Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1920/14.0TBSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
CONSTITUIÇÃO DE MANDATÁRIO
PODERES DOS MANDATÁRIOS JUDICIAIS
TAXA DE JUSTIÇA
REVELIA
EXCEPÇÕES
ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
REQUISITOS
Nº do Documento: RP201710261920/14.0TBSTS.P1
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 661, FLS 324-335)
Área Temática: .
Sumário: I - A impossibilidade de confessar a ação, por parte de mandatário constituído com a atribuição de poderes forenses gerais não se confunde com a assunção/confissão de concretos factos alegados pela parte contrária, sob pena de estar vedado ao mandatário do réu assim constituído a possibilidade de assumir como verdadeiros, em contestação, concretos e específicos factos alegados pelo autor na petição inicial – o que, manifestamente, não se verifica.
II - No âmbito da acessão industrial imobiliária, relativamente a obras feitas de boa-fé em terreno alheio, a que se reporta o artigo 1340.º, n.º 4, do Código Civil, não deixa de se verificar a boa-fé quando a autorização dada é determinada pela relação que então existia entre os intervenientes mas não foi condicionada a essa mesma relação e à sua subsistência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1920/14.0TBSTS.P1
5.ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I- A impossibilidade de confessar a ação, por parte de mandatário constituído com a atribuição de poderes forenses gerais não se confunde com a assunção/confissão de concretos factos alegados pela parte contrária, sob pena de estar vedado ao mandatário do réu assim constituído a possibilidade de assumir como verdadeiros, em contestação, concretos e específicos factos alegados pelo autor na petição inicial – o que, manifestamente, não se verifica.
II- No âmbito da acessão industrial imobiliária, relativamente a obras feitas de boa-fé em terreno alheio, a que se reporta o artigo 1340.º, n.º 4, do Código Civil, não deixa de se verificar a boa-fé quando a autorização dada é determinada pela relação que então existia entre os intervenientes mas não foi condicionada a essa mesma relação e à sua subsistência.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
1. B... intentou a presente ação declarativa de condenação contra C..., ambos melhor identificados nos autos.
1.1 O autor alega que manteve com a ré uma relação afetiva que se iniciou em 1999 e terminou em 2009, tendo mantido neste período uma relação como se marido e mulher fossem. Ao longo dos referidos anos estabeleceu uma profunda relação com os pais da ré; o pai sempre o tratou como se fosse seu verdadeiro genro e sempre o incentivou a construir uma casa em terreno contíguo à sua habitação e para aí passar a viver com a ré; perante esta insistência e a relação estável que então tinha com a ré, aceitou. Em consequência apresentou na Câmara – e foi deferido – pedido de licenciamento de moradia unifamiliar a construir em terreno dos pais da ré; por isso, todos os pedidos de licenciamento foram feitos em nome do pai da ré, mas este sempre afirmava ao autor que podia construir, sem risco, pois a obra a realizar era dele, autor.
Assim, ao longo dos anos e desde 2002, comprando materiais e executando ele próprio alguns dos trabalhos, que menciona, tem uma habitação quase construída, faltando alguns acabamentos que igualmente descreve. Em novembro de 2006, os pais da ré doaram a esta a parcela de terreno onde a casa foi construída. Entretanto, em 2009 findou a relação afetiva entre autor e ré e em 2011 faleceu o pai da ré. Esta não aceita ou pagar a obra construída no seu terreno ou receber o preço do terreno ficando o prédio para o autor. Este construiu a referida obra em terreno alheio; mas fê-lo em absoluta boa-fé, com conhecimento dos donos, a pedido destes e na sua presença, sem qualquer oposição.
De avaliação que foi entretanto efetuada resulta que o valor da construção é superior ao do terreno e que este, em 2002, quando se efetuaram as obras, tinha um valor inferior ao atual.
O autor afirma que tem o direito de adquirir o terreno contra o pagamento do valor do mesmo à data da feitura das obras.
Conclui formulando pedido (tem-se aqui em conta a redução do pedido entretanto formulada pelo autor no requerimento de fls. 98); afirma que a ação deve ser julgada provada e procedente e, por via dela, ser:
a) Declarado que a construção realizada na parcela de terreno sita na Rua ..., descrito na Conservatória sob o n.º 3045 e inscrito no artigo 4486 foi realizada e paga pelo autor e em total boa-fé.
b) Declarado que o valor da construção é de € 43.200,00 e que o valor do terreno antes da mesma construção era de € 15.000,00.
c) Declarado que o autor tem direito a fazer seu o terreno supra identificado, ou seja reconhecida a propriedade do mesmo contra o pagamento à ré de quinze mil euros.
d) Ainda que se na perícia a realizar resultar que o terreno tem valor superior ao da construção, condenada a ré a pagar ao autor o valor que for fixado para esta.
1.2 A ré, regularmente citada, apresentou contestação e constituiu mandatário, nos termos da procuração de fls. 32 (concedendo ao mandatário “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos”), comprovando ainda nos autos a formulação de pedido de proteção jurídica junto da Segurança Social, na modalidade de apoio judiciário.
Na contestação impugna parte dos factos alegados. Confirma a relação que teve com o autor e a edificação feita no terreno de seus pais; impugna as afirmações atribuídas a seu pai e a intervenção do autor nos termos que por este são afirmados.
A construção a que se alude nos autos, foi toda ela erguida por autor e ré, com a ajuda de amigos e familiares da ré; os materiais de construção foram adquiridos pelos pais da ré e a expensas destes. Ao contrário do que alega o autor, a obra está apenas na fase de pedreiro, e o seu valor está muito longe dos que são peticionados.
Conclui afirmando que a ação deverá ser julgada não provada e improcedente, com as legais consequências.
1.3 Ambas as partes, nos respetivos articulados, pedem a realização de prova pericial, tendo em vista a determinação dos valores da construção e do terreno, sendo este antes e depois da edificação.
O tribunal julgou adequado como primeiro ato, ainda antes da tentativa de conciliação, a realização de perícia colegial, a qual foi determinada nos termos documentados a fls. 42.
A perícia realizou-se, constando o resultado da mesma das respostas que fazem fls. 67 a 72.
Entretanto, em 1 de setembro de 2015, nos termos documentados a fls. 80, a Segurança Social veio informar que o pedido de proteção jurídica que havia disso formulado pela ré foi considerado indeferido, reportando-se para o efeito a comunicação à ré, de fevereiro desse ano, à qual ela não respondeu.
Esta informação foi notificada nessa mesma data ao autor e à ré, por cartas remetidas aos respetivos mandatários.
Decorrido um mês, foram emitidas em nome do mandatário da ré guias para “pagamento antecipado de encargos” e para pagamento de multa com referência ao artigo 570.º do Código de Processo Civil e, em 2 de outubro de 2015, foi remetida notificação ao mandatário da ré, com o seguinte teor (transcrição parcial):
«Assunto: Pagamento de taxa de justiça e multa – art.º 570.º, n.º 3 CPC e encargos Com referência ao processo acima identificado, fica notificado, na qualidade de Mandatário do Réu C..., para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento da taxa de justiça devida acrescida de uma multa de igual montante e juntar aos autos o respetivo documento comprovativo.»
Segue-se a indicação de procedimentos.
Em 1 de dezembro de 2015 foi proferido despacho nos seguintes termos:
«Uma vez que o apoio judiciário requerido pela Ré foi indeferido e a não pagou a taxa de justiça devida, nos termos do disposto no art.º 570.º, n.º 3 do C.P.C., determina-se a notificação da mesma nos termos do disposto no art.º 570.º, n.º 5, do referido Código fixando-se a multa no mínimo legal.»
No dia 3 de dezembro foi remetida notificação ao mandatário da ré, com o seguinte teor (transcrição parcial):
«Assunto: Pagamento da taxa de justiça inicial e multas – art.º 570.º, n.º s 5 e 6 CPC
Com referência ao processo acima identificado e em cumprimento do despacho reproduzido na cópia anexa, fica por este meio notificado, na qualidade de Mandatário do Réu C..., para, no prazo de 10 dias, comprovar nos autos o pagamento da taxa de justiça devida e da multa de igual valor, acrescidas de uma segunda multa de valor igual ao da taxa de justiça devida.»
Segue-se a indicação de procedimentos e a seguinte advertência:
«Cominação
A falta de pagamento da taxa de justiça e das multas no prazo assinalado implica o desentranhamento, da contestação.»
Não tendo sido efetuado qualquer pagamento, em 11 de janeiro de 2016 foi proferido o seguinte despacho:
«Nos termos do disposto no art.º 570.º, n.º 6 do C.P.C. determina-se o desentranhamento da contestação e a sua devolução deixando cópia em seu lugar.»
Esta determinação foi cumprida, conforme termo de fls. 92, e foi notificada aos mandatários de autor e ré.
Foi depois proferido despacho nos seguintes termos:
«Uma vez que não ocorre quaisquer dos casos previstos no art.º 568.º do Código de Processo Civil, estamos perante uma revelia absoluta operante, nos termos do disposto no art.º 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil – (art.º 5.º, nº. 1 da Lei 41/2013, de 26 de Junho).
Pelo que, encontram-se confessados por parte do Réu, os factos articulados pelo Autor na petição inicial.
Destarte, cumpra-se o disposto no art.º 567.º, n.º 2 do C.P.C.
(…).»
Esta decisão foi notificada aos mandatários de autor e ré.
O autor apresentou alegações, nos termos enunciados no artigo 576.º do Código de Processo Civil.
Pelo mandatário da ré foi apresentado nos autos substabelecimento sem reserva, cuja junção foi admitida.
Foi então proferida sentença (fls. 114 e seguintes), culminando na seguinte decisão:
«Destarte, julga-se totalmente procedente a presente ação, e em consequência,
-Declara-se que a construção realizada na parcela de terreno sita na Rua ..., descrito na Conservatória sob o n.º três mil e quarenta e cinco e inscrito no art.º 4486 foi realizada e paga pelo A. e em total boa-fé.
-Declara-se que o valor da construção é de € 43.200,00 (quarenta e três mil e duzentos euros) e que o valor do terreno antes da mesma construção era de quinze mil euros.
-Declara-se que o A. tem direito a fazer seu o terreno supra identificado, ou seja reconhecida a propriedade do mesmo contra o pagamento à R. de quinze mil euros.»
2.1 A ré, não se conformando com a decisão proferida, veio interpor recurso para este Tribunal da Relação; conclui nos seguintes termos a respetiva motivação de recurso:
«1- A sentença em crise, salvo o devido respeito, não reparou que a Alegante/Ré nos presentes autos depois de citada em 04/07/2014, para no prazo de 30 dias, contestar, querendo, a ação com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo autor, constituiu mandatário mediante procuração, datada de 25/07/2014, a quem concedeu, apenas, os mais amplos poderes forenses em direito permitidos (fls. 32) dos autos.
2- A sentença em crise não percebeu que os autos prosseguiram os seus trâmites normais com a realização da perícia requerida pela Alegante, até que, a fls. 80 dos autos a Segurança Social notifica o tribunal que o pedido de proteção jurídica requerida pela Ré/Alegante, foi indeferido, e em face disto a secretaria, a fls. 85 dos autos, notifica, apenas, o Ilustre mandatário da Ré para proceder ao pagamento antecipado dos encargos com a perícia requerida e não a Alegante.
3- A fls. 89 dos autos e com data de 23/11/2015, consta um despacho proferido pela Meritíssima Juiz de Direito em que na sequência do indeferimento do apoio judiciário requerido pela Ré, esta, não pagou a taxa de justiça devida, nos termos do artigo 570.º n.º 3 do CPC., determina-se a notificação da mesma nos termos do artigo 570.º, n.º 5 do referido Código fixando-se a multa no mínimo legal”.
4- A sentença em crise não reparou que a fls. 91 a secretaria, apenas, notifica o mandatário da Ré, mas não notifica na pessoa da Ré do mesmo despacho proferido, para proceder ao pagamento de taxa de justiça inicial e multas nos termos do artigo 570.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, com a cominação de que a falta de pagamento importa o desentranhamento da contestação dos autos.
5- E porque o não pagamento da taxa de justiça importava um ato de confissão dos factos articulados pelo autor, incumbia à secretaria notificar na pessoa da Ré do mesmo despacho, nos termos do artigo 157.º n.º 2.
6- A sentença em crise não reparou que a procuração que a Alegante juntou a mandatário, por si escolhido, apenas conferia poderes forenses gerais e nos termos do artigo 44.º n.º 1 “o mandato atribui poderes ao seu mandatário para representar a parte em todos os atos e termos do processo principal e respetivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, sem prejuízo das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante. (sublinhado nosso)
7- E o artigo 45.º do Código de Processo Civil estatui no seu n.º 1 que “Quando a parte declare na procuração que concede poderes forenses ou para ser representada em qualquer ação, o mandato tem a extensão definida no artigo e o n.º 2 refere que “Os mandatários judiciais só podem confessar a ação, transigir sobre o seu objeto e desistir do pedido ou da instância quando estejam munidos de procuração que os autorize a praticar qualquer desses atos”. (sublinhado nosso)
8- A sentença em crise não reparou que a procuração junta aos autos, apenas contém poderes forenses gerais, não valida o processado que entretanto se desenvolveu a seguir ao despacho de fls. 89, e que necessita de ratificação, que é um ato que alguém faz seu, ou chama a si, o ato jurídico realizado por outrem em seu nome e através da exigência da ratificação protege os interesses das partes a fim de obstar a que uma deficiente intervenção processual possa prejudicar a sua posição substancial na relação jurídica litigada.
9- E no caso concreto a secretaria ao não cumprir o despacho e não notificar na pessoa da Ré para proceder ao pagamento das custas judiciais e multa nos termos do artigo 570.º, n.ºs 5 e 6, salvo o devido respeito, cometeu uma irregularidade processual que prejudica todos os atos posteriores do processo, verifica-se, no caso em crise, uma violação das disposições dos artigos 570.º, 44.º, 45.º e 157.º do Código de Processo Civil.
10- Esta irregularidade tem implícito a nulidade de todos os atos do processo, desde, o momento em que foi proferido o despacho de fls. 89, incluindo a sentença proferida, decidindo este Venerável Tribunal Superior pela anulação da sentença com a repetição da notificação à pessoa da Ré e o normal prosseguimento dos autos.
Decidida em conformidade, esta, primeira parte do recurso, no modesto entendimento do recorrente, não deveria pronunciar-se este Venerável Tribunal Superior sobre a restante matéria apresentada no recurso.
Caso assim não seja entendido, e sem prescindir:
11- A lei processual no seu artigo 567.º do Código de Processo Civil, estabelece uma cominação semi-plena e não um efeito cominatório pleno, isto é, não há uma fatal e condenação imediata no pedido como consequência da revelia operante. Na verdade, a parte final do n.º 2 do artigo 567.º do mesmo diploma, estabelece que “(…) e em seguida é proferida sentença julgando a causa conforme for de direito”.
12- O tribunal irá julgar a causa conforme for de direito, o que significa que os factos reconhecidos por falta de contestação tanto podem determinar a procedência da ação, total ou parcial, como podem conduzir à absolvição do Réu da instância, com base na verificação das exceções dilatórias de que o tribunal tenha conhecimento oficioso ou do pedido.
13- A sentença em crise ao aplicar a fórmula do artigo 567.º do Código de Processo Civil e considerar os factos alegados pelo autor como confessados determinou que o desfecho da lide seja, necessariamente, aquele que o demandante pretende, salvo o devido respeito, não julgou a causa aplicando o direito aos factos admitidos (efeito cominatório semi-pleno da revelia operante).
14- Os documentos que o Autor junta com a sua petição inicial, não são suficientes para que resulte automaticamente a aplicação do artigo 567.º do Código de Processo Civil e que todos os factos alegados sejam dados como provados.
15- Salvo o devido respeito, entende o alegante que a situação em concreto, cabe na exceção do artigo 568.º, alínea d) do Código de Processo Civil que estipula: “Não se aplica o disposto no artigo anterior; quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito” e a decisão final deveria ser no sentido de indeferimento da pretensão do Autor,
16- Ao não fazer a prova documental da propriedade dos materiais utilizados na obra, não se verificou, também, no caso dos autos o preenchimento do requisito que os materiais utilizados nas obras lhe pertencem, não vingando no processo, a aquisição da propriedade por via da acessão industrial imobiliária.
17- De acordo com o estabelecido no artigo 1340.º, n.º 4 do Código Civil existe boa fé quando o autor da obra desconhecia que o terreno era alheio, ou, conhecendo que o terreno era alheio, foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno e o artigo 1260.º, nº do Código Civil, também nesta matéria da aquisição do direito de propriedade, por acessão, não se afastou do conceito de boa-fé adotado em matéria possessória, pretendendo retirar do mesmo os casos em que o construtor sabe que a respetiva atuação implica a lesão dos direitos de terceiro. Tratando-se de boa-fé subjetiva, não basta à primeira modalidade a boa-fé no sentido psicológico. A boa-fé subjetiva é, entre nos, sempre ética: só pode invocar a boa-fé quem, sem culpa, desconheça certa ocorrência.
18- No caso em apreço, o recorrido, sabia quem eram os verdadeiros proprietários, sabia que o terreno que edificou as instalações era alheio, pois como ele próprio reconhece e alega nos factos dados como provados, no entanto, nunca o Autor alega ser ou estar convencido que era proprietário do terreno.
19- A sentença em crise não teve em conta, o conceito de boa-fé na segunda modalidade, a autorização para incorporação da obra em terreno alheio, designadamente os relativos à intenção de adquirir, em que, a autorização da obra pode ser condicionada, limitada pelo dono do terreno quanto aos efeitos da incorporação e se o for, importa ter em consideração esses limites ou condicionamentos.
20- A sentença em crise no caso em apreço, não teve em conta nos factos alegados e dados como confessados que o dono do terreno e pais da Alegante o incentivaram a construir uma casa no terreno contiguo à sua habitação para aí passar a viver com a Ré, constituindo família e aí vivendo como marido e mulher.
21- Com efeito, uma coisa é a autorização da incorporação pelo dono do terreno, prevista pela parte final do n.º 4 do artigo 1340.º do Código Civil, que é uma permissão dada por alguém a terceiro para levantar no seu terreno uma obra, para ali criar um novo valor económico com materiais desse terceiro, permissão essa que se supõe incondicionada, não negociada quanto aos seus efeitos; outra bem diferente, é ter sido dada com a finalidade de as obras feitas se destinarem unicamente a possibilitar a vida em comum.
22- Assim defende Pires de Lima e Antunes Varela, em Código Civil, anotado, pág. 164 “Quanto à autorização para praticar os atos materiais em que a acessão de traduz, tanto pode ser atribuída através de uma declaração de vontade expressa, feito pelo proprietário da coisa, como resultar, por exemplo, de um contrato translativo nulo por vício de forma (…) ou de um contrato promessa em que se convencione a imediata entrega da coisa ao promissário, para que dela se sirva como se já lhe pertencesse.”
23- A sentença em crise não teve em conta que no caso dos autos a autorização concedida ao Autor para construir em terreno alheio foi uma autorização, com efeitos determinados quanto ao benefício a retirar pelo autor da incorporação, não pode este vir, agora, pretender retirar outros benefícios maiores do que os que lhe foram concedidos e aceitou (de certo que aceitou, de contrário não teria feito as obras).
24- A boa-fé aqui a considerar é a boa-fé, princípio geral de direito, a boa-fé como regra de atuação legal, correta, no cumprimento e no exercício de direitos.
25- Daí que, no caso concreto, e salvo o devido respeito pela mui nobre e difícil arte de julgar, no entendimento do recorrente, o autor não agiu com boa-fé e desta forma, não se verifica o preenchimento deste requisito não vingando a acessão industrial imobiliária, pelo que deveria improceder o pedido do Autor na ação principal.
Termina afirmando que, pelos fundamentos expostos, deve este Tribunal Superior julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogar a sentença recorrida, indeferindo-se a pretensão do autor.
2.2 O autor apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:
«A) As conclusões da recorrente expressas nos números 1 a 10 das Doutas Alegações não merecem acolhimento, por duas ordens de razões:
Primeira: a notificação teria de ser efetuada na pessoa do mandatário da recorrente.
Segunda: Sempre a arguição de uma eventual nulidade é extemporânea.
B) As conclusões da recorrente expressas nos números 11 a 16 das Doutas Alegações não merecem acolhimento pela razão simples de que a obrigatoriedade da forma apenas se aplica aos imóveis.
C) As conclusões da recorrente expressas nos números 17 a 25 das Doutas Alegações não merecem acolhimento pela razão simples de que, a boa-fé, está alegada e provada e ainda porque todos os elementos exigidos pelos artigos 1339.º e 1340.º do C.C. estão verificados.»
Termina afirmando que a sentença deve manter-se no seu todo.
2.3 O tribunal recorrido proferiu despacho relativamente à arguição de nulidade, afirmando a sua improcedência.
3. Colhidos os vistos legais e na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pelo apelante definem a matéria que é objeto de recurso e que cabe aqui precisar, delas resultando que se impõe a apreciação das seguintes questões:
• A alegada insuficiência de mandato e falta de notificação pela secretaria.
• A exceção prevista na alínea d) do artigo 568.º do Código de Processo Civil.
• Os requisitos da acessão industrial imobiliária.
II)
Fundamentação
1. A alegada insuficiência de mandato e falta de notificação pela secretaria.
1.1 A este propósito e em termos sumários, a recorrente pretende que a sentença em crise não reparou que a ré, depois de citada para contestar a ação com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo autor, constituiu mandatário mediante procuração, a quem concedeu, apenas, os mais amplos poderes forenses em direito permitidos; não percebeu ainda que os autos prosseguiram os seus trâmites normais até que a Segurança Social notificou o tribunal que o pedido de proteção jurídica da ré foi indeferido e que em face disto a secretaria notifica, apenas, o mandatário da ré para proceder ao pagamento antecipado dos encargos com a perícia requerida e não a alegante; também não percebeu que, não tendo sido paga a taxa de justiça devida, nos termos do artigo 570.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, foi proferido despacho determinando a notificação da ré nos termos do artigo 570.º, n.º 5 do mesmo diploma e fixando multa no mínimo legal.
Entende que, porque o não pagamento da taxa de justiça importava um ato de confissão dos factos articulados pelo autor e perante os termos da procuração, incumbia à secretaria notificar a pessoa da ré relativamente ao mesmo despacho, nos termos do artigo 157.º n.º 2, do Código de Processo Civil. E que esta irregularidade tem implícita a nulidade de todos os atos do processo, desde que foi proferido o despacho de fls. 89, incluindo a sentença proferida, perante o que deve decidir-se a anulação da sentença com a repetição da notificação à pessoa da ré e o normal prosseguimento dos autos.
Nos termos do artigo 570.º do Código de Processo Civil, estando o réu a aguardar decisão sobre a concessão do benefício de apoio judiciário, o réu deve comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça ou juntar ao processo o respetivo documento comprovativo no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que indefira o pedido de apoio judiciário (n.º 2); na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC (n.º 3); após a verificação, por qualquer meio, do decurso do prazo referido no n.º 2, sem que o documento aí mencionado tenha sido junto ao processo, a secretaria notifica o réu para os efeitos previstos no número anterior (n.º 4); findos os articulados e sem prejuízo do prazo concedido no n.º 3, se não tiver sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa por parte do réu, ou não tiver sido efetuada a comprovação desse pagamento, o juiz profere despacho nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 590.º, convidando o réu a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC (n.º 5).
As secretarias judiciais asseguram o expediente, autuação e regular tramitação dos processos pendentes, nos termos estabelecidos na respetiva lei de organização judiciária, em conformidade com a lei de processo e na dependência funcional do magistrado competente, incumbindo-lhes a execução dos despachos judiciais e o cumprimento das orientações de serviço emitidas pelo juiz, bem como a prática dos atos que lhe sejam por este delegados, no âmbito dos processos de que é titular e nos termos da lei, cumprindo-lhe realizar oficiosamente as diligências necessárias para que o fim daqueles possa ser prontamente alcançado – artigo 157.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Esta norma em nada altera as regras que orientam a notificação das partes, nomeadamente no que concerne à notificação da própria parte ou na pessoa do respetivo mandatário judicial.
Como regra geral, enunciada no artigo 247.º do Código de Processo Civil, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais (n.º 1); no entanto, quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência (n.º 2).
Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são feitas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber – artigo 249.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
No caso específico do comprovativo do pagamento de taxa de justiça e nos termos do artigo 145.º do mesmo diploma legal, quando a prática de um ato processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos (n.º 1); sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção deste documento não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º (n.º 3); sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte, é a parte notificada para que proceda à junção de comprovativo de pagamento ou da concessão de apoio judiciário, sob pena de ficar sujeita às cominações legais (n.º 5).
No caso dos autos e perante o disposto no artigo 40.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, estamos perante causa de constituição obrigatória de advogado. Em tais circunstâncias e porque não está em causa o chamamento da parte para a prática de ato pessoal, a notificação à ré materializa-se na pessoa do respetivo mandatário, tendo presente o facto da ré assim o ter constituído e o quadro legal que se deixou sumariamente enunciado, pelo que improcede este argumento da recorrente.
1.2 Nesta parte, a ré menciona ainda como fundamento do recurso o facto de se considerar haver confissão por parte do respetivo mandatário, quando é certo que a procuração emitida apenas lhe atribui poderes forenses gerais.
O mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os atos e termos do processo principal e respetivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, sem prejuízo das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante (artigo 44.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); tem a extensão definida nesta norma quando a parte declare na procuração que concede poderes forenses ou para ser representada em qualquer ação; no entanto, os mandatários judiciais só podem confessar a ação, transigir sobre o seu objeto e desistir do pedido ou da instância quando estejam munidos de procuração que os autorize expressamente a praticar qualquer desses atos – é o que determina o artigo 45.º do mesmo código.
É pacífico que, no caso dos autos, a ré constituiu mandatário, com a atribuição de poderes forenses gerais. Daí resulta que o respetivo mandatário, perante os termos da concreta procuração de fls. 32, não podia confessar a ação, transigir sobre o seu objeto e desistir do pedido ou da instância.
A impossibilidade de confessar a ação não se confunde no entanto com a assunção/confissão de concretos factos alegados pela parte contrária, sob pena de estar vedado ao mandatário do réu constituído com poderes forenses gerais a possibilidade de assumir como verdadeiros, em contestação, concretos e específicos factos alegados pelo autor na petição inicial – o que, manifestamente, não se verifica, importando salientar que esta admissão dos factos não dispensa, por parte do tribunal, a apreciação da solução de direito perante os factos que resultam provados.
A não se entender assim não faria sentido, por exemplo, a norma do artigo 567.º do Código de Processo Civil, quando estabelece – sob a epígrafe “efeitos da revelia” – que, se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. Resulta desta norma que, tendo sido constituído mandatário e não operando as exceções enunciadas no artigo 568.º, a falta de contestação tem o efeito estabelecido mesmo que tenha sido remetida para os autos procuração com a constituição de mandatário judicial por parte da ré.
Conclui-se por isso que não ser verifica violação das disposições dos artigos 570.º, 44.º, 45.º e 157.º do Código de Processo Civil e, por isso, a alegada insuficiência de mandato e falta de notificação pela secretaria.
2. Factos relevantes.
Antes de avançar na apreciação das restantes questões suscitadas em sede de motivação do recurso e com interesse para a decisão a proferir, importa considerar os factos relevantes.
Relevam os factos que se deixaram sumariamente enunciados no relatório que constitui a parte inicial do presente acórdão e que aqui se dão por reproduzidos; relevam ainda os factos que foram julgados provados e não provados na sentença que é objeto de recurso e que integralmente se transcrevem. Assim:
«III – Nos termos do art.º 567º., n.º 1 do C.P.C., se o Réu, citado na sua própria pessoa, ou como tal se considerando, não contestar, consideram-se confessados os factos articulados pelo Autor.
Vistos os autos, atento o disposto nos citados preceitos legais, bem como tendo em atenção a falta de contestação da Ré e bem assim os documentos juntos aos autos, consideram-se assentes todos os seguintes factos constantes da petição inicial e do requerimento de redução do pedido:
*
FACTOS PROVADOS:
1- A. e R. mantiveram entre si uma relação afetiva, que se iniciou no ano de 1999 e terminou no ano de 2009.
2- Durante este tempo habitaram a mesma casa, dormiam na mesma cama, comiam à mesma mesa.
3- Tinham uma relação como se marido e mulher fossem.
4- Ao longo dos referidos anos, o A. estabeleceu uma profunda relação com D... e mulher E... – Pais da R.- Doc. 1 junto com a P.I..
5- É verdade que, em específico, o Pai da R. tratava o A. como se seu verdadeiro genro fosse.
6- Sempre o incentivou a construir uma casa em terreno contiguo à sua habitação e para aí passar a viver com a R..
7- O A. de tanta insistência e porque a relação com a R. era, então, estável, tal aceitou.
8- Ele próprio (o A.) fez um desenho de uma casa, muito embora, e posteriormente, tenha solicitado a um Gabinete de Arquitetura para elaborar o projeto, mas de acordo com as suas sugestões.
9- Em consequência foi apresentada na Câmara Municipal ... pedido de licenciamento para uma moradia unifamiliar composta de rés-do-chão e sótão.
10- A ser construída em terreno pertença dos Pais da R., terreno esse sito na Rua ..., descrito na Conservatória sob o nº três mil e quarenta e cinco e inscrito no art.º 4486.
11- Apresentado na Câmara o pedido de licenciamento, o mesmo foi classificado como o Processo n.º .../01.
12- O licenciamento foi deferido.
13- Foram assim apresentados os projetos de arquitetura, de saneamento, de gás, de abastecimento de água, bem como o projeto elétrico.
14- Dado que o terreno ainda estava em nome do Pai da R. todos os pedidos de licenciamento, foram requeridos em nome do mesmo e as licenças em nome deste emitidas.
15- Sempre o Pai da R. afirmava ao A. que podia construir, sem risco, pois a obra a realizar era dele (A.).
16- Foi assim que ao longo dos anos, com início em 2002, o A., por vezes com ajuda dos amigos, executou toda a parte de pedreiro.
17- Comprou e pagou os blocos, tijolos, placas, vigas, ferro, pedra, cimento e areia.
18- O A. executou toda a parte de trolha, bem com a parte elétrica.
19- Executou a carpintaria.
20- Comprou a telha e colocou-a, bem como barrotes e vigas.
21- Hoje está quase construída uma habitação de rés-do-chão e sótão.
22- O rés-do-chão é constituído por cozinha, quarto de banho, sala e dois quartos.
23- O sótão destina-se a arrumos.
24- O referido prédio está inacabado, faltando a caixilharia (portas e janelas), revestimento dos pavimentos dos quartos, louças no quarto de banho e ligações de água e eletricidade.
25- Sucede que: aos 21 de Novembro de 2006 os Pais da R., a esta doaram a parcela de terreno onde a casa foi construída, ou seja doaram uma parcela de terreno destinada a construção, sita na Rua ... e com a descrição e inscrição alegada em 10 desta P.I.. – Doc. 2. junto com a P.I
26- Como supra se alegou a relação afetiva entre A. e R. findou em 2009.
27- Entretanto o Pai da R. faleceu aos 05.03.2011- Doc.3 junto com a P.I.
28- A R. não aceita ou pagar a obra construída no seu terreno, ou receber o preço do terreno ficando o prédio para o A..
29- A. construiu a referida obra em terreno alheio (da R.).
30- Fê-lo em absoluta boa-fé, com conhecimento dos então e atual donos, a pedido destes.
31- Fê-lo na presença destes mesmos e sem qualquer oposição.
32- Visando definir quer o valor do terreno, quer o valor da obra construída pelo A., este solicitou uma avaliação.
33- Desta avaliação resulta que hoje:
- o terreno tem o valor de €30.260,00; e
- a construção tem o valor de €43.200,00.
34- Porém, à data da feitura das obras (início em 2002) o terreno tinha o valor de €15.000,00 (quinze mil euros).
35- Ou seja, a construção tem um valor superior ao do terreno.
36- Toda a construção foi executada pelo A., todos os materiais foram por ele adquiridos e pagos, toda a obra realizada no terreno em causa foi paga com o dinheiro do A. ou executada com o seu trabalho.»
3. A exceção prevista na alínea d) do artigo 568.º do Código de Processo Civil.
A recorrente considera a este propósito que os documentos que o autor juntou com a petição inicial não são suficientes para que resulte automaticamente a aplicação do artigo 567.º do Código de Processo Civil e que todos os factos alegados sejam dados como provados, cabendo a situação dos autos, relativamente a alguns dos factos, na exceção do artigo 568.º, alínea d), do mesmo diploma legal; ao não fazer a prova documental da propriedade dos materiais utilizados na obra, não se verificou, também, no caso dos autos o preenchimento do requisito que os materiais utilizados nas obras lhe pertencem, não vingando no processo, a aquisição da propriedade por via da acessão industrial imobiliária.
Pormenoriza que os três documentos que acompanharam a petição inicial (certidão de nascimento da ré, escritura de doação e certidão de assento de óbito do pai da ré) demonstram os factos enunciados nos parágrafos 4, 25 e 27 dos factos provados e que a certidão da Câmara Municipal ... que constitui o documento de fls. 60 prova o que consta nos parágrafos 9, 10, 11, 12 e 14 dos factos provados.
No entanto, não consta qualquer documento que prove o que, alegado pelo autor, consta nos parágrafos 8, 17, 18, 19 e 20 dos factos provados; assim, o autor não fez a prova que lhe cabia – e não pode fazê-la – porque sabe que não tem os documentos necessários e que os materiais em causa foram comprados pelo pai da ré.
Nos termos do artigo 567.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, já anteriormente referido, se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
Esta regra comporta exceções, enunciadas no artigo 568.º, não se aplicando quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar [alínea a)], quando o réu ou algum dos réus for incapaz, situando-se a causa no âmbito da incapacidade, ou houver sido citado editalmente e permaneça na situação de revelia absoluta [alínea b)], quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela ação se pretende obter [alínea c)] ou quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito [alínea d)].
Está em causa esta última alínea, relevando a este propósito o disposto no artigo 364.º do Código Civil, nos termos do qual, quando a lei exigir, como forma de declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força obrigatória superior (n.º 1); se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório (n.º 2).
Em regra, não é exigida forma especial, ocorrendo exceção em específicos casos enunciados em normas legais (como se verifica, nomeadamente, na compra e venda de bens imóveis, com referência ao disposto no artigo 875.º do Código Civil), podendo a exigência de prova documental, em princípio, resultar também de convenção das partes.
No caso específico que aqui se discute, estão em causa os seguintes factos, reportados à construção da casa em questão nos autos: o autor fez um desenho de uma casa, muito embora, e posteriormente, tenha solicitado a um gabinete de arquitetura para elaborar o projeto, mas de acordo com as suas sugestões (§ 8); o autor comprou e pagou os blocos, tijolos, placas, vigas, ferro, pedra, cimento e areia, executou toda a parte de trolha, bem com a parte elétrica, executou a carpintaria e comprou a telha e colocou-a, bem como barrotes e vigas (§§ 17, 18, 19 e 20).
Perante estes específicos factos, não se vê que haja norma legal que explicitamente condicione a prova dos mesmos, exigindo prova documental, ou que tal exigência resulte de convenção das partes, ou ainda que decorra de uma interpretação extensiva de qualquer norma legal, de modo que imponha a sua inclusão na previsão da alínea d) do citado artigo 568.º.
Conclui-se por isso que também aqui improcede a pretensão da recorrente.
4. Os requisitos da acessão industrial imobiliária.
Na sentença recorrida, perante os factos que antes se deixaram transcritos, fundamenta-se a decisão proferida nos seguintes termos:
«Preceitua o art.º 1340.º do Código Civil, que:
Se alguém de boa-fé construir obra em terreno alheio …. e o valor que as obras …tiverem trazido à totalidade do prédio for maior que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras …”.
“Constituem elementos essenciais constitutivos da acessão imobiliária industrial, a incorporação de uma obra pertença, a pertença originária dos respetivos materiais ao autor da incorporação a boa-fé deste e a alienidade em relação ao último terreno incorporado” Ac. da RP de 11.06.2006 – Processo JTRP00039441 – In Legix Extranet.
“A acessão industrial Imobiliária é uma forma de aquisição originária da propriedade que opera por via potestativa com efeito retroativo ao momento da incorporação, ainda que sob condição suspensiva do pagamento de uma quantia determinada, por parte do beneficiário da cessão” Ac. da Rel. de Lisboa de 27.05.2014, Processo 242/08,0TBMFR.L1-7. In Legix Extranet.
Perante a matéria de facto provada, parece certo que está verificada:
- A boa-fé do Autor da incorporação;
- Incorporação de uma obra em terreno alheio;
- O autor da incorporação;
- Valor da obra superior ao do terreno;
- O valor do terreno é igual ao que tinha antes da incorporação.»
A recorrente, contrariando esta fundamentação, pretende que o autor não agiu com boa-fé e, desta forma, não se verifica o preenchimento deste requisito, não vingando a acessão industrial imobiliária, pelo que deveria improceder o pedido do autor. Apela à distinção entre a autorização da incorporação pelo dono do terreno, prevista pela parte final do n.º 4 do artigo 1340.º do Código Civil – que é uma permissão dada por alguém a terceiro para levantar no seu terreno uma obra, para ali criar um novo valor económico com materiais desse terceiro, permissão essa que se supõe incondicionada, não negociada quanto aos seus efeitos – e a autorização dada com a finalidade de as obras feitas se destinarem unicamente a possibilitar a vida em comum – e que diz ser a situação que se verifica nos presentes autos.
Nos termos do artigo 1340.º do Código Civil, se alguém, de boa-fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações (n.º 1); entende-se que houve boa-fé, se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno (n.º 4).
«Confrontada esta disposição com a que define a boa fé em matéria possessória (artigo 1260.º, n.º 1), logo se conclui que a lei não pretendeu afastar-se deste último conceito, e que só para evitar dúvidas, no caso especial de acessão imobiliária, determinou taxativamente os casos em que se deve considerar de boa fé o autor da acessão.
A boa-fé deve existir no momento da construção, sementeira ou plantação, como resulta claramente do texto.
Quanto à autorização para praticar os atos materiais em que a acessão de traduz, tanto pode ser atribuída através de uma declaração de vontade expressa, feito pelo proprietário da coisa, como resultar, por exemplo, de um contrato translativo nulo por vício de forma (…) ou de um contrato promessa em que se convencione a imediata entrega da coisa ao promissário, para que dela se sirva como se já lhe pertencesse (…).» – Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, volume III, página 164, em anotação ao artigo 1340.º.
A aquisição exige e pressupõe a satisfação do crédito que é devido ao dono da coisa cuja propriedade vai perder em benefício do autor da obra.
No caso dos autos foi determinante para a verificação da situação que aqui se discute a relação que então existia entre o autor e a ré e aquela que foi estabelecida entre o autor e o pai da ré.
Certo no entanto é que sempre o pai da ré afirmava ao autor que podia construir, sem risco, pois a obra a realizar era dele, autor e foi assim que ao longo dos anos, com início em 2002, o autor, por vezes com ajuda dos amigos, executou toda a parte de pedreiro, comprou e pagou os blocos, tijolos, placas, vigas, ferro, pedra, cimento e areia, executou toda a parte de trolha, bem com a parte elétrica, executou a carpintaria, comprou a telha e colocou-a, bem como barrotes e vigas, assim se concretizando a construção de uma habitação, praticamente concluída, faltando apenas a caixilharia (portas e janelas), revestimento dos pavimentos dos quartos, louças no quarto de banho e ligações de água e eletricidade.
Determinada pela relação que então existia entre os intervenientes, a autorização dada não foi no entanto condicionada a essa mesma relação e à sua subsistência, não podendo afirmar-se que a autorização dada se destinasse unicamente a possibilitar a vida em comum e fosse condicionada à subsistência da mesma.
Conclui-se por isso que, não havendo motivo para contrariar a sentença recorrida quando entende que o autor agiu com boa-fé, operando a acessão imobiliária industrial, também aqui improcede a pretensão da recorrente – o que determina a improcedência do recurso.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas, acordam os juízes desta secção em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão proferida na sentença recorrida.
Custas a cargo da ré/recorrente.
*
Porto, 26 de outubro de 2017.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes