Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
200879/11.8YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: INJUNÇÃO
ACÇÃO ESPECIAL
RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO
ADEQUAÇÃO FORMAL
Nº do Documento: RP20180124200879/11.8YIPRT.P1
Data do Acordão: 01/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º667, FLS.85-99)
Área Temática: .
Sumário: I - A jurisprudência tem entendido, de forma generalizada e pacífica, que em função da natureza da forma processual que se segue à oposição à injunção (e consequente distribuição como ação declarativa), se definirá a viabilidade da reconvenção, concluindo que tal articulado será sempre viável nas ações de natureza comum (decorrentes de injunção referente a transação comercial de valor superior a €15.000,00).
II - No que respeita às ações com processo especial (emergentes de injunção de valor não superior a €15.000,00) prevalece o entendimento de que não é viável a reconvenção.
III - A questão, que já não era pacífica, assumiu crescente complexidade face à imperatividade do disposto na alínea c) do n.º 2 do art.º 266.º do atual CPC (que impõe a reconvenção como meio processual para o exercício do direito de compensação), suscitando um problema acrescido: o facto de tal articulado implicar automaticamente a adição do valor (art.º 299.º CPC), o que se pode traduzir numa alteração da forma da ação declarativa, de especial para comum.
IV - Num processo declarativo de natureza especial, decorrente de injunção de valor não superior a €15.000,00, em que o requerido deduziu oposição em momento anterior à entrada em vigor do novo CPC (em 29.09.2011), reclamando a compensação de um contracrédito por via reconvencional, é legítima a utilização pelo Tribunal, do mecanismo de adequação formal, previsto no artigo 547.º do CPC, com vista a uma “solução justa” do litígio, adotando a posição doutrinária e jurisprudencial claramente maioritária que ia no sentido de considerar que, visando o réu compensação pelo contracrédito de montante igual à do crédito reclamado pelo autor, se entendia que invocava o seu direito e reclamava a sua realização por exceção perentória, viabilizando assim a apreciação do mérito da pretensão compensatória.
V - Tendo sido invocada a compensação de um contracrédito relativamente à sociedade requerente inicial da injunção, vindo posteriormente a referida sociedade a ceder o seu crédito a um filho do gerente, antes de vir a ser declarada a sua insolvência culposa, a realização parcial do direito da requerida (até à estrita medida do crédito que detém sobre a requerente originária) torna-se um imperativo de justiça material, que legitima a viabilização do mecanismo de compensação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 200879/11.8YIPRT.P1
Sumário do acórdão:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Em 3.11.2011, B…, Lda., apresentou no Balcão Nacional de Injunções, requerimento de injunção contra C…, SA., (injunção n.º 200879/11.8YIPRT), pedindo que esta seja notificada para pagar a quantia de €10.194,29.
Alegou a requerente, como fundamento da sua pretensão: no âmbito da sua atividade de serração de madeira, contratou com a ora requerida o fornecimento dos bens constantes das seguintes faturas: n.º ......, com data de emissão de 22-03-2011, e data de vencimento de 21-05-2011, no total de 3.845,72€; n.º ……, com data de emissão de 13-04-2011, e data de vencimento de 12-06-2011, no total de 4.154, 33€; n.º ……, com data de emissão de 30-04-2011, e data de vencimento de 29-06-2011, no total de 2.125,44€; as três faturas supra identificadas totalizam a quantia de 10.125,49€; como nem na data de vencimento das supra referidas faturas nem em outra, a requerida procedeu ao pagamento das mesmas, a requerente não teve outra alternativa para ver o seu crédito satisfeito que não a de intentar o presente procedimento de injunção; ao total de cada uma das referidas faturas acrescem os competentes juros de mora, calculados à taxa de juro comercial de 8% (em vigor no 1.º semestre de 2011) e à taxa de juro comercial de 8, 25% (em vigor no 2.º semestre de 2011).
Efetuada a notificação do requerimento de injunção à requerida, veio esta, em 9.09.2011, apresentar oposição, na qual alegou em síntese: a ora requerida, no trato da relação comercial estabelecida com a requerente, além de compradora da requerente, é também sua fornecedora; assim, e no âmbito da sua atividade, forneceu a “C…, S.A.”, Requerida, bens e serviços num montante total de €28.194,25 à ora requerente – conforme fatura, que ora se junta sob documento nº 1; pelo que, é a requerente devedora da ora requerida, pelo valor de €28.194,25, acrescida de juros à taxa legal em vigor, que à data se contabilizam em €3.755,63; ainda que se entenda – o que não se concede, apenas por mera hipótese de raciocínio se admitindo - a ora requerente é credora e devedora da mesma entidade, encontra-se assim a requerente em dívida para com a requerida pelo valor total de €31.949,88.
No seu articulado, a requerida invoca a compensação: «Em face do exposto verifica-se que a Requerente e a Requerida são reciprocamente credora e devedora, sendo ambos os créditos judicialmente exigíveis e tendo por objecto coisas fungíveis. Pelo que, pode a Requerida desonerar-se da sua obrigação mediante a compensação com a obrigação da Requerente, compensação esta que aqui expressamente se declara para todos os efeitos legais», concluindo com a formulação do seguinte pedido reconvencional:
«Nesta conformidade, deve a presente OPOSIÇÃO ser julgada totalmente procedente por provada, e, por via disso, ser a Requerida absolvida do pedido.
Mais se requer que o pedido reconvencional seja julgado totalmente procedente por provado, e em consequência, ser a Requerente condenada ao pagamento da quantia de €31.949,88.
Na hipótese de se vir a entender que a Requerida se encontra obrigada a pagar à Requerente a quantia peticionada nos presentes autos de injunção, sempre se deverá considerar compensado o valor peticionado pela Requerente e, em consequência, ser esta obrigada a pagar à Requerida a quantia de €21.653,59, quantia esta sobre a qual recaem juros de mora desde a notificação da presente oposição até efectivo e integral pagamento».
Na parte final do seu articulado, a requerida atribui à reconvenção o valor de €31.949,88 (trinta e um mil, novecentos e quarenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos).
Já depois da apresentação da oposição por parte da requerida, veio por apenso, em 16.12.2011, D…, requerer a sua habilitação como cessionário, de forma a assumir a posição processual da primitiva requerente, invocando uma “cessão de créditos”.
Notificada da alegada “cessão de créditos”, a requerida reagiu através do requerimento de fls. 20, no qual invoca o abuso de direito, alegando que com o negócio em causa a cedente e o cessionário visaram apenas obstar à realização do direito da requerida a obter a compensação neste procedimento.
Através de requerimento de 5.06.2012, veio a requerida informar da declaração de insolvência da primitiva requerente B…, Lda.
No apenso de habilitação, a requerida apresentou oposição, na qual, em síntese, reitera o anteriormente alegado, afirmando que o negócio de “cessão de créditos” teve como único objetivo prejudicar a realização do seu direito.
No mesmo apenso, veio a Administradoras de Insolvência da Massa Insolvente B…, Lda., declarar que impugnou duas “cessões de créditos” da insolvente a favor de E…, obtendo do Tribunal a sua declaração de nulidade, por sentença de 23.06.2013, que juntou aos autos (fls. 76), mais alegando que a referida sentença “só não abarcou a cedência de créditos emergente do presente Apenso porquanto a mesma era totalmente desconhecida da massa insolvente que, por sua vez e através da Administradoras de Insolvência, não obteve da insolvente e dos seus legais representantes, qualquer colaboração no sentido da denúncia das situações creditícias entretanto averiguadas”.
Por sentença de 16.04.2013, junta ao apenso de habilitação a fls. 213, foi considerada culposa a insolvência da requerente B…, Lda.
Entretanto, no apenso, foi proferida sentença em 21.12.2016, na qual D… foi declarado «habilitado como cessionário para, nos autos de que estes são apenso, prosseguir na qualidade de autor».
Tal decisão transitou em julgado.
Nos presentes autos realizou-se a audiência de julgamento em 3.05.2017, no âmbito da qual e conforme consta da respetiva ata, foram formulados dois requerimentos pelo requerente D…, sobre os quais recaíram os despachos que se transcrevem:
«Seguidamente foi pedida a palavra pela Exm.ª Mandatária do Autor no uso da qual ditou o seguinte requerimento:
No âmbito da sua oposição a Requerida deduziu a exceção da compensação. Ora como foi referido tal pedido tem uma natureza de contra crédito relativamente ao Requerente cessionário. Acontece que nos termos do disposto no artigo 266º nº 2 c) do Código de Processo Civil sempre que o Réu pretende o reconhecimento de um crédito seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do Autor deverá exercer o seu direito por via reconvencional.
Ora, estamos no âmbito de um processo regulado pelo Decreto-lei n.º 269/98 que não admite pedido reconvencional. Assim, e invocando ainda designadamente um acordão do Tribunal de Évora de 09 de fevereiro de 2017 é inadmissível legalmente o conhecimento da compensação invocada pela Requerida.
Requer ainda por último a junção de três documentos (faturas).
Dada a palavra à Exm.ª Mandatária da Ré foi pela mesma referido, e relativamente ao requerimento supra nada ter a mencionar. Quanto aos documentos ora juntos nada tem a opor.
Seguidamente foi pela Exm.ª Sr.ª Juiz proferido o seguinte
DESPACHO
Admito a junção ora requerida. na medida em que os documentos oferecidos respeitam à questão, ou melhor dizendo, á causa de pedir subjacente ao presente procedimento, posteriormente transmudado em ação.
No que se refere àquilo que se mostra requerido por parte do aqui habilitado Autor no que se refere à exigência de dedução de reconvenção por parte da Ré com vista á dedução da compensação invocada e à inadmissibilidade de uma tal reconvenção no âmbito desta ação importará referir o seguinte:
O presente procedimento foi instaurado em 2011 e, por conseguinte, ainda no âmbito do anterior código de processo civil (Velho Código de Processo Civil).
Do mesmo modo a oposição deduzida no âmbito de um tal procedimento foi apresentada em setembro de 2011 e, portanto, no âmbito da vigência do Velho Código de Processo Civil. De atender ainda a que numa tal oposição nenhum pedido é formulado pela Ré no que se refere ao pagamento por parte do Autor do remanescente do seu crédito invocado com vista á compensação excecionada.
Ou seja, e conforme resulta do por último exposto a ré no caso limitou-se a excecionar a compensação, não formulando qualquer pedido no que se refere ao remanescente do seu crédito sobre o autor.
Ora, á luz do Velho Código de Processo Civil e tal como é entendimento dominante quer ao nível da doutrina, quer ao nível da jurisprudência, a compensação dos créditos em si, poderiam ser invocados por meio de exceção desde que o Réu não pretendesse obter do Autor o pagamento do seu crédito que excedesse o montante do crédito contra ele exercido pelo Autor.
Ora, visto isto e tendo em atenção que a oposição apresentada o foi, também como se disse, à luz do Velho Código de Processo Civil não se vê razão, aliás tal é legalmente admissível, para aplicar as novas regras concernentes à compensação de créditos aos articulados apresentados pelo Réu em data anterior à da vigência do Novo Código de Processo Civil.
Assim sendo, e em função do supra exposto, devem os presentes autos prosseguir, indeferindo-se ao que se mostra requerido por parte do aqui habilitado Autor.
Notifique.
Foi de novo pedida a palavra pela Exm.ª Mandatária do Autor o uso da qual ditou o seguinte requerimento:
Em face do despacho ora proferido o Autor quer chamar a atenção do Tribunal que os pedidos formulados pela Ré são que o pedido reconvencional seja julgado totalmente procedente por provado e em consequência ser a Requerente condenada ao pagamento da quantia de 31,949,88€, em alternativa deverá considerar compensado o valor peticionado pela Requerente e em consequência ser esta obrigada a pagar à Requerida a quantia de 21.653,59€. Assim, e salvo sempre o devido respeito que é muito, entendemos que se trata efetivamente de pedidos que estão limitados ao exercício dos respetivos direitos pela via reconvencional.
Por outro lado, e não obstante o anterior código de processo civil fazer referência a esta questão no artigo 274º, a verdade é que encontrando-se os presentes autos na fase de audiência de discussão e julgamento, determina o artigo 5º nº 1 do preâmbulo da Lei 41/2013 de 26 junho que o Novo Código de Processo Civil é imediatamente aplicável às ações declarativas pendentes, reiterando assim o anteriormente requerido.
Dada a palavra à Exm.ª Mandatária da Ré pela mesma foi referido nada ter a referir ou requerer.
De imediato foi pela Exm.ª Sr.ª Juiz proferido o seguinte
DESPACHO
Reiterando também aquilo que se mostra atrás exposto em sede de despacho proferido que determinou o prosseguimento dos presentes autos, compete ao tribunal referir o seguinte:
De modo óbvio no âmbito do presente procedimento, transmudado em ação, não é admissível a reconvenção, sendo certo que e nessa medida se poderá deixar desde já consignado que não se admite a reconvenção deduzida pela Ré em sede de oposição que apresentada.
Todavia, de uma tal constatação não resulta desde logo aquilo que é visado pelo habilitado Autor. Com efeito, e como já se deixou exposto, a compensação de créditos enquanto exceção, era permitida no âmbito do Velho Código de Processo Civil vigente à data da apresentação da oposição por parte da Ré. O facto da referida Ré ter também ela formulado um pedido reconvencional em sede de oposição que deduziu, pedido esse que não é efetivamente admissível, não invalida no entanto, que o Tribunal deixe de ter em consideração exceção invocada em sede da referida oposição enquanto facto extintivo do direito contra ela invocado no âmbito do presente procedimento.
De modo consequente reitera-se aquilo sido decidido no âmbito dos presentes autos.
Notifique.».
Em 10.07.2017 foi proferida sentença, constando da parte final da argumentação jurídica:
«Portanto, e concluindo, estando-se na situação dos autos, e conforme já se referiu perante um crédito da Ré decorrente de uma obrigação civil, vencida, incumprida e ainda não extinta, na medida em que a primitiva Autora ao adquirir as máquinas e os bens melhor descritos na fatura junta aos autos a fls. 14 estava obrigada a pagamento de um preço pelos mesmos, no prazo estabelecido na aludida fatura, pode a aludida Ré invoca-lo para efeitos de compensação.
De referir ainda, e por outro lado, que a compensação prevista no âmbito do artigo 847º citado não é automática, mas potestativa, por depender de uma declaração de vontade ou pedido, do titular do crédito secundário.
Quer-se com isto dizer que o crédito do habilitado Autor, relativamente ao qual veio a ser invocada a compensação, é composto não só pelo capital, ou seja, pelo valor da prestação, preço, devida pelos bens fornecidos pela primitiva Autora à Ré e que são os que se mostram melhor identificados em sede das faturas juntas aos autos a fls. 54, 55 e 56 dos autos, como também pelos juros devidos a título de mora, vencidos e vincendos, até ao momento em que a compensação de créditos foi invocada nestes autos pela Ré.
Na verdade, encontrando-se também a prestação da Ré, pagamento do preço, sujeita a um prazo, no caso aquele que constava das faturas, a mesma ao não cumprir pontualmente a obrigação a que estava adstrita incorreu em mora, incorrendo por uma tal razão na obrigação de indemnizar a primitiva Autora – e o habilitado Autor -, pelo prejuízo resultante da sua mora – artigos 804º, 805º, 806º e 559º - obrigação essa de indemnização que no caso corresponde aos juros, calculados à taxa legal vigente para as operações comerciais.
Portanto, e concluindo, reconhecem-se os créditos do habilitado Autor e da Ré, nos moles atrás referenciados, impondo-se na situação dos autos, e na procedência da exceção de compensação invocada, que se tenha como extinto o crédito do habilitado Autor, nestes autos reclamado da Ré».
Concluindo-se com o seguinte dispositivo:
«Nestes termos e em função do exposto julgo a presente ação improcedente por força da exceção de compensação invocada e, em consequência, absolvo a Ré dos pedidos.
Custas a cargo do habilitado Autor».
Não se conformou a requerente, e interpôs o presente recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões:
1 - Veio a B… L.da, com sede na …, Arouca, instaurar contra C…, S.A, com sede na Rua …, n.º .., Vila Nova de Gaia, procedimento de injunção visando o pagamento pela mesma da quantia de 10.296,29€, sendo 10.125,49€ a título de capital, 68,80€ a título de juros e 102,00€ a título de taxa de justiça paga;
2 - Para tanto alegou, em síntese, que forneceu à Ré a mercadoria constante das faturas referenciadas em sede de requerimento injuntivo e que essa mercadoria não foi paga pela referida Ré;
3 - Veio a Ré opor-se, admitindo não ter procedido ao pagamento das faturas referenciadas, justificando-o com a circunstância de ser também ela credora da Autora por montante superior na medida em que também ela, Ré, forneceu à referida Autora bens e serviços no montante global de 28.194,25€;
4 - Em função da referida alegação acabou a Ré por excecionar a compensação de créditos e por formular pedido reconvencional visando a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de 21.653,59€, acrescida de juros de mora, contados desde a notificação à referida Autora da oposição apresentada;
5 - Posteriormente à dedução de oposição por parte da Ré, veio estar dar conhecimento ao Tribunal no que se refere à circunstância de ter sido notificada da existência de uma cessão do crédito reclamado por via da presente injunção, cessão essa levada a cabo pela Ré a favor de D…;
6 - Na sequência da referida comunicação, veio o referido D…, residente …, Arouca, requerer, por apenso à presente ação, a sua habilitação enquanto cessionário, tendo sido proferida decisão no sentido de o habilitar na qualidade de Autora para prosseguir na ação em substituição da B…, L.da;
7 - E subsumindo os referidos factos ao direito, o Tribunal a quo concluiu que “estando-se na situação dos autos, e conforme já se referiu perante um crédito da Ré decorrente de uma obrigação civil, vencida, incumprida e ainda não extinta, na medida em que a primitiva Autora ao adquirir as máquinas e os bens melhor descritos na fatura junta aos autos a fls. 14 estava obrigada a pagamento de um preço pelo mesmos, no prazo estabelecido na aludida fatura, pode a aludida Ré invoca-lo para efeitos de compensação;
8 - Estamos perante um procedimento de injunção relativo a transação comercial, instaurado após a sétima alteração ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, por via da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril.;
9 - Deduzida na contestação a excepção de compensação, em obediência ao princípio do contraditório plasmado no artigo 3.º, n.º 4, do CPC, pode a Autora responder-lhe oralmente no início da audiência de discussão e julgamento, mas tal possibilidade constitui uma faculdade da parte;
10 - Porém, o ónus de impugnação especificada consagrado no artigo 574.º, n.º 2, do CPC não tem aplicação à dedução de excepção em contestação produzida em processo em cuja tramitação não está legalmente previsto articulado próprio de resposta à contestação, não estando consequentemente os factos alegados no último articulado admissível, abrangidos pela previsão do artigo 587º do CPC que supõe articulado posterior;
11 - Pelo que, não podia como fez o Tribunal a quo considerar admitidos por acordo os factos dados como provados em virtude de o processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias apenas comportar dois articulados, não lhe sendo aplicável o disposto no artigo 587.º do CPC que supõe a falta ou ausência de impugnação em articulado posterior;
12 - Sem prescindir, a propósito da compensação, a lei prescreve, para o caso de duas pessoas serem reciprocamente credor e devedor, qualquer delas se poder livrar da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, se o crédito recíproco for exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, perentória ou dilatória, de direito material, e o objecto das obrigações sejam coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade (artigos 847º, nº 1, e 851º do Código Civil);
13 - No âmbito do direito processual, a compensação como causa de extinção de obrigações, fundada em normas de direito substantivo, consubstancia excepção perentória de tipo extintivo (artigo 571º, nº 2, do Código de Processo Civil);
14 - Mas é uma excepção perentória com alguma particularidade em relação à normalidade da espécie, porque não envolve a normal conexão com a relação jurídica objecto da acção, certo que deriva de diversa relação ou situação jurídica, e, daí, a sua autonomia;
15 - A lei estabelece poder o réu, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor, além do mais, quando se proponha obter a compensação (artigo 266º, nºs 1 e 2, alínea c), do Código de Processo Civil); 16 - É a chamada compensação judiciária, ou seja, a que deve ser invocada por via de reconvenção;
17 - Quanto aos requisitos elencados no n.º 1 do citado artigo 847.º do Código Civil (exigibilidade judicial do contra crédito sem que contra ele proceda excepção perentória ou dilatória, de direito material; terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade) sendo que terão de perfilar-se, a montante, os pressupostos da validade do crédito principal e da reciprocidade creditícia;
18 - Por razão deste último (n.º 1 do artigo 851.º) a compensação “só pode abranger a dívida do declarante e não a de terceiro ainda que aquele possa efetivar a prestação deste” e (n.º 2) o declarante “só pode utilizar para a compensação créditos que sejam seus” e “contra o seu credor”;
19 - Acresce que no novo Código se restringiu a possibilidade de apresentação de réplica aos casos em que o Réu deduz reconvenção ou, nas ações de simples apreciação negativa, para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu (v. art. 584º do C. P. Civil), fazendo pois sentido a exigibilidade de dedução de reconvenção em caso de invocação da compensação, de forma a que o autor possa responder ao pedido e causa de pedir assim formulados, em articulado próprio, exercendo adequadamente o seu direito de defesa, em vez de ter de o fazer na audiência prévia, caso haja lugar a esta;
20 - De qualquer modo, ainda que se mantivesse o entendimento que existia para o anterior regime e que acima se encontra mencionado (era neste sentido, embora com algumas dúvidas, a posição do Prof. Lebre de Freitas plasmada em “A Ação Declarativa”, Coimbra Editora, 3ª ed., pág. 132, posição entretanto alterada para a que sufragamos em Código de Processo Civil anotado, vol. 1º, 3ª ed. set 2014, pág. 522), sempre no caso, a compensação teria que ser invocada através de pedido reconvencional, já que excede (em muito) o pedido do autor;
21 - Pois que, nos presentes autos, o crédito do Autor ascendia a 10.296,29€, e o crédito da Ré ascendia a 28.194,25€;
22 - Tendo sido questão tal discutida na doutrina e jurisprudência desde há muito que o Supremo Tribunal de Justiça decide no sentido que há que distinguir consoante o contra crédito do réu seja de montante inferior ou superior ao do autor;
23 - Nos casos em que estamos perante um contra crédito do réu de montante superior ao do autor e aquele pede, na contestação da acção que lhe foi movida por este, a compensação de tal crédito, estaremos perante um pedido de natureza reconvencional (compensação pedido);
24 - Porém, nos casos em que, sendo o contra crédito do réu de montante inferior ao crédito do autor, aquele apenas alega tal crédito, não pedindo a condenação do autor no seu pagamento, mas invocando matéria factual que, em caso de provada, reduzirá ou impedirá a produção dos efeitos jurídicos dos factos alegados pelo autor, estaremos perante a dedução de uma excepção perentória (compensação excepção);
25 - Assim, e salvo sempre o devido respeito, mal andou o tribunal ao admitir a compensação do crédito da Ré por via da excepção.
Nestes termos e nos melhores de direito que v. Ex.as doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente:
- Ser revogada a Sentença proferida pelo Tribunal Recorrido e, em sua substituição seja proferido Douto Acórdão que, não admita a compensação do crédito da ré por via de excepção, e julgue procedente a acção, condenado a Ré a pagar ao Autora a quantia peticionada, com as demais consequências legais, fazendo-se, assim, a costumada, inteira e sã Justiça.
A requerida respondeu à alegação da recorrente, concluindo:
I. Vem o recurso interposto pela Autora, da douta sentença proferida, a qual, julgando improcedente o pedido da Autora por força da excepção de compensação invocada, absolveu a Ré dos pedidos formulados.
II. Salvo o devido respeito por melhor opinião, considera a aqui Recorrida que a douta sentença proferida, representa em si uma decisão justa, fazendo, consequentemente, uma digna aplicação do direito aos factos.
III. Não obstante a aqui Recorrida concordar com a sentença proferida e esta subscrever, cumpre-lhe contra-alegar alguns dos pontos apresentados em sede de Recurso.
IV. A Recorrente arguí, em sede de Recurso, que mal andou o Tribunal a quo quando, no âmbito de um procedimento de injunção, admitiu a compensação deduzida na contestação.
V. Pugnando “(…) não podia como fez o Tribunal a quo considerar admitidos por acordo os factos dados como provados em virtude de o processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias apenas comportar dois articulados, não lhe sendo aplicável o disposto no artigo 587º do CPC que supõe a falta ou ausência de impugnação de articulado posterior”.
VI. Não alcança a Recorrida tal alegação porquanto, na fundamentação subjacente à decisão proferida na sentença de que se recorreu, foi, de forma extensiva e clara, que o Tribunal a quo justificou a procedência da excepção da compensação invocada.
VII. Pelo que, não parece alcançar a Recorrente a viabilidade da Ré/Recorrida ter deduzido a compensação de créditos no âmbito de um procedimento de injunção.
VIII. Sendo que, para tanto, alega, nesse sentido, entre outros, que a jurisprudência há muito que vem discutindo a presente questão, designadamente o Supremo Tribunal de Justiça que, já definiu a interpretação da questão em razão do valor.
IX. De facto, razão assiste à Recorrente no que à jurisprudência respeita, todavia, a mesma tem decidido favoravelmente à aqui Recorrida e, conforme a decisão proferida nos presentes autos.
X. Como, alias, é o caso do Acórdão mencionado na sentença de que se recorreu, do Supremo Tribunal de Justiça.
XI. E, por exemplo, do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15-12-20112, onde se afirma: (…).
XII. Assim, bem andou o Tribunal a quo ao considerar procedente a excepção da compensação arguida pela Recorrida por via da reconvenção apresentada em sede de Oposição à Injunção.
XIII. Pelo que não se compreende as alegações pela Recorrente apresentadas, atenta a fundamentação da decisão proferida, bem como, a demonstração de todos os requisitos exigíveis para que tal excepção operasse.
XIV. Como é exemplo, o artigo 847º do Código Civil, anteriormente já mencionado e arguido aquando do pedido reconvencional formulado na indicada Oposição pela Recorrida.
XV. Os seus requisitos encontram-se preenchidos na sua totalidade. Existe um crédito da Recorrente e um crédito da Recorrida. Ambos exigíveis, e ambos da mesma espécie e qualidade, pelo que não se conceberia outra decisão que não a tomada e proferida pelo Tribunal a quo.
XVI. Pelo que, discorda profundamente a Recorrida, das alegações pela Recorrente apresentadas, concordando, por seu turno, com a decisão do Tribunal a quo.
XVII. Isto dito, e porque o Tribunal a quo bem andou na decisão proferida, não assiste razão à Recorrente nas alegações que apresenta em sede de Recurso de Apelação.
Termos em que a sentença recorrida deverá manter-se,
Assim se fará, como sempre, inteira Justiça.
II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa questão fulcral: saber se é processualmente admissível o pedido de compensação deduzido pela recorrida.
2. Fundamentos de facto
É a seguinte a factualidade relevante considerada provada nos autos:
1 - No âmbito da sua atividade de serração de madeira, a B…, Lda., forneceu à C…, S.A, a solicitação desta, os bens que se mostram melhor concretizados nas faturas juntas aos autos a fls. 54, 55 e 56, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, faturas essas às quais correspondem os números, ……., ……. e ……., respetivamente, com datas de emissão, também respetivamente, de 13-04-2011, 22-03-2011 e 30-04-2011 e nos valores, também respetivamente, de 4.154,33€, 3.845,72€ e 2.125,44€.
2 - As faturas atrás identificadas apresentavam como data de vencimento, respetivamente, as seguintes: 12-06-2011, 21-05-2011 e 29-06-2011.
3 - A C…, S.A, forneceu à B…, Lda., a solicitação desta, os bens que se mostram melhor concretizados na fatura junta aos autos a fls. 14, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, fatura essa à qual corresponde o n.º ……, com data de emissão de 30-12-2009 e no valor de 28.194,25€.
4 – A fatura atrás identificada apresentava como data de vencimento 29-01-2010.
3. Fundamentos de direito
O procedimento de injunção tem sede legal no DL n.º 269/98, de 1 de setembro, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias, definindo-o o artigo 7.º neste termos: «Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações[1] a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro[2]».
Traduz-se, em suma, num mecanismo processual conferido ao credor de obrigação pecuniária emergente de contrato, de montante não superior a quinze mil euros, salvo quando esteja em causa transação comercial para os efeitos do decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, inexistindo, nesse caso, qualquer limite quanto ao montante do crédito, a fim de lhe permitir de modo mais célere a obtenção de um título executivo que lhe faculte o acesso direto à ação executiva.
O artigo 1.º do diploma preambular (DL n.º 269/98, de 1.09) reporta-se ao “regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000”.
Por sua vez, o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio [para o qual se considera atualmente feita a remissão prevista no art.º 7.º do DL 269/98, de 1/09, face ao disposto no artigo 13.º do DL 62/2013, de 10/05], define como seu âmbito de aplicação “pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais”, excluindo o n.º 2 desse âmbito normativo: “a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros”.
A alínea b) do artigo 3.º do citado DL 62/2013, de 10/05, define «[t]ransação comercial», como «uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração».
Finalmente, o artigo 10.º do mesmo diploma legal (DL 62/2013, de 10/05), estabelece o seguinte regime de “Procedimentos especiais”:
«1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação.».
Decorre dos dispositivos legais citados que o procedimento de injunção apenas é utilizável quando se destina a exigir o cumprimento:
a) de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 (artigo 1.º do diploma preambular citado);
b) ou, independentemente desse valor (art.º 10.º do DL 62/2013 de 10/05), de obrigações emergentes de transações comerciais que não integrem as exceções previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art.º 2.º do DL 62/2013 de 10/05.
Debate-se nos autos um crédito reclamado pela requerente/apelante, no montante de €10.194,29.
Tal valor é crucial para a definição da tramitação dos autos no que se reporta à viabilidade do pedido reconvencional.
Com efeito, o procedimento de injunção, após ser deduzida oposição, transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor:
i) nas injunções destinadas à cobrança de dívida fundada em transação comercial, com valor superior a €15.000,00, em que tenha sido deduzida oposição, segue os termos do processo comum (art.º 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio);
ii) nas injunções destinadas à cobrança de dívida de valor não superiores a €15.000,00, a forma de processo especial (art.º 3.º a 5.º do DL n.º 269/98, de 1 de setembro).
Face ao seu valor, o presente procedimento corre termos na forma de ação especial, tramitando-se de acordo com o regime processual aprovado pelo DL 269/98, 1.09.
E a questão fulcral que se suscita é a seguinte: será viável, no procedimento em causa, a dedução de pedido reconvencional, nomeadamente visando a realização da compensação de créditos?
Sobre esta temática, escreve Salvador da Costa[3]: «Não obstante a compensação só poder ser suscitada por via de reconvenção, pensamos que, se neste tipo de ação ela for deduzida, deve ser liminarmente indeferida, caso em que o respetivo valor processual é insuscetível de adição ao valor processual da ação, designadamente para efeito da alteração da regra da competência ou da interposição de recurso».
No que respeita às injunções de valor superior a €15.000,00, é diverso o entendimento do autor citado[4]: «Nessa hipótese (…) é admissível a formulação de reconvenção na oposição ao procedimento de injunção, essencialmente sob o argumento de a tramitação processual imprimida ter passado a ser, após a oposição, a do processo comum».
A jurisprudência tem entendido, de forma generalizada e pacífica, que em função da natureza da forma processual que se segue à oposição à injunção (e consequente distribuição como ação declarativa), se definirá a viabilidade da reconvenção, concluindo que tal articulado será sempre viável nas ações de natureza comum (decorrentes de injunção referente a transação comercial de valor superior a €15.000,00).
Nesse sentido, veja-se o acórdão desta Relação, de 14.05.2012[5], no qual se cita vasta jurisprudência, concluindo-se: «O problema não é original nas decisões das Relações e todas elas se encaminham, tanto quanto constatamos, para o entendimento que distingue as injunções em dois tipos, concluindo que aquelas que correspondem a transações comerciais com pedidos superiores à alçada da Relação (anteriormente, à alçada do tribunal) implicam o prosseguimento do processo como ação comum ordinária e, por isso, permitem a dedução de reconvenção pelo requerido que, entretanto, com a oposição, passou a réu».
No que respeita às ações com processo especial (de valor não superior a €15.000,00, como ocorre com aquela que apreciamos) a jurisprudência em geral tem entendido que não é viável a reconvenção[6].
São, em geral, expendidos os seguintes argumentos, para obstar à admissibilidade da reconvenção: há apenas dois articulados, não havendo lugar a um terceiro articulado/resposta; o legislador pretendeu um processo particularmente célere.
A questão não é pacífica e hoje, face ao disposto na alínea c) do n.º 2 do art.º 266.º do atual Código de Processo Civil (que impõe a reconvenção como meio processual para o exercício do direito de compensação), suscita um problema acrescido: o facto de tal articulado implicar automaticamente a adição do valor (art.º 299.º CPC), o que se pode traduzir numa alteração da forma da ação declarativa (in casu, considerando o valor da ação - €10.194,29, e o valor da reconvenção - €31.949,88, teríamos um valor muito superior ao permitido para a tramitação da ação em que se transmutou o procedimento previsto no artigo 1.º do diploma preambular - DL n.º 269/98, de 1.09).
Erguem-se, no entanto, vozes críticas contra esta interpretação legal, com reconhecida autoridade, como a do Professor Teixeira de Sousa, cuja posição, expressa no blogue do IPPC (dia 25 de Abril de 2017), se transcreve parcialmente:
«1. Tendo presente que, no actual CPC, a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC), tem vindo a discutir-se a aplicação deste regime às acções declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (conhecidas vulgarmente através do acrónimo AECOPs e reguladas pelo regime constante do anexo ao DL 269/98, de 1/9).
Aparentemente, não deveria haver nenhuma dúvida sobre a solução a dar ao problema acima enunciado. As AECOPs são um processo especial, pelo que, como qualquer processo especial, são reguladas tanto pelas disposições que lhes são próprias, como pelas disposições gerais e comuns (art. 549.°, n.° 1, CPC). Atendendo a que a admissibilidade da reconvenção se encontra regulada no art. 266.° CPC e considerando que este preceito se inclui nas disposições gerais e comuns do CPC, parece não se suscitar nenhumas dúvidas quanto à sua aplicação às AECOPs.
Contra esta solução poder-se-ia invocar que o regime estabelecido no art. 549.º CPC quanto ao direito subsidiariamente aplicável aos processos especiais não vale para os processos especiais "extravagantes", isto é, para os processos regulados fora do CPC. É claro, no entanto, que não é assim. Em particular quanto às AECOPs, basta atentar em que o regime que consta do regime anexo ao DL 269/98 é insuficiente para as regular, pelo que é indiscutivelmente necessário aplicar, em tudo o que não esteja previsto nesse regime, o que consta do CPC.
Contra aquela solução poder-se-ia também alegar que o regime das AECOPs - nomeadamente, a sua tramitação simplificada e célere - não é compatível com a dedução de um pedido reconvencional pelo demandado. Sob um ponto de vista teórico nada haveria a objectar a este argumento, dado que a inseribilidade na tramitação da causa constitui um requisito (procedimental) da reconvenção. A ser assim, haveria que concluir que a reconvenção não é admissível nas AECOPs e que procurar soluções alternativas para a invocação da compensação nessas acções.
Contra este argumento existe, no entanto, um contra-argumento de muito peso. É ele o seguinte: se não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa AECOP invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação pode vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (cf. art. 729.°, al. h), CPC); ora, como é evidente, não tem sentido coarctar as possibilidades de defesa do demandado na AECOP e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível. A economia de custos na AECOP traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos, ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única acção tivesse de ser decidido em duas acções».
O citado Professor, em várias intervenções no referido blogue do IPPC, questiona se a inadmissibilidade da dedução da compensação em tais casos não constitui um entrave inconstitucional ao direito de defesa pois que a compensação não é admitida nem por via de exceção (que a alínea c) do n.º 2 do art.º 266.º do atual CPC não permite), nem por via de reconvenção.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça surgem sinais de desconforto relativamente à solução que tem tido acolhimento quase unânime.
É o que se conclui do acórdão do STJ, de 6.06.2017 (processo n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2), sumariado nestes termos:
«I - Inexiste motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual que se consubstancia em admitir a reconvenção em procedimento de injunção instaurado por comerciante contra um outro comerciante e destinado à cobrança de quantia de valor superior a metade da alçada da Relação, mas em rejeitá-la em procedimento de injunção destinado à obtenção do pagamento de importâncias de valor inferior.
II - Pretendendo a ré exercer o direito à compensação de créditos (e assim deixar de suportar, pelo menos em parte, o risco de insolvência da contraparte), a rejeição da reconvenção perfila-se como um prejuízo não menosprezável para aquela, cabendo, por outro lado, que não esquecer que o legislador civil facilita a invocação daquela forma de extinção das obrigações e que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da Justiça.
III - A partir do momento em que é deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção e este adquire cariz jurisdicional, há que aplicar as regras dos arts. 299.º e seguintes do CPC (que o disposto no n.º 2 do art. 10.º do DL n.º 62/2013 não afastam), cabendo então e caso os pedidos sejam distintos, adicionar o valor do pedido formulado pelo réu ao valor do pedido formulado pelo autor».
Conclui-se, no citado acórdão, que a solução preconizada pelo entendimento maioritário poderá ser violadora do princípio da igualdade:
«Por outro lado, a solução encontrada pelo Tribunal recorrido gera, efectivamente, uma desigualdade – aliás, o Acórdão recorrido afirma expressamente que “a reconvenção é admissível quando a injunção, por força do valor do pedido, é superior à metade da alçada da Relação, não o sendo na hipótese inversa, que é aquela que aqui acontece” (f. 104). Ou seja, porque um comerciante exigiu o pagamento de €4.265,41, o outro comerciante não poderia opor-lhe no processo em que a injunção se convertesse por haver oposição o seu crédito de €50.000,00, mas se fosse o credor de €50.000,00 o autor da injunção – e entre comerciantes a injunção não está sujeita a limites de valor – o credor de €4.265,41 já poderia invocar a compensação.
Ora não se vislumbra qualquer motivo de justiça material para tal desigualdade. Acresce que o legislador civil quis facilitar a compensação, como resulta de no nosso sistema legal a compensação ser possível mesmo com créditos ilíquidos.
A celeridade é sem dúvida importante, mas não deve olvidar-se que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da justiça. Em suma, não é porque uma decisão judicial é célere que a mesma é justa».
Não podemos deixar de ser sensíveis à argumentação expendida pelo ilustre Professor Teixeira de Sousa, refletida no acórdão do Supremo que parcialmente se transcreveu.
Mas é tempo de reverter ao caso sub judice.
Como bem refere a Mª Juíza, o articulado de oposição deu entrada nos autos em data muito anterior à do início de vigência do atual Código de Processo Civil (entrou em 29.09.011).
E na vigência do regime processual anterior era viável a dedução da compensação por via da exceção.
E poderia o Tribunal considerar que a compensação requerida assumia a natureza de exceção perentória?
A questão foi debatida na audiência de julgamento, nestes termos:
«[…] foi pedida a palavra pela Exm.ª Mandatária do Autor no uso da qual ditou o seguinte requerimento:
No âmbito da sua oposição a Requerida deduziu a exceção da compensação. Ora como foi referido tal pedido tem uma natureza de contra crédito relativamente ao Requerente cessionário. Acontece que nos termos do disposto no artigo 266º nº 2 c) do Código de Processo Civil sempre que o Réu pretende o reconhecimento de um crédito seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do Autor deverá exercer o seu direito por via reconvencional.
Ora, estamos no âmbito de um processo regulado pelo Decreto-lei n.º 269/98 que não admite pedido reconvencional. Assim, e invocando ainda designadamente um acordão do Tribunal de Évora de 09 de fevereiro de 2017 é inadmissível legalmente o conhecimento da compensação invocada pela Requerida. […]
Seguidamente foi pela Exm.ª Sr.ª Juiz proferido o seguinte
DESPACHO
[…] No que se refere àquilo que se mostra requerido por parte do aqui habilitado Autor no que se refere à exigência de dedução de reconvenção por parte da Ré com vista á dedução da compensação invocada e à inadmissibilidade de uma tal reconvenção no âmbito desta ação importará referir o seguinte:
O presente procedimento foi instaurado em 2011 e, por conseguinte, ainda no âmbito do anterior código de processo civil (Velho Código de Processo Civil).
Do mesmo modo a oposição deduzida no âmbito de um tal procedimento foi apresentada em setembro de 2011 e, portanto, no âmbito da vigência do Velho Código de Processo Civil. De atender ainda a que numa tal oposição nenhum pedido é formulado pela Ré no que se refere ao pagamento por parte do Autor do remanescente do seu crédito invocado com vista á compensação excecionada.
Ou seja, e conforme resulta do por último exposto a ré no caso limitou-se a excecionar a compensação, não formulando qualquer pedido no que se refere ao remanescente do seu crédito sobre o autor.
Ora, á luz do Velho Código de Processo Civil e tal como é entendimento dominante quer ao nível da doutrina, quer ao nível da jurisprudência, a compensação dos créditos em si, poderiam ser invocados por meio de exceção desde que o Réu não pretendesse obter do Autor o pagamento do seu crédito que excedesse o montante do crédito contra ele exercido pelo Autor.
Ora, visto isto e tendo em atenção que a oposição apresentada o foi, também como se disse, à luz do Velho Código de Processo Civil não se vê razão, aliás tal é legalmente admissível, para aplicar as novas regras concernentes à compensação de créditos aos articulados apresentados pelo Réu em data anterior à da vigência do Novo Código de Processo Civil.
Assim sendo, e em função do supra exposto, devem os presentes autos prosseguir, indeferindo-se ao que se mostra requerido por parte do aqui habilitado Autor.
Notifique.
Foi de novo pedida a palavra pela Exm.ª Mandatária do Autor o uso da qual ditou o seguinte requerimento:
Em face do despacho ora proferido o Autor quer chamar a atenção do Tribunal que os pedidos formulados pela Ré são que o pedido reconvencional seja julgado totalmente procedente por provado e em consequência ser a Requerente condenada ao pagamento da quantia de 31.949,88€, em alternativa deverá considerar compensado o valor peticionado pela Requerente e em consequência ser esta obrigada a pagar à Requerida a quantia de 21.653,59€. Assim, e salvo sempre o devido respeito que é muito, entendemos que se trata efetivamente de pedidos que estão limitados ao exercício dos respetivos direitos pela via reconvencional.
Por outro lado, e não obstante o anterior código de processo civil fazer referência a esta questão no artigo 274º, a verdade é que encontrando-se os presentes autos na fase de audiência de discussão e julgamento, determina o artigo 5º nº 1 do preâmbulo da Lei 41/2013 de 26 junho que o Novo Código de Processo Civil é imediatamente aplicável às ações declarativas pendentes, reiterando assim o anteriormente requerido.
Dada a palavra à Exm.ª Mandatária da Ré pela mesma foi referido nada ter a referir ou requerer.
De imediato foi pela Exm.ª Sr.ª Juiz proferido o seguinte
DESPACHO
Reiterando também aquilo que se mostra atrás exposto em sede de despacho proferido que determinou o prosseguimento dos presentes autos, compete ao tribunal referir o seguinte:
De modo óbvio no âmbito do presente procedimento, transmudado em ação, não é admissível a reconvenção, sendo certo que e nessa medida se poderá deixar desde já consignado que não se admite a reconvenção deduzida pela Ré em sede de oposição que apresentada.
Todavia, de uma tal constatação não resulta desde logo aquilo que é visado pelo habilitado Autor. Com efeito, e como já se deixou exposto, a compensação de créditos enquanto exceção, era permitida no âmbito do Velho Código de Processo Civil vigente à data da apresentação da oposição por parte da Ré. O facto da referida Ré ter também ela formulado um pedido reconvencional em sede de oposição que deduziu, pedido esse que não é efetivamente admissível, não invalida no entanto, que o Tribunal deixe de ter em consideração exceção invocada em sede da referida oposição enquanto facto extintivo do direito contra ela invocado no âmbito do presente procedimento.
De modo consequente reitera-se aquilo sido decidido no âmbito dos presentes autos.
Notifique.».
Em conclusão, a Mª Juíza, no debate inicial na audiência de julgamento, decidiu que o Tribunal teria em consideração o articulado da recorrida, como tendo a natureza de exceção perentória (compensação), reconduzindo-a ao valor igual ao do crédito reclamado na injunção.
Pensamos que é legítima a interpretação da Mª Juíza que, por um lado, não pode aplicar a um articulado de novembro de 2011 a exigência restritiva de uma norma que entrou em vigor dois anos depois (art.º 266/2,c) do NCPC); por outro, não pode deixar de, agora, à luz do novo código, lançar mão do mecanismo de adequação formal, previsto no artigo 547.º do Código de Processo Civil, “assegurando um processo equitativo”, o que se traduz numa solução justa.
Acontece que na vigência do código anterior, tal como refere a Mª Juíza, a posição doutrinária e jurisprudencial claramente maioritária ia no sentido de considerar que, visando o réu compensação pelo contracrédito de montante igual à do crédito reclamado pelo autor, se entendia que invocava o seu direito e reclamava a sua realização por exceção perentória.
Por todos, veja-se o apontamento de Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 530 e 531, onde se referem várias decisões judiciais e doutrina que acolhiam a solução preconizada nos despachos da Mª Juíza.
No mesmo sentido, veja-se o acórdão desta Relação, de 23/02/2015 (processo n.º 95961/13.8YIPRT.P1), onde, em defesa da solução mais justa, se propugna que nas ações em que não é admissível reconvenção, como as ações especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no DL n.º 269/98, de 1.9, não deve ser coartado ao requerido um relevante meio de defesa, como o é a compensação, devendo nesses casos a compensação ter o tratamento próprio de uma exceção perentória.
Neste sentido, escreve o Professor Rui Pinto no seu Estudo “A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013”, publicado no blogue IPPC (páginas 18 e 19):
«3. Em consequência, deve concluir-se que a previsão de reconvenção e de réplica no processo declarativo comum não é transponível ex lege para os processos declarativos especiais. Não se julgue que, por isso, a compensação judicial em processo especial fica afastada. Não: no plano da teoria geral do processo não existe identidade entre exceção de compensação e reconvenção: se aquela tem sempre expressão processual, esta não tem de ser sempre a via reconvencional. (…) O que é importante é que o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental. Por isso, mesmo os processos especiais têm de assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, necessariamente fora da reconvenção. Essa possibilidade tem lugar pela contestação por exceção perentória»[7].
A situação em debate no recurso não assume as especificidades nem a complexidade com aquela que abstratamente é debatida nos apontamentos doutrinários e jurisprudencial citados, na medida em que aqui se reporta a um regime processual em que era viável a invocação da compensação por via de exceção (recorde-se, que o articulado em apreço é de 29.09.2011.
Em suma, consideramos legítima a tramitação processual que a Mª Juíza entendeu adequada às especificidades da causa, adaptando o conteúdo e a forma do ato processual em causa (oposição) ao fim que se visa atingir: assegurar um processo equitativo (art.º 547.º do CPC).
Acresce, como particularmente relevante, que o debate na audiência de julgamento ocorreu com ambas as partes, não havendo qualquer posição da requerida no sentido de se limitar a sua pretensão de compensação ao valor do crédito reclamado.
É tempo de falar de justiça material, e do condicionalismo específico que justifica a posição assumida pela Mª Juíza.
Recapitulemos um pouco deste atribulado processo.
1) Já depois da apresentação da oposição por parte da requerida, veio por apenso, em 16.12.2011, D…, requerer a sua habilitação como cessionário, de forma a assumir a posição processual da primitiva requerente, invocando uma “cessão de créditos”.
2) Notificada da alegada “cessão de créditos”, a requerida reagiu através do requerimento de fls. 20, no qual invoca o abuso de direito, alegando que com o negócio em causa a cedente e o cessionário visaram apenas obstar à realização do direito da requerida a obter a compensação neste procedimento.
3) Através de requerimento de 5.06.2012, veio a requerida informar da declaração de insolvência da primitiva requerente B…, Lda.
4) No apenso de habilitação, a requerida apresentou oposição, na qual, em síntese, reitera o anteriormente alegado, afirmando que o negócio de “cessão de créditos” teve como único objetivo prejudicar a realização do seu direito.
5) No mesmo apenso, veio a Administradoras de Insolvência da Massa Insolvente B…, Lda., declarar que impugnou duas “cessões de créditos” da insolvente a favor de E…, obtendo do Tribunal a sua declaração de nulidade, por sentença de 23.06.2013, que juntou aos autos (fls. 76), mais alegando que a referida sentença “só não abarcou a cedência de créditos emergente do presente Apenso porquanto a mesma era totalmente desconhecida da massa insolvente que, por sua vez e através da Administradoras de Insolvência, não obteve da insolvente e dos seus legais representantes, qualquer colaboração no sentido da denúncia das situações creditícias entretanto averiguadas”.
6) Por sentença de 16.04.2013, junta ao apenso de habilitação a fls. 213, foi considerada culposa a insolvência da requerente B…, Lda.
7) Entretanto, no apenso, foi proferida sentença em 21.12.2016, na qual D… foi declarado «habilitado como cessionário para, nos autos de que estes são apenso, prosseguir na qualidade de autor».
8) Tal decisão transitou em julgado.
Debateu-se nos autos de habilitação, a questão de saber se o cessionário (ora recorrente) poderia ser demandado relativamente ao contra crédito invocado pela recorrida (até à medida do crédito reclamado na injunção), tendo a Mª Juíza respondido afirmativamente, mostrando-se transitada a decisão.
Quanto à invocação por parte da ora recorrida, de que a ‘cessão de créditos’ se destinava apenas a fragilizar a sua posição nesta ação, tal matéria não ficou provada (a demonstração desta alegação não teria permitido a decisão de habilitação).
O que é certo é que, face à insolvência da requerente inicial, entretanto decretada, e às circunstâncias em que a mesma ocorreu (com culpa dos administradores), dificilmente a ora recorrida lograria obter o pagamento do seu crédito.
Em suma, a prevalecer a tese defendida pela recorrente, a recorrida pagaria integralmente o crédito reclamado na injunção, a terceiro não interveniente no negócio (cessionário), sem a mínima possibilidade de realizar, pelo menos parcialmente, o contracrédito que invoca[8].
Resta uma última questão: a da confissão do crédito objeto da compensação.
Decidiu-se no já citado acórdão desta Relação, de 23.02.2015[9]: «[…] E, se isso é assim para o processo declarativo comum deixa de se poder utilizar o argumento decorrente do artigo 505.º do anterior CPCivil (falta de apresentação de articulado quando este é admissível ou a falta de impugnação nele dos novos factos) para os processos especiais no âmbito dos quais estejam previstos apenas também dois articulados e, em concreto, para o procedimento de injunção. Razão pela qual o estatuído pelo legislador no artigo 3.º, nº 4 do CPCivil, não pode ser visto apenas como uma faculdade que a parte pode usar ou não, sem que daí decorram quaisquer efeitos cominatórios, antes tem de ser visto como sendo o momento processual que o legislador deferiu à parte para responder às excepções deduzidas com o último articulado, sob pena de se verificarem os efeitos decorrentes da falta do ónus de impugnação […]».
Em suma, na ação declarativa que comporta apenas dois articulados, sendo dada a possibilidade de defesa à parte contra quem foi invocada uma qualquer exceção, em cumprimento do contraditório, no momento em que se pronuncia deverá a parte deduzir impugnação, caso divirja da factualidade alegada, integradora da exceção deduzida, sob pena de se considerar que tacitamente aceita tal factualidade.
Nos presentes autos, quando se pronunciou sobre a exceção invocada pela requerida (da existência de um crédito sobre requerente inicial), no início da audiência de julgamento, o recorrente (cessionário) em parte alguma impugna o contra crédito que a recorrida pretende compensar, nem a fatura junta (fls. 14), limitando-se a invocar um obstáculo processual que, na sua ótica, obsta à compensação.
Acresce que nas alegações de recurso, o recorrente não impugna a existência do crédito invocado pela recorrida, não deduzindo qualquer impugnação quanto á matéria de facto provada, nomeadamente os factos 3. e 4.: «3 - A C…, S.A, forneceu à B…, Lda., a solicitação desta, os bens que se mostram melhor concretizados na fatura junta aos autos a fls. 14, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, fatura essa à qual corresponde o n.º …………, com data de emissão de 30-12-2009 e no valor de 28.194,25€. 4 – A fatura atrás identificada apresentava como data de vencimento 29-01-2010».
Concluímos, face ao exposto, que deverá proceder a exceção perentória de compensação, nos termos preconizados na sentença, que se deverá manter na íntegra.
Com os fundamentos enunciados, ressalvando sempre o respeito devido pela divergência, deverá naufragar a pretensão recursória.
III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, ao qual negam provimento, e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
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Custas do recurso a cargo do recorrente.
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O presente acórdão compõe-se de quarenta e uma páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
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Porto, 24 de janeiro de 2018
Carlos Querido
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
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[1] Como referem Mariana França Gouveia e João Pedro Pinto-Ferreira - A oposição à execução baseada em requerimento de injunção comentário ao acórdão do tribunal constitucional n.º 388/2013, acessível no site: http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/MFG_MA_20831.pdf: «A injunção é um procedimento judicial ou para-judicial em que se pretende a obtenção de um título executivo sem contraditório.».
[2] Atualmente, a remissão considera-se feita para o Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, como expressamente decorre da norma revogatória inserida no artigo 13.º deste diploma legal:
«1 - É revogado o Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de julho e pela Lei n.º 3/2010, de 27 de abril, com exceção dos artigos 6.º e 8.º, mantendo-se em vigor no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do presente diploma.
2 - As remissões legais ou contratuais para preceitos do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, consideram-se efetuadas para as correspondentes disposições do presente diploma, relativamente aos contratos a que o mesmo é aplicável nos termos do artigo seguinte.».
[3] A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Almedina, 6.ª edição, 2008, pág. 88.
[4] Obra citada, pág. 88 e 89.
[5] Subscrito pela Exma Desembargadora, ora 2.ª adjunta: O problema não é original nas decisões das Relações e todas elas se encaminham, tanto quanto constatamos, para o entendimento que distingue as injunções em dois tipos, concluindo que aquelas que correspondem a transações comerciais com pedidos superiores à alçada da Relação (anteriormente, à alçada do tribunal) implicam o prosseguimento do processo como ação comum ordinária e, por isso, permitem a dedução de reconvenção pelo requerido que, entretanto, com a oposição, passou a réu.
[6] No sentido apontado, vejam-se os seguintes arestos: acórdão desta Relação, de 2.05.2015, processo 143043/14.5YIPRT.P1; acórdão da Relação de Coimbra, de 7.06.2016, processo 139381/13.2YIPRT.C1; e acórdão da Relação de Guimarães, de 22.06.2017, processo 69039/16.0YIPRT.G1.
[7] Veja-se, no mesmo Blogue do IPPC, a posição do Professor Teixeira de Sousa (24.05.2017), a propósito do tema “A problemática da dedução da compensação: breves notas”: «[…] 2. Acrescentam-se agora apenas duas notas. A primeira é para salientar que a relevância que, no âmbito do anterior CPC, se podia conceder à situação de compensação (isto é, ao momento no qual os créditos se tornavam compensáveis) era compreensível na perspectiva, então dominante, de que a compensação devia ser deduzida, pelo menos em parte, por via de excepção. Dado que a situação legal se alterou entretanto e que agora a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção, não se pode dar a mesma relevância a essa situação de compensação».
[8] Alega o recorrente num articulado/resposta (fls. 96) apresentado nos autos de habilitação (em resposta à AI), que não pode ser prejudicado pelo facto de ser filho do gerente da requerente inicial, que veio a ser declarada insolvente. Tem razão, considerando que no apenso de habilitação não foi considerado provada a alegação da ora recorrida, de que o negócio de cessão de créditos teria sido realizado com vista apenas a inviabilizar a compensação. No entanto, também a recorrida não deverá ser prejudicada quanto ao exercício do seu direito que, não se realizando nestes autos (parcialmente – na medida do crédito reclamado pela requerente inicial), afigura-se não ter qualquer possibilidade de realização futura.
[9] Processo n.º 23.02.2015: 95961/13.8YIPRT.P1.