Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1782/06.2TBAMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PRESCRIÇÃO
LEI APLICÁVEL
Nº do Documento: RP201305091782/06.2TBAMT.P1
Data do Acordão: 05/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- Os tribunais portugueses são competentes para conhecer de uma acção de indemnização emergente de acidente de viação ocorrido em Espanha, instaurada por lesado com residência em Portugal, após 1/3/2002, na vigência do Regulamento CE n.º 44/2001, do Conselho, de 22/12/2000.
II- Relativamente aos acidentes ocorridos antes de 11/1/2009, a determinação da lei aplicável quanto à prescrição é feita de acordo com as regras estabelecidas no art.º 45.º do Código Civil que, no seu n.º 1, prevê como regra geral a lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo – lex loci.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
TRPorto.
Apelação nº 1782/06.1TBAMT.P1 - 2013.
Relator: Amaral Ferreira (785).
Adj.: Des. Ana Paula Lobo.
Adj.: Des. Deolinda Varão.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO.

1. B….., residente em …., …., Vila Meã, Amarante, instaurou, em 22/8/2006, no Tribunal Judicial de Amarante, acção declarativa emergente de acidente de viação, com forma de processo ordinário, contra a seguradora “C…..”, sedeada em Paris, mas representada em Portugal pela D…., com sede em Lisboa, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia líquida de € 27.988 € e a quantia a liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença referente aos danos que refere nos artºs 55º, 56º e 66º a 68º da petição, quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
Invoca para tanto, e em síntese, a ocorrência, em Espanha, de um acidente de viação que descreve, em que interveio o veículo ligeiro de passageiros de matrícula francesa ….BTT78, que se dedicava ao transporte de passageiros entre Paris e Portugal e no qual se fazia transportar, a cujo condutor atribui a culpa na sua produção, e cujo proprietário proprietário, por contrato de seguro válido à data do acidente, havia transferido para a R. a sua responsabilidade civil por danos decorrentes da circulação do veículo, e em consequência do qual sofreu os danos patrimoniais e não patrimoniais que descrimina e quantifica e cujo ressarcimento peticiona da R.

2. Contestou a R. que apresentando defesa por impugnação e por excepção, nesta sede caso invocando a incompetência internacional dos tribunais portugueses e a prescrição do direito invocado pelo A., quer face à lei portuguesa, quer face à lei espanhola, conclui pela procedência das excepções e pela sua absolvição do pedido.

3. Após resposta do A. a pugnar pela improcedência das excepções invocadas pela R., foi proferido despacho saneador que, afirmando a validade e regularidade da instância, julgou improcedentes as excepções invocadas pela R., declarou a matéria assente e elaborou base instrutória, que não foram objecto de reclamações.

4. Dele discordando, interpôs a R. recurso de apelação do despacho saneador no segmento em que julgou improcedentes as excepções, que, alegando, formulou as seguintes conclusões:
1ª: Não existe qualquer elemento de conexão com o Tribunal Português que o possa considerar competente.
2ª: Mesmo com base no direito português o direito está prescrito, por não ser aplicável o disposto no nº 2 do artº 323º do C.Civil.
3ª: O acidente ocorreu em Espanha, onde o A. alega ter sido vítima e ferido.
4ª: Assim, por força do artº 45º do C. Civil Português, deverá ser aplicada a Lei do Estado Espanhol.
5ª: O artº 1968º do C. Civil Espanhol estabelece o prazo de prescrição de 1 ano, pelo qual, mesmo intentada em Portugal a acção, tal prazo deve ser aplicado.
6ª: Assim, está prescrito o direito do Autor.
7ª: A decisão no despacho saneador viola o artº 45º e 323º do C.Civil Português e 1968º do C. Civil Espanhol.
Termos em que deve a decisão contida no despacho saneador ser revogada e considerado prescrito o direito do A. e absolvida a Ré com as legais consequências. Assim se fará JUSTIÇA.

5. Não tendo o A. oferecido contra-alegações, instruída a causa, procedeu-se a julgamento com gravação e observância do formalismo legal, e, sem que a decisão da matéria de facto tivesse sido objecto de censura, veio a ser proferida sentença cujo dispositivo é do seguinte teor:
Nesta conformidade, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência condeno a Ré C….. a pagar ao Autor B…..:
a) A quantia de 6.566,67 €, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir de 24/8/2006 até integral e efectivo pagamento.
b) A quantia a liquidar em incidente de liquidação, a título de indemnização por via da perda da sua capacidade aquisitiva decorrente da IPG de 3 pontos, com que o Autor se encontra afectado desde 30/9/2003, por via do acidente, lesões e sequelas dele emergentes;
c) Absolvo a Ré do restante pedido.

6. Inconformada, apelou a R. que, reafirmando o provimento do recurso que interpôs do despacho saneador, nas respectivas alegações, formula as seguintes conclusões:
1ª: O montante para danos não patrimoniais, atento o quantum doloris de 3/7 e dano estético de 1/7, deve ser reduzido para € 2.000 e, assim, na alínea a) da douta decisão deve atingir o máximo € 3.366,67.
2ª: O processo dispõe de factos provados, nomeadamente IPG de 3%, vencimento do Autor, a sua idade, suficientes para imediata liquidação.
3ª: Nos termos do artigo 661º nº 2 do Código de Processo Civil – Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
4ª: O montante de € 2.500 afigura-se mais que razoável a este título.
5ª: Os montantes razoáveis e liquidados devem ser, respectivamente nas alíneas a) e b) da douta decisão sub judice, de € 3.566,67 e € 2.500.
6ª: Está violado a citada disposição legal e artigo 496º do Código Civil.
Termos em que deve ser dado provimento aos recursos de apelação, conforme nas respectivas alegações se conclui e da forma que doutamente Vossas Excelências suprirão. Assim se fará JUSTIÇA.

7. Contra-alegou o A. que, sustentando a improcedência das apelações da R., recorre subordinadamente, formulando as seguintes conclusões:
1ª: Sem prejuízo de tudo que até agora se disse, desde logo quanto ao salário que o Autor deixou de auferir por não se encontrar em condições de desenvolver a sua actividade profissional, constatasse da douta sentença de que ora se recorre, que ficou provado (vide o ponto 30º da Base Instrutória, bem como o mesmo ponto da acta de audiência de julgamento), que o mesmo esteve incapacitado até 30-09-2003;
2ª: Desde a data do acidente, em 13-08-2003, até à data supra referida, passaram-se 35 dias (seg., ter., qua., qui., sex.) mais 7 sábados;
3ª: Tendo ficado provado que o Autor auferia 6 € por hora, que trabalhava pelo menos 8 horas por dia e que fazia, quer à semana, quer ao sábado, horas extras (veja-se os ponto 34º e 35º da Base Instrutória, bem como os mesmos pontos da acta de audiência de julgamento), não se compreende a indemnização de 1.566,67€;
4ª: Feitas as contas, de acordo com o que ficou provado, o Autor deixou de auferir 1.680€, se apenas nos reportarmos às 8 horas diárias (seg., ter., qua., qui., sex.), porquanto, 6€ x 8horas = 48€ ; 48€ x 35dias = 1680€;
5ª: Evidentemente que não se pode aqui esquecer que o Autor fazia sistematicamente horas extras, como aliás ficou provado (cf. o ponto 35º da acta de audiência de julgamento);
6ª: Assim, atento os 7 sábados em que o Autor se encontrava incapacitado para exercer a sua actividade profissional, e em que o mesmo aproveitava para fazer horas extras, bem como o fazia à semana, é de inteira justiça que este seja ressarcido do seu prejuízo;
7ª: Desta forma, o Tribunal deve fixar um montante indemnizatório respeitante a essas mesmas horas extras, com base na equidade;
8ª: Como provado no ponto 36º da acta de audiência de julgamento, o Autor nunca esteve com baixa, nem tão pouco recebeu, a título de subsídio de doença, qualquer quantia do Centro Regional de Segurança Social do Norte, pelo que não pode ser descontado qualquer dia no cálculo da indemnização, com o fundamento de que o Autor não era um exemplo de trabalhador e poderia faltar às suas obrigações;
9ª: No que concerne à indemnização por danos não patrimoniais, o Autor também não se conforma com a douta sentença;
10ª: Antes de mais, entendemos ser necessária a sensibilidade de termos em consideração, e porque acreditamos na justiça do caso concreto, de que estamos a tratar de um jovem de 30 anos, à data dos factos;
11ª: Ora, como consta da factualidade provada, o Autor, que viu a sua vida social limitada logo após o acidente, passou a ser uma pessoa mal-humorada, quando antes era uma pessoa bem disposta e que gostava de brincar; era uma pessoa que cuidava do seu visual e da sua apresentação, o que deixou de acontecer (cf. os pontos 41º, 43º e 45º da Base Instrutória, bem como os mesmos pontos da acta de audiência de julgamento);
12ª: Mais ainda, é de referir que o Autor padeceu de profundo mau estar nos dias que se seguiram ao acidente, facto pelo qual, e desde logo utilizando as palavras da acta de audiência de julgamento, se tornou imprescindível a ajuda de terceiros, até para as tarefas mais básicas, porquanto as suas dores eram “intensas” (vide os pontos 21º e 24º);
13ª: Importante é ainda o facto de o Autor ter necessitado de começar a usar óculos na sequência das lesões que sofreu no olho, o que o inibe, estética e psicologicamente;
14ª: Em jeito de conclusão, e por consequência das lesões e sequelas supra referidas, o Autor, B….., padece de alterações constantes de humor, de sono, sentindo-se infeliz, inibido e diminuído, física e esteticamente, sendo estes danos não patrimoniais graves de tal modo que merecem a tutela do Direito, conforme o cristalizado no n.º 1, do artº 496º, do CC, entende-se adequado o montante que se pediu em sede de Petição Inicial, 20.000€, não a título de indemnização, mas a título de compensatio doloris;
15ª: Assim, apodíctico é que sentença recorrida violou, entre outros, os seguintes preceitos legais: artº 496º do Código Civil.
Termos em que, na parte objecto de recurso subordinado, revogando-se a douta sentença proferida será feita inteira justiça!

8. Não tendo a R. contra-alegado relativamente ao recurso subordinado interposto pelo A., colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Da sentença recorrida constam como provados os seguintes factos:
A) No dia 13 de Agosto de 2003, pelas 10.30 horas, circulava na Auto-Pista E-80, que liga as localidades de Burgos a Valladolid, na localidade de Palencia, Espanha, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula francesa ….BTT78, conduzido por B….., funcionário da Agência de Viagens “E…..”.
B) O proprietário do veículo de matrícula BTT, através de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel transferiu a responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo para a Ré C…., representada em Portugal pela D…., encontrando-se tal seguro válido e eficaz no momento do acidente - cfr. doc. de fls. 38.
C) A viatura referida em A) dedicava-se ao transporte de passageiros que faziam a ligação França/Portugal, na qual o Autor se fazia também transportar - resposta ao ponto 1º da base instrutória.
D) A viatura BTT transitava a uma velocidade nunca inferior a 120 Kms/hora - resposta ao ponto 2º da base instrutória.
E) O piso estava seco e o tempo estava bom - resposta ao ponto 4º da base instrutória.
F) A visibilidade era boa - resposta ao ponto 5º da base instrutória.
G) De repente, sem que nada nem ninguém o fizesse prever, o condutor do BTT perdeu o controlo da viatura, e passou a circular desgovernado – resposta ao ponto 6º da base instrutória.
H) O BTT foi embater em despiste nos rails de protecção da auto-estrada – resposta ao ponto 7º da base instrutória.
I) O embate foi violento e a viatura acabou por se imobilizar após ter percorrido uma distância não concretamente apurada desde o local do embate – resposta ao ponto 8º da base instrutória.
J) O acidente ocorreu numa faixa de rodagem de traçado recto, com duas vias de circulação, no mesmo sentido – resposta ao ponto 9º da base instrutória.
K) Após o embate o Autor ficou imobilizado e inanimado dentro da viatura – resposta ao ponto 10º da base instrutória.
L) Na sequência do embate e das lesões dele emergentes, o Autor perdeu os sentidos, pelo que não falava, nem se mexia, permanecia de olhos fechados, sem reagir a qualquer estímulo ou chamamento, sangrando por várias partes do corpo – resposta ao ponto 12º da base instrutória.
M) O Autor foi conduzido ao Hospital General “Rio Carríon”, em Palência, Espanha – resposta ao ponto 13º da base instrutória.
N) Deu entrada no Serviço de Urgências, onde foi tratado às feridas e às escoriações sofridas – resposta ao ponto 14º da base instrutória.
O) Diagnosticaram-lhe escoriações múltiplas dispersas pelos membros superiores, inferiores e região dorsal e erosões na cara, nos dois cotovelos e na região escapular – resposta ao ponto 15º da base instrutória.
P) O Autor teve alta voluntária do Hospital “Rio Carrion” em 15/08/2003 – resposta ao ponto 16º da base instrutória.
Q) No dia 18/08/2003, pelas 09.22 horas, o Autor dirigiu-se ao Serviço de Urgências do Hospital de S. Gonçalo, em Amarante, onde após observação, foi confirmado o diagnóstico referido em O), tendo sido observado por ortopedia, fez RX e pensos – resposta ao ponto 17º da base instrutória.
R) O Autor permaneceu no Serviço de Urgências do Hospital S. Gonçalo até hora não concretamente apurada do dia 18/08/2003 – resposta ao ponto 18º da base instrutória.
S) Atentas as lesões que sofreu e as dores que sentia nas zonas do corpo identificadas em O) e às dificuldades em se mexer, o Autor manteve-se acamado durante os primeiros dias subsequentes ao acidente – resposta ao ponto 19º da base instrutória.
T) Em virtude das lesões supra descritas, dores e dificuldades em se mexer, o Autor teve dificuldades em dormir nos primeiros dias subsequentes ao acidente – resposta ao ponto 20º da base instrutória.
U) Por via daquelas lesões, dores e dificuldades em se mexer, o Autor sentiu um profundo mau estar nos primeiros dias subsequentes ao acidente – resposta ao ponto 21º da base instrutória.
V) As lesões identificadas em O) provocaram mau estar ao Autor e dificuldades em se movimentar – resposta ao ponto 22º da base instrutória.
W) Nos primeiros dias subsequentes ao acidente, quer no hospital, quer em casa, o Autor teve de se socorrer de ajuda de terceira pessoa para fazer as suas necessidades fisiológicas e tomar banho – resposta ao ponto 23º da base instrutória.
Y) Durante esse período de tempo foi também alimentado com a ajuda de terceiros, pois os movimentos do corpo causavam-lhe dores intensas – resposta ao ponto 24º da base instrutória.
X) Nos primeiros tempos subsequentes ao acidente, o Autor sentiu-se deprimido, pensando que poderia ficar fisicamente diminuído – resposta ao ponto 27º da base instrutória.
Z) Tendo-lhe sido administrados vários analgésicos – resposta ao ponto 29º da base instrutória.
AA) Por via do acidente, lesões e sequelas dele emergentes, o Autor esteve com incapacidade total para o trabalho desde o dia do acidente até 30/09/2003 – resposta ao ponto 30º da base instrutória.
AB) Por via do acidente e lesões dele emergentes, o Autor apresenta lombalgias, dores no membro inferior esquerdo, joelho e pé – resposta ao ponto 31º da base instrutória.
AC) As sequelas referidas em AB) ainda actualmente se manifestam – resposta ao ponto 32º da base instrutória.
AD) Quando ocorreu o acidente, o Autor exercia funções de operário da agricultura, em França, ao serviço de “F….., Ldª” – resposta ao ponto 33º da base instrutória.
AE) Auferia um salário de 6,00 euros por hora – resposta ao ponto 34º da base instrutória.
AF) O Autor trabalhava por dia, de segunda a sexta-feira, pelo menos 8 horas, e por vezes fazia horas extraordinárias à semana e aos sábados, o que lhe proporcionava um salário mensal médio de pelo menos mil euros – resposta ao ponto 35º da base instrutória.
AG) Desde a data do acidente, o Autor nunca esteve com baixa, nem recebeu, a título de subsídio de doença, do Centro Regional de Segurança Social do Norte, qualquer quantia – resposta ao ponto 36º da base instrutória.
AH) O Autor continua a apresentar as sequelas identificadas em AB) – resposta ao ponto 37º da base instrutória.
AI) O Autor, em consequência do acidente, lesões e sequelas dele emergente, encontra-se afectado de uma IPG de 3 pontos desde 30/09/2003, data em que ocorreu a cura clínica – resposta ao ponto 38º da base instrutória.
AJ) As dores que o Autor apresenta mantém-se e permanecerão por toda a sua vida, com maior ou menor acuidade – resposta ao ponto 39º da base instrutória.
AK) O Autor esteve durante o período de internamento privado da sua família e durante o período de convalescença, até 30/09/2003, viu limitada a sua vida social – resposta ao ponto 41º da base instrutória.
AL) À data do acidente o Autor era uma pessoa saudável, alegre e expansiva – resposta ao ponto 42º da base instrutória.
AM) Em consequência do acidente, lesões e sequelas dele emergentes e do trauma então vivido, o Autor passou a ser uma pessoa mais taciturna e mal-humorada – resposta ao ponto 43º da base instrutória.
AN) O Autor cuidava bem e gostava do seu aspecto físico – resposta ao ponto 45º da base instrutória.

2. Considerando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, que neles se apreciam questões e não razões e não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo teor da decisão recorrida, as questões suscitadas nos recursos são:
- Incompetência internacional dos Tribunais portugueses;
- Prescrição do direito do A. e lei aplicável;
- Se não devia ter sido relegado para liquidação o montante dos danos patrimoniais e
- Montante dos danos patrimoniais e não patrimoniais.

Incompetência internacional dos tribunais portugueses.
Julgada improcedente, no despacho saneador, a excepção dilatória de incompetência dos tribunais portugueses para apreciar o litígio dos autos, por ela invocada na contestação, apelou a R., que continua a pugnar pela sua procedência.
Os factos que relevam ao conhecimento da questão, são os seguintes:
- O acidente de viação dos autos ocorreu em Espanha em 13/08/2003;
- A acção foi intentada em Portugal (Amarante) em 22/08/2006;
- O Autor tem residência em Amarante e
- A Ré Seguradora, embora sedeada em França, tem representação em Portugal.
Perante estes factos, analisemos as disposições legais que interessam à questão suscitada.
O Código de Processo Civil, aqui aplicável antes das alterações que lhe foram introduzidas pelo DL nº 303/2007, de 24/8, porquanto a acção foi instaurada em 2006, depois de no artº 65º, definir os factores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses, no subsequente artº 65º-A, define os casos em que essa competência internacional é exclusiva dos mesmos tribunais, em ambos os casos, como resulta do corpo dos citados preceitos, com expressa ressalva, e no que aqui interessa, “do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais”, ressalva que, como se afirma no acórdão da RL de 14/2/2013, consultável em www.dgsi.pt., nem sequer seria necessária face ao disposto no artº 8º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (“As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pela União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”), e ao princípio do primado do direito da União Europeia, ressalvando, neste caso, que nunca os princípios da Constituição material lhe estão subordinados, pois, como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pág. 94, “estes continuarão a ocupar o primeiro grau da hierarquia normativa”.
Assim, e no âmbito interno, estabelece o artº 65º que a competência dos tribunais portugueses depende da verificação, entre outras, de alguma das seguintes circunstâncias:
- Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram - al. c);
- Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real - al. d).
No domínio europeu, integram o Regulamento CE nº 44/2001, do Conselho, de 22/12/2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, os seguintes preceitos:
Artº 3º
1 - As pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.
2 - Contra elas não podem ser invocadas, nomeadamente, as regras de competência nacionais constantes do Anexo I.
Este anexo, no que se refere a Portugal, veda, além do mais, todo o artigo 65º do Código de Processo Civil.
Artº 5º
Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro:
...
3 - Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.
Artº 8º
Em matéria de seguros, a competência é determinada pela presente secção...
Artº 9º
O segurador domiciliado no território de um Estado-Membro pode ser demandado:
a) ... .
b) Noutro Estado-Membro, em caso de acções intentadas pelo tomador do seguro, o segurado ou um beneficiário, perante o tribunal do lugar em que o requerente tiver o seu domicílio...
Artº 11º
O disposto nos artºs 8º, 9º e 10º aplica-se em caso de acção intentada pelo lesado directamente contra o segurador, sempre que tal acção directa seja possível.
Artº 66º
1 - As disposições do presente regulamento só são aplicáveis às acções judiciais intentadas...posteriormente à entrada em vigor do presente regulamento.
Artº 76º
O presente regulamento entra em vigor em 1.3.2002.

De acordo com a alínea c) do nº 1 do artº 65º do Código de Processo Civil, basta ter lugar em Portugal algum dos factos que integram a causa de pedir.
E, no que respeita aos acidentes de viação, há muito que se considera a respectiva causa de pedir complexa, abrangendo essa complexidade os prejuízos, e que ocorrendo estes em Portugal, está assegurada a competência dos tribunais portugueses - cfr. os acórdãos do STJ de 23/9/97, BMJ 469, pág. 445, e desta Relação de 8/5/2001 e de 15/10/2004, ambos em www.dgsi.pt.
Ora, o autor tem a sua residência em Portugal e a acção foi instaurada em 22/8/2006, ou seja, na vigência do Regulamento CE nº 44/2001, pelo que face ao nele disposto, são os tribunais portugueses, competentes para conhecer do litígio dos autos.
Não se pode agora olhar para o artº 65º do Código de Processo Civil, por, em prevalência do direito de origem externa, tal Regulamento o vedar (Acentue-se que o veda quanto a casos como o dos autos. Se o réu não tivesse domicílio em qualquer dos Estados Membros até o afirmava - artº 4º, nº 2).
Mas, o artº 5º, nº 3, dispõe nos termos sobreditos. Mantém a referência ao lugar do facto danoso, acrescentando-se apenas o lugar onde este poderá ocorrer - citado acórdão deste Tribunal de 15/10/2004.
Mas, também por outra via do Regulamento se pode concluir pela competência do tribunal português - o artº 11º, nº 2, que remete, além do mais, para a alínea b) do artº 9º.
De acordo com este preceito, a acção de indemnização do lesado directamente contra o segurador pode ser intentada no Estado Membro onde aquele tiver o seu domicílio, preceito que bem se compreende face ao que consta do nº 13 dos “Considerandos” - “No respeitante aos contratos de seguro...é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral”.
Como nos dá conta a decisão sumária do STJ de 28/10/2009, Proc. 1067/07.6TBBNV.L1.S1, www.dgsi.pt., «o âmbito de aplicação do artigo 11º/2 do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, foi já objecto de interpretação pelo Tribunal de Justiça por acórdão de 13-12-2007 (Processo C-436/06) na sequência de pedido de decisão prejudicial apresentado no litígio que opunha J. O…, residente na Alemanha, vítima de um acidente de viação ocorrido nos Países Baixos, à companhia de seguros do responsável pelo acidente, a sociedade de responsabilidade limitada F…S…. NV (a seguir «F….»), estabelecida neste Estado-Membro. Ora o Tribunal de Justiça considerou que a remissão do artigo 11°, n° 2, do Regulamento (CE) n° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, para o artigo 9°, n° 1, alínea b), deste diploma deve ser interpretada no sentido de que a pessoa lesada pode intentar uma acção directamente contra o segurador no tribunal do lugar em que tiver o seu domicílio num Estado-Membro, sempre que tal acção directa seja possível e o segurador esteja domiciliado no território de um Estado-Membro.
Trata-se de uma aplicação, ao nível interpretativo, como salienta o acórdão da exigência de protecção da parte economicamente mais fraca, princípio de interpretação enunciado no décimo terceiro considerando do Regulamento e consagrado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça».
Regressando ao caso dos autos, tendo a acção sido instaurada em 2006, ou seja, na vigência do citado Regulamento CE, como, aliás, também ocorreu o acidente, temos de concluir pela competência internacional dos tribunais portugueses, pelo que improcede a questão.

Prescrição do direito do A. e lei aplicável.
Tendo invocado, na contestação, a excepção peremptória da prescrição do direito pretendido fazer valer pelo A., quer face à lei portuguesa, quer à face à lei espanhola, e a mesma sido julgada improcedente no despacho saneador proferido, que apenas a apreciou ao abrigo da lei portuguesa, na apelação dele interposta continua a R. a pugnar pela procedência da excepção da prescrição, com os mesmos fundamentos invocados no referido articulado.

Face à diversidade dos regimes jurídicos do instituto da prescrição, quanto ao respectivo prazo, importa averiguar, em primeiro lugar, se ao caso é aplicável a lei espanhola ou a lei portuguesa.
Através da presente acção, instaurada em 2006, pretende o A., residente em Portugal, ser ressarcido pela R., sedeada em França e representada em Portugal pela D…., pelos danos que lhe advieram em consequência de um acidente de viação ocorrido em Espanha em 13/8/2003.
E, baseando tal pretensão em conduta ilícita do condutor de veículo de matrícula francesa, de nome Joaquim, veículo que se dedicava ao transporte de passageiros que faziam a ligação França/Portugal, no qual se fazia transportar, estamos no âmbito da responsabilidade extracontratual.
Atenta a data em que ocorreu o acidente (13/8/2003), está, desde logo, afastada a aplicação ao caso dos autos do Regulamento CE nº 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II»), que, consagrando no artº 4º, nº 1 (“Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável às obrigações extracontratuais decorrentes da responsabilidade fundada em acto lícito, ilícito ou no risco é a lei do país onde ocorre o dano, independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as consequências indirectas desse facto”), como regra geral aplicável aos casos de responsabilidade extracontratual, a lex doci damni aplicável aos casos de responsabilidade extracontratual, determina como lei aplicável a do local onde ocorreu o dano, independentemente do país ou países onde possam ocorrer as consequências indirectas do mesmo, pois, como consta dos respectivos considerandos - décimo sétimo -, em caso de danos não patrimoniais ou patrimoniais, o país onde os danos ocorrem deverá ser o país em que o dano tenha sido infligido, respectivamente à pessoa ou património, que, no caso, foi em Espanha.
É que, quer se entenda que o referido Regulamento, que no artº 31º dispõe que é aplicável a factos danosos que ocorram após a sua entrada em vigor, ou seja, no sentido da aplicabilidade se conexionar com o momento substantivo da produção do facto danoso que constitui elemento da causa de pedir da pretensão indemnizatória do lesado, e não com o momento adjectivo da proposição da respectiva acção em juízo, entrou em vigor, de acordo com a regra geral da entrada em vigor dos Regulamentos, no 20º dia após a sua publicação - artº 254º, nº 1, do Tratado CE -, que ocorreu em 31/7/2007, no JOUE, quer, face ao disposto no artº 32º, que estipula que é aplicável a partir de 11/1/2009 - questão que, como dá conta o ac. da RC de 9/1/2012, www.dgsi.pt., tem sido colocada em vários Estados Membros -, sendo que o Tribunal de Justiça da União Europeia (Grande Secção), no Ac. de 17/11/11, processo C-412/10), concluiu que: “Os artigos 31° e 32° do Regulamento (CE) n° 864/2007 ..., lidos em conjugação com o artigo 297° TFUE, devem ser interpretados no sentido de que um órgão jurisdicional nacional deve aplicar este regulamento unicamente aos factos, geradores de danos, ocorridos a partir de 11 de Janeiro de 2009 e que a data de propositura da acção de indemnização ou a data da determinação da lei aplicável pelo órgão jurisdicional competente não são relevantes para efeitos da definição do âmbito de aplicação no tempo deste regulamento” - cfr. o Ac. do STJ de 1/3/2012, www.dgsi.pt. -, em qualquer dos casos sempre o acidente ocorreu anteriormente à data da sua entrada em vigor.

Feito este esclarecimento, e delineados que se encontram a causa de pedir e o pedido, envolvendo os ordenamentos jurídicos de Espanha e de Portugal, apreciemos, à luz das normas de direito internacional privado pertinentes - normas de conflitos -, qual a lei substantiva por que deve ser regulada a prescrição questão: se a lei espanhola, como sustenta a apelante, se a lei portuguesa.
A norma em questão consta do artº 45º do Código Civil, inserida no Capítulo III - “Direito dos estrangeiros e conflitos de leis” -, Secção II - “Normas de conflitos” -, subordinada à epígrafe “Responsabilidade extracontratual”, que dispõe:
1. A responsabilidade extracontratual fundada, quer em acto ilícito, quer no risco ou em qualquer conduta lícita, é regulada pela lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo, em caso de responsabilidade por omissão, é aplicável a lei do lugar onde o responsável deveria ter agido.
2. Se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo considerar responsável o agente, mas não o considerar como tal a lei do país onde decorreu a sua actividade, é aplicável a primeira lei, desde que o agente devesse prever a produção de um dano, naquele país, como consequência do seu acto ou omissão.
3. Se, porém, o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta dela, a mesma residência habitual, e se encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a lei aplicável será a da nacionalidade ou a da residência comum, sem prejuízo das disposições do Estado que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas”.
E, em matéria de prescrição, estatui o artº 40º do Código Civil que “a prescrição e a caducidade são reguladas pela lei aplicável ao direito a que uma e outra se refere”.
É pela lei aplicável, referida nesse artº 40º (ou seja, a determinada pelo artº 45º), que terá de aferir-se o regime de prescrição a considerar e sempre assim seria pois se um direito está sujeito a “determinada lei significa justamente que o conteúdo desse direito, a sua modificação, extinção, etc., são regulados por essa lei” - Baptista Machado, em Lições de Direito Internacional Privado, 1974, pág. 357.
O nº 1 do citado artº 45º estabelece a regra geral que manda submeter a responsabilidade extracontratual - que, nos termos do artº 483º do Código Civil, se pode fundar num acto ilícito (acção ou omissão), ou no risco - à lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo ou, no caso de omissão, onde ela devia ter sido exercida - lex loci.
Tendo o acidente ocorrido em Espanha, a não ser que ocorra algumas das excepções previstas nos nº 2 e 3 do citado artigo 45º, é aplicável a lei espanhola (que é a lex loci), uma vez que, em matéria de responsabilidade extracontratual, o elemento de conexão internacionalmente relevante determina-se em função do facto jurídico que dá origem aos danos, pelo que a lei aplicável é do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo - autor e obra citados, págs. 367 e 370 e acs. deste Tribunal de 3/11/2005, proc. 0534759, e de 18/11/2010, proc. 1418/08.6TBLSD.P1, ambos www.dgsi.pt, o último dos quais foi subscrito, como adjuntos, pelos aqui relator e 2ª adjunta.
O nº 2 consagra a primeira excepção àquela regra, fixando como lei competente a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo -lugar da lesão -, para aquelas hipóteses em que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes pressupostos: a) a lei do lugar onde se produziu o efeito lesivo considera o agente responsável, ao passo que a lei do lugar da conduta o não considera tal; o agente devia prever a produção de um dano naquele primeiro lugar, como consequência do seu acto ou omissão.
Para efeitos desse nº 2, serão o lugar e o momento da lesão - do interesse ou bem jurídico tutelado - que estabelecem o direito aplicável e não o lugar do dano, posto que o efeito lesivo pode registar-se num Estado diverso daquele em que decorreu a actividade causadora do efeito.
Como se afirma no recente ac. do STJ de 11/4/2013, proc. 186/10.TBCTB.S2, www.dgsi.pt., “A norma de conflitos contida nos nºs 1 e 2 do art 45º representa uma conjugação do critério do lugar do delito, que é a tradicional nesta matéria, com o critério do lugar dos efeitos. Esta conjugação é feita segundo a ideia de alternatividade, de aplicação da lei mais favorável ao lesado. Mas não é uma pura conexão alternativa. Em princípio aplica-se a lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo. Só se esta não considerar o agente responsável é que caberá examinar se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo dá solução diferente. O lugar onde se produz o efeito lesivo é aquele em é lesado o bem jurídico protegido e não aquele em que se produz o dano”.
Por sua vez, o nº 3, consagra a segunda excepção à regra geral, quando o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta de nacionalidade comum, a mesma residência habitual, e se encontrarem ambos ocasionalmente em país estrangeiro. Nessas circunstâncias a lei aplicável será a da nacionalidade ou a da residência comum - lex communis -, sem prejuízo das disposições do Estado local que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas.
A situação em apreço não cai no âmbito da primeira das excepções previstas no nº 2 do artº 45º, já que a lei vigente em Espanha - quer a lei civil, consagrada no artº 1902º do Código Civil Espanhol (“El que por acción u omisión causa daño a otro, interviniendo culpa o negligencia, está obligado a reparar el daño causado”), quer a lei penal (v.g., artºs 147º e 152º do Código Penal Espanhol) -, tal como acontece com a legislação vigente em Portugal, consideram o agente como responsável pelos danos causados.
E, de acordo com essa excepção, ela só ocorreria se a lei vigente em Espanha não considerasse responsáveis os agentes, o que não sucede.
Acresce que é o mesmo o local do facto e da lesão.
O efeito lesivo produziu-se em Espanha, tendo sido aí que se produziram as graves lesões físicas sofridas pelo autor/apelante, que o levaram ao internamento no hospital “Rio Carrion”, em Palência.
O lugar da lesão “deve ser em princípio aquele em que o processo causal desencadeado pela conduta do lesante atingiu o bem juridicamente tutelado”, não relevando, para esse efeito, os danos ulteriores que venham eventualmente a verificar-se noutro país (J. Baptista Machado, obra citada, págs. 372/373). E as lesões sofridas pelo autor ocorreram em Espanha, delas decorrendo as demais consequências descritas nos factos provados.
Vejamos, então, se se verifica a excepção contida no nº 3 do artº 45º.
Para que ela se verifique, têm que se mostrar preenchidos os seguintes pressupostos: a) o agente e o lesado terem a mesma nacionalidade, ou na falta dela, a mesma residência habitual; b) encontrarem-se ambos ocasionalmente em país estrangeiro.
Nesse circunstancialismo, reitera-se, a lei aplicável será a lex communis.
Louvando-se no autor e obra nele citado [Nuno Reis, Comentário a um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2001 (Responsabilidade Civil Extracontratual), nota constante da pág. 714, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Volume 46, nº 1, 2005], escreve-se no referido aresto do STJ de 11/4/2013, “... que esta opção do legislador assenta na consideração de que o lugar do facto tem aqui uma relação acidental com a situação em causa e que a lei com conexão mais estreita e que melhor corresponderia às expectativas das partes será a lei da nacionalidade ou residência comum. Por outro lado, esta é a solução mais conforme à função essencialmente ressarcitória da responsabilidade civil, ao fazer relevar a lei do país em que o lesado tem o seu «centro de vida»”.
Referindo-se ao conceito de presença ocasional em país estrangeiro, Baptista Machado, obra citada, salienta que se trata das situações em que o agente e o lesado se encontram ambos “ocasionalmente, isto é, de passagem ou transitoriamente, no país onde a conduta lesiva teve lugar” e acrescenta “pressupõe-se que, nestes casos, tudo se passando entre membros da mesma comunidade estrangeira que só de passagem se encontram no país da conduta, estará mais indicado e será mais justo sujeitá-los à lei pessoal comum” (excepção feita, como antes se disse, às regras técnicas e de segurança do Estado local).
Ora, a situação dos autos, também não cabe no âmbito da norma prevista do nº 3 do artº 45º, por, ainda que se considere que tanto o agente como o lesado se encontrassem ocasionalmente em Espanha (conclusão que, sendo evidente quanto ao lesado - autor -, uma vez que está provado que ele tem residência em Portugal, se poderia depreender quanto ao agente do facto de ele conduzir veículo de matrícula francesa, fazendo o transporte França/Portugal, e estando a seguradora sedeada em França), faltar o primeiro dos referidos pressupostos, ou seja que ambos tivessem nacionalidade portuguesa ou, na falta dela, a mesma residência habitual.
Na verdade, não obstante o nome (B…..) parecer indicar tratar-se de cidadão de nacionalidade portuguesa, certo é que se desconhece qual era a sua nacionalidade e a residência habitual do condutor do veículo onde o A. seguia como passageiro, e qual a relação que o mesmo tinha com a entidade patronal dele.
Acresce que o apelante, a quem competia o ónus de alegar e provar os correspectivos factos, por serem constitutivos do seu direito (artº 342º, nº 1, do Código Civil) nada alegou a propósito da nacionalidade e/ou residência habitual do condutor do veículo, e nomeadamente que fosse Portugal.
Daí que se não possa ter como demonstrado que, à data dos factos, o condutor do veículo de matrícula francesa, a Ré seguradora, e o Autor (que, manifestamente, não têm nacionalidade comum) tivessem a sua residência habitual em Portugal, sendo certo que, pelo contrário, a seguradora tem a sua sede social em França.
Afastadas as duas excepções legais, contidas nos nºs 2 e 3 do art 45º, a lei aplicável ao litígio é a lei civil espanhola, por força do disposto no nº 1 do mesmo preceito.

E sendo aplicável a lei civil espanhola, mais não resta que concluir pela verificação da excepção da prescrição.
Efectivamente, face ao disposto nos artigos 1902º (“El que por acción u omisión causa daño a otro, interviniendo culpa o negligencia, está obligado a reparar el daño causado”), 1968º, nº 2 (“Prescriben por el transcurso de un año: La acción para exigir la responsabilidad civil por injuria o calumnia, y por las obligaciones derivadas de la culpa o negligencia de que se trata en el artículo 1902, desde que lo supo el agraviado”) - “Prescrevem após o decurso de um ano: (…) a acção para exigir a responsabilidade civil por injuria ou calúnia e pelas obrigações derivadas de culpa ou negligência indicadas no artigo 1902, desde a data de conhecimento do ofendido” -, 1969º (“El tiempo para la prescripción de toda clase de acciones, cuando no haya disposición especial que otra cosa determine, se contará desde el día en que pudieron ejercitarse”) - “O prazo de prescrição de qualquer tipo de acções, quando não exista disposição especial que determine coisa diferente, será contado a partir do dia em que as acções em causa pudessem ser exercidas” - e 1973º (“La prescripción de las acciones se interrumpe por su ejercicio ante los Tribunales, por reclamación extrajudicial del acreedor y por cualquier acto de reconocimiento de la deuda por el deudor”) - “A prescrição das acções interrompe-se pela sua interposição perante os Tribunais, por reclamação extrajudicial do credor ou por qualquer acto de reconhecimento da dívida por parte do devedor” -, do Código Civil Espanhol, tendo decorrido mais de um ano desde o dia em que os direitos invocados pelo autor podiam ser exercidos - o acidente teve lugar em 13 de Agosto de 2003, o autor teve alta voluntária em 15/8/2003 e a proposição da acção e a citação da R. ocorreram no ano de 2006 - prescreveu o direito de crédito accionado, o que constitui excepção peremptória extintiva do direito do autor.
E se, face ao disposto no citado artº 1973º da lei civil espanhola, a prescrição se interrompe pela interposição de qualquer pretensão perante os tribunais, por reclamação extrajudicial do credor ou por qualquer acto de reconhecimento da obrigação pelo devedor, não obstante a simplicidade formal para se interromper a prescrição, certo é que não alegou o autor/apelante qualquer reclamação (independentemente do meio utilizado) de reparação, feita à R., dos danos sofridos no acidente, apenas o fazendo pela presente acção.
Por outro lado, não se alega facto algum que revele, ou indicie sequer, ter a apeladas reconhecido perante o autor ser devedora deste por qualquer reparação, em consequência do mencionado acidente.
Procede, deste modo, a questão, com o que fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas - artº 660º, nº 2, do Código de Processo Civil.

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e, consequentemente, em revogar a sentença recorrida e absolver a R. do pedido.
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Custas pelo apelado.
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António do Amaral Ferreira
Ana Paula Lobo
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão