Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
881/13.8TYVNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: CASO JULGADO FORMAL
PROVA TESTEMUNHAL
ADVOGADO CONSTITUÍDO
Nº do Documento: RP20170130881/13.8TYVNG-A.P1
Data do Acordão: 01/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 642, FLS. 304-308)
Área Temática: .
Sumário: I - Em matéria processual, apenas se forma caso julgado formal relativamente às questões concretamente conhecidas e decididas.
II - Não deve ser admitida a depor como testemunha oferecida por uma parte a advogada que patrocina a parte contrária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 881/13.8TYVNG-A.P1


Sumário do acórdão proferido no processo nº 881/13.8TYVNG-A.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. Em matéria processual, apenas se forma caso julgado formal relativamente às questões concretamente conhecidas e decididas.
2. Não deve ser admitida a depor como testemunha oferecida por uma parte a advogada que patrocina a parte contrária.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Em 11 de Julho de 2013, no então Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, B… intentou ação declarativa contra C…, SA, com sede na Rua …, nº …, Loja .., pedindo que sejam declarada nulas ou anuláveis as deliberações sociais tomadas na assembleia geral da ré realizada em 11 de Junho de 2013 e que a ré seja condenada a pagar à autora a quantia de € 151.700,00, acrescida dos legais juros de mora, desde a citação até efetivo e integral pagamento, arrolando então seis testemunhas, entre as quais não se incluía D…, a que aludiu no artigo 4º da petição inicial.
Em 10 de dezembro de 2013, na sequência de notificação do tribunal para oferecimento de provas, a autora ofereceu novo rol de testemunhas, nele incluindo D…, alegadamente moradora na Rua …, nº …, Loja .., a ser notificada na sede da ré, requerimento notificado por via eletrónica a D….
Em 19 de dezembro de 2015 foi proferido despacho a admitir os róis de testemunhas de folhas 131, 132, 272 e 273.
Em 02 de junho de 2016, realizou-se audiência prévia, sendo a ré representada pela sua mandatária Dra. D….
Nessa diligência foi proferido o seguinte despacho[1]:
Compulsados os autos, verifica-se que a ré arrolou como testemunha a Sra. Mandatária da autora (cfr. fls. 273, ponto 9).
Assim sendo, cremos que a Sra. Mandatária, exercendo o mandato no âmbito dos presentes autos, não pode ser ouvida na qualidade de testemunha.
Pelo exposto, não admito o requerido depoimento testemunhal.
Em 17 de junho de 2016, inconformada com o despacho que não admitiu o depoimento como testemunha de D…, B… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A – O despacho que pronunciando-se sobre o requerimento de prova da Recorrente julga douto Despacho recorrido contém, aliás, um lapso de escrita pois que dele consta que “Compulsados os autos, verifica-se que a ré arrolou como testemunha a Sr.ª Mandatária da autora (cfr. fls. 273, ponto 9). Assim sendo, cremos que a Sra. Mandatária, exercendo mandato no âmbito dos presentes autos, não pode ser ouvida na qualidade de testemunha. Pelo exposto, não admito o requerido depoimento testemunhal.” padece de nulidade por falta de fundamentação.
B – Atento o disposto nos art.ºs 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, 154º, nº 1, 615º, nº 1, al. b) e 613º, nº 3, todos do Cód. Proc. Civil as decisões, os despachos, proferidos no processo têm de ser fundamentados, isto “por duas razões: uma substancial, pois cumpre ao juiz demonstrar que da norma abstracta formulada pelo legislador soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto; e outra de ordem prática, uma vez que as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão” (cfr. Ac.s do Sup. Trib. de Justiça de 9/12/1987, in BMJ 372º, pág. 371 e de 18/12/2003, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, proc.: 03B3000).
C – O Despacho em causa é, salvo o devido respeito omisso quanto aos motivos de direito da decisão, não explicitando, nem imediata nem mediatamente, a norma, o preceitos, ou o regime jurídico em que se estribaria o decidido indeferimento da pretensão da Recorrente, o que torna impossível questionar o processo cognitivo do julgador.
D - A decisão em causa é ostensivamente nula por falta de fundamentação (cfr. art.º 615º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Civil) – a ponto de nem este Tribunal Superior poder conhecer as, eventuais, razões de direito determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso -, o que expressamente se invoca e se requer seja deferido, julgando-se nula a mesma e anulando-se os ulteriores termos processuais.
E - Aliás, a não se entender a pertinência do citado preceito, sempre se verificaria, de todo o modo, nulidade, nos termos do disposto o art.º 195º do Cód. Proc. Civil, porquanto o Mm.º Juiz omitiu a prática de um ato que a lei impõe - aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Sem prescindir,
F - No requerimento probatório remetido a juízo sob a ref.ª 15323043 em 10.12.20013, a Recorrente indicou como testemunha “D…, a ser notificada na sede da Ré” e por douto Despacho notificado sob a ref.ª 361770653, com data de elaboração de 30.12.215 o mm.º Juiz proferiu o seguinte Despacho: “Admito os róis de testemunhas de fls. 131, 132, 272 e 273”, o qual, por não ter sido objeto de recurso, transitou em julgado (cfr. at.º 620º, nº 1, do Cód. Proc. Civil).
G – Relativamente ao julgado neste douto Despacho de 30.12.215 verifica-se caso julgado formal que obsta não apenas a que dele seja interposto recurso pela parte afetada pela decisão em causa, mas também que o Tribunal profira decisão que contrarie aquela anterior transitada em julgado – cfr. art.ºs (art.º 620º, nº 1, do Cód. Proc. Civil) art.º 510º, nº 3, e 672º do Cód. Proc. Civil e Prof. Alberto dos Reis, in Cod. Proc. Civil Anotado, vol. V, pág. 156 ss.)
H – O Mm.º Juiz a quo no douto Despacho recorrido - julgando “não admito o requerido depoimento testemunhal” - voltou a pronunciar-se sobre questão que já havia decidido por Despacho transitado em julgado – julgando “Admito os róis de testemunhas de fls. 131, 132, 272 e 273” - em termos antagónicos com os que anteriormente haviam sido julgados, assim ofendendo o caso julgado pelo que deve o douto Despacho recorrido ser revogado.
Sem prescindir,
I - O douto Despacho recorrido não admite a prova que exclui e rejeita, e que é a que seria produzida pela testemunha, viola o Princípio do Contraditório previsto no nº 3 do artigo 3º do C. P. Civil, o qual se consubstancia, além do demais, na faculdade de proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos – principais ou instrumentais – da causa e que “lhes seja consentido fazê-lo até ao momento em que melhor possam decidir da sua conveniência, tidas em conta, porém, as necessidades de andamento do processo, que a produção ou admissão da prova tenha lugar com audiência contraditória de ambas as partes” (José Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 99),
J – A produção da prova em causa que a Recorrente havia indicado é essencial, para a prova dos factos alegados pela mesma e para a contraprova dos factos alegados pela ora Recorrida, sendo que decisão recorrida denega o que o Prof. Antunes Varela considera ser o escopo do Princípio do Contraditório: “defender o interesse público da descoberta da verdade, como pressuposto essencial da boa administração da justiça, contra a manipulação unilateral e o aproveitamento tendencioso dos meios de prova levados aos autos.” (in Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 489).
K – O douto Despacho recorrido obsta à plenitude do direito à prova e do direito de defesa consubstanciando uma manifesta violação do princípio do contraditório na medida em que foi cerceado o direito de a parte propor e produzir todos os meios probatórios que considera relevantes, in casu, para a demonstração e apuramento da realidade dos factos.
L – Acresce que, por um lado, da análise dos preceitos pertinentes respeitantes à prova testemunhal verifica-se não existir qualquer impedimento ou obstáculo legal quanto ao depoimento da testemunha indicada pelo facto de ser a mesma a Ilustre Mandatária da Recorrida, designadamente por não ocorrer, in casu a hipótese do expendido nos artigos 495.º e 496.º do Cód. Proc. Civil, pelo que sempre teria de ser admitida nos termos do art.º 392.º do Cód. Civil;
M – E, por outro lado, evidentemente não está em causa qualquer recusa a depor que, se esse fosse, quando fosse, o caso teria de ser apreciada e decidida nos termos do respetivo procedimento legalmente previsto.
N – Salvo o devido respeito, a decisão recorrida violou os identificados preceitos legais, devendo, por isso, ser revogada, na procedência do presente recurso, com as legais consequências.
Não foram oferecidas contra-alegações.
Em 17 de novembro de 2016, o recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e no efeito meramente devolutivo e apreciou-se a nulidade arguida no recurso nos termos que seguem:
Tendo em conta a nulidade invocada, para o caso de se considerar que o despacho dela padece, cumpre tecer algumas, breves, considerações.
É certo que foi admitido o depoimento da testemunha D…, que é a Sra. Mandatária da ré nos presentes autos. De facto, aquando da prolação do despacho de 19 de Dezembro de 2015, o tribunal não atentou nessa circunstância, provavelmente devido à forma como a testemunha foi identificada (cfr. fls. 273).
A questão foi suscitada na audiência de discussão e julgamento agendada para o dia 2 de Junho de 2016 e, nessa data, foi proferido o despacho em crise, lacónico, é certo, talvez por se nos parecer óbvia a impossibilidade de conciliação das posições de advogado/testemunha no mesmo processo.
Seja como for, e não obstante o despacho de 19 de Dezembro de 2015, cremos que o depoimento em causa não pode ter lugar.
Vejamos.
O depoimento testemunhal que se pretende seria prestado na plena vigência da relação jurídico-processual da Sra. Advogada da ré, parte no processo.
O advogado a quem incumbe o patrocínio de algum dos interessados no processo confunde-se, na sua função, com o representado. O mandato é justamente uma figura que se caracteriza pela produção de efeitos dos actos do mandatário na esfera jurídica do mandante. Em termos jurídicos, a actuação do mandatário é, em princípio, como se fosse exercida pelo mandante.
Apesar de a lei processual civil não fazer referência expressa ao referido impedimento, parece-nos que tal se extrai das normas actualmente constantes nos artigos 81º, n.º 2, 83º, n.º 1, e 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
O depoimento como testemunha do advogado de qualquer uma das partes processuais não pode, pois, ser admitido. Não é compatível a função da testemunha no processo com a do advogado de alguma das partes. Não são conciliáveis as duas posições.
Concluindo, não parece, por isso, admissível que o advogado de uma das partes do processo deponha como testemunha, enquanto detiver tais funções.
Pelo exposto, mantém-se o despacho recorrido.
Cumpre agora apreciar e decidir, com dispensa de vistos, obtido que foi o acordo dos Excelentíssimos Juízes-adjuntos, atenta a natureza estritamente jurídica das questões decidendas.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação jurídica;
2.2 Da violação do caso julgado formal;
2.3 Da violação do direito à prova e das regras legais que disciplinam a admissibilidade da prova testemunhal.
3. Fundamentos de facto
Os fundamentos de facto relevantes para o conhecimento do objeto do recurso constam do relatório desta decisão e fundam-se nos próprios autos, nesta parte com força probatória plena.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação jurídica
A recorrente suscita a nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação jurídica e ainda por não observar as normas processuais que disciplinam a estrutura dos atos processuais.
Aquando da prolação de despacho a admitir o recurso, o tribunal a quo, embora sem admitir expressamente a nulidade da decisão sob censura, prevenindo a hipótese de assim ser entendido, indicou as razões de direito que estão na base da decisão impugnada.
A recorrente não fez uso da faculdade prevista no nº 3, do artigo 617º do Código de Processo Civil.
Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o previsto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Esta disposição é aplicável aos despachos, ex vi nº 3, do artigo 613º do Código de Processo Civil.
Assim, qualquer decisão proferida sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, carece de ser fundamentada, como dispõe o nº 1, do artigo 154º, do Código de Processo Civil, não podendo a justificação da decisão consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (artigo 154º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto Reis[2], é recorrente a afirmação de que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.
No entanto, no actual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório[3]
No caso em análise, é ostensivo que a decisão recorrida não continha as razões de direito subjacentes, sendo essa omissão suprida aquando da admissão do recurso, sem que a recorrente tenha aproveitado a oportunidade para criticar as razões aduzidas.
Assim, atento o suprimento da nulidade da decisão recorrida, improcede a nulidade arguida pela recorrente.
4.2 Da violação do caso julgado formal
A recorrente imputa à decisão recorrida a violação do caso julgado formal porquanto, por despacho proferido em 19 de dezembro de 2015, foi admitido o rol no qual está arrolada a testemunha que na decisão recorrida se entendeu não poder ser ouvida como testemunha.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no nº 1, do artigo 620º do Código de Processo Civil, “[a]s sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
Esta previsão legal deve ser integrada pelo disposto no nº 3, do artigo 595º do Código de Processo Civil que, em sede de audiência prévia, prevê que a decisão que conheça das exceções dilatórias e nulidades processuais, logo que transite, forma caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas. Afigura-se-nos que esta norma contém um princípio geral concretizador do alcance do caso julgado relativamente à relação processual, tendo por isso aptidão para ser aplicado em outras fases processuais que não a da audiência prévia.
No caso dos autos, a decisão proferida em 19 de dezembro de 2015, limita-se a admitir diversos róis oferecidos pelas partes, não se conseguindo saber que questão foi concretamente apreciada nessa decisão, se foi a tempestividade, como é usual em decisões similares, se outro qualquer aspeto.
Acresce que a questão que motivou a decisão sob censura não era à luz do rol oferecido pela recorrente transparente e por isso carecida de decisão, já que a Sra. Advogada da ré não vinha aí como tal identificada e indicava-se como sua morada a sede da ré.
Assim, conclui-se que a questão decidida na decisão recorrida não foi apreciada no despacho proferido em 19 de dezembro de 2015, razão pela qual não se verifica o caso julgado formal invocado pela recorrente.
4.3 Da violação do direito à prova e das regras legais que disciplinam a admissibilidade da prova testemunhal
A recorrente imputa à decisão recorrida a violação do seu direito à prova, bem como das regras legais que disciplinam a prova testemunhal, nomeadamente a capacidade e os impedimentos para depor.
Cumpre apreciar e decidir.
A questão que a recorrente ora suscita não é doutrinal nem jurisprudencialmente virgem e, tanto quanto conseguimos apurar, tem tido uma resposta uniforme.
Assim, logo em 1998, o Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados Augusto Lopes Cardoso, em obra intitulada “Do Segredo Profissional na Advocacia”, editada pelo Centro Editor Livreiro da Ordem dos Advogados, páginas 82 e 83, escreveu o seguinte[4]:
Deverá deixar-se bem claro que é inaceitável autorizar a depor um Advogado para prestar depoimento em processo no qual esteja constituído.
É que, embora não haja disposição expressa que o proíba, afigura-se-nos que isso seria completa subversão do próprio sistema processual, em que o Advogado, entre nós, se não pode nunca confundir com simultânea testemunha. E seria outrossim altamente desprestigiante para a Advocacia.
Quer isso, pois, dizer que ao Advogado incumbe ponderar e prever, antes de propor a acção, as principais condicionantes do seu decurso. Se o seu depoimento veio a tornar-se necessário, muito mal estruturou o seu trabalho e não pode já emendar a mão. A absoluta necessidade não pode resultar, nesse caso, do modo como foi proposta a acção e antes deve ser aferida objectivamente.
Isso também se aplica a outro tipo de situações que na essência não diferem da que analisámos. Referimo-nos a que não será lícito obter dispensa para depor ao Advogado que, tendo iniciado o processo com procuração aí junta, trata de substabelecer depois sem reserva para esse efeito. Seria incompreensível a todas as luzes que ele pudesse despir a toga, sair formalmente do processo e passar a sentar-se no banco das testemunhas em vez de na bancada prestigiada que em antes ocupara.
Igual solução merece o caso de a pretensão de depor incidir apenas em apenso da acção principal, ainda que iniciado só depois do substabelecimento (em providência cautelar, embargos, incidente da instância, etc.).
Mais recentemente, Luís Filipe Pires de Sousa[5], antes de citar parte do trecho anteriormente transcrito refere:
O que está arredada é a hipótese de o advogado prestar depoimento em processo no qual esteja ainda constituído como advogado.
Na jurisprudência, consonante com a doutrina antes citada, embora no âmbito do processo penal, foram proferidos os seguintes acórdãos: da Relação do Porto, de 07 de fevereiro de 2007, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXII, Tomo I, páginas 205 a 209; da Relação do Porto, de 07 de outubro de 2009, proferido no processo nº 874/08.7TAVCD-A.P1 e acessível no site da DGSI; da Relação de Lisboa, de 07 de março de 2013, proferido no processo nº 2042/09.1IDLSB-A.L1-9, acessível no site da DGSI.
Não se encontrou doutrina nem jurisprudência em sentido dissonante.
Pela nossa parte, não vemos razões válidas para nos afastarmos da doutrina e jurisprudência antes citada.
Se é verdade que o caso em análise não está expressamente contemplado nas normas processuais que regulam a capacidade e os impedimentos para depor, esse impedimento é implícito e decorre da regulamentação dos estatutos do advogado da parte e da testemunha que são em si mesmos incompatíveis, implicando a impossibilidade de a mesma pessoa assumir, simultaneamente o estatuto de advogado de uma das partes e de testemunha oferecida pela parte contrária.
Se essa intervenção simultânea fosse admitida, onde se sentaria o advogado testemunha, na bancada ou na teia? Porventura, contra-interrogar-se-ia a si próprio?
Esta incompatibilidade de estatutos processuais tem também um afloramento na prova pericial, quando se prevê o impedimento de intervir como perito de quem haja de depor como testemunha (vejam-se os artigos 470º, nº 1 e 115º, nº 1, alínea h), ambos do Código de Processo Civil).
Ora, se a lei prevê uma incompatibilidade de estatutos processuais relativamente a entidades que apenas intervêm na fase de instrução e enquanto meros meios de prova, esse impedimento é mais candente quando se trata da assunção simultânea da qualidade de testemunha com a do profissional forense que conduz a lide em representação de uma das partes.
Não se diga que esta incompatibilidade de estatutos tem solução, bastando para tanto que logo que o advogado de uma parte seja indicada como testemunha, cessa a sua intervenção como advogado. De facto, se assim fosse, estaria achada a forma expedita de afastar quem se quisesse do patrocínio da parte contrária, assim interferindo no direito de livre escolha que cada parte tem do Advogado que a patrocina.
A aplicação analógica do artigo 499º do Código de Processo Civil, também não nos parece possível, pois o estatuto do julgador não tem, na nossa perspetiva, analogia com o estatuto de mandatário de uma das partes. De facto, o julgador tem um estatuto de independência e imparcialidade que o mandatário da parte não tem, o que, a nosso ver, obsta à referida aplicação analógica.
Assim, pelo que precede, bem se percebe e entende a limitação do direito à prova que dessa interpretação resulta.
No caso em apreço, a autora só de si própria se pode queixar no que respeita o seu direito à prova, pois que, logo na petição inicial, poderia ter oferecido a testemunha D…, pessoa que logo mencionou no artigo 4º desse articulado. Se porventura assim tivesse procedido, ressalvado o caso do exercício abusivo do oferecimento de prova testemunhal, era a ré que estava impedida de constituir advogada essa pessoa nos autos em que precedentemente foi oferecida para depor como testemunha.
Assim, face a quanto precede, conclui-se que deve ser confirmado o despacho recorrido.
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por E… e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida proferida em 02 de junho de 2016.
Custas a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
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O presente acórdão compõe-se de nove páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 30 de janeiro de 2017
Carlos Gil
Carlos Querido
Alberto Ruço
______________
[1] Decisão logo notificada aos presentes, nos quais se incluía o Sr. Dr. E…, mandatário da autora.
[2] Veja-se o Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.
[3] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Março de 2011, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sérgio Poças, no processo nº 161/05.2TBPRD.P1.S1 e acessível no site da DGSI.
[4] Não se reproduzem as notas de rodapé nºs 154 e 155 apostas na página 83 da obra citada.
[5] In Prova Testemunhal, Almedina 2013, página 259.