aviso de recepção, por este recebida no dia 1 de Dezembro de 2014, que lhe concedia prazo até ao dia 5 de Dezembro de 2014, para proceder ao pagamento de todas as quantias que se encontravam em dívida; como o Réu, em resposta, se limitou a solicitar o prazo de 10 dias com vista à resolução de questões pendentes, no dia 9 de Dezembro de 2014, através de carta registada com A/R (que o R. B... não reclamou), comunicou-lhe que resolvia, com efeitos imediatos, o seu contrato de trabalho; Estão até hoje em dívida as retribuições peticionadas, sendo que não gozou as férias vencidas em 1.1.2014, nunca lhe tendo sido proporcionada, diz, qualquer formação profissional; A Ré D..., Lda. é também responsável pela dívida, nos termos do disposto no artigo 285º do Código do Trabalho.

1.1. Realizada a audiência de partes, na mesma não foi alcançado acordo.

1.2. Apenas o Réu apresentou contestação, concluindo pela sua absolvição do pedido.
Sustenta, em síntese: Desconhecer a existência de quaisquer créditos laborais anteriores ao momento da aquisição do estabelecimento, sendo que tal informação não lhe foi transmitida; Apenas lhe foram entregues as chaves do estabelecimento no dia 24 de Novembro de 2014, pelo que só nesta data lhe foi esse transmitido de facto, sendo que nessa mesma data verificou que esse não tinha as licenças de exploração regularizadas, tendo inclusivamente a Ré D..., Lda. sido notificada para suprir essas irregularidades, e, como não as supriu até à data da entrega das chaves, a Câmara Municipal ... ordenou o encerramento do estabelecimento, até que fossem supridas; Nos dias 25, 26 e 27 de Novembro de 2014, transmitiu individualmente aos trabalhadores que iria ter de fechar uma semana, para repor a legalidade no estabelecimento, mas, para sua surpresa, a Autora e restantes trabalhadores aproveitaram a oportunidade do estabelecimento estar encerrado para lhe enviarem uma missiva a exigir o pagamento de salários e subsídios em atraso, sob pena de resolverem o contrato; No dia 5 de Dezembro de 2014, incumbiu uma funcionária de contactar os colegas para marcar uma reunião para o sábado seguinte, para ajustar horários e abrir o estabelecimento – reunião à qual a Autora não compareceu, tendo sido comunicado pela funcionária E... que nenhum dos colegas de trabalho estaria interessado em ir à reunião e muito menos ir trabalhar para o estabelecimento comercial com a nova gerência, informando que já tinham enviado cartas de despedimento com justa causa e que pretendiam ir para o fundo de desemprego; Assim, a Autora e restantes trabalhadores não pretenderam prestar trabalho para si, opondo-se à transmissão do estabelecimento, nunca tendo trabalhado sob as suas ordens, pelo que nunca houve uma relação laboral; A única e exclusiva responsável pela dívida aos trabalhadores é a Ré D..., Lda., por essa razão e porque a sócia-gerente da referida Ré omitiu informações essenciais de que só ela dispunha, fundamentais para salvaguardar direitos e interesses de todos, não tendo informado os trabalhadores que o estabelecimento comercial estava à venda pelas Finanças, dando-lhes a possibilidade de poderem resolver os contractos de trabalho e reclamarem os seus direitos em momento oportuno; Além disso, os trabalhadores agem em abuso de direito, ao porem termo aos contractos e exigirem do contestante o pagamento dos créditos laborais vencidos e em falta à data da transmissão, quando optaram por não prestar trabalho às suas ordens, tendo-se oposto à transmissão do estabelecimento.

1.3. Respondeu a Autora, refutando a existência de abuso de direito e concluindo como na petição inicial.

1.4. Foi proferido despacho saneador, com dispensa da elaboração de base instrutória ou temas de prova, fixando-se no final o valor da causa em € 7.960,83.

1.5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Em face de todo o exposto, na parcial procedência da acção, decide-se:
I. Condenar o R. B... a pagar à A.:
A) Quantia a liquidar ulteriormente, nos termos dos arts. 358º n.º 2 e 609º n.º 2 do Cód. de Processo Civil, a título de indemnização pela resolução com justa causa do contrato de trabalho por parte da A., em conformidade com o acima exposto e com a antiguidade que se vier a apurar.
B) O montante global ilíquido de € 7.496,09 (sete mil, quatrocentos e noventa e seis euros e nove cêntimos), referente a créditos salariais, conforme discriminado supra.
C) Juros de mora à taxa legal (actualmente de 4%) sobre os créditos salariais (salários, retribuição por férias, subsídios de férias e Natal e respectivos proporcionais), até efectivo e integral pagamento, contabilizados desde a data do vencimento de cada um deles.
II. Da quantia referida em I. B), condenar a R. “D..., Ld.ª” a pagar à A., solidariamente com o R. B..., o montante global ilíquido de € 6.579,43 (seis mil, quinhentos e setenta e nove euros e quarenta e três cêntimos), referente a créditos salariais, conforme discriminado supra, mais juros de mora à taxa legal (actualmente de 4%) até efectivo e integral pagamento, contados desde a data do vencimento de cada um deles.
III. No mais, absolver a R. “D..., Ld.ª” do pedido.
Custas pela A. e pelos RR., na proporção dos respectivos vencimentos, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o R. B....”

2. Inconformado com o assim decidido apelou o Réu, apresentando as suas alegações que remata com as seguintes conclusões:
“1. O recurso tem como objecto: a) A decisão sobre as questões de direito que determinam a condenação total do pedido.
2. Afirma o Sr. Juiz “a quo” na sua sentença o seguinte: “ Donde resulta, face ao disposto no art. 285º n.º 1, que o R. B..., tendo no dia 3 de Novembro de 2014 adquirido o estabelecimento em causa, que lhe foi adjudicado no dia 7 do mesmo mês, no âmbito de processo de execução fiscal, ficou investido na qualidade de empregador, de que até aí era titular a co-R. D..., Ldª. Ficando por via disso responsável pelo pagamento dos créditos laborais devidos ao A., que trabalhava no estabelecimento, aquando da transmissão. Salientando-se que o que releva para esse efeito é a data em que o estabelecimento foi adjudicado ao referido R., e não a data em que lhe foram entregues as respectivas chaves, como aliás se extrai do disposto no art. 256º n.º 2 do Cód. de Procedimento e de Processo Tributário3, de acordo com o qual “O adquirente pode, com base no título de transmissão, requerer ao órgão de execução fiscal, contra o detentor e no próprio processo, a entrega dos bens.”. (sublinhado nosso)
3. O Sr. Juiz “a quo” imputa toda a responsabilidade pela não entrega do estabelecimento no dia 7 de Novembro de 2014 ao Réu B..., o que em boa verdade, deveria tal responsabilidade ser imputada apenas e tão só à Ré D..., uma vez que a transmissão material do estabelecimento ainda não se tinha dado, pois o Réu B... era apenas proprietário “no papel”, ou seja, mero proprietário de direito e não de facto.
4. Uma vez que a Ré D... conhecia todo o processo de venda do seu estabelecimento comercial pela Autoridade Tributária, e uma vez que sabia que a adjudicação tinha sido feita ao Réu B..., ao não ter procedido à entrega imediata do bem, enquadrado no simbolismo da entrega das chaves, para que o Réu B... pudesse tomar posse material do estabelecimento comercial, assim como de todos os factores produtivos do mesmo, transmitindo-se integralmente todos os elementos, e poder desenvolver a actividade comercial com o estabelecimento que lhe tinha sido adjudicado no dia 7 de Novembro de 2014, o mesmo não se verificou, por culpa apenas da Ré D..., tendo com este expediente evitado que a transmissão se desse conforme o artigo 285.º do Código de Trabalho.
5. Continuou a Ré D... exclusivamente a dar ordens à Autora, fazendo seu o dinheiro e demais dividendos desde o dia da adjudicação até ao dia 24 de Novembro de 2014, aquando a Ré D... fez a entrega das chaves às finanças e foram aí entregues ao Réu B....
6. Foi apenas a partir de 24 de Novembro 2014 o Réu B... passou a ser proprietário de direito e de facto do estabelecimento adjudicado, ou seja, passou a ser o pleno proprietário.
7. A única forma que o Réu B... tinha de revindicar o estabelecimento comercial era socorrer-se do estabelecido do art. 828.º do Código Processo Civil, uma vez que após a adjudicação do estabelecimento comercial, pode o adquirente, nos termos do art. 828.º do CPC, providenciar pela respectiva entrega requerendo, com base no despacho de adjudicação, o prosseguimento da execução, sendo aplicáveis os termos adaptados do processo para entrega de coisa, previsto no art. 861.º e seguintes do CPC.
8. Daqui se retira que pouco ou nada poderia fazer o Réu B... contra a Ré D..., enquanto esta estivesse na posse do estabelecimento comercial, uma vez que o Réu B... não tinha os elementos de produção do estabelecimento comercial, ou seja, não detinha a unidade económica do mesmo, nomeadamente, não estava investido materialmente dos poderes de autoridade, direcção e fiscalização dos trabalhadores, assim como, não podia por sua iniciativa e utilizando a força ou o esbulho, obrigar a Ré D... a fazer a entrega imediata do estabelecimento comercial.
9. Desde logo, o Réu B... não pode ser responsabilizado, como o Sr. Juiz “a quo” reflectiu na sua douta sentença pelo tempo que a Ré D... propositadamente reteve na sua posse o estabelecimento comercial, ou seja, desde o dia 7 de Novembro de 2014 até ao dia 24 de Novembro de 2014.
10. Pode-se afirmar que o negócio jurídico nesta adjudicação não se encontrava concluído uma vez que houve o pagamento do preço mas não existiu a entregue da coisa, com toda a transmissão da unidade económica.
11. A ser assacada qualquer responsabilidade ao Réu B..., a mesma apenas pode ser a partir do dia 24 de Novembro de 2014, data em que o Réu B... tomou posse do estabelecimento comercial e não o dia 7 de Novembro de 2014, data em que ainda não se tinha transmitido materialmente o estabelecimento comercial.
12. Aliás, se o Réu B... tivesse avançado judicialmente contra a Ré D... para obter a entrega do estabelecimento comercial, e este tivesse sido entregue um ou dois anos depois da adjudicação, seria também o responsável desde o dia 7 de Novembro de 2014 até ao ano 2015 ou quiçá 2016? No nosso entender, tal pressuposto fere os princípios basilares de direito, quanto ao princípio da confiança, princípio da boa fé, princípio da segurança jurídica, pelo que, mais uma vez se afirma que não é o Réu B... responsável pelo estabelecimento comercial até ao dia 24 de Novembro de 2014, por não ter havido uma transmissão de toda a unidade económica do estabelecimento comercial.
13. Relativamente à oposição da transmissão dos contratos de trabalho, o Sr. Juiz “a quo” considerou na sua sentença que “não afecta a subsistência dos contractos de trabalho, nem o respectivo conteúdo, tudo se passando, em relação aos trabalhadores, como se a transmissão não tivesse ocorrido.” (…) “de modo a garantir o prosseguimento da sua actividade produtiva, como também e fundamentalmente proteger os trabalhadores, salvaguardando-lhes a manutenção dos respectivos postos de trabalho e dos direitos que lhes são inerentes (…)”
14. A interpretação dada ao art. 285.º do CT pelo Sr. Juiz “a quo”, enquadra-se numa interpretação paternalista, uma vez que subjaz que o trabalhador quer sempre e a todo o custo, conservar o seu emprego, independentemente das condições concretas em que tal manutenção é assegurada.
15. O que, salvo devido respeito, não podemos concordar.
16. Se assim fosse, não tinha razão de ser a existência dos artigos 286.º e 287.º do código de trabalho, tendo a obrigatoriedade de informar os trabalhadores nos 10 dias anteriores à transmissão.
17. Não podemos olvidar a ratio destas normas, pois há que ter em conta o facto de numa transmissão de estabelecimento, não ser possível assegurar uma total correspondência das condições de trabalho. E há mesmo situações em que factores de diversa ordem implicam um potencial ou real agravamento das condições de trabalho, destacando-se, como motivos legítimos de desconfiança por parte do trabalhador, a estratégia comercial adotada, a solvência da empresa ou política pessoal do cessionário, entre muitos outros exemplos que se podem encontrar.
18. A lei não prevê expressamente qualquer direito específico de oposição dos trabalhadores à transmissão de estabelecimento, limitando-se a impor alguns deveres de informação (cfr. art. 286.° do CT), porque não está vedado aos trabalhadores a possibilidade de por termo ao contrato de trabalho, evitando neste sentido que haja transmissão dos seus contratos de trabalho na unidade económica.
19. Na verdade, o art. 285. CT não pode ser interpretada no sentido de obrigar o trabalhador a manter a relação de trabalho com o cessionário, o que poria em causa os seus direitos fundamentais, designadamente de escolher a sua entidade patronal.
20. Com efeito, a vontade da Autora e restantes trabalhadores foi unicamente prestar trabalho à Ré D... e nunca ao Réu B..., mesmo sabendo que existia um PER e o risco que o mesmo acarretava. Esta vontade é reflectida pelo depoimento gravado de C... a minutos 31:28 até 31:52, em que afirma, “Porque ela tinha metido um PER para recuperar a empresa e nós estávamos com esperança de continuarmos a trabalhar. Ela estava interessada em recuperar a empresa, ora se estava interessada em recuperar a empresa, nós continuaríamos a trabalhar”.
21. Quanto a esta legítima posição podemos verificar que a mesma não é desprovida de fundamentação: Jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), de 16 de Dezembro de 1992, a partir do Acórdão Katsikas entende serem possíveis, em abstracto, diversas soluções legais para assegurar ao trabalhador o seu direito a não continuar o contrato ou a relação de trabalho com o cessionário, enunciando algumas sem impor verdadeiramente nenhuma.
22. É pacificamente entendido, na doutrina nacional e estrangeira, no âmbito da Directiva 77/187/CEE (2001/23/CE), a existência de um direito de oposição dos trabalhadores à transmissão da posição de empregador na sequência da transmissão da empresa ou estabelecimento comercial.
23. Acórdãos Europiéces (vide Processo C-399/96), de 12 de Novembro de 1998, e Temco Service (vide Processo C-51/00), de 24 de Janeiro de 2002. Neste último caso, no entanto, o TJCE afirmou expressamente que “a Directiva não obsta a que o contrato ou relação de trabalho dum trabalhador empregado pelo cedente à data da cessão da empresa subsista com o cedente, quando o referido trabalhador se opõe à cessão do contrato ou relação de trabalho ao cessionário”
24. Em Portugal, o Professor Liberal Fernandes reconhece que, o direito de oposição nasce do direito comunitário, através da jurisprudência vinculativa do TJCE, e este órgão admite que o mesmo pode ser tutelado pelos Estados-membros não só através da manutenção da relação laboral com o cedente, mas também através da rescisão unilateral dos contratos, é forçoso concluir que esta última hipótese não anula o direito de oposição.
25. Acórdão de 27 de Maio de 2004 no âmbito do processo nº 03S2467, o STJ sustentou que “os princípios da autonomia contratual e da livre escolha de profissão justificam a possibilidade do trabalhador se opor à transferência, sem que tal possa ser interpretado como declaração de rescisão unilateral do contrato, pois o trabalhador pode ter motivos para não querer mudar de empregador, designadamente se tem dúvidas quanto à solvabilidade e viabilidade da empresa, ou se não lhe merece confiança a política de pessoal ou organização do trabalho que o cessionário adopta, constituindo a oposição um meio que lhe permite controlar a própria conveniência da continuação da relação laboral, já que esta nem sempre é concretamente a solução que lhe é mais favorável”.
26. Ficou provado nos n.º 49.º a 50.º (da matéria de facto controvertida da contestação) que por ofício da Câmara Municipal ..., assim que o Réu tomou posse do estabelecimento, teve conhecimento de uma ordem de encerramento do estabelecimento por parte da Câmara Municipal ..., pelo fundamento da Licença de Utilização estar ilegal, pois existiam irregularidades que deveriam ser sanadas.
27. Razão pela qual o Réu B... se viu impedido de manter aberto o estabelecimento comercial, não por “capricho” ou para impedir a Autora de trabalhar, mas para repor a legalidade do mesmo, pois manter o estabelecimento comercial aberto era “contra legem”.
28. Até porque apenas o Réu B... era o único que não tinha conhecimento de que o estabelecimento comercial estava a funcionar sem as devidas licenças, pois a notificação foi efectuada ao Ré D... e era do conhecimento de todos os funcionários, conforme depoimento gravado da testemunha F... aos minutos 18:56 até 19:05, “Falava-se que a esplanada tinha um problema, falava-se que tinha havido coisas lá que não tinham sido bem feitas desde o início”.
29. Por este facto, o Réu B... em reunião individual encetada em 24 e 25 de Novembro de 2014, informou a Autora e restantes trabalhadores que estaria encerrado até ao dia 1 de Dezembro de 2014 (facto provado n. 10).
30. Ora, todos os funcionários (à excepção de dois) inclusive a Autora, enviaram uma carta no dia 28 de Novembro de 2014 ao Réu B... a informar que concediam o prazo até 5 de Dezembro de 2014, para proceder ao pagamento de todas as quantias que estavam em dívida (facto provado n. 18.º).
31. Tendo o Réu B... respondido à missiva em 3 de Dezembro de 2014, solicitando 10 dias para resolver as questões pendentes (facto provado n. 19), o que não foi concedido pela Autora e demais trabalhadores uma vez que se demitiram a 9 de Dezembro de 2014 através de carta com aviso de recepção, que resolviam, com efeitos imediatos, o seu contrato de trabalho (facto provado n. 20).
32. Nunca o Réu B... impediu a Autora de prestar trabalho no estabelecimento comercial, assim como também nunca a Autora esteve “sob autoridade fiscalização ou direcção” do Réu B..., conforme subjaz do facto provado n.º 13 “O último dia em que o aqui A. prestou trabalho no estabelecimento foi o dia 24/11/2014, nunca tendo recebido ordens de serviço do R. B...”.
33. O que existe de facto é uma oposição da Autora e colectivamente dos restantes trabalhadores à transmissão dos seus contratos de trabalho para a nova entidade patronal, se assim não fosse, a Autora e restantes trabalhadores teriam aguardado os 10 dias solicitados pelo Réu B... para assim manter o seu posto de trabalho, uma vez que já há vários meses não recebiam os salários da Ré D....
34. Tal oposição à transmissão do contrato de trabalho da Autora e restantes trabalhadores para a nova entidade patronal, facilmente se depreende do depoimento de F... a minutos 16:47 até 17:04, “A ideia com que ficamos do dia 24 seria que a padaria fecharia, primeiro para fazer as reuniões com as pessoas e poder falar com elas e repreparar a padaria para uma nova abertura”.
35. Ora, se houvesse de facto transmissão automática do estabelecimento com os trabalhadores, os mesmos estavam obrigados a acatar as ordens do aqui Réu, devendo ter esperado o prazo dos 10 dias como o Réu B... solicitou, assim como também deveriam ter acatado a ordem de comparecer na reunião conjuntamente com a trabalhadora G... e I... (conforme facto provado n. 14). Pelo que, é de concluir-se que, de facto a única intenção dos trabalhadores, incluindo o aqui Autor, era realmente desvincularem-se do estabelecimento comercial, resolvendo, para tal, os seus contratos de trabalho.
36. Na verdade, a falta de informação e consulta dos trabalhadores, preceituado no artigo 286.º CT que era obrigatória antes da transmissão do estabelecimento comercial, que deveria ser efectuado pela Ré D... e em última instância pela Autoridade Tributária, ao não ser efectuado, não permitiu à Autora e demais trabalhadores um período de reflexão sobre a transmissão do seu contrato de trabalho para uma nova entidade patronal incerta.
37. Assim, a Autora sabendo que o estabelecimento comercial estava por um lado, sem a licença de utilização para poder laborar, por outro, ao deparar-se perante uma nova entidade patronal, optou por não querer prestar trabalho à nova entidade patronal sem contudo perder todos os seus direitos, opondo-se à transmissão do seu contrato de trabalho através do único expediente permitido por lei, alegando ter os seus salários e demais direitos por liquidar. Na verdade a Autora pretendia desvincular-se da Ré D... para pedir os seus salários e direitos em atraso, conforme a ratio do art. 286.º CT.
38. Uma vez que não existe no nosso ordenamento jurídico a possibilidade de o trabalhador opor-se à transmissão do estabelecimento o mesmo só pode recorrer aos institutos da denúncia do seu contrato de trabalho, prevista nos artigos 400.° do CT, ou da resolução do contrato com justa causa, prevista no artigo 394.° do CT. Pois, para o trabalhador é a melhor solução que encontra no nosso código de trabalho para impedir uma relação de trabalho entre trabalhador e cessionário.
39. Certo é que a Autora e demais trabalhadores não aceitaram a vinculação à nova entidade patronal, pelo facto de não lhe ter sido dada a oportunidade em tempo útil de resolver a questão salarial e dos demais direitos com a anterior entidade patronal.
40. Além desse facto, a Autora e demais trabalhadores se pretendiam prestar trabalho à nova entidade patronal, a única justa causa que poderia ser invocada seria o impedimento de prestar trabalho no estabelecimento comercial, no entanto, como resulta dos autos, a justa causa invocada nas missivas enviadas a 9 de Dezembro de 2014 pela Autora e demais trabalhadores, reflecte apenas e só os salários e direitos em atraso!
41. Tendo o Réu B... apenas tomado posse a partir de 24 de Novembro de 2014, sendo que até essa data o estabelecimento comercial esteve sob o controlo da Ré D..., e a Autora esteve sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré D..., conforme o facto provado no n.º 13, não havendo qualquer responsabilidade do Réu B... quanto a salários ou direitos reflectidos na justa causa.
42. Relativamente aos requisitos do art. 286.º CT, o Tribunal “a quo” não deu importância ao procedimento para se poder concretizar/efectivar a transmissão automática da posição de empregador, que se encontra plasmado no nº1 do art. 286.º do Cod. Trabalho, uma vez que é a condição necessária, legal e fundamental para verificarmos esta transmissão automática do art. 285.º do Cód. Trabalho. Pois, recai sobre o empregador anterior à transmissão, neste caso a Ré D..., o “dever de informar” os trabalhadores sobre a data e motivos da transmissão, as suas consequências jurídicas, económicas e sociais para estes e medidas projectadas em relação a mesmos.
43. Nos termos legais, a informação deve ser prestada por escrito, antes da transmissão, em tempo útil e pelo menos dez dias antes da consulta aos aludidos representantes, sendo caso disso (art. 286.º nº 2 do Cód. Trabalho). Deve entender-se “por tempo útil” o tempo necessário que permita ao trabalhador tomar conhecimento dos contornos específicos da operação e poder pronunciar-se sobre a mesma em momento que possa ser eficaz (sempre antes da transmissão).
44. O Tribunal “ a quo”, não deu relevância ao dever de informação consagrada no artigo 286.º CT, legalmente exigível, para que os trabalhadores pudessem reflectir se pretendiam ou não continuar a prestar trabalho para o novo adquirente. Assim sendo, pelo facto da Ré D... ocultar a informação aos trabalhadores que o estabelecimento iria ser vendido em hasta pública, foi-lhes vedada a possibilidade de tomarem uma posição antes da transmissão. Pois, pelo comportamento abrupto adoptado pela Autora e demais trabalhadores é de se concluir que se tivessem tomado conhecimento antes da transmissão que o estabelecimento iria ser vendido em hasta pública, os mesmos teriam optado pelo despedimento invocando como justa causa os salários e direitos em atraso, podendo aceder assim ao fundo de garantia salarial e ao fundo de desemprego.
45. Quanto à interrupção da transmissão da unidade económica, o TJCE ao longo de todos os seus acórdãos relacionados com a transmissão de estabelecimento comercial, considerou que para se poder pronunciar sobre essa transmissão, é imperativamente necessário verificar se o estabelecimento conservou a sua identidade, no contexto da Directiva 2001/23/CE do Conselho de 12/03/2001.
46. Para se considerar que uma transmissão do estabelecimento seja válida não se dá apenas porque alguns dos seus elementos são transferidos, é necessário verificar se o estabelecimento continua a operar nas mesmas condições.
47. Para o efeito, é imprescindível a existência de uma unidade económica, incluindo o tipo de estabelecimento, se os seus bens corpóreos ou incorpóreos foram transferidos, nomeadamente, instalações, equipamentos, stocks, know how, marcas ou insígnias, se os clientes foram ou não transferidos, bem como o grau de similaridade entre as actividades levadas a cabo antes e depois da transferência, se a maioria dos trabalhadores foram transferidos, licenças para prosseguir a actividade comercial. Só nestas circunstâncias, de acordo com o TJCE é que existe uma transmissão do estabelecimento à luz da supra referida Directiva.
48. Pelo exposto, já não existirá hoje dúvida de que para efeitos de aplicação do regime de transmissão de estabelecimento ou empresa, o critério determinante é o de manutenção da identidade da unidade económica.
49. Na sentença recorrida, atendendo ao supra mencionado quanto à questão da existência ou não da transmissão da unidade económica, constatamos que o estabelecimento comercial não foi transmitido integralmente, uma vez que não houve transmissão:
a. Da Licença de utilização para prosseguir a actividade económica, conforme facto provado nos n.º 49.º e 50.º;
b. Da Autora e restantes 12 (doze) trabalhadores dos 15 trabalhadores afectos ao estabelecimento comercial.
50. Assim, com a falta dos elementos supra mencionados, levou à não manutenção da unidade económica e consequentemente à não transmissão do estabelecimento comercial, uma vez que essa unidade económica interrompeu-se por culpa da Ré D... tendo como consequência, a não transmissão automática da posição de empregador do aqui Réu B....
Termos em que, dando-se total provimento ao recurso, deve ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser o Réu B... absolvido dos pedidos.”

2.1. Não constam dos autos contra-alegações.

2.2. O recurso foi admitido, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo, ordenando-se de seguida a remessa dos autos a este Tribunal da Relação.

3. O Exmo. Procurador Geral-Adjunto, no parecer que elaborou, pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso.

3.1. Notificado, veio o Recorrente requerer a prorrogação do prazo para resposta a tal parecer.

2.2. Apreciando, com data de 14 de Março de 2007, foi proferido despacho pelo ora relator com o teor seguinte:
“Face ao disposto no artigo 141.º, n.º 1, do C.P.Civil, o prazo processual marcado pela lei é prorrogável nos casos nela previstos.
Não sendo esse o caso que se aprecia, a prorrogação (por igual período) do prazo pressupõe o acordo das partes, o que não foi demonstrado pelo Requerente – que nem sequer tal alegou, o que se impunha –, razão pela qual, por falta de fundamento, se indefere o requerido”

2.3. Notificado, veio o Recorrente reclamar para a conferência alegando, em síntese, que no caso não é aplicável o n.º 2 do artigo 142.º do CPC, pois que, não tendo o recorrido interposto recurso subordinado, é ele o único recorrente, sendo que a obrigatoriedade a que alude esse preceito apenas pode operar se existir de alguma forma redução dos direitos do recorrido, o que não ocorre por este não ter contra-alegado, não podendo, assim e agora, manifestar-se sobre a prorrogação do prazo de 10 dias, tendo em conta que deixou ultrapassar a oportunidade de intervir na dinâmica do recurso – e, assim, “a aplicação do art. 142º, nº 2, do CPC no caso em apreço deverá ser interpretado a contrario, uma vez que não opera desde logo a obrigatoriedade da junção do acordo da parte contrária.” Sem prescindir, alega ainda que o prazo para responder ao parecer do Ministério Público é um prazo facultativo e não um prazo processual, pelo que o fundamento de indeferimento invocado no despacho reclamado não pode ter como base legal o artigo 141.º, n.º 2, do CPC.

2.3.1. A parte contrária, notificada, nada disse.
*
II. Questão prévia da admissibilidade do recurso
Como resulta do disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil (NCPC), ex vi dos artigos 87.º, n.º 1, e 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho), o objecto dos recursos é delimitado, salvo as questões de conhecimento oficioso – que no caso não se detectam – pelas conclusões das respectivas alegações.
Com efeito, estabelecem os n.ºs 1 a 3 do artigo 639.º: “1. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entender do recorrente, devia ser aplicada. 3. Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada” – dispondo ainda o seu n.º 4 que nas conclusões da alegação o recorrente pode restringir o objecto inicial do recurso.
Ou seja, encontram arrimo na norma citada dois ónus a cargo do recorrente, assim o de alegar e o de concluir, o que vale por dizer que deve começar por expor todas as razões da impugnação da decisão – os fundamentos de facto e de direito da tese ou teses que defende (enunciação dos fundamentos do recurso) – para depois concluir, e de forma sintética, com a indicação dessas razões (formulação de conclusões), de tal modo que possibilite uma apreciação crítica ao tribunal de recurso.
No caso, constata-se que as conclusões reproduzem as alegações, limitando-se o Recorrente a transcrever nas conclusões o que alegou, apenas lhe conferindo uma numeração por parágrafos, outra apresentação estética e a eliminação, aqui ou ali, de algumas pequenas passagens, o que não corresponde, reconhece-se, ao cumprimento efectivo das exigências de sintetização que são impostas pela lei.
Sabendo-se que a falta de conclusões implica o imediato indeferimento do recurso – art.º 641.º n.º 2, al. b), do CPC –, entende-se no entanto que a “A reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al. b), do NCPC”[1].
Daí que, em princípio, como se refere no Aresto citado, fosse ajustada “a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do art. 639º, nº 3, do NCPC”.
No entanto, constatando-se que o recurso é limitado à aplicação do direito, resumindo-se no essencial a duas questões (a transmissão do estabelecimento/posição de empregador e o despedimento com invocada justa causa), a quais ressaltam com suficiente clareza das conclusões de modo a que este Tribunal de recurso as apreenda, ainda em nome do princípio da celeridade processual, não se formulará o aludido convite. Ou seja, também no intuito de se evitarem delongas processuais nesta medida desnecessárias e com o objectivo de se alcançar a desejada celeridade da justiça, deixando-se consignado que este Tribunal não tem quaisquer dúvidas sobre quais as questões de direito que são colocadas à sua apreciação, daí decorre que um eventual convite ao aperfeiçoamento das conclusões apenas contribuiria neste caso para o retardamento do processo, tendo sido esse o motivo por que o Relator não formulou tal convite.
Daí que, nos termos expostos, não ocorrendo razão que o impeça, passemos ao conhecimento do recurso.
*
Cumpridas as formalidades legais, entendendo-se que no caso a reclamação deduzida pode ser decidida no acórdão que julga o recurso, nos termos da primeira parte do n.º 4 do artigo 652.º do CPC, nada mais obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

III – Da reclamação:

1. Os factos relevantes para a decisão são apenas os que constam do relatório que antecede.

2. Apreciação:
Não assiste razão ao Reclamante, adiante-se desde já, impondo-se confirmar o despacho reclamado.
Dispondo o artigo 87.º, n.º 3, do CPT, que “Antes do julgamento dos recursos, o Ministério Público, não sendo patrono ou representante de qualquer das partes, tem vista no processo para, em 10 dias, emitir parecer sobre a decisão final a proferir, devendo observar-se, em igual prazo, o contraditório”, este prazo assume, sem dúvidas, salvo o devido respeito, natureza processual, pois que se encontra fixado na lei processual (CPT), sendo que, por outro lado, nessa não se prevê que possa não ser concedido, razão pela qual, de modo algum, depende de qualquer opção a sua concessão ou não, não podendo, salvo o devido respeito, dizer-se que seja facultativo. Diversamente, ele visa atribuir efectivamente às partes o direito de se pronunciarem sobre o parecer, impondo-se pois o seu real cumprimento, sendo que o que é facultativo é o direito que a parte tem de responder ou não a esse parecer e, optando por fazê-lo, está sujeito ao prazo aí estipulado.
Do exposto resulta, assim, que sendo o prazo processual dilatório ou peremptório nos termos do artigo 139.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC – se o primeiro difere “para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo”, já o segundo, diversamente, o seu decurso extingue o direito de praticar o acto –, no que se reporta ao prazo de 10 dias a que se refere o supra aludido n.º 3 do artigo 87.º do CPC torna-se manifesto que o mesmo se deve ter como peremptório, determinado pois o preceito que a resposta ao parecer (caso, naturalmente, a parte pretenda responder) deve ser apresentada no prazo de 10 dias.
Ora, no caso, sem esquecermos o que referimos anteriormente, não estando previsto na lei que o analisado prazo seja prorrogável como estipula o n.º 1 do artigo 142.º do CPC, este não é aplicável, pelo que só a verificação da previsão do seu n.º 2 permitiria a sua prorrogação. Daí que, sendo este absolutamente expresso no sentido de que o prazo apenas poderá ser prorrogado (por uma só vez) havendo acordo das partes, o que, no caso, como se referiu na decisão reclamada, não ocorreu, sendo que nem sequer tal foi invocado pelo Réu/Reclamante.
Sempre se dirá, ainda, que a aplicação desse nº 2 e da obrigatoriedade do acordo aí previsto não está dependente da existência, ou não, de qualquer pretensa redução dos direitos do recorrido, sendo o preceito expresso e peremptório no sentido de que a prorrogação apenas pode ter lugar mediante acordo, não fazendo depender a sua aplicação da existência, ou não, de redução dos direitos da contraparte. Daí que não obste à sua aplicação a circunstância de a Recorrida não ter alegado ou de não ter interposto recurso subordinado. De facto, a falta de contra-alegação ou de interposição de recurso subordinado apenas determina a preclusão do direito de vir exercer tais actos processuais, já precludidos por virtude do termo do prazo em que os poderia praticar (contra-alegar e recorrer subordinadamente), mas isso nada impede, nem colide, com a possibilidade da prática, em sede de recurso, de quaisquer outros actos cuja preclusão de os praticar, pelo decurso do prazo em que o poderia fazer, não tenha ocorrido, nem, muito menos, com o direito de não aceitar a prorrogação de prazos peremptórios pretendida pela parte contrária, para além de que não impede que pudesse e devesse o Réu/Reclamante, pretendendo, como pretendeu, prorrogar o prazo peremptório previsto no artigo 87.º, n.º 3, do CPT, obtido a prévia e indispensável anuência da contraparte.
Não assiste, pois, razão ao Reclamante.
***
IV – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639., n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as únicas questões a decidir: (1) Da transmissão do estabelecimento/posição de empregador; (2) Do despedimento com invocada justa causa.
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V – Fundamentação
A) De facto
1. O tribunal recorrido, assim nos pontos 18, 19 e 20 da factualidade provada, não obstante tais factos estarem relacionados com o conteúdo de cartas enviadas pelas partes, não deu como provado o conteúdo dessas cartas, o que na nossa óptica se impõe, até pela relevância que assumem para a decisão. Deste modo, oficiosamente, procederemos aqui à transcrição, quanto a tais pontos, da parte relevante dessas comunicações.
Com o esclarecimento anteriormente dado, é a seguinte a factualidade considerada provada (assinalando-se a negrito os pontos alterados):
“1. A A. começou a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da R. “D..., Ld.ª”, em data não concretamente apurada, no estabelecimento industrial que esta possuía, sito na ..., Lote ., ..., R/C Dt.º, ..., ....-... Aveiro.
2. Desde a data da sua admissão, sempre a A. desempenhou funções de Caixa, categoria que sempre lhe foi atribuída.
3. O A. vinha auferindo o salário base mensal de € 650,00, mais € 100,00 a título de prémio de produtividade.
4. No dia 3 de Novembro de 2014, o aludido estabelecimento foi adquirido pelo R. B..., no âmbito do processo de execução fiscal n.º ................ e apensos, que correu termos pelo Serviço de Finanças de Aveiro 1, da Direcção de Finanças de Aveiro.
5. Quando o R. B... adquiriu o estabelecimento, a A. ainda lá trabalhava.
6. O auto de adjudicação do estabelecimento tem a data de 07/11/2014.
7. A depositária do estabelecimento, sócia-gerente da R. “D..., Ldª”, procedeu à entrega das chaves do estabelecimento, no Serviço de Finanças de Aveiro 1, no dia 24 de Novembro de 2014.
8. O R. B..., nos dias 24/11/2015 e 25/11/2015, teve conversas individuais com a A. e restantes trabalhadores (com excepção da trabalhadora H...) comunicando-lhes que para continuarem a laborar no estabelecimento, tinham de celebrar novos contractos de trabalho.
9. A A., como de resto sucedeu com os restantes colegas de trabalho, comunicaram ao R. B... que não aceitariam subscrever novos contractos de trabalho, uma vez que estavam informados que os seus contractos de trabalho se haviam transmitido automaticamente para ele, enquanto adquirente do estabelecimento.
10. Na mesma ocasião, o R. B... comunicou à A. e restantes colegas de trabalho que o estabelecimento iria estar encerrado até ao dia 30 de Novembro de 2014, reabrindo no dia 1 de Dezembro de 2014.
11. Por tal motivo a A. e restantes colegas de trabalho (com excepção da colega H...) compareceram diariamente no estabelecimento entre os dias 1 e 8 de Dezembro de 2014.
12. Entre os referidos dias 1 e 8 de Dezembro de 2014, o estabelecimento manteve-se no entanto encerrado e a A. e restantes colegas de trabalho impedidos de “pegar” ao serviço.
13. O último dia em que a aqui A. prestou trabalho no estabelecimento foi o dia 24/11/2014, nunca tendo recebido ordens de serviço do R. B....
14. Em dia não concretamente apurado, o R. B... teve uma reunião com dois trabalhadores da “D..., Ldª” que prestavam serviço no estabelecimento, de seus nomes G... e I....
15. Antes de adquirir o estabelecimento, o R. B... deslocou-se ao Serviço de Finanças de Aveiro, para se inteirar das condições da respectiva venda, nomeadamente sobre se existiam ou não créditos laborais em dívida.
16. Antes de o adquirir, o R B... frequentou o estabelecimento em causa várias vezes, aí se encontrando por diversas vezes com um amigo.
17. Não foram até hoje pagas à A., pelo menos, as retribuições respeitantes aos meses de Setembro e Outubro de 2014.
18. No dia 28 de Novembro de 2014, a A. comunicou ao R. B..., através de carta registada com A/R, recebida no dia 1 de Dezembro de 2014, o seguinte: “Como é do s/ inteiro conhecimento encontram-se em dívida os meus salários relativos aos meses de Julho (parte), Agosto, Setembro e Outubro de 2014, assim como os subsídios de Férias e de Natal vencidos em 1.1.2012, 50% dos subsídios de férias e de Natal/2013 e ainda os duodécimos de subsídios de férias e Natal/2014 relativos aos meses de Julho a Outubro. Tal facto está a causar-me elevados prejuízos pessoais e patrimoniais. Nessa conformidade dou-lhe o prazo até ao próximo dia 5 de Dezembro de 2014 para proceder ao pagamento de todas as quantias que se encontram em dívida. Todavia, e se até àquela data nada for feito nesse sentido, ver-me-ei obrigada a proceder em conformidade”. (alterado oficiosamente)
19. O R. B..., em resposta, com data de 3 de Dezembro de 2014, comunicou à Autora o seguinte: “Como é do conhecimento de V. Exa., a propriedade do estabelecimento comercial D... foi-me transmitida apenas no final de Novembro, encontrando-me neste momento a reunir todas as informações relacionadas com a mesma, como sejam os direitos dos trabalhadores. Assim, atendendo ao volume de informação a ser processada, solicito a V. Exa. que nos faculte o prazo de 10 (dez) dias com vista à resolução das questões actualmente pendentes.” (alterado oficiosamente)
20. Razão pela qual a A. comunicou ao R. B..., no dia 9 de Dezembro de 2014, através de carta registada com aviso de recepção (que o referido R. não reclamou), o seguinte: “Comunico a V. Exas., nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 394.º e 395.º do Código do Trabalho, a minha decisão de resolver com efeitos imediatos o contrato de trabalho que me vincula a V. Exª. Justifica-se a minha decisão pelo facto de ainda não me terem sido pagos os salários relativos aos meses de Julho (parte), Agosto a Novembro de 2014, assim como os subsídios de Férias e de Natal vencidos em 1.1.2013, 50% dos subsídios de férias e de Natal/2013 e ainda os duodécimos de subsídios de férias e Natal/2014 relativos aos meses de Julho a Novembro de 2014. Tais factos estão a causar-me elevados prejuízos pessoais e patrimoniais. Solicito ainda que, nos termos do artigo 43.º do Dec. Lei n.º 220/2006 e de Novembro, me seja entregue a declaração de situação de desemprego (mod. 5044 da DGSS).” (alterado oficiosamente)
21. Ao longo de toda a duração do contrato de trabalho, nunca foi proporcionada à A. qualquer formação profissional.
22. Através de ofício com data de saída de 21/11/2014, dirigida à “D..., Ldª – Av. ..., n.º .., ..., ....-... Aveiro”, a Câmara Municipal ... notificou a referida sociedade, em sede de audiência prévia, para em 10 dias se pronunciar “quanto à intenção desta Câmara Municipal vir a ordenar “(…) a cessação de utilização e consequente encerramento do estabelecimento, em virtude de não possuir o necessário alvará de utilização (…). A operação urbanística que deu origem à cobertura do terraço da fracção AF, alvo de fiscalização em 2009 (…) originou a que o alvará de licença de utilização para serviços de bebidas (…) emitido em 03 de Julho de 2006 pela Câmara Municipal não se encontre válido face à realização de obras de modificação do estabelecimento. Mais se notifica que a supra citada ordem poderá, eventualmente, ser evitada se as obras forem susceptíveis de ser licenciadas ou objecto de comunicação prévia, ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis (…).”.
23. A R. D..., Ldª requereu a sua insolvência, que foi decretada, no dia 23/04/2015, no âmbito do Processo de Insolvência nº 719/14.9T8AVR, da 1ª Secção de Comércio da Instância Central de Aveiro (J1).
24. A sociedade “J..., S.A.”, através de K..., remeteu um e-mail ao R. B..., em 09/12/2014, com o teor que consta de fls. 110 dos autos, onde discrimina os artigos compreendidos na última entrega de farinha efectuada no estabelecimento, no dia 18/11/2014 e respectivos preços, acrescentando que “Fico a aguardar autorização de levantamento dos sacos que ainda se encontram nas instalações, de forma a que não se deteriorem com a passagem do tempo. Esse levantamento originará uma Nota de Crédito que anulará a factura supra referida na proporção da quantidade levantada.”.”
***
B) Discussão
1. Da transmissão do estabelecimento/posição de empregador.
A questão colocada pelo Recorrente reconduz-se, no essencial, a saber se ocorreu, para si, transmissão do estabelecimento e da posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho (e quando), invocando designadamente os argumentos seguintes:
- A responsabilidade pela não entrega material do estabelecimento no dia 7 de Novembro de 2014 não é sua e sim apenas da Ré D..., que até ao dia 24 de Novembro (ao não ter entregue as chaves) evitou que a transmissão se desse conforme o artigo 285.º do Código de Trabalho, continuando ela até aí a dar em exclusivo ordens à Autora, sendo que só a partir dessa data passou ele a ser proprietário de direito e de facto do estabelecimento adjudicado (até aí o negócio jurídico nesta adjudicação não se encontrava concluído uma vez que houve o pagamento do preço mas não existiu a entregue da coisa, com toda a transmissão da unidade económica), ou seja, passou a ser o pleno proprietário, não podendo assim ser responsabilizado pelo que se passou até então, e, quanto ao que se passou depois, ocorreu impedimento legal de manter o estabelecimento aberto, por haver uma ordem de encerramento do mesmo por parte da Câmara Municipal ..., já que a Licença de Utilização estava ilegal, pois existiam irregularidades que deveriam ser sanadas (conclusões 3 a 12 e 23 a 28).
- Não foi cumprido pela Ré D... o dever de informação dos trabalhadores estabelecido nos artigos 286.º e 287.º do CT, sendo que, apesar de não estar previsto expressamente qualquer direito específico de oposição dos trabalhadores à transmissão de estabelecimento, não está porém vedado àqueles a possibilidade de porem termo ao contrato de trabalho, evitando neste sentido que haja transmissão dos seus contratos de trabalho na unidade económica, sendo ainda pacificamente entendido, na doutrina nacional e estrangeira, no âmbito da Directiva 77/187/CEE (2001/23/CE), a existência de um direito de oposição dos trabalhadores à transmissão da posição de empregador na sequência da transmissão da empresa ou estabelecimento comercial (conclusões 13 a 22 e 42 a 44).
- Para efeitos de aplicação do regime de transmissão de estabelecimento ou empresa, o critério determinante é o de manutenção da identidade da unidade económica, o que no caso se não verificou pois que não houve transmissão da Licença de utilização para prosseguir a actividade económica e da Autora e restantes 12 trabalhadores dos 15 trabalhadores afectos ao estabelecimento comercial (conclusões 45 a 50).

Consta da sentença recorrida, como suporte do sentido da decisão, o seguinte:
(…) I. Estabelecendo a regra geral da aplicação no tempo do actual Cód. do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/01 e entrado em vigor em 17/02/2009[2], dispõe o art. 7º n.º 1 da citada Lei que “Sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”.
A aquisição do estabelecimento pelo R. B... ocorreu em 2014, muito depois portanto do início de vigência do referido código, sendo por conseguinte à luz das suas disposições que serão avaliadas as implicações decorrentes dessa transmissão, independentemente da data (não concretamente apurada) em que a A. foi admitida a trabalhar no estabelecimento em questão.
Dispõe o art. 285º, sob a epígrafe “Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento”, na parte que para o caso releva:
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contractos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
2 - O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta.
3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração. (…)
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória. (…)”.
Decorre do citado normativo que a transmissão da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou do estabelecimento que constitua uma unidade económica, não afecta a subsistência dos contractos de trabalho, nem o respectivo conteúdo, tudo se passando, em relação aos trabalhadores, como se a transmissão não tivesse ocorrido.
Tendo-se em vista, com a instituição de tal regime, tutelar não só o estabelecimento/empresa, de modo a garantir o prosseguimento da sua actividade produtiva, como também e fundamentalmente proteger os trabalhadores, salvaguardando-lhes a manutenção dos respectivos postos de trabalho e dos direitos que lhes são inerentes, em consonância com a garantia constitucional da segurança no emprego plasmada no art. 53º da Constituição da República Portuguesa.
A formulação ampla utilizada no art. 285º não deixa margem para outro entendimento que não seja o de que aí estão abrangidas também as situações de venda do estabelecimento em “hasta pública”, seja judicialmente, seja nas Finanças, no âmbito de execução fiscal.
Donde resulta, face ao disposto no art. 285º n.º 1, que o R. B..., tendo no dia 3 de Novembro de 2014 adquirido o estabelecimento em causa, que lhe foi adjudicado no dia 7 do mesmo mês, no âmbito de processo de execução fiscal, ficou investido na qualidade de empregador, de que até aí era titular a co-R. D..., Ldª. Ficando por via disso responsável pelo pagamento dos créditos laborais devidos à A., que trabalhava no estabelecimento, aquando da transmissão.
Salientando-se que o que releva para esse efeito é a data em que o estabelecimento foi adjudicado ao referido R., e não a data em que lhe foram entregues as respectivas chaves, como aliás se extrai do disposto no art. 256º n.º 2 do Cód. de Procedimento e de Processo Tributário[3], de acordo com o qual “O adquirente pode, com base no título de transmissão, requerer ao órgão de execução fiscal, contra o detentor e no próprio processo, a entrega dos bens.”. (…)”

1.1. Face à citada fundamentação, por apelo às conclusões do Recorrente, cumprindo apreciar, importa, antes de mais, porque tal questão assume relevância para a decisão, deixar mais algumas considerações sobre o que, face ao disposto no artigo 285.º do CT de 2009[4], devemos entender por transmissão de estabelecimento.
Desde logo, como primeira nota, para assinalarmos o facto de aí se prever um regime limitador do princípio geral da livre contratação, enquanto corolário do direito de iniciativa económica privada, pois que, no âmbito que aqui se aprecia[5], a liberdade negocial sofre afinal limitação, por força de norma legal imperativa, assim quanto ao contrato de trabalho – sem que, como sabemos, seja apenas de agora, constando já do artigo 37.º da LCT[6], posteriormente artigo 318.º do CT/2003 e actualmente artigo 285.º do CT/2009.
Em segundo lugar, e não menos importante, haverá que reconhecer, do mesmo modo, que resulta do artigo 285.º do CT/2009, como já no Código anterior, uma noção ampla de transmissão de empresa ou estabelecimento, ou uma sua parte, com a consequente transmissão da posição jurídica do empregador sempre que ocorra uma transferência de uma unidade económica que mantenha a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizado com objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória. Ou seja, como refere Júlio Gomes[7], “de importância central para a existência de uma transferência é que a entidade económica mantenha a sua identidade”, acrescentando o mesmo Autor que “na aferição dessa identidade, a jurisprudência do tribunal de justiça deu provas de um saudável realismo e utilizou um método indiciário baseando-se numa interpretação teleológica da Directiva 77/187/CE”, sendo decisiva para esse tribunal “sempre a manutenção da entidade económica e para se verificar se essa entidade continuou a ser a mesma”, evidenciando a necessidade de “recorrer a múltiplos elementos cuja importância pode, de resto, variar no caso concreto, segundo o tipo de empresa ou estabelecimento, a sua actividade, ou métodos de gestão, sendo que estes elementos devem ser objecto de uma apreciação global, não sendo em princípio decisivo nenhum deles”.
Sobre o critério que tem sido adoptado pelo TJCE na definição de empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento, assim para aplicação da Directiva 98/50/CE se pronuncia também Joana Simão, assinalando a existência de uma “unidade económica que mantenha a sua identidade depois da transmissão, entendendo-se como identidade da empresa o conjunto de meios organizado com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, apontando como critérios relevantes para a determinação do conceito de unidade económica “o tipo de estabelecimento, a transferência de bens corpóreos, a continuidade da clientela, o grau de semelhança da actividade exercida antes e depois da transmissão, a assunção de efectivos, a estabilidade da estrutura organizativa, variando a ponderação dos critérios de acordo com cada caso.
Esse mesmo sentido amplo de transmissão da empresa era já assinalado por Jorge Leite[8], ao referir que abarca “actos negociais e não negociais”, aplicando-se o regime da norma “sempre que haja modificação subjectiva do empregador devida a circulação (negocial - venda, doação, usufruto, locação, etc.- ou não negocial- sucessão legal, nacionalização, confisco), ou a alteração objectiva da empresa”[9]’[10].
Deste modo, resultando ainda da directiva n.º 2001/23/CE, no seu artigo 1.º al. b) que, na acepção aí tida em conta está em causa a “transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade como conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória”, com a transposição dessa directiva pelo legislador no artigo 318.º no CT/2003 – depois no CT/2009, citado artigo 285.º –, numa interpretação conforme à jurisprudência comunitária teremos assim de considerar que deve ser considerada transmissão a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizados, com objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.
Nesse sentido, reconhecendo-se aliás que a nossa jurisprudência desde há muito – assim mesmo no âmbito da LCT – que tem afirmado esse conceito abrangente de transmissão do estabelecimento no âmbito laboral, assim o Supremo Tribunal de Justiça (para além de outros) nos Acórdãos de 12/03/2009[11], 24/5/95[12], 5.11.2008, 28.03.2007 e 24.05.2006[13] –, escreveu-se no Acórdão de 12 de Março de 2009[14], esclarecendo ainda as razões para a sua compreensão, que o regime jurídico enunciado apresenta uma dúplice justificação: “(…) por um lado, pretendem-se acautelar os interesses do cessionário em receber uma empresa funcionalmente operativa; mas, por outro lado, como foi enfatizado no âmbito do direito comunitário pela Directiva nº 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de Fevereiro, alterada pela Directiva nº 98/50/CE, do Conselho, de 29 de Junho e revogada pela Directiva nº 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março, transposta para o nosso ordenamento pelo artigo 2º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, a manutenção dos contratos de trabalho existentes à data da transmissão para a nova entidade patronal pretende proteger os trabalhadores, garantindo a subsistência dos seus contratos e a manutenção dos seus direitos quando exista uma transferência de estabelecimento”.
Daí que, tal como aliás resulta da utilização no artigo 285.º (e antes, artigo 318.º do CT/2003) da expressão “por qualquer título” (n.º 1), a transmissão aí consagrada engloba todas as situações em que se verifique a passagem para outrem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado, seja a que título for, podendo assim corresponder quer a um negócio relativo à transmissão do direito de propriedade sobre o bem, quer também à transmissão (formal ou de facto) dos direitos de exploração, abrangendo todas as alterações estáveis, ainda que não necessariamente definitivas, na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário.
Refere-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Outubro de 2009[15], com a particularidade de estar em causa uma venda de estabelecimento em processo de execução, a propósito do que deve entender-se por transmissão do estabelecimento no regime laboral, para efeitos da norma que se aprecia, por referência ao regime que decorria quer do n.º 1 do artigo 37.º da LCT quer no artigo 318.º do CT/2003 – mas com actualidade, acrescentamos nós, no domínio do CT/2009, seu artigo 285.º –, o seguinte: “(…) Conforme referem Mário Pinto, Furtado Martins e Nunes de Carvalho, em Comentário às Leis Laborais, Vol. I, Lex, pag. 176 e segs. “A casuística consideravelmente importante que se tem desenvolvido a propósito deste preceito engloba no conceito de transmissão uma multiplicidade de hipóteses, tais como: o trespasse do estabelecimento; a transmissão decorrente da venda judicial do mesmo, designadamente no decurso do processo de falência; a mudança de titularidade do estabelecimento por força da fusão ou cisão de sociedades; a aquisição de uma empresa privada por uma pessoa colectiva de direito público; e até casos de transmissão inválida (...) julgamos que a aplicação do art. 37.º não pode prejudicar a invalidade da transmissão, mas a destruição do negócio pelo qual o estabelecimento foi transmitido também não obstará à eficácia dos contratos de trabalho com o transmissário relativamente ao tempo em que os mesmos forem executados". Também a jurisprudência tem entendido que o art. 37.º da LCT, contempla conceitos amplos de transmissão e de estabelecimento, pelo que também a venda judicial fica abrangida por este preceito. No que se refere à definição de empresa, o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia adoptou como critério para aplicação da directiva 98/50/CE a existência de uma “unidade económica que mantenha a sua identidade depois da transmissão”, entendendo-se como identidade da empresa o conjunto de meios organizado com o objectivo de prosseguir uma actividade económica. E na determinação do conceito de unidade económica o TJCE tem vindo a enunciar critérios relevantes como o tipo de estabelecimento, a transferência de bens corpóreos, a continuidade da clientela, o grau de semelhança da actividade exercida antes e depois da transmissão, a assunção de efectivos, a estabilidade da estrutura organizativa, variando a ponderação dos critérios de acordo com cada caso. Mas, nas empresas cuja actividade assenta essencialmente na mão-de-obra, como nas áreas de serviços, o factor determinante para se considerar a existência da mesma empresa pode ser o da manutenção dos efectivos, ou, na interpretação mais recente do TJCE, “um conjunto organizado de trabalhadores que executa de forma durável uma actividade comum pode corresponder a uma unidade económica” (cfr. Joana Simão em A Transmissão de Estabelecimento na Jurisprudência do Trabalho Comunitária e Nacional, publicado em Questões Laborais, n.º 20, pág. 203.(…)”
O estabelecimento do analisado regime, como tem sido evidenciado pela Doutrina e Jurisprudência, teve em vista, por um lado, proteger os trabalhadores do risco de verem cortada a sua ligação à comunidade de trabalho a que pertencem, garantindo o direito à manutenção do posto de trabalho, que constitui uma das vertentes do direito constitucional consagrado no artº 53º da CRP, nos casos de transmissão do estabelecimento ou da sua exploração, e, por outro, tutelar o próprio estabelecimento (a continuidade do funcionamento da empresa que é objecto da transmissão)”[16] “O que importa é, assim, analisar, em relação a cada hipótese concreta, o conjunto de circunstâncias presentes no caso em análise e ponderar o peso relativo de cada uma delas, tendo em conta o tipo de actividade desenvolvido”.[17]
Do exposto resulta, assim, que o regime laboral de transmissão do estabelecimento previsto no artigo 285.º do CT envolve a transmissão automática para o adquirente do estabelecimento das posições activa e passiva dos contratos de trabalho relativos aos trabalhadores que à data dessa transferência no mesmo exerçam actividade – ficando pois o adquirente do estabelecimento sub-rogado ope legis na posição contratual do anterior empregador e, assim, no complexo de direitos e deveres que aquela posição integra.

1.2. Vejamos então, dentro desse quadro legal, a solução do caso que se aprecia.
Ora, desde logo, o regime antes enunciado permite-nos, concordando é certo com a sentença recorrida quando (fazendo apelo à formulação ampla utilizada no artigo 285.º) considera aí estarem abrangidas também as situações de venda do estabelecimento em “hasta pública” (seja judicialmente, seja nas Finanças, no âmbito de execução fiscal), formular sérias dúvidas, porém, salvo o devido respeito, sobre a afirmação de que, no caso, face à factualidade provada, o Réu/recorrente tenha ficado investido, apenas com a adjudicado operada no dia 7 de Novembro de 2014 no processo de execução fiscal, efectivamente “na qualidade de empregador, de que até aí era titular a co-R. D..., Ldª”, “ficando por via disso responsável pelo pagamento dos créditos laborais devidos à A., que trabalhava no estabelecimento, aquando da transmissão.” Na verdade, o regime que resulta do citado artigo 285.º, prevendo precisamente que estejam abrangidas as transmissões a qualquer título, pressupõe afinal um quadro que vai para além da aplicação do regime legal que regula o acto formal de transmissão, de modo a abranger, ainda, por exemplo, mesmo casos em que ocorre vício que invalide esse acto de transmissão, pois que, até à destruição do negócio pelo qual o estabelecimento foi transmitido, os contratos de trabalho com o transmissário poderão ser tidos como eficazes relativamente ao tempo em que os mesmos forem executados[18]. Como ainda, tal como é exigido nos termos referidos anteriormente, que tenha havido nesse momento uma transferência efectiva de uma unidade económica que mantivesse a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizado com objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória. Noutros termos, propendemos para considerar que essa transferência só possa ter-se por realmente concretizada no momento em que o adquirente tem de facto acesso a essa organização de meios, o que não se verifica, nomeadamente, enquanto não lhe forem, como no caso se verificou até ao dia 24 de Novembro de 2014, entregues as chaves do estabelecimento. Na verdade, o facto de como adquirente poder, “com base no título de transmissão, requerer ao órgão de execução fiscal, contra o detentor e no próprio processo, a entrega dos bens” (artigo 256.º n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário[19], a que se alude na decisão), traduz-se precisamente na consideração de que não tem, diversamente do que deveria ocorrer no momento da adjudicação, a posse efectiva do estabelecimento, argumento este que retira, assim, salvo o devido respeito, real consistência à afirmação e conclusão a que se chegou, nesta parte, na sentença recorrida. De facto, até à data da entrega das chaves, como aliás acaba por resultar da factualidade provada – para além da entrega das chaves apenas nessa data, resulta provado no ponto 13 que “o último dia em que a aqui A. prestou trabalho no estabelecimento foi o dia 24/11/2014, nunca tendo recebido ordens de serviço do R. B...” – o Réu não exerceu, afinal, os poderes que, em abstracto, deveriam ter resultado do título de transmissão, mantendo-se até aí, em particular na relação com os trabalhadores – a que aqui interessa –, esses poderes a ser exercidos, ainda que sem título, pela anterior proprietária. Dentro deste quadro factual e legal, temos dificuldade em considerar que, estando o adquirente privado – sem que se possa dizer que para esse facto tenha tido qualquer culpa – do livre acesso ao estabelecimento, que aliás continuou mesmo a ser explorado por outrem, possa, ainda assim, ser tido já como empregador, para efeitos do disposto no artigo 285.º do CT, em relação aos trabalhadores, tanto mais que, também por aquela razão, não pôde exercer os seus poderes de empregador, assim de dar ordens (como se provou em relação à Autora).
Assistirá pois, nesta parte, razão o Recorrente quando questiona se até ao dia 24 de Novembro se pode ter por concretizada de facto a transmissão do estabelecimento para efeitos do disposto no artigo 285.º do Código de Trabalho.
No entanto, se assim pode ser considerado até essa data, já a partir dessa não haverá dúvidas que passou a ser proprietário de direito e de facto do estabelecimento, operando assim, a partir de então, quanto a ele, o regime estabelecido do artigo 285.º.
E dizemos opera pois que, em primeiro lugar, diversamente do que entende o Recorrente, temos por verificada então a transmissão do estabelecimento, enquanto unidade económica, nos termos que essa deve ser entendida – a que nos referimos anteriormente –, tanto mais que, a propósito da questão da licença de utilização e encerramento do estabelecimento a que alude nas suas alegações, não se provou que tivesse ocorrido a cessação daquela licença, pois que, diversamente, apenas se provou (ponto 22 da factualidade) que”, através de ofício com data de saída de 21/11/2014, dirigida à “D..., Ldª – Av. ..., n.º .., ..., ....-... Aveiro”, a Câmara Municipal ... notificou a referida sociedade, em sede de audiência prévia, para em 10 dias se pronunciar “quanto à intenção desta Câmara Municipal vir a ordenar “(…) a cessação de utilização e consequente encerramento do estabelecimento, em virtude de não possuir o necessário alvará de utilização (…). A operação urbanística que deu origem à cobertura do terraço da fracção AF, alvo de fiscalização em 2009 (…) originou a que o alvará de licença de utilização para serviços de bebidas (…) emitido em 03 de Julho de 2006 pela Câmara Municipal não se encontre válido face à realização de obras de modificação do estabelecimento. Mais se notifica que a supra citada ordem poderá, eventualmente, ser evitada se as obras forem susceptíveis de ser licenciadas ou objecto de comunicação prévia, ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis (…).”. Ou seja, no momento em que recebeu o estabelecimento essa licença estava afinal em vigor, havendo apenas uma intenção camarária de vir a ordenar essa cessação, não se sabendo sequer se tal veio ou não a ocorrer posteriormente.
Por outro lado (conclusões 13 a 22 e 42 a 44), ainda, e em segundo lugar, sobre o dever de informação dos trabalhadores estabelecido nos artigos 286.º e 287.º do CT que o Recorrente diz não ter sido cumprido pela D..., a verdade é que, independentemente do que possa entender-se a respeito da existência de um qualquer direito de oposição dos trabalhadores aquando da transmissão do estabelecimento, em geral admitido apenas no que se refere a um direito à resolução do seu contrato com justa causa[20], a factualidade provada não permite dar sustentação a uma qualquer posição desses nesse sentido, sem prejuízo do que diremos infra a propósito da postura assumida pela Autora quando resolveu o contrato de trabalho invocado justa causa – assim, independentemente da existência desse fundamento, o que a Autora invocou foi a falta de pagamento de retribuições em dívida e não pois que pretendesse opor-se à transmissão do seu contrato de trabalho para a nova entidade patronal.
Aqui chegados, por necessária referência à factualidade provada, fica por apreciar a questão da existência ou não de fundamento para a resolução do contrato levada a cabo pela Autora, o que faremos de seguida.

2. Do despedimento com invocada justa causa.
Invoca o Recorrente nunca ter impedido a Autora de prestar trabalho no estabelecimento comercial, assim como, também, que nunca essa esteve sob a sua autoridade fiscalização ou direcção, sendo que, não obstante em reunião individual encetada em 24 e 25 de Novembro de 2014 ter informado aquela (e restantes trabalhadores) que estaria encerrado até ao dia 1 de Dezembro de 2014, a mesma (tal como os demais funcionários, à excepção de dois) enviou uma carta, no dia 28 de Novembro de 2014, a informar que concedia o prazo até 5 de Dezembro de 2014 para que ele procedesse ao pagamento de todas as quantias que estavam em dívida, à qual respondeu em 3 de Dezembro de 2014 solicitando 10 dias para resolver as questões pendentes, mas que aquela, a 9 de Dezembro de 2014, através de carta com aviso de recepção, resolveu, com efeitos imediatos, o seu contrato de trabalho (desde logo, conclusões 29 a 39). Mais refere que a Autora (e demais trabalhadores) se pretendia prestar trabalho à nova entidade patronal, a única justa causa que poderia invocar seria o impedimento de prestar trabalho no estabelecimento comercial, fundamento esse que não invocou e sim, apenas, os salários e direitos em atraso (conclusão 40).

Da sentença recorrida fez-se constar, a propósito, o seguinte:
“(…) Defende o R. B..., na respectiva contestação, que previamente à aquisição do estabelecimento, procurou saber junto do Serviço de Finanças e da gerência do estabelecimento se existiam créditos laborais em atraso, tendo-lhe sido respondido, no primeiro caso, que tal informação era desconhecida; e pela gerente do estabelecimento, que não existiam dívidas aos trabalhadores. Nunca tendo equacionado a possibilidade de ter que assumir a responsabilidade por créditos laborais vencidos até à data da compra.
No entanto, nada disso se provou.
E mesmo que se tivesse provado, não teria como consequência a irresponsabilidade do adquirente pelos créditos laborais efectivamente existentes à data da transmissão do estabelecimento. Apenas lhe dando eventualmente argumentos para pôr em causa, junto de quem de direito, a compra efectuada, nos termos e prazos legalmente previstos.
Salientando-se a este respeito que o R. B... é advogado, segundo se ouviu em julgamento, não se tendo demonstrado, ao contrário do que alegou (art. 66º da contestação), que nunca antes se tinha dedicado à actividade de Industria Hoteleira, tendo-se escrito a tal propósito, na motivação da resposta negativa dada à matéria de tal artigo, que “(…) de acordo com a testemunha L..., o R. B... já antes tinha tido negócios desse tipo, estando ligado ao ramo da pastelaria.”.
Argumenta também o R. B... que a Câmara Municipal ... ordenou o encerramento do estabelecimento, até que fossem supridas irregularidades respeitantes ao licenciamento, tendo nos dias 25, 26 e 27 de Novembro de 2014 transmitido individualmente aos trabalhadores que iria ter de fechar uma semana, para repor a legalidade no estabelecimento. Acrescentando que a A. e restantes trabalhadores aproveitaram a oportunidade do estabelecimento estar encerrado, para resolverem os contractos, opondo-se à transmissão, nunca tendo querido trabalhar às suas ordens e nunca na realidade o tendo feito. Donde conclui que nunca houve uma relação laboral entre ele, adquirente do estabelecimento, e os trabalhadores, incluindo a ora A..
De tudo isso, apenas se demonstrou que a A. nunca na verdade recebeu ordens de serviço do R. B..., tendo sido o dia 24/11/2014, o último dia em que prestou efectivamente trabalho no estabelecimento.
Porém, tal sucedeu não porque a A. não quisesse trabalhar para o referido R. ou se opusesse à transmissão do estabelecimento, mas simplesmente porque na aludida reunião individual que manteve com a A., o R. B... comunicou-lhe que o estabelecimento iria estar encerrado até ao dia 30 de Novembro de 2014 e reabria no dia 1 de Dezembro de 2014.
Reabertura que não veio no entanto a acontecer, tendo a A. e restantes colegas de trabalho comparecido no estabelecimento entre os dias 1 e 8 de Dezembro de 2014, vendo-se impedidos de trabalhar, porque o estabelecimento se manteve encerrado.
Ou seja, se a A. não chegou a trabalhar efectivamente sob as ordens do R. B... foi porque não pôde – e não porque não quis. Sem que isso obste à aplicabilidade ao caso do regime previsto no art. 285º, que pressupõe apenas que o contrato de trabalho exista, aquando da transmissão do estabelecimento.
Sendo certo que no actual figurino legal, de nada serve ao trabalhador opor-se ou não aceitar a transmissão do estabelecimento, porque ela ocorre independentemente da sua vontade.
Resta acrescentar que nos termos do n.º 2 do art. 825º, a R. D..., Ldª responde solidariamente pelos créditos dos trabalhadores vencidos até à data da transmissão (07/11/2014), durante o ano subsequente a esta.
A acção foi instaurada em 02/07/2015 (cfr. fls. 26 dos autos) e a R. D..., Ldª citada em 08/09/2015 (cfr. certidão de fls. 40 dos autos), antes portanto de decorrido um ano sobre a transmissão do estabelecimento, o que torna a referida R. solidariamente responsável pelos créditos laborais reclamados pela A., que se tenham vencido até 07/11/2014.
II. A resolução contratual operada pela A. baseia-se na falta de pagamento de retribuições vencidas já depois da entrada em vigor do actual código do trabalho, pelo que é de igual modo à luz do regime legal nele previsto que será apreciada a questão da existência (ou não) de justa causa nessa resolução contratual.
De acordo com o disposto no art. 394º, n.º 1, ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar de imediato o contrato, resolvendo-o, quer com fundamento em comportamento culposo do empregador (a denominada resolução com justa causa subjectiva), quer com base na alteração das circunstâncias ou em actuações não culposas do empregador (justa causa objectiva).
No que se refere à primeira modalidade, prevêem-se no n.º 2 do citado normativo, a título meramente exemplificativo, diversas circunstâncias passíveis de consubstanciar justa causa de resolução contratual com fundamento em comportamento da entidade empregadora, nomeadamente a “a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição”, considerando-se culposa aquela que se prolongue por período de 60 dias ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta até ao termo daquele prazo – cfr. n.º 5 do mesmo artigo.
Como vem sendo entendido na doutrina e na jurisprudência, atenta a unidade e harmonia do sistema jurídico, o disposto no citado n.º 5 do art. 394º estabelece uma presunção inilidível de culpa, nos casos nele previsto, nomeadamente – e com particular relevo para ao caso – quando o incumprimento do pagamento pontual da retribuição se prolongue por período de 60 dias[21].
Na verdade, no âmbito da responsabilidade contratual em geral, existe já uma presunção de culpa do devedor no não cumprimento do contrato, consagrada no art. 799º n.º 1 do Cód Civil, presunção essa que este poderá ilidir, mediante produção de prova em contrário.
Não se vê razão para que essa presunção não seja também aplicável no domínio do cumprimento da obrigação retributiva que sobre o empregador impende, na economia da relação contratual de natureza jurídico-laboral.
Como tal, seria redundante e destituída de sentido útil a norma contida no n.º 5 do art. 394º, caso se entendesse que nela se previa uma mera presunção juris tantun, que já resulta da aplicação da regra geral contida no art. 799º, n.º 1 do Cód. Civil. Significando na prática que não existiria qualquer distinção a esse nível entre as situações em que a mora se prolongasse por sessenta dias e aquelas em que se prolongasse por menos.
Assim, a interpretação que em termos de razoabilidade se deve retirar da conjugação dos dois preceitos é a de que a presunção ilidível constante do art. 799º n.º 1 do Cód. Civil se aplica aos casos de atraso no pagamento da retribuição inferior a 60 dias; Enquanto que para os casos em que esse atraso se prolongue por 60 dias ou mais, vigora a ficção legal ou presunção inilidível, constante do art. 394º n.º 5.
De resto, sob o ponto de vista histórico, tal interpretação é a que melhor se coaduna com os regimes legais pretéritos sobre a matéria, consagrados primeiro na Lei n.º 17/86, de 14/06 (Lei dos Salários em Atraso) e depois no Cód. do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/08 (cfr. art. 364º, n.º 2) e seu diploma regulamentar (art. 308º da Lei n.º 35/2004, de 29/07), nos termos dos quais, uma vez verificado o atraso de 60 dias no pagamento da retribuição, o trabalhador poderia resolver o contrato de trabalho, com direito a indemnização, independentemente da existência de culpa do empregador.
O Código do Trabalho de 2009, embora com diferente sistematização e redacção e fazendo sempre referência ao conceito de culpa, acaba por consagrar idêntica solução, mediante recurso a uma ficção legal de culpa da entidade patronal na falta de pagamento pontual da retribuição, instituindo uma presunção juris et de jure, inilidível por prova em contrário.
Está em qualquer caso subjacente ao conceito de justa causa subjectiva a ideia de que o comportamento culposo da contraparte que motivou a resolução seja ilícito e de tal forma grave, em si mesmo e nas suas consequências, que torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, à semelhança do que sucede no âmbito do despedimento promovido pelo empregador, por facto imputável ao trabalhador (cfr. 351º n.º 1)[22] – embora os critérios de apreciação e o grau de exigência não sejam exactamente os mesmos, como mais adiante melhor se procurará explicitar.
Sendo sempre de atender, na apreciação a fazer, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes, como decorre do n.º 3 do art.º 351º, ex vi do n.º 4 do art.º 394º, n.º 4.
Em suma, para que possa ser judicialmente reconhecida a existência de justa causa subjectiva na resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador, com base na falta de pagamento pontual de retribuição, torna-se necessária a verificação cumulativa de três requisitos:
- Um de natureza objectiva, consubstanciado no não pagamento pontual da retribuição;
- Outro de natureza subjectiva – que a falta de pagamento seja imputável ao empregador a título de culpa;
- E que essa conduta do empregador torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.
No que se refere ao primeiro dos enunciados requisitos, provou-se que não foram até hoje pagas à A., pelo menos, as retribuições respeitantes aos meses de Setembro e Outubro de 2014.
E que a A., no dia 28 de Novembro de 2014, comunicou ao R. B..., através de carta registada com A/R, recebida no dia 1 de Dezembro de 2014, que lhe concedia prazo até ao dia 5 de Dezembro de 2014, para proceder ao pagamento de todas as quantias que se encontravam em dívida. Tendo-se o R. B... limitado, em resposta, a solicitar o prazo de 10 dias com vista à resolução de questões pendentes.
Perante o que a A. lhe comunicou, no dia 9 de Dezembro de 2014, através de carta registada com aviso de recepção, que resolvia, com efeitos imediatos, o seu contrato de trabalho – carta essa que o R. B... não reclamou, apesar de ter sido remetida para a mesma morada da anterior (cfr. fls. 16 a 22 dos autos). Donde se conclui pela eficácia de tal declaração, que só por culpa do R. não foi oportunamente recebida, em conformidade com o disposto no art. 224º n.º 2 do Cód. Civil.
Significa isto que à data da resolução, o R. B... (assim como de resto a R. D..., Ldª, enquanto responsável solidária) tinha em dívida para com a A. retribuição vencida mais de 60 dias antes, concretamente, a maior parte do salário de Setembro de 2016, em relação ao qual impende sobre o R. uma presunção inilidível de culpa. E retribuição vencida menos de 60 dias antes da resolução – a referente ao salário de Outubro de 2016 –, com respeito à qual o R. não logrou ilidir a presunção de culpa no incumprimento que sobre si recaía, por força do disposto no art. 799º n.º 1 do Cód. Civil.
Faltando então saber se essa falta de pagamento culposa é de molde a justificar, pela sua gravidade, a resolução contratual operada pela A.
O que nos conduz à apreciação do último dos pressupostos elencados – o da inexigibilidade da continuação da relação laboral – a propósito do qual se vem chamando à atenção, na doutrina e na jurisprudência, para a necessidade de ultrapassar uma concepção bilateral e recíproca de justa causa, que parta de um paralelismo entre as situações de despedimento levado a cabo pela entidade empregadora e de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador.
Isto porque, como escreve Júlio Gomes “(…) enquanto que o empregador dispõe de outras sanções disciplinares e deve recorrer aos meios ou sanções conservatórias, a não ser em casos extremos em que se justifica o recurso ao despedimento, de tal possibilidade não beneficia, obviamente, o trabalhador que pode, quando muito, advertir o empregador para que este, por exemplo, deixe de violar direitos contratualmente acordados ou lançar mão em certos casos da auto-tutela (designadamente, da excepção de não cumprimento do contrato). Contudo, se a violação desses direitos, por exemplo, persistir, o trabalhador pouco mais poderá fazer do que optar entre tolerar a violação ou resolver o contrato. Além disso, e em segundo lugar, ao decidir da justeza e da oportunidade de um despedimento disciplinar promovido pelo empregador tem-se em conta, não apenas factores individuais – como o grau de culpa, em concreto, daquele trabalhador ou o seu processo disciplinar – mas também as consequências do comportamento do trabalhador na organização em que normalmente está inserido, a perturbação da “paz da empresa”, e inclusive, até certo ponto, considerações de igualdade ou proporcionalidade de tratamento. Daí que, para nós, seja defensável que, nesta situação, o limiar da gravidade do incumprimento do empregador possa situar-se abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador que justifica do despedimento”[23].
Também Leal Amado salienta que a ideia de configurar a justa causa como uma categoria genérica, aplicável, nos mesmos termos, para o trabalhador e entidade empregadora, era de facto acolhida pela LCT, mas foi completamente posta de parte pela Constituição, que ao acentuar a estabilidade do emprego no que toca ao despedimento (promovido pelo empregador) e a liberdade de trabalho no que toca à rescisão (por iniciativa do trabalhador), enfatizou que os valores em presença diferem profundamente, consoante o contrato cesse por iniciativa de uma ou de outra das partes[24].
Ou seja, embora esteja subjacente à justa causa da rescisão contratual por iniciativa do trabalhador, uma ideia de inexigibilidade de continuação da relação laboral, à semelhança do que sucede com o conceito de justa causa para o despedimento levado a cabo pela entidade empregadora, os dois conceitos de justa causa (a invocada pelo empregador e a invocada pelo trabalhador) não devem considerar-se absolutamente simétricos ou idênticos, de tal forma que a inexigibilidade não se deve aferir exactamente pelos mesmos critérios e com o mesmo rigor, sendo de admitir que o limiar da gravidade do incumprimento do empregador (na resolução do contrato) se possa situar abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador (no despedimento com justa causa)[25].
Tendo isso presente e regressando ao caso que nos ocupa, entende-se que o não pagamento pontual (presumido legalmente como culposo) à A. das retribuições acima referenciadas, reveste gravidade bastante para justificar a inexigibilidade da manutenção do respectivo contrato de trabalhos.
Na verdade, não pode olvidar-se que a retribuição constitui o principal direito que para o trabalhador decorre do contrato de trabalho e, em regra, o seu meio de subsistência. Não sendo exigível à A. que se mantivesse obrigado a trabalhar, sem receber a correspectiva retribuição, sendo que estavam já pelo menos dois salários em dívida. Nada se tendo provado que possa justificar essa falta de pagamento.
Acresce que, aquando das conversas individuais mantidas com os trabalhadores, nos dias 24/11/2015 e 25/11/2015, o R. B... transmitiu-lhes que para continuarem a trabalhar no estabelecimento, tinham de celebrar novos contratos de trabalho – o que indicia que não era sua intenção pagar créditos salariais que se encontrassem em atraso. Tendo-lhe a A. e restantes colegas transmitido que não aceitavam celebrar novos contratos, porque estariam já informados que os seus contractos de trabalho se tinham transmitido automaticamente para o R., enquanto adquirente do estabelecimento.
Além disso, apesar de na mesma ocasião o R. B... lhes ter comunicado que o estabelecimento iria estar encerrado até ao dia 30 de Novembro de 2014 e reabria no dia 1 de Dezembro de 2014, o que é certo é que não reabriu. Tendo a A. e os colegas de trabalho comparecido diariamente no estabelecimento entre os dias 1 e 8 de Dezembro de 2014, vendo-se no entanto impedidos de prestar trabalho, porque o estabelecimento de manteve fechado.
No descrito contexto, é de concluir pela existência de justa causa (subjectiva) na resolução contratual por parte da A., ao abrigo do disposto no art. 394º n.ºs 2, al. a) e 5, com fundamento no não pagamento culposo de retribuições vencidas há mais de 60 dias. (…)”
Por referência à citada fundamentação, adiantamos desde já que não acompanhamos a decisão, pelas razões que infra enunciaremos.
Vejamos porquê:

2.1. Do despedimento com justa causa por parte do trabalhador.
À resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, sem necessidade de aviso prévio com invocação de justa causa, alude o art.º 394.º do CT/2009.
De acordo com o referido preceito legal, a justa causa para a resolução do contrato de trabalho pode ser fundada num comportamento ilícito do empregador ou resultante de circunstâncias objectivas (seus n.ºs 2 e 3), dizendo-se no primeiro caso que estamos perante resolução fundada em justa causa subjectiva e, no segundo, por sua vez, fundada em justa causa objectiva.
Tendo de ser comunicada a intenção de resolução ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam, a mesma tem de revestir a forma escrita, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” (n.º1 do art.º 395.º, do CT/09) – indicação essa que, afastando-se outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão[26] –, sendo que é a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, pois que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem – principio da vinculação temática (n.º 3, do art.º 398.º) –, sem esquecermos, ainda, que é “a justa causa apreciada nos termos do n.º 3, do art.º 351.º, com as necessárias adaptações” (n.º 4 do art.º 394.º), bem como que é sobre o trabalhador que impende o ónus de alegação e prova da existência de justa causa – ou seja, que alegue e prove os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho (art.º 342.º n.º 1, do Código Civil).
No caso que se aprecia, por referência às causas supra indicadas para a resolução, apenas importa atender à primeira, ou seja a justa causa subjectiva, que assenta num comportamento do empregador que se reconduza a um acto ilícito, nomeadamente, uma das situações previstas nas alíneas do aludido n.º 2, do art.º 394.º, assim: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador; c) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; d) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; e) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticado pelo empregador ou seu representante.
Mais concretamente, no caso, a propósito do preenchimento da previsão da alínea a) do n.º 2 do art.º 394.º, por referência ao sustentado pela Autora, resultou provado (ponto 17 da factualidade) que “não foram até hoje pagas à A., pelo menos, as retribuições respeitantes aos meses de Setembro e Outubro de 2014”
Antes de entrarmos na análise sobre se os comportamentos provados integram a previsão da indicada alínea, importa desde já deixar claro que, ainda que se chegue a essa conclusão, sempre será de exigir a verificação da característica essencial do conceito de justa causa, ou seja, a demonstração de que esse comportamento da entidade patronal lhe possa ser imputável a título de culpa e que, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral. Ou seja, no actual regime legal (CT/2009, aplicável ao caso), a mera circunstância de existirem retribuições em atraso, ainda que por mais de 60 dias, não faz operar automaticamente a justa causa, como é afirmado de modo consiste pela nossa Doutrina[27], sendo ainda necessário que o comportamento, para além de culposo, em razão da sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho.
Esse tem sido também o caminho traçado em geral pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, assim no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2016[28], ao referir que “(…) Em qualquer das apontadas situações está subjacente o conceito de justa causa, que o artigo 394.º não define, mas que corresponde à ideia de impossibilidade para o trabalhador de manutenção do vínculo laboral, nos termos de similar locução constante no n.º 1 do artigo 351.º, até porque, em consonância com o preceituado no n.º 4 do artigo 394.º, a justa causa é apreciada segundo o disposto no n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações, ou seja, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao caráter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes. Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho, com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, sendo ainda necessária a exigência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral. (…)”.[29]
No mesmo sentido o Acórdão do mesmo Tribunal de 16 de Março de 2017[30], em que pode ler-se, a propósito do requisito de natureza subjetiva que consiste na atribuição a título de culpa do comportamento ao empregador, o seguinte:
“(…) Saliente-se que por estarmos no domínio da responsabilidade contratual presume-se a culpa, nos termos gerais previstos no art.º 799.º, do Código Civil.
Temos assim, que nos termos do regime geral incumbe ao empregador provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, ou seja cabe-lhe ilidir a presunção de culpa.
No entanto, em sede de justa causa com fundamento na falta culposa do pagamento pontual da retribuição, existe uma disposição especial que é o n.º 5 do art.º 394.º do Código do Trabalho, que refere que considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
A introdução desta disposição especial só faz sentido se a intenção do legislador foi a de estabelecer uma presunção inilidível, ou seja não afastável por prova em contrário, qualificando-se em definitivo como culposa a referida falta de pagamento da retribuição que se prolongue por período de 60 dias.
O Mestre Pedro Furtado Martins[31] sustenta que se trata de uma presunção inilidível “portanto não afastável por prova em contrário, mas que não exclui a possibilidade de qualificar como culposas outras situações de incumprimento da obrigação retributiva, ainda que a falta de pagamento não perdure por 60 dias”. (…)”.
Depois destas considerações, é chegado, por fim, o momento de dizer o direito do caso.

2.2. O caso decidindo
Importando aplicar o regime legal ao caso que se decide, uma nota se impõe desde já deixar, na nossa óptica não atendida na decisão recorrida, referente à circunstância de não estarmos perante um caso “normal” de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador com justa causa pois que, afinal, diversamente do que ocorre na esmagadora maioria das situações em que a relação entre trabalhador e empregador perdura durante todo o período abrangido pelo fundamento invocado para a resolução, no caso concreto tal não se verifica, pois que o Réu/recorrente apenas passou a assumir a posição jurídica de empregador com a transmissão para si do estabelecimento, nos termos que supra analisamos. Ou seja, o que é aplicável afinal quanto aos factos provados que podem servir de fundamento à resolução – e só estes relevam –, assim a falta de pagamento das retribuições (designadamente as tidas em conta na decisão, ou seja as respeitantes aos meses de Setembro e Outubro de 2014), nessa altura o aqui Recorrente ainda não assumia a posição jurídica de entidade patronal, razão pela qual não lhe assistia, então, qualquer dever de efectuar aquele pagamento, incumbindo esse apenas à Ré D....
Não obstante, como resulta das considerações referidas supra, porque a partir de 24 de Novembro de 2014 não temos dúvidas em considerar que passou a assumir (sucedendo à Ré D...) a posição de empregador, transferindo-se assim para si (sem prejuízo também da responsabilidade pelo pagamento da Ré D... pois que se trata de créditos nascidos enquanto era ela a entidade patronal) essa responsabilidade pelo pagamento, incluindo pois esses salários em atraso, tal permite em abstracto, sem prejuízo pois da apreciação em concreto do analisado regime, assentar nesse fundamento uma eventual resolução do contrato com justa causa.
No entanto, como aliás já deixamos antever anteriormente, o juízo sobre a culpa a realizar não pode deixar de ter presente que estamos perante um caso de transmissão do estabelecimento, nos moldes em que o foi, sendo que, transmitindo-se é certo por lei para o adquirente os direitos e obrigações quanto aos trabalhadores, essa mesma lei não permite sustentar que se transmita também, sem mais, a culpa. Ou seja, melhor esclarecendo, porque o fundamento do regime que resulta do n.º 5 do artigo 394.º do CT é como desse resulta que a falta de pagamento da retribuição se prolongue por um determinado período, assim de 60 dias – considerando o legislador que o decurso de um período com essa duração sem que o devedor (que sabe estar obrigado ao pagamento) pague a remuneração do trabalhador justifica a estipulação de um regime especial mesmo face ao que já resultaria da regra geral prevista no artigo 799.º do Código Civil (presunção de culpa) –, a considerar-se sem mais o que se passou no período decorrido anteriormente à transmissão do estabelecimento estar-se-ia a valorar, para efeitos de aferição da culpa do adquirente, o comportamento (culposo) do anterior proprietário/empregador. Daí que, em situações com esta em que ocorre transmissão da posição de empregador, se imponha, na consideração de todos os factos, valorar o comportamento, em termos de culpa – o facto voluntário (ativo ou omissivo) do agente, ilícito, que possa ser imputado a um agente[32] –, por referência à actuação concreta do adquirente. Sustentar sem mais o contrário traduzir-se-ia, no nosso entendimento, em aceitar que a justa causa pudesse ser, mesmo quando fundada no não pagamento da retribuição, apenas objectiva e não pois, como se exige, subjectiva (culposa, ainda que por decorrência de presunção nesse sentido)[33].
Assim, aceitando-se em abstracto que a actuação do adquirente possa por si só justificar um juízo de culpa, desde logo pelo facto de não ter efectuado o pagamento de salários devidos ao trabalhador e pelos quais passou a ser também responsável com a transmissão da posição de empregador para si operada (por decorrência da transmissão do estabelecimento), essa actuação, porém, para efeitos de formulação do necessário juízo de censura, terá de ser aferida por referência ao quadro circunstancial concreto em que se verificou, tendo assim presente, desde logo, para além do necessário conhecimento que se impõe que tenha sobre a existência dessa dívida, que, devendo fazê-lo, não tenha efectuado esse pagamento em termos que se considerem adequados, admitindo-se mesmo nestes casos uma exigência acrescida no sentido de o fazer o mais rápido possível, tendo presente a natureza salarial da dívida.
Ora, aplicando ao caso os mencionados critérios temos que, com base na factualidade provada, só com dificuldade se poderia considerar sequer culposa a actuação do Réu/recorrente, como veremos seguidamente.
É que, e desde logo, essa mesma factualidade não evidencia sequer que o mesmo tivesse efectivo conhecimento de que se encontravam em dívida à Autora os salários e subsídios que a mesma invocou na comunicação de despedimento, facto esse que, numa acção deste tipo, em que se invoca transmissão do estabelecimento e por sua decorrência da posição de empregador, temos como constitutivo do direito[34], tendo presente o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. Aliás, tratando-se de aquisição em processo de execução fiscal em que não intervém a anterior proprietária do estabelecimento, nem sequer poderemos dizer que tenham ocorrido quaisquer negociações prévias que em geral caracterizam as transmissões voluntárias do estabelecimento, com troca de informação sobre a situação da empresa, incluindo pois, também, sobre eventuais remunerações em dívida aos trabalhadores, o que releva quer para efeitos de aferição do cumprimento ou não do que se dispõe no artigo 286.º do CT/2009[35], assim quanto à informação a dar aos representantes dos trabalhadores ou na sua falta a estes, quer ainda, no que no caso importa, para a não demonstração de que o adquirente, no caso o Réu, tivesse conhecimento anterior da existência de quaisquer salários em atraso, sendo que, evidenciando de algum modo a sua preocupação por ter esse conhecimento, se provou – ponto 15 da factualidade – que antes de adquirir o estabelecimento, se deslocou ao Serviço de Finanças de Aveiro, para se inteirar das condições da respectiva venda, nomeadamente sobre se existiam ou não créditos laborais em dívida”.
Dentro deste circunstancialismo, apenas se pode afirmar, com base na factualidade provada, ter tido o Réu/recorrente uma conversa individual com a Autora (assim como com os demais trabalhadores) nos dias 24/11/2015 e 25/11/2015 em que lhe comunicou que para continuar a laborar no estabelecimento tinha de celebrar novos contractos de trabalho, o que não foi aceite (ponto 9 da factualidade), comunicando ainda que o estabelecimento iria estar encerrado até ao dia 30 de Novembro de 2014, reabrindo no dia 1 de Dezembro de 2014 (ponto 10 da factualidade), sendo que, logo no dia 28 do mesmo mês, a Autora comunica ao Réu, através de carta registada com A/R, recebida no dia 1 de Dezembro de 2014, que, por estarem em dívida remunerações que identifica – salários relativos aos meses de Julho (parte), Agosto, Setembro e Outubro de 2014, assim como os subsídios de Férias e de Natal vencidos em 1.1.2012, 50% dos subsídios de férias e de Natal/2013 e ainda os duodécimos de subsídios de férias e Natal/2014 relativos aos meses de Julho a Outubro –, lhe concedia o prazo até ao dia 5 de Dezembro de 2014 para proceder ao pagamento de todas essas quantias, advertindo-o de que “se até àquela data nada for feito nesse sentido”, ver-se-ia “obrigada a proceder em conformidade”. (ponto 18 da factualidade).
Ou seja, face ao que resulta da factualidade, admitindo-se é certo que na reunião anterior isso possa ter sido abordado, a verdade é que tal não consta sequer provado, razão pela qual apenas poderemos afirmar existir conhecimento do Réu/recorrente sobre a existência de eventuais remunerações em dívida à Autora no momento em que recebeu a sua carta, ou seja 1 de Dezembro de 2014. E dizemos eventuais pois que, não se demonstrando que tivesse conhecimento anterior de elementos que lhe permitissem confirmar essa invocação da Autora, afigura-se-nos natural que procurasse inteirar-se desse facto, o que, afinal, acaba por dar sustentação à resposta que deu à Autora, logo no dia 3 desse mês, resposta essa em que, como aliás resulta agora expressamente da redacção dada nesta sede ao ponto 19, não se limitou – diversamente do que constava anteriormente desse ponto e a que alude o Tribunal recorrido – a solicitar o prazo de 10 dias com vista à resolução de questões pendentes e sim, noutros termos, apontando justificações para a necessidade de solicitar esse prazo, assim o facto de a propriedade do estabelecimento lhe ter sido transmitida apenas no final de Novembro, encontrando-se nesse momento a reunir todas as informações relacionadas com a mesma, como sejam os direitos dos trabalhadores, solicitando então, atendendo ao volume de informação a ser processada, que lhe fosse facultado o prazo de 10 (dez) dias com vista à resolução das questões actualmente pendentes. A propósito ainda da delimitação daquilo que pode servir de base à decisão, por referência ao que se fez constar da decisão recorrida, também não a acompanhamos, salvo o devido respeito, quando tem por indiciada intenção de não pagar créditos salariais que se encontrassem em atraso no facto de o Réu ter transmitido à Autora e restantes trabalhadores que para continuarem a trabalhar no estabelecimento, tinham de celebrar novos contractos de trabalho (de facto, se poderia ter sido aquela a razão, também nada nos permite dizer que não pudessem ser outras, o que não sabemos, pois que não se provou)[36].
A tudo acresce, como aliás já deixamos antever anteriormente, que se exigiria ainda a verificação sobre se o comportamento, para além de culposo, em razão da sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho com a Autora, em moldes de justificar a resolução do contrato por essa com justa causa, o que, no caso, também não temos por verificado.
De facto, por referência aos fundamentos invocadas para a justa causa, para além de tudo o que se referiu anteriormente, não poderemos deixar de dizer que, pedindo o Réu que lhe fosse concedido um prazo de apenas dez dias e justificando a sua necessidade – precisamente com o facto de a propriedade do estabelecimento lhe ter sido transmitida há muito pouco tempo, encontrando-se nesse momento a reunir todas as informações relacionadas com a mesma, como sejam precisamente os direitos dos trabalhadores –, não se percebe a razão por que a Autora, se a sua intenção era receber efectivamente os salários em dívida – até por apelo às regras da boa-fé que devem preponderar também aqui e que, diga-se, relevam desde logo nos quadros do abuso do direito (artigo 334.º do CC) –, não respondeu/acedeu sequer a essa solicitação e que, poucos dias depois, tivesse sem mais enviado a carta de resolução do contrato.
Nos termos expostos, por falta de demonstração dos seus pressupostos, consideramos que não ocorre fundamento bastante para a resolução do contrato operada pela Autora, não lhe assistindo pois, por decorrência, o direito à indemnização prevista no artigo 396º n.º 1 do CT/2009, do que resulta a revogação da sentença nessa parte – alínea A) do dispositivo: “Quantia a liquidar ulteriormente, nos termos dos arts. 358º n.º 2 e 609º n.º 2 do Cód. de Processo Civil, a título de indemnização pela resolução com justa causa do contrato de trabalho por parte da A., em conformidade com o acima exposto e com a antiguidade que se vier a apurar”.
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Já quanto ao mais decidido nessa sentença não será aqui apreciado, por decorrência da delimitação do recurso, tendo presente que o Recorrente em qualquer das suas conclusões lhe faz alusão.
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No que se refere a custas, as da acção são fixadas em ½ para cada uma das partes, sendo as do recurso, não tendo a Autora respondido, a cargo do Recorrente, por decaimento numa parte e no mais por daquele tirar proveito, sem prejuízo do decidido sobre apoio (artigo 527.º do CPC).
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VI – DECISÃO:
Acordam os juízes que integram a Secção social do Tribunal da Relação do Porto:
1. No não provimento da reclamação apresentada, confirmar o despacho reclamado, condenando o Recorrente/reclamante nas custas, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça, sem prejuízo do decidido sobre apoio judiciário;
2. Na procedência parcial do recurso, mantendo-a quanto ao mais, em revogar parcialmente a sentença quanto ao decidido em A) do dispositivo, sendo o Réu/recorrente absolvido nessa parte.
No que se refere a custas, as da acção são fixadas em ½ para cada uma das partes, sendo as do recurso a cargo do Recorrente, sem prejuízo do decidido sobre apoio judiciário.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão, da responsabilidade exclusiva do relator.
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Porto, 26 de Junho de 2017
Nelson Fernandes
Fernanda Soares
Domingos Morais
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[1] Ac. do STJ de 09/07/2015, Proc.º n.º 818/07.3TBAMD.L1.S1, Conselheiro Abrantes Geraldes, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Código a que respeitam todos os preceitos legais doravante citados, sem menção quanto à respectiva origem
[3] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
[4] Anteriormente, artigo 318º do CT de 2003
[5] Assim Ac. do Tribunal Constitucional de 17/5/89, BMJ 387.º, pág. 128.
[6] Resultava do seu n.º 1 que “a posição que dos contratos de trabalho decorre para a entidade patronal transmite-se ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exercem a sua actividade, salvo se, antes da transmissão, o contrato de trabalho houver deixado de vigorar nos termos legais, ou se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente, no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele noutro estabelecimento”, sendo que, como resultava do seu n.º 4, o aí disposto era “aplicável, com as necessárias adaptações, a quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento”.
[7] Direito do Trabalho, 2007, pág. 820/1; ainda, em a Jurisprudência Recente do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias em matéria de transmissão da empresa, estabelecimento, ou parte do estabelecimento – inflexão ou continuidade, publicado em Estudos do Instituto do Direito do Trabalho, Almedina, pág. 481 e ss.
[8] Em número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1983, pág. 300.
[9] Ainda, Abílio Neto, Contrato de Trabalho - Notas Práticas, 15ª edição, 215, por apelo a J.C. Javillier, Droit du Travail, 1978, pág. 210, assinalando também que a transmissão que releva para efeitos do artigo 37.º da LCT deve ter carácter global, não sendo no entanto necessário que coincida tecnicamente com o conceito de trespasse, conforme se depreende do nº 4 do mesmo artigo: a exemplo do que sucede amiúde na lei fiscal, o legislador do trabalho terá privilegiado as situações de facto em detrimento das qualificações jurídicas.
[10] Também, Vasco da Gama Lobo Xavier, RDES, XXVIII, págs. 443 e ss, ao referir que quando o estabelecimento muda de sujeito de exploração, designadamente porque é transmitido para outrem, os contratos de trabalho, que ligam os trabalhadores deste estabelecimento ao seu proprietário, mantêm-se, transmitindo-se para o respectivo adquirente a posição contratual que, desses contratos, decorre para aquele.
[11] www.dgsi.pt
[12] Questões Laborais, 5.º, pág. 112: O conceito de estabelecimento deve ser entendido em termos amplos, de modo a abranger a organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria, os conjuntos subalternos, que correspondam a uma unidade técnica de venda, de produção de bens ou fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja dotada de uma autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma unidade produtiva autónoma, com organização específica.
[13] todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[14] www.dgsi.pt
[15] Relatora Hermínia Marques, disponível no mesmo Sítio.
[16] Cfr. Ac. RC de 23 de Fevereiro de 2017, disponível em www.dgsi.pt.
[17] Ac. RC indicado, citando o Ac. da Relação de Lisboa de 24/5/2006, proc. 869/06, disponível em www.dgsi.pt
[18] Mário Pinto, Furtado Martins e Nunes de Carvalho, em Comentário às Leis Laborais, Vol. I, Lex, pag. 176 e segs
[19] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
[20] Vejam-se sobre a problemática, designadamente: João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 2009, pág. 195 e ss., admitindo tal direito, mas apenas no sentido de se opor à substituição do empregador, por configurar uma modificação substancial do contrato, habilitando por essa razão o trabalhador a resolver o contrato com justa causa, ao abrigo do disposto no artigo 394.º, n.º 3, alínea b), do CT; Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 2014, pág. 233, no mesmo sentido, mas apontando a fragilidade da posição do trabalhador, uma vez que em tal caso não haverá direito a qualquer compensação ou indemnização; Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, II, 2006, pág. 680, sustentando também, já a luz do CT/2003, embora considerando inadmissível a oposição global dos trabalhadores, que assiste ao trabalhador o direito a resolver o contrato com justa causa, ao abrigo do disposto no artigo 441.º n.º 3, alínea b), do CT, assistindo-lhe ainda o direito a ser indemnizado se conseguir provar o prejuízo sério que para ele decorre da mudança do local de trabalho, nos termos do artigo 315.º, n.º 4.
[21] Na jurisprudência, vd. os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/12/2011 (proferido no processo n.º 1022/09.1TTCBR.C1) e do Tribunal da Relação do Porto de 21/02/2011 (proferido no processo n.º 345/10.1TTPNF.P1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt; Na doutrina, João Leal Amado, in Contrato de Trabalho – À Luz do Novo Código do Trabalho, pág. 443
[22] Assim, Pedro Romano Martinez, Apontamentos Sobre a Cessação do Contrato de Trabalho À Luz do Código do Trabalho, edição da A.A.F.D.L., 2004, pág. 156.
[23] In Direito do Trabalho, vol. I, pág. 1044.
[24] “Salários em Atraso – Rescisão e Suspensão do Contrato, Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02 de Maio de 1991”, RMP, n.º 51, 1992, 161
[25] Vd. nesse sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.03.2009, disponível em www.dgsi.pt.
[26] Cf. Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Ed., Principia, 2012, pág. 533.
[27] Assim: Pedro Furtado Martins; Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parre II-..., 4ª ed., págs.931/932; Pedro Romano Martinez e outros, Código Trabalho Anotado, 4ª ed, 2005, anotação de Joana Vasconcelos, pág. 719; Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 6.ª ed, pág. 969; Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Ed., pág. 610.
[28] Relator Conselheiro Pinto Hespanhol, disponível em www.dgsi.pt.
[29] Ainda, do STJ, para além de outros, os Acórdãos de 16/03/2017, Relator Conselheiro Chambel Mourisco, e 01/10/2015, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[30] Relator Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt.
[31] Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição, Principia, pág.537.
[32] Cfr., entre outros, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 4ª ed., pág. 445 e segs. e Sinde Monteiro, Estudos Sobre a Responsabilidade Civil, 1983, pág. 9 segs.
[33] No limite, logo no dia da transmissão de um estabelecimento/posição de empregador, o trabalhador, com base em falta de pagamentos de salários pelo anterior empregador há mais de 60 dias, que nem sequer invocou perante aquele em termos de exercer esse direito, poderia resolver o seu contrato com o novo empregador, com justa causa.
[34] Citando o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.01.16, pode ler-se no Ac. R.C. de 23 de Fevereiro de 2017, supra citado, “tendo presente o disposto no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, compete ao trabalhador alegar e provar que entre ele e o primitivo empregador existia uma relação de trabalho subordinado, que o estabelecimento onde a sua actividade era prestada tinha sido transmitido para o réu e que, à data dessa transmissão, o seu vínculo laboral com aquele primitivo empregador ainda se mantinha.”
[35] Com a redacção seguinte: “1 - O transmitente e o adquirente devem informar os representantes dos respectivos trabalhadores ou, caso não existam, os próprios trabalhadores, sobre data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projectadas em relação a estes. 2 - A informação referida no número anterior deve ser prestada por escrito, antes da transmissão, em tempo útil, pelo menos 10 dias antes da consulta referida no número seguinte. 3 - O transmitente e o adquirente devem consultar os representantes dos respectivos trabalhadores, antes da transmissão, com vista à obtenção de um acordo sobre as medidas que pretendam aplicar aos trabalhadores na sequência da transmissão, sem prejuízo das disposições legais e convencionais aplicáveis a tais medidas. 4 - Para efeitos dos números anteriores, consideram-se representantes dos trabalhadores as comissões de trabalhadores, bem como as comissões intersindicais, as comissões sindicais ou os delegados sindicais das respectivas empresas.”
[36] O mesmo acontece, acrescente-se, quando se fez constar da sentença que o Réu é advogado, muito menos quando se fundamenta essa afirmação no que se teria dito uma testemunha em julgamento, como também, com o mesmo fundamento, sobre se (ao contrário do que alegou, art. 66º da contestação), antes se tinha dedicado à actividade de Industria Hoteleira, citando-se apenas o que se fez constar, a propósito, na motivação da resposta negativa dada à matéria de tal artigo, que “(…) de acordo com a testemunha L..., o R. B... já antes tinha tido negócios desse tipo, estando ligado ao ramo da pastelaria.”. Na verdade, o direito há-de ser sito sobre factos provados e não propriamente sobre o que foi ou não referido pelas testemunhas em julgamento, que tem o seu assento, aí sim, no momento da formulação do juízo sobre a prova ou não daqueles factos.
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Sumário – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC:
“I – No artigo 285.º do CT de 2009 prevê-se uma noção ampla de transmissão de empresa ou estabelecimento, ou uma sua parte, com a consequente transmissão da posição jurídica do empregador, sempre que ocorra uma transferência de uma unidade económica que mantenha a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizado com objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória – o que tem sido também afirmado pela Jurisprudência do TJUE, à luz das Directivas 77/187/CE, 98/50/CE e 2001/23/CE –, englobando-se nesse conceito uma multiplicidade de hipóteses, tais como o trespasse do estabelecimento, a transmissão decorrente da venda judicial, a mudança de titularidade do estabelecimento por força da fusão ou cisão de sociedades, a aquisição de uma empresa privada por uma pessoa colectiva de direito público e até situações de transmissão inválida, neste caso por a destruição do negócio não obstar à eficácia dos contratos de trabalho com o transmissário relativamente ao tempo em que os mesmos forem executados.
II – O regime estabelecido teve em vista, por um lado, garantir o direito à manutenção do posto de trabalho, que constitui uma das vertentes do direito constitucional consagrado no artigo 53º da CRP, nos casos de transmissão do estabelecimento ou da sua exploração, e, por outro, tutelar o próprio estabelecimento, ou seja garantir a continuidade do funcionamento da empresa que é objecto da transmissão.
III – Numa situação de adjudicação em processo de execução, estando o adquirente privado sem culpa sua do livre acesso ao estabelecimento, que aliás continuou a ser explorado por outrem, não se pode considerar que aquele tenha já assumido a posição jurídica de empregador, para efeitos do disposto no artigo 285.º do CT, em relação aos trabalhadores, pois que, também por aquela razão, não pôde exercer os seus poderes enquanto tal.
IV – O trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva, nos termos do disposto no artigo 394.º do CT/2009, se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, sendo ainda necessária a exigência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral.
V – Quando perante um caso de transmissão do estabelecimento, transmitindo-se é certo por lei para o adquirente os direitos e obrigações quanto aos trabalhadores, já quanto à formulação do juízo de culpa, para efeitos de aferir da justa causa de despedimento pelo trabalhador com justa causa subjectiva, se impõe valorar apenas a actuação concreta do adquirente, o mesmo ocorrendo, ainda, quanto a saber se, em razão da sua gravidade e consequências, esse mesmo comportamento tornou imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho, em moldes de justificar a resolução do contrato com justa causa.
VI – Numa acção em que se invoque transmissão do estabelecimento e por sua decorrência da posição de empregador, a alegação e prova de que o adquirente tinha conhecimento de que se encontram em dívida remunerações ao trabalhador é constitutivo do direito, tendo presente o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CC.

Nelson Fernandes