Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
613/13.0TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FREITAS VIEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR
CASO FORTUITO
FORÇA MAIOR
SUB-ROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP20180221613/13.0TVPRT.P1
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º124, FLS.28-67)
Área Temática: .
Sumário: I - A seguradora que pagou à sua segurada a indemnização que era devida pelo terceiro causador do dano, fá-lo em sub-rogação da sua segurada - artº136º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo DL nº 72/2008, de 16 de abril – pelo que só a partir da data em que é efetuado o pagamento que origina a sub-rogação se iniciará, em relação à seguradora a contagem do prazo prescricional – nº 1 do artº 306º do C.Civil- pelo que não se verificou a prescrição do direito da autora a obter das rés o valor pago à sua segurada.
II - Apenas a 1ª ré que na qualidade de transitária contratou com a segurada da autora o transporte das mercadorias, responde esta pela perda das mercadorias, e não já a ré transportadora que apenas interveio porque subcontratada por aquela ré para executar o transporte.
III - O nº 1 do artº 17º da CMR. mais do que uma presunção de culpa prevê a responsabilidade objetiva do transportador, recaindo por isso sobre a ré - cfr artº 18º, nº 1 da CMR – o ónus de alegação e prova de qualquer das circunstâncias que nos termos do nº 2 do artº 17º da CMR possam excluir a responsabilidade.
IV - A previsão do nº 2 do artº 17º CRM, ao referir-se a circunstâncias que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar, é reconduzível às figuras de caso fortuito ou de força maior previstas no ordenamento jurídico nacional exigindo-se para além disso que as circunstâncias não sejam em si mesmo previsíveis.
V - Só em circunstâncias extraordinárias se justificará eximir o transportador da responsabilidade pela perda da mercadoria, sendo exigível que a transportadora tenha sempre presente a possibilidade de furtos ou mesmo roubos durante o trajeto, e tome as precauções possíveis, nomeadamente em termos de escolha de locais de paragem.
VI - Os artigos 23º e 25º da CRM prevêm limites valorativos da indemnização a atribuir, que só podem ser afastados se dever concluir-se que a perda da mercadoria se ficou a dever a dolo ou falta do transportador que segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo – artº 29º da CRM – o que no caso se não verifica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO N.º 613/13.0TVPRT.P1
Relator: Desembargador Freitas Vieira
1º Adjunto: Desembargador Madeira Pinto
2º Adjunto: Desembargador Carlos Portela

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
A., B… intentou ação de condenação contra as RR., ora apeladas, “C…, LDA”, “D…, LDA”, e “E…”, pedindo que fossem as mesmas “(...) condenadas solidariamente a pagar à Autora a quantia de EUR 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora vencidos no valor de EUR 8.227,74 e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Como fundamento vem alegada a perda de mercadoria cujo transporte havia sido contratado com a ré C…, que por sua vez havia subcontratado na ré F…, em função do que a autora teria tido que pagar à expedidora e proprietária das mercadorias, a sociedade G…, sua segurada, a quantia de €250.000,00 euros.
A 3ª ré é demandada na qualidade de seguradora da 2ª ré, F….

As rés contestaram excecionando além do mais a prescrição do direito da autora, a existência de situação de força maior, excludente da responsabilidade da transportadora, e o limite legalmente imposto à indemnização peticionada. E impugnando para além disso parcialmente o alegado, concluem pela improcedência da ação.

A autora veio responder às exceções deduzidas, e prosseguindo os autos para julgamento, foi no final proferida sentença na qual, depois de fixada a matéria de facto tida como assente, se julgou procedente a exceção de prescrição invocada, absolvendo em função disso todas as rés do pedido contra as mesmas formulado.

Não conformada veio a autora B… interpor recurso, sustentando as seguintes conclusões:
I. Nos pontos 15, 16 e 17 dos factos dados como provados, deveria ter sido dado como provado não só a receção dos emails de folhas 339 e 340, nas datas aí apostas, como o envio em anexo das cartas de protesto de folhas 43 e 47.
II. A testemunha H…, inquirida por carta rogatória, com conhecimento direto dos factos, foi perentória em afirmar que as cartas de protesto de folhas 43 e 47, foram enviadas com os emails de folhas 339 e 340 dos autos. Ora, a dar-se como provado o envio dos emails referidos, por dedução lógica deveria ter-se dado como provada que a emissão das cartas de protesto ocorreu, pelo menos na data de envio dos respetivos emails.
III. Em audiência prévia, veio o Tribunal ordenar que as Recorridas C… e F… viessem aos autos confirmar se haviam recebido os emails com os documentos referidos nos arts. 8º, 9º e 10º, dos temas de prova e se os mesmos emails continham anexo qualquer reclamação escrita, tratando-se de factos pessoais das Recorridas.
IV. Sendo que e, face às respostas das Recorridas serem manifestamente insuficientes, veio o Tribunal, ordenar a junção aos autos, por parte das Recorridas C… e F…, ao abrigo do disposto nº art. 429, nº 1 do CPC, os registos dos arquivos dos logs dos servidores de email dos dias 26, 27 e 28 de dezembro de 2011, tendo como destinatários: I…, J…, K…, L… e M… (em relação à C…) e dias 18, 19 e 20 de janeiro de 2012, tendo como destinatário N… (em relação à F…).
V. Sucede que não tendo as Rés respondido ao solicitado, operou-se a inversão do ónus da prova, por força do disposto no art.430º, nº 2 do art. 417º, ambos do CPC e art. 344, nº 2 do CC.(C f com requerimentos de 18.11.2014 com a ref 18042271 da Recorrida C… e de 31.10.2014 com a ref 17888987 da Recorrida F…).
VI. Cabia assim a estas a demonstração inequívoca da sua não receção, o que não sucedeu, como o próprio Tribunal entendeu.
VII. De igual modo, nos pontos 21 e 51 dos factos provados, não resulta da prova testemunhal e fotográfica produzida, que o local do estacionamento tenha ocorrido numa estação da gasolina, quer na “O…” ou mesmo na P… de Q….
VIII. Várias foram as testemunhas a depor sobre este facto em sentido contrário. Desde logo, o perito polaco que se deslocou ao local, S…, questionado pela Meritíssima Juíza do Tribunal de 1ª Instancia, se a gasolineira da P…, em Q…, tinha parque, respondeu negativamente, tendo afirmado que o motorista havia aparcado o seu camião numa área próxima da estação de serviço P…, separada por uma estrada ou acesso, num local não pavimentado, nem sinalizado como parque de estacionamento, que poderia ser apelidado de “estacionamento selvagem.” (sessão de 23.01.2017, minuto 00:00:01 a 01:55:01).
IX. A testemunha T…, funcionário da P… em Portugal, explicou ao Tribunal a forma de funcionamento deste tipo de bombas, caracterizando-as como “uma rede de distribuição automática que pertence ao grupo total e que angaria clientes em Portugal para abastecer no internacional dentro da nossa rede” “não tem meios humanos a movimentar, o próprio nome diz “automatic sistem” – P…, sistema automático de abastecimento, portanto é só entre o motorista e a máquina” “uma rede privada só para clientes, não é venda ao público”.
Confirmou a inexistência de parques nos postos P…, mais confirmando que o serviço não inclui parqueamento ou outras instalações como restaurantes, cafetarias, hotéis, manutenção de veículos. (sessão de 24.01.2017, minuto 00:00:01 a 00:29:49).
X. Estes depoimentos, conjugados com as fotografias juntas aos autos de folhas (…) com a PI sob os documentos 2 a 4, com cópias a cores juntas na sessão de julgamento de 24.01.2017, impunham decisão diferente sobre o local onde o motorista da Recorrida F… havia estacionado o camião, com as mercadorias da Recorrente.
XI. De igual modo, o croqui junto pela Recorrida F… de folhas 300 dos autos, mostra claramente a existência de uma
estrada/acesso entre a bomba de gasolina P… e o terreno descampado onde ficou estacionado o camião da Recorrida F….
XII. Em face do exposto, não deveria ter sido dado como provado que o motorista da Recorrida F… havia estacionado o camião na “estação de gasolina O… em Q…, assim como na P… de Q….”
XIII. O ponto 21 dos factos provados, deveria ter sido dado como provado que “no dia 20.12.2011, pelas 13h55, este condutor estacionou o camião num terreno descampado no lado oposto à bomba P… de Q…, para efetuar o seu período de descanso de 9 horas.”
XIV. E no ponto 51 dos factos provados, deveria ter sido dado como provado que: “No dia 20.12.2011, por volta das 19h00 locais, o motorista da 2ª Ré encontrava-se no interior do veiculo pesado de mercadorias a efetuar o seu período de repouso diário, no local onde havia estacionado o camião cerca das 13h55 desse dia.”
XV. De igual modo e em consequência, não poderia ter sido dado como provado o facto 62, segundo o qual, a estação de serviço de P…, em Q… “tem espaço usado como parque, instalações sanitárias e vigilante.”
XVI. Existia de facto uma WC amovível, mas já não instalações sanitárias, as quais pressupõem um conjunto de acessórios fixos instalados e necessários aos cuidados de higiene pessoal.
XVII. E se parece resultar do depoimento das testemunhas S… e do motorista, a existência de um pequeno quiosque, com uma dimensão não superior a 2mx3m, onde se encontraria, o tal vigilante, o motorista declarou que este nunca saía do quiosque, apesar de utilizar esta bomba há mais de 3 anos, não conhecia a pessoa que aí se encontrava, não lhe sendo possível reconhecê-lo.
XVIII. A própria testemunha S…, esclareceu o Tribunal, que o homem que aí se encontrava, estava sempre dentro do tal quiosque.
XIX. E a testemunha T…, funcionário da rede P… garantiu ao tribunal que a sua empresa não tem funcionários, pelo que se alguém aí se encontrasse teria necessariamente a ver com a propriedade, assim como é categórico em afirmar que as P… não dispõem de parque de estacionamento para veículos ou outras instalações complementares, como restaurantes, café, lavagem de veículos, pneus e água, apenas a rede de abastecimento. Questionado “Quer dizer há postos de abastecimento da P… que podem não ter absolutamente ninguém, é isso?”, esclarece: “Absolutamente ninguém.” (sessão 24.01.2017, minuto 00:00:01 a 00:29:49)
XX. Andou igualmente mal o tribunal de 1ª instancia ao afirmar que que os indivíduos que subiram a bordo do camião, ameaçaram o motorista da Recorrida F…, “com armas de fogo”. (Ponto 27 dos factos provados.)
XXI. Na verdade, em nenhum relato apresentado pelo motorista à data, assim como pelo seu próprio depoimento em sede de audiência de julgamento, o mesmo se referiu a armas de fogo. (Sessão do dia 24.01.2017, minuto 00:00:01 a 02:18:13, min 02:08:00)
XXII. De igual modo, todas as correspondências trocadas entre as diversas partes interessadas (policia, seguradores, mediadores de seguros, as próprias partes), não são referidas armas de fogo – veja-se as declarações do próprio motorista à data, de folhas 254 dos autos, igualmente folhas 286, 273, entre outras.
XXIII. Pelo que do ponto 27 dos factos provados, deveria ser retirada a expressa “com armas de fogo”, a qual não tem correspondência com o que efetivamente ocorreu.
XXIV. O Tribunal de 1ª Instância veio igualmente dar como provado no ponto 34 dos factos provados que “a mercadoria dos autos deveria ter sido entregue no dia 21.12.2011”.
XXV. A Recorrente não poderia estar mais em desacordo com o
entendimento do Tribunal nesta matéria. As Recorridas C… e F… vieram invocar um prazo convencionado de entrega – 21.12.2011 -, com vista ao aproveitamento do prazo de um ano de prescrição do direito invocado ao abrigo do art. 32º, nº 1,alínea a), 1ª parte, da Convenção CMR.
XXVI. Como ficou assente por acordo nos presentes autos, a segurada da Recorrente, em dezembro de 2011, acordou com a Recorrida C…, o transporte de mercadorias a si pertencentes, desde Lisboa – Portugal até – U… – Polónia. (Ponto 10 dos factos provados). Tendo a Recorrida C… subcontratado o transporte das mesmas na Recorrida F… (Ponto 11 dos factos Provados). Ora o contrato de transporte foi celebrado entre a segurada da Recorrente e a Recorrida C…, que aqui assume a figura de transportador contratual. Assim, só a segurada da Recorrente e a Recorrida C… poderiam ter convencionado um prazo certo de entrega!
XXVII. A testemunha H…, ouvido por carta rogatória, funcionário da segurada da Recorrente, quem contratou o transporte dos presentes autos com a Recorrida C… e, portanto, com conhecimento direto dos factos, foi decisivo em afirmar que: “não concordamos e não exigimos nenhuma data determinada para a saída das mercadorias ou para a chegada das mercadorias. Encomendamos um veículo de transporte e recebemos uma proposta, em conformidade com o pedido de saída e o do destino, mas isso não era condição de entrega da mercadoria. Quando decidimos encomendar o veiculo de transporte combinamos a data de saída. Estou a examinar os meus documentos e digo que a data combinada para tanto foi de 14.12.2011, conforme consta o documento de número 1.” (Cf. tradução de carta rogatória de folhas (…))
XXVIII. O próprio documento junto aos autos em sede de audiência prévia, sob o número 2, de folhas (…) que corresponde a um email de 09.12.2011, pelas 09:06, enviado pela testemunha H…, às testemunhas M… e K…, funcionários da Recorrida C…, o qual configura o pedido de cotação para o transporte dos autos, não solicita qualquer prazo de entrega da mercadoria.
XXIX. Nesse email a testemunha H… efetua o seguinte pedido de cotação: “Agradecemos cotação para um camião completo (33 paletes de consolas de jogos), que sairão de Alverca para a Polónia, entre terça e quarta feira.
Mercadoria: 33 paletes com 2000 peças de consolas de jogos. Saída: …. PT
Entrega: … - …. ........ . .. - … … Obrigada/”
XXX. Acresce que, o próprio K… (Testemunha K…), funcionário da C…, sabia perfeitamente que tipo de transporte havia sido solicitado – camião completo-, os locais de carga e descarga, o número das paletes, mas não conseguiu confirmar a existência de uma data convencionada de entrega, antes explicou que a data aposta nas instruções de transporte que remeteu à Recorrida F… já tinha em conta a organização da viagem de ida e volta que se estava a preparar. (sessão de 24.01.2017, minuto 00:00:01 a 00:00:35)
XXXI. Pelo que, podemos retirar do depoimento desta testemunha que as instruções de transporte de folhas 216, que a Recorrida C… remeteu à Recorrida F…, ultrapassavam o âmbito negocial entre a própria C… e a segurada da Recorrente, porquanto pressupunham, como a própria testemunha reconhece e confirma a organização da viagem de ida e volta, Portugal-Polonia-Portugal, o que é perfeitamente aceitável, tendo em conta que quer a Recorrida C…, quer a Recorrida F…, são empresas especializadas na organização e transporte de mercadorias, cujas atividades exploram de forma comercial.
XXXII. Neste mesmo sentido, foi produzido o depoimento do motorista que sabia que devia entregar a mercadoria no dia 21.12.2011, porque tinha outra carga para levantar nesse mesmo dia (sessão de julgamento de 24.01.2017, minuto 00:00:01 a 02:18:13, a partir do minuto 01:15:00).
XXXIII. Acresce que, também a testemunha M… (M…), não foi capaz de confirmar a existência de um prazo convencionado/acordado de entrega, entre a sua entidade patronal, a C… e a segurada da Recorrente, apesar de ter sido ele a negociar o transporte diretamente com a segurada da Recorrente. (sessão de 24.01.2017, minuto 00:00:01 a 00:03:31).
XXXIV. Por sua vez, a testemunha L…, funcionária da C…, afirmou que apenas teve intervenção na escolha do fornecedor de transporte – a Recorrida F… -, mas que quem transmitiu as ordens de transporte foi a testemunha K…, pelo que o seu depoimento em nada revela quanto à existência de prazo convencionado de entrega, uma vez que não teve conhecimento direto dos factos, nem tratou da proposta negocial com a segurada da Recorrente. O mesmo se diga quanto à testemunha N… (N…), (sessão de 17.02.2017, minuto 00:00:01 a 00:51:44), funcionário da Recorrida F…, que nenhum contacto direto teve com a segurada da Recorrente e cujo depoimento não foi tão espontâneo quanto aos das testemunhas K… e M… na sessão anterior de 24.01.2017 e contraditório com o depoimento do motorista nesta matéria.
XXXV. Não se entende por isso que o Tribunal de 1ª Instancia tenha valorado documentos internos entre as Recorridas C… e F…, nomeadamente as ditas instruções de transporte de folhas 216, e já não o pedido de cotação por parte da segurada da Recorrente, assim como próprio CMR de folhas 39.
XXXVI. Também, o depoimento das testemunhas H…, K… e M…, os únicos com conhecimento direto sobre este facto, são de sentido oposto à fundamentação do facto dado como provado no ponto 34.
XXXVII. Quanto à fatura da própria C…, a mesma contém lapsos, nomeadamente no peso da carga transportada – 24 toneladas, contra as 9,4 toneladas efetivamente transportadas - e nem por isso se coibiu o Tribunal de dar como provado peso diferente do aí indicado. Acresce que, não é pelo facto de figurar aposta uma data de entrega num documento contabilístico, que se pode dar como certo a existência de um prazo convencionado de entrega.
XXXVIII. Nos arts. 236º a 238º, ambos do Código Civil (CC), estabelecem-se os critérios para o alcance da declaração negocial, juridicamente válida. Assim, na interpretação dos contratos ou outros atos jurídicos, prevalecerá, em regra, a “vontade real do declarante”, sempre que esta for conhecida do declaratário (cf. nº 2, do artº 236º, do CC). Faltando esse conhecimento, vale o preceituado no nº 1, que consagra o critério objetivista ou normativo da impressão do destinatário, entendendo-se como declaratário normal uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída, diligente e sagaz, em face dos termos da declaração (P.Lima-A.Varela, C.Civil Anot., 207, Vaz Serra, RLJ, 111º, 220 e 307, Mota Pinto, Teoria Geral, 1973, p. 624 e segs., Acs. STJ, BMJ, 374º/436, 406º/629, 421º/364 e 441º/357).
XXXIX. Ora, pelas declarações da testemunha H…, pode-se retirar que a vontade real do declarante, não era estabelecer ou acordar qualquer prazo certo de entrega, conforme acima demonstrado.
XL. Também não nos parece que as testemunhas M… e K…, testemunhas que intervieram no processo negocial, tenham tido dúvidas à cerca da vontade real do declarante. E mesmo hipoteticamente equacionando tais duvidas quanto ao prazo convencionado de entrega, os usos do sector quanto a este tipo de exigência, na celebração dos contratos de transporte, revelam-nos que, em tais casos, o pedido de data certa de entrega tenha sempre que ser expresso, assim como a sua concordância pelo transportador, pois só assim se consegue um maior equilíbrio entre as prestações das partes. Pelo que, caso tivesse tido acordada uma data de entrega, a mesma teria que ter sido solicitada e acordada por escrito e em último caso inscrita no documento CMR de folhas 39 (cf. art. 6, nº 2 alínea f) da Convenção CMR).
XLI. Em face do exposto não deveria ter sido dado como provado o facto 34, porquanto não foi convencionado qualquer prazo de entrega da mercadoria dos autos.
XLII. No ponto 66 dos factos, foi dado como provado que: “A área de Serviço P… de Q… que foi a opção de paragem feita pelo motorista, era a área assinalada pela sua entidade patronal e dentro da rota de circulação dos transportes rodoviários de mercadorias para abastecer e necessária, considerando as horas de viagem por si realizadas, para efetuar o período de repouso diário de 9 horas.”
XLIII. Não tendo sido dado como provado que a esta área de serviço se situasse num local fora das rotas de circulação dos motoristas internacionais rodoviários.
XLIV. Ora, que a área de serviço P… de Q… foi uma opção de paragem feita pelo motorista não restam dúvidas. Que igualmente esta área era uma área assinalada e autorizada pela sua entidade patronal para abastecer, também não. E, que a entidade patronal sabia exatamente onde se encontrava o motorista e o camião durante toda a viagem, tendo aceite e dado instruções nesse sentido, também não. Porém já não se pode aceitar que esta P… se encontrava dentro da rota de circulação dos transportes internacionais de mercadorias.
XLV. Como ficou demonstrado em sede de audiência de julgamento, as P…, não se encontram abertas ao publico, apenas poderão ter acesso a elas entidades que tenham contratado os serviços inerentes ao cartão P…, sendo unicamente divulgadas junto dos seus clientes, uma vez que não podem ser acedidas pelo publico em geral. (Testemunhas S…, (sessão de 23.01.2017, minuto 00:00:01 a 01:55:01) motorista (sessão de 24.01.2017, minuto 00:00:01 a 02:18:13 e T…, (sessão de 24.01.2017, minuto 00:00:01 a 00:29:49).
XLVI. Acresce que, para aceder a esta área de serviço em particular, o motorista tinha necessariamente que se desviar da sua rota de circulação, a qual é efetuada pela A… e andar cerca de 3,5Km por estradas locais.
XLVII. Por rota de circulação dos motoristas internacionais rodoviários deve entender-se os itinerários mais utilizados no transporte internacional rodoviário de mercadorias, os quais habitualmente são utilizados pela maioria dos motoristas que realizam este tipo de transporte e que não necessitam de conhecimentos específicos para a sua utilização.
XLVIII. Não podia o Tribunal considerar, pois, este local, com acesso por estradas locais, num local ermo e sem acesso ao publico em geral como “dentro da Rota de circulação dos transportes rodoviários de mercadorias.”, devendo à contrário, ter dado como provado que a P… de Q… era um local fora das rotas de circulação dos motoristas internacionais rodoviários.
XLIX. Também não é verdade que fosse absolutamente necessário ao motorista parar em Q…, por não ter mais horário.
L. A carga foi carregada no camião no dia 14.12 durante a manhã, tendo o camião ficado estacionado na sede da F… desde as 19h45m do dia 14.12 (quarta-feira) até às 17h30 do dia 16.12 (sexta-feira), tendo o motorista efetuado o seu descanso semanal de 45h00. (Facto 36 e 37 dos factos provados).
LI. Nesse dia, conforme depoimento do motorista, seguiu viagem até V…, onde efetuou o seu descanso diário de 11h00. (Ponto 38 dos factos provados e depoimento do motorista, sessão de 24.01.2017).
LII. No dia seguinte, a 17.12.11 (sábado) iniciou a condução às 9h40m, tendo chegado a W…, França, às 21h40, exatamente 12 horas após o início da Jornada. (pontos 39 a 42 dos factos provados). Goza novo período de descanso semanal reduzido de 30h20m, no parque fechado, guardado e vigiado em W….
LIII. No dia 18.12.11 esteve parado o dia todo, tendo reiniciado a sua viagem no dia 19.12.11, de madrugada, às 04H00, tendo chegado a X…, Alemanha, às 17h58 para novo repouso diário (Pontos 43 a 46 dos factos provados).
LIV. No dia 20.12.11, (terça-feira), saiu às 2h00 da manhã de X…, na Alemanha, - apenas tendo efetuado um período de repouso diário de 8h, quando poderia e deveria ter feito um período de descanso diário de 11h e saído às 05h00,
LV. O motorista apesar de demonstrar nenhuma pressão temporal de entrega da mercadoria, opta por conduzir os tempos máximos permitidos e só descansar os tempos mínimos permitidos, ou seja, conduz por dois períodos de 4h30m, repousa por 2 períodos 45m e volta a conduzir por mais uma hora.
LVI. Da área de serviço de …, em Y…, Alemanha, até Q… são cerca de 142Km, sendo que de Q… até a instalações do destinatário distavam cerca de 145Km. (cf. ponto 50 dos factos provados), ou seja, nada impedia o motorista de efetuar o seu período de descanso diário na área de serviço de …, em Y…, Alemanha, e no dia 20.12.11 iniciar a sua jornada de trabalho por forma a poder descarregar no destinatário, conforme instruções da sua entidade patronal, no dia 21.12.11.
LVII. Na verdade, os 287 Km que faltariam percorrer entre a área de serviço de …, em Y…, Alemanha e o destinatário da mercadoria, eram facilmente efetuados em 4h de condução, a uma média de 70Km/hora, o que é perfeitamente plausível de efetuar numa autoestrada em que o limite de velocidade é de 90Km/h.
LVIII. E não se diga que o motorista estava obrigado a abastecer em Q…, pois tal fator também não era impeditivo da escolha de outro local mais apropriado para estacionar e efetuar um período de repouso mais alargado.
LIX. O motorista tinha horário mais que suficiente para fazer o desvio em Q… e abastecer o camião, sem necessidade de aí pernoitar. (Cf. Reg. (CE) nº 561/2006 de 15.03, que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores de transporte rodoviário).
LX. Pelo que no Ponto 66 dos factos provados, não deveria ter sido dado como provado que a área de serviço P… de Q… se encontrava dentro das rotas de circulação dos transportes rodoviários de mercadorias, assim como que era necessária para que o motorista fizesse o seu repouso diário.
LXI. O Tribunal de 1ª Instancia veio a dar como não provado que “o motorista soubesse que ao estacionar na área de serviço P… de Q… era passível de ser abordado e roubada a mercadoria”, referindo-se ao Z….
LXII. Ora, salvo melhor entendimento, os exatos termos do Z… da base instrutória eram: “O motorista da 2ª Ré sabia que, estacionando o veiculo com uma carga valiosa em local ermo e deserto, era passível de ser abordado e roubada a mercadorias, sem que tivesse meios ao seu alcance para o evitar.”
LXIII. Quanto à mercadoria e apesar do motorista ter revelado desconhecer em concreto o que ia dentro do camião, pois apesar de ter assistido à carga, a mesma vinha filmada em plástico preto, o que não permitia a sua visualização, segundo o próprio, o mesmo sabia que se tratava de um camião completo, que segundo o documento CMR de folhas 39, que ele próprio assinou, a mercadoria seria composta por “AB…”, num total de 2000 peças, distribuídas por 33 paletes.
LXIV. Sabia igualmente que esta mercadoria foi selada com cabo TIR, conforme solicitado pelo transitário e que apesar de não saber o valor em concreto da carga, tinha a noção que “com cabo TIR tenho aquela noção de que tenho que ter mais atenção.” (sessão de 24.01.2017, minuto 01:30:58 a 02:18:13)
LXV. Durante a viagem como ficou demonstrado, todos os locais onde o motorista parou para efetuar os períodos de repouso diários e semanais eram locais totalmente distintos do local em Q....
LXVI. A primeira área de serviço onde que o motorista parou foi em V…, Espanha, segundo o próprio tem restaurante e é local de paragem para muitos motoristas com parque.
LXVII. No dia seguinte para almoçar, parou na Área de Serviço de … em AC…, é uma área adjacente à autoestrada A-62 (Burgos-Portugal), com parque de estacionamento para veículos pesados, devidamente sinalizado, asfaltado, possuindo ainda um hotel para além da gasolineira, conforme é do conhecimento publico.
LXVIII. A área de serviço de W…, onde o motorista fez pausa de 45 minutos, tem restaurante e muitos camiões, segundo o depoimento do motorista.
LXIX. Em AS…, onde o motorista faz descanso semanal de 30 horas, o próprio esclareceu no seu depoimento que se tratava de um parque fechado, com barreiras para lá entrar e com vigilância, afirmando mesmo que é "Vigiado, tudo, tudo".
LXX. Também a área de serviço de AD…, onde o motorista parou para fazer um descanso de 1h45min, segundo o próprio é um parque à beira da estrada, tem luz e casas de banho e lugares para estacionamento.
LXXI. A Area de …, em X…, onde faz o descanso diário e comprou a vinheta para entrar na Alemanha, é uma área vigiada por seguranças, com camaras digitais, parqueamento sinalizado para veículos ligeiros e pesados, com uma grande zona de restauração e bastante iluminado, segundo o depoimento do motorista.
LXXII. Por sua vez, na área de serviço de …, em Y…, encontrasse mais uma vez adjacente à autoestrada, tem um vasto parque de veículos pesados, um hotel, um restaurante, para além da bomba de gasolina.
LXXIII. A seguir parou em Q…, um local ermo, rodeado de árvores, com acesso por estradas locais, onde existia uma bomba de gasolina P…, com autoabastecimento de combustível com pagamento de cartão de crédito, um Wc amovível e um pequeno quiosque ocupado por um individuo, sem quaisquer outras instalações próximas.
LXXIV. Ora como o próprio motorista da Recorrida F…, confirmou, tinha larga experiência na profissão (motorista internacional de pesados desde o ano 2000, com experiência nos países do sul da Europa e de Leste, tendo trabalhado em transportes para a Polónia durante pelo menos 3 anos).
LXXV. O próprio chefe de tráfego, segundo o próprio lhe dizia “sempre para estar nos sítios mais seguros"
LXXVI. Não podia, pois, desconhecer que o local onde escolheu para aparcar em Q…, com conhecimento e permissão da sua entidade patronal a Recorrida F…, não cumpria os requisitos mínimos de segurança, sendo passível de ser abordado e roubada a mercadoria, sem que tivesse meios ao seu alcance para os evitar.
LXXVII. Assim como que o motorista não soubesse que transportava carga senão valiosa, pelo menos importante.
LXXVIII. A Recorrente é uma agência de subscrição de certos sindicatos do mercado AE… (ponto 8 dos factos provados). No exercício da sua atividade celebrou com as empresas: 1 AF…, AG…, G… (…) e AH…, um contrato de seguro para cobertura dos riscos inerentes à perda ou avaria das mercadorias transportadas, titulado pela apólice com o nº …./……. (Ponto 9 dos factos provados).
LXXIX. Este contrato de seguro configura um seguro de danos, vulgarmente designado por seguro de mercadorias ou de carga.
LXXX. Em virtude do contrato de seguro que havia celebrado, a Recorrente veio a liquidar à empresa G… (…), a quantia de EUR 250.000,00, por perda total das mercadorias transportadas ao abrigo do documento de transporte CMR nº ……., em 31 de dezembro de 2012. (Pontos 14 e 18 dos factos provados).
LXXXI. Pelo pagamento, a Recorrente sub-rogou-se nos direitos da sua segurada em relação aos terceiros responsáveis pelo sinistro, as oras Recorridas C…, F… - e E…, em virtude do contrato de seguro de responsabilidade civil transportador que celebrou com a Recorrida F… -. (cf. Docs. 1 e 7 juntos com a PI e doc. 1 junto com a Contestação da E…).
LXXXII. Estamos, portanto, em face de uma sub-rogação legal do segurador em relação aos direitos do segurado, não só em virtude do art. 136, nº 1 da LCS, mas também em virtude do art. 592º do CC. Condições da sub-rogação pelo Segurador são assim o pagamento da indemnização por este ao abrigo do contrato de seguro celebrado e a existência de um crédito do segurado contra o terceiro responsável.
LXXXIII. Sendo que a segurada da Recorrente em virtude do contrato de transporte que celebrou com a Recorrida C…, veio a obter um crédito sobre aquela pelo incumprimento definitivo e culposo do contrato de transporte, em virtude da perda total da mercadoria transportada ao abrigo do documento de transporte CMR, enquanto se encontrava à guarda daquela ou de terceiros com quem aquela havia contratado, a ora Recorrida F….
LXXXIV. O Tribunal de 1ª Instância, veio a entender que uma das questões a resolver se prenderia com a questão da existência do direito invocado pela Recorrente em relação às quantias pagas no âmbito de um contrato de seguro. Tendo entendido tal direito, como um direito de regresso.
LXXXV. No modesto entendimento da Recorrente, não se trata de um verdadeiro direito de regresso da segurada da Recorrente em relação às Recorridas C… e F…, porquanto estas não poderão ser consideradas codevedoras da segurada da Recorrente, conforme assim o estipula o art. 524º do CC, à contrário, segundo o qual: “O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos codevedores, na parte que a este compete.”
LXXXVI. Assim, o Tribunal de 1ª Instancia ao enquadrar o direito da Recorrente como direito de regresso e já não como sub-rogação legal, violou o disposto nos art.s 136, nº 1 da LCS, 524 e 592º, ambos do CC.
LXXXVII. Tal facto é tanto ou mais relevante, se tivermos em conta que a Recorrente veio invocar que só a partir do pagamento da indemnização à sua segurada, o dono da carga, é que se deveria ter inicio a contagem do prazo de prescrição.
LXXXVIII. Apesar da sentença de 1ª Instancia referir tal alegação, não veio a pronunciar-se sobre esta questão, ocorrendo nulidade da Sentença de 1ª instancia, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1 alínea d) do CPC, porquanto o tribunal de primeira instancia se absteve de conhecer a questão de saber se o prazo de prescrição se deveria contar a partir do pagamento da indemnização da Recorrente à sua segurada.
LXXXIX. Por outro lado, o Tribunal de 1ª Instancia apesar de dar como assente que a Recorrente endereçou às Recorridas C… e F… duas notificações judiciais avulsas, também não se veio a pronunciar sobre a interrupção do prazo de prescrição, em clara violação com o disposto no art. 32º, nº 3 da Convenção CMR e art. 323º, nº 1 do CC, ocorrendo igualmente nesta matéria omissão de pronuncia, sendo a sentença de 1ª Instancia nula, nos termos do disposto no art. 615, nº 1 alínea d) do CPC.
XC. Como referido anteriormente e que se dá por reproduzido, a Recorrente sub-rogou-se nos direitos da sua segurada, em virtude do pagamento da indemnização da quantia de EUR 250.000,00, pela perda total ocorrida às mercadorias da sua segurada transportadas ao abrigo do documento CMR de folhas 39. Este pagamento ocorreu a 31.12.2012 (ponto 18 dos factos provados). Só a partir desta data estava a Recorrente em condições de vir exigir das Recorridas o pagamento das quantias que havia liquidado em virtude do contrato de seguro celebrado com a sua segurada. No mesmo sentido vide Acórdãos do STJ, de 25.03.2010 e de 06.05.2010, disponíveis em www.dgsi.pt. (processo 2896/04.8TBSTB.L1, sublinhado nosso).
XCI. E mesmo que estivéssemos em face de um direito de regresso, também nesse caso, deveria o Tribunal de 1ª Instância ter aplicado o disposto no art. 498º, nº 2 do CC por analogia, segundo o qual prazo de prescrição do direito de regresso entre os responsáveis apenas se inicia com o cumprimento. No mesmo sentido vide Acórdão da RL, de 16.05.2015, processo 21090/13.0T2SNT-A.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.
XCII. A dar-se por assente que o inicio do prazo de contagem da prescrição só teria inicio após o cumprimento, ou seja após o pagamento, o qual ocorreu a 31.12.2012, quando as Recorridas foram judicialmente notificadas, em 07.02.2013, apenas haviam decorrido 39 dias sobre o inicio da contagem do prazo, sendo que, nos termos do disposto no art. 32º, nº 3 da Convenção CMR, “salvo o disposto no nº 2 do art. 32, a suspensão da prescrição regula-se pela lei da jurisdição a que se recorreu. O mesmo acontece quanto à interrupção da prescrição.”
XCIII. Nesta matéria, por força do nº 3 do art. 32º da Convenção CMR, aplica-se o art. 324º, nº 1 do CC, segundo o qual: “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”.
Sendo que, a interrupção da prescrição, inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo ou da decisão que puser termo ao processo, sempre que a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado. (art. 326, nº 1 e 327º, nº 1, ambos do CC).
XCIV. Ora tendo o inicio do prazo prescricional ocorrido a 01.01.2013, tendo as Rés sido notificadas a 07.02.2013, quando a presente ação deu entrada, em 06.08.2013, não se encontrava prescrito o direito da Recorrente, como o Tribunal de 1ª Instância veio a entender.
XCV. Pelo que, andou mal o Tribunal de 1ª Instancia ao entender prescrito o direito da Recorrente, em clara violação com o disposto nos art.s 136, nº 1 da LCS, art.s 498, nº 2, 592º, 324º, nº 1, 326º, nº 1 e 327, nº 1, todos do CC, art. 32º, nº 3 da Convenção CMR. Sendo que nesta matéria a Sentença de 1ª Instancia é nula, por omissão de pronuncia.
XCVI. Sem prescindir, no que ao prazo convencionado diz respeito, a Recorrente dá por reproduzido tudo o alegado nos artigos 55º a 97º deste articulado. Ora, a não existir qualquer prazo convencionado de entrega, o Tribunal de 1ª Instância deveria ter aplicado o art. 32º, nº 1, alínea b) 2ª parte e iniciado a contagem do prazo de prescrição a partir do 60º dia após a entrega da mercadoria ao cuidado do transportador. Neste caso, tendo a mercadoria sido entregue a 14.12.2011, ocorrendo perda total, o inicio da contagem do prazo de prescrição só deveria ter-se iniciado a 13.02.2012. (cf. ponto 3 dos factos provados).
XCVII. Ora como ficou igualmente demonstrado, a Recorrente endereçou às Recorridas C… e F… duas notificações judiciais avulsas de folhas 60 e ss dos autos que foram recebidas a 07.02.2013, ou seja, a Recorrente veio a interromper o prazo de prescrição inicial da sua segurada, ainda antes de ter decorrido o prazo geral de prescrição nos termos da Convenção CMR.
XCVIII. Sendo que mais uma vez, quando a ação deu entrada e as Rés foram citadas, não havia ainda decorrido o prazo de prescrição de um ano ao abrigo do art. 32º, nº 1 alínea a), 2ª parte da Convenção CMR, mesmo sem ter em conta a sub-rogação de direitos em virtude do pagamento. Pelo que, mais uma vez andou mal o Tribunal de 1ª Instancia ao entender prescrito o direito da Recorrente, em clara violação com o disposto nos art.s 32º, nº 1 alínea b), 2º parte da Convenção CMR e 324º, nº 1, 326º, nº 1 e 327, nº 1, todos do CC.
XCIX. E mesmo que se entendesse ter existido um prazo convencionado de entrega, aplicando-se o art. 32º, nº 1, alínea a), 1ª parte da Convenção CMR, também nesse caso e no entendimento da Recorrente, as declarações de folhas 43 e 47, conjugadas pelos emails de folhas 339 e 340, seriam suficientes para suspender o prazo de prescrição ao abrigo do nº 2 do art. 32º da Convenção CMR.
C. Ao decidir prescrito o direito de indemnização da Recorrente nos termos do disposto no art. 32º, nº 1, alínea a), 1ª parte da Convenção CMR, o Tribunal de 1ª Instância violou o disposto no art. 32º, nºs 2 e 3 da Convenção CMR, art. 324º e ss do Código Civil.
CI. Não obstante o atrás dito, entende a Recorrente, que neste caso o prazo que deveria ter sido aplicado era o prazo de 3 anos, uma vez que, o incumprimento definitivo do contrato de transporte em discussão nos presentes autos se deveu a dolo ou falta que a lei da jurisdição a que se recorreu considere equivalente a dolo (cf. art. 32, nº 1, 2ª parte da Convenção CMR).
CII. Dúvidas não restam que a segurada da Recorrente celebrou com a Recorrida C…, um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada entre Portugal e a Polónia (ponto 10 dos factos provados). A Recorrida C…, por sua vez incumbiu o transporte das mesmas à Recorrida F…, (ponto 11 dos factos provados).
CIII. A 14 de Dezembro de 2011, foi emitido o documento de transporte, com o nº ……., tendo nessa mesma data a recorrida F…, por instruções da Recorrida C…, levantado as mercadorias da segurada da Recorrente, as quais ficaram à sua guarda. (pontos 3 e 14 dos factos provados).
CIV. Ficou igualmente provado que as mercadorias não chegaram a ser entregues no destino, por perda total destas enquanto se encontravam à guarda da Recorrida F…. (pontos 3 e 5 dos factos provados).
CV. Todas as partes aceitam que o contrato de transporte celebrado entre a segurada da Recorrente e a Recorrida C…, está sujeito ao estipulado na Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, assinada em Genebra e aprovada pelo DL 46.235 de 18.03.1965, vulgarmente designada por Convenção CMR.
CVI. Assim, nos termos do art. 17º, nº 1 da Convenção CMR, o transportador é responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega.
CVII. Desde logo, não se encontrando prescrito, o direito da Recorrente, tendo em conta que a perda das mercadorias seguradas ocorreu enquanto estas se encontravam à guarda da Recorrida F…, esta é responsável nos termos do art. 17º, nº 1 da Convenção CMR, assim como a Recorrida C…, que subcontratou a Recorrida F…, a execução material do transporte (cf. art. 17, nº 1, art. 367º CCom e art. 800º do CC).
CVIII. Segundo o art. 29º nº 1 da Convenção CMR, o transportador não tem o direito de se aproveitar das disposições da presente Convenção que excluem ou diminuam a sua responsabilidade nos termos do art. 23º, ou que transferem o encargo da prova se o dano provier de dolo seu ou de falta que lhe seja imputável e que segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerável equivalente ao dolo.
CIX. Só assim não será se o transportador demonstrar a existência de causas exoneratórias de responsabilidade ao abrigo do nº 2 do art. 17º da Convenção CMR, estipulando o art. 18º, nº 1 da Convenção CMR que neste caso, caberá ao transportador o ónus da prova da sua existência.
CX. No contrato de transporte, cabe ao transportador definir, executar, controlar e dirigir a execução do transporte; gozando o transportador de autonomia na execução da sua prestação, na determinação dos meios a afetar à mesma, na eleição do percurso a realizar, ainda que a execução material possa ser realizada por terceiros.
CXI. O transportador não está apenas vinculado a fazer a deslocação das mercadorias contratadas, mas sim de fazê-la em condições de conservação e segurança, de modo a que as coisas não se percam, extraviem ou deteriorem na deslocação, para o que o transportador está onerado com deveres de cuidado, zelo, vigilância, segurança, conservação e guarda adequados ao transporte em si e à deslocação da mercadoria e entrega no local de destino nas mesmas condições em que a recebeu, decorrendo a sua prestação de uma obrigação de resultado.
(vide António Meneses Cordeiro, in Introdução ao Direito dos Transportes, in Revista da AO, 2008, Ano 68, Vol I,.)
CXII. Em recente Acórdão da RP, de 10.03.2015, em consonância com a jurisprudência unanime nacional e internacional nesta matéria, veio determinar que o contrato de transporte internacional de mercadorias: “trata-se de um contrato oneroso, sinalagmático, consensual e de resultado, ou seja, como contrapartida do pagamento do preço de transporte existe, por parte da Ré, a obrigação de efetuar o transporte, entregando a mercadoria no lugar estipulado. Embora em termos civilísticos, o contrato de transporte seja uma prestação de serviços, não é o serviço em si que interessa ao contratante. O que revela, para este, é apenas o resultado, i.é, a colocação do bem, íntegro, no local de destino. (…) justamente por revelar o resultado final, o transporte acaba por assumir um conteúdo lato: abrange todas as operações necessárias para que o seu conteúdo útil possa ser atingido, cabendo ao transportador o encargo de organizar os meios humanos e materiais necessários para o efeito.” (proc. Nº 4562/13.4TBMAL.P1, in www.dgsi.pt). Assim bastaria a prova de que as mercadorias não haviam sido entregues no destino final, para se presumir a culpa das Recorridas e serem estas condenadas a pagar uma indemnização à Recorrente nos termos do disposto no art. 17º, nº1 da Convenção CMR.
CXIII. Todavia, não só a Recorrente veio invocar o dolo ou falta equivalente ao dolo, sendo que, à contrário, o Tribunal de 1ª Instancia veio a considerar que ocorreu caso fortuito/força maior, desresponsabilizando assim as Recorridas do pagamento de qualquer indemnização à Recorrente.
CXIV. A decisão do tribunal de 1ª Instancia é obscura quanto à causa exoneratória, pois apesar de tentar distinguir uma da outra, parece aplicar uma e outra em simultâneo, sendo a sentença nesta parte obscura e ambígua e por isso nula ao abrigo do disposto no art. 615, nº 1 al) c) do CPC.
CXV. O tribunal de 1ª instancia entendeu que em face “das circunstâncias concretas do caso em apreço, (…), estaremos perante uma situação que integra o conceito de caso fortuito.”
Para mais à frente, considerar que “Assim sendo, em face das concretas circunstâncias do caso, que se podem considerar extraordinárias, impõe-se eximir o transportador da responsabilidade pela perda da mercadoria, por verificação de uma situação de força maior”.
CXVI. O próprio tribunal vai buscar a definição destes conceitos a Januário Gomes, Temas de direito de transporte, vol I, pág. 108, segundo o qual: “Caso fortuito assenta na ideia da imprevisibilidade: não se pode prever o facto, mas este seria evitável caso tivesse sido previsto. Já a força maior tem subjacente a ideia da inevitabilidade, sendo todo acontecimento natural ou humano, que embora previsível e mesmo eventualmente prevenido, não se pode evitar, nem em si mesmo, nem nas suas consequências. Ora, confrontando-se os conceitos acima identificados com a expressão contida na CMR, podemos concluir, pelo menos em relação ao ordenamento
português, eles são perfeitamente assimiláveis.” O mesmo autor, vem mais à frente defender que: “No caso concreto, as hipóteses de furto e principalmente de roubo talvez sejam as mais invocadas pelos transportadores, que frequentemente alegam que o evento, por ser inevitável ou mesmo imprevisível, deve originar uma exoneração da responsabilidade. Ocorre, entretanto que a análise dessa probabilidade deve ser casuística e somente em circunstâncias extraordinárias caberá eximir o transportador da responsabilidade pela perda da mercadoria.
Nesses casos é fundamental avaliar o grau de diligência do transportador antes, durante e depois do incidente.”
CXVII. Tal como é defendido no Ac RP de 10.03.2015: “É sabido que o risco de transporte de mercadorias, feito por estrada em longos trajetos, implica, para além de outros, os riscos de furto da carga, sendo este um risco mais sensível quando em virtude do indispensável período de descanso do motorista (quando é apenas um), são desacauteladas a vigilância e a guarda da mercadoria. Ora, tratando-se, no caso, de uma viagem de longo curso, por via terrestre, o primeiro reparo a fazer à atuação da transportadora prende-se com os meios humanos disponibilizados para essa tarefa e sequentemente, com a planificação da viagem. Quando é utilizada apenas uma pessoa na execução do serviço de transporte terrestre internacional de mercadorias – como no caso – é natural que a viagem dure mais tempo e que obrigue a mais paragens, devendo a transportadora programar antecipadamente os períodos de condução de modo a que os tempos de repouso do motorista coincidam com paragens da viatura em locais apropriados para o efeito, designadamente em parques dotados de segurança e vigilância.”
CXVIII. No caso dos autos, não só ficou demonstrado que o motorista e a Recorrida F… poderiam ter organizado a viagem de forma a que o motorista tivesse efetuado o seu descanso diário na ultima área de serviço em que parou antes da P…, (cf depoimento do motorista, sessão 24.01.2017, minuto 00:00:01 a 02:18:13, factos provados nº 37 a 50), como nas imediações de Q…, existiam outros parques vigiados e fechados para veículos pesados, seguramente mais apropriados ao estacionamento para cumprimento do período de repouso diário (factos 25 e 26 dos factos provados).
CXIX. A própria área de serviço da P…, contrariamente ao entendido pelo Tribunal situa-se num local ermo, rodeado por bosques, fora das rotas internacionais de motoristas, porquanto este teve que se desviar do seu itinerário e andar por estradas locais, cerca de 3,5km, não está aberta ao publico em geral, só podendo ser utilizada por quem fosse cliente da rede. É uma área de autoabastecimento, sem necessidade da presença de qualquer funcionário, sem quaisquer outras instalações próximas, designadamente café, restaurante, hotel, supermercado ou parque para veículos pesados.
CXX. Sendo que o local escolhido pelo motorista para estacionar o veiculo pesado não era sequer pavimentado, fechado, ou estava assinalado como parque, porquanto se tratava se um descampado, utilizado ocasionalmente para estacionamento de camiões, provavelmente clientes da P….
CXXI. Não oferecia quaisquer condições de segurança, tanto mais que este referiu que tinha consciência que deveria estacionar em parques seguros, com mais gente e iluminados.
CXXII. O próprio perito polaco, S…, que prestou depoimento na sessão de julgamento de 23.01.2017, questionado se entendia que tal local era um local apropriado para estacionar, ou mesmo para fazer uma pausa mais longa, veio esclarecer que nunca consideraria este local como parque, dadas as faltas de segurança básicas. Questionado ainda se o facto de o motorista ter permanecido naquele local por tantas horas aumentaria o risco de furto ou roubo, como veio a suceder, respondeu afirmativamente.
CXXIII. O motorista confessou que tinha instruções expressas para abastecer gasóleo nessa P…, porque o gasóleo era mais barato.
CXXIV. Conclui-se que a escolha do local para abastecer e aparcar em Q…, foi ditada única e exclusivamente por questões economicistas, já que aí o gasóleo era mais barato e o motorista só poderia abastecer em locais expressamente autorizados pela sua entidade patronal.
CXXV. Acresce que, o próprio motorista confessou que pelo facto da carga estar selada, apesar de não saber o seu conteúdo, tinha noção que tinha que ter mais atenção. Sendo que estamos a falar de um camião completo, em que o motorista assistiu à carga, sabia que transportava 2000 peças de componentes elétricos, com dimensões para ocupar 33 paletes e que, portanto, teria necessariamente que ser uma carga importante.
CXXVI. Não revela igualmente o facto de o motorista ter estacionado o camião ainda de dia, porquanto, como foi esclarecido pelo perito Polaco, nesta altura do ano, escurece por volta das 15h00 da tarde, sendo que o motorista quando parou o veiculo pretendia efetuar o seu período de repouso diário de 9 horas, pelo que 1 hora de dia em 8 horas de noite, é manifestamente insuficiente.
CXXVII. Também não nos parece que pelo facto do motorista conhecer o local, por já o ter utilizado por diversas vezes seja condição suficiente e necessária para entender que o mesmo era apropriado aos fins a que se destinava a sua paragem.
CXXVIII. Tendo em conta as características do local, por comparação com outros locais em que o motorista pernoitava habitualmente, aliado ao facto de ser um motorista experiente e do risco de furto ou roubo nos transportes internacionais de mercadorias, deveriam ter levado o motorista a não equacionar sequer uma paragem nesse local, assim como da sua entidade patronal não autorizar tal paragem. Ora, tais circunstâncias aliadas ao facto do local se encontrar na Polónia, um país com um elevado risco de furto ou roubo de mercadorias constituem por si só condição adequada para o resultado que se veio a verificar, o roubo da mercadoria, sem que o motorista tivesse meios para o evitar.
CXXIX. E não se diga que este foi objeto de um crime violento, pois que as circunstancias do roubo foram potenciadas pela facilidade em que os assaltantes tiveram dado o local em que o camião se encontrava estacionado; um local afastado da circulação, sem quaisquer instalações por perto, escuro, permitindo todas as movimentações de terceiros, como se veio a revelar.
CXXX. Não aceitando a Recorrente que tal episodio pudesse suceder desde logo num parque fechado e vigiado, com iluminação e segurança e outras instalações.
CXXXI. No caso dos autos, o comportamento do motorista e da Recorrida F… são altamente censuráveis, pois só levianamente poderiam confiar que a mercadoria não poderia ser furtada ou roubada, demonstrando uma atuação imprudente, não zelosa e não correspondente à diligência que seria exigível a motoristas cientes das responsabilidades e dos perigos que a sua conduta poderia despoletar para a carga, afastando-se assim do exigível ao bonus pater familiae, em clara violação dos deveres de vigilância e guarda da mercadoria – art. 487.º, n.º 2 do CC.
CXXXII. Não se podendo, portanto, apelidar-se o furto de um caso fortuito, uma vez que à luz de todos estes fatores era previsível que sucedesse um assalto, não se verificando a excludente da responsabilidade.
CXXXIII. Sendo que, no caso de força maior a que alude o art. 17, nº 2 da Convenção CMR e o art. 383º do CComercial, só isenta o transportador de responsabilidade quando não exista negligência ou imprudência do mesmo ou dos seus agentes, o que também não sucedeu no caso concreto.
CXXXIV. A qualificação da culpa latu senso para efeitos de reparação integral dos danos à luz da Convenção CMR exige que haja dolo ou falta equivalente ao dolo (cf. art. 29º da Convenção CMR). O STJ já por diversas vezes se pronunciou pelo que deve entender-se por falta equivalente ao dolo. E quanto a este aspecto, “uma falta que segundo a lei da Jurisdição que julgar o caso seja considerada equivalente ao dolo, como acontece com a jurisdição nacional, não pode deixar de ser manifestamente, face à legislação nacional, enquanto elemento de nexo de imputação do facto ao agente, a negligência ou a mera culpa que, conjuntamente com o dolo, faz parte da culpa lacto senso.”
(In AC STJ de 14.06.2011/Proc. 437/05.9TBANG.C1.S1, in www.dgsi.pt) Vide também (AC STJ de 15.05.2013/Proc. 9268/07.0TBMAI.P1.S1; AC STJ de 05.06.2012/Proc. 3303/05.4TBVIS.C2.S1; AC RP de 20.10.2011/Proc 2015/07.9TBMTS.P1, AC RP de 15.10.2012, 3471/07.0TJVNF.P1, todos publicados in www.dgsi.pt, entre outros).
CXXXV. No âmbito do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, a atuação com negligência grosseira por parte do transportador quanto à ausência dos procedimentos adequados à guarda e vigilância da mercadoria é enquadrável no conceito de falta a que alude artº 29º, nº1, da Convenção relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR).
CXXXVI. Igualmente num recente acórdão do STJ de Espanha, de 10 de julho de 2015, referente à limitação da responsabilidade dos transportadores ao abrigo dos art.s 19º, 17, nº2, 23º e 29º da Convenção CMR, este tribunal entendeu que: “as circunstâncias que ocorreram durante o roubo da carga (estacionamento num local perigoso, de fácil acesso e sem vigilância, com pouca segurança da mercadoria transportada num reboque coberto por lona, na ausência de vigilância por parte do motorista), pode ser considerado por “wilful misconduct” do comportamento do transportador, em virtude da falta de cumprimento dos seus deveres básicos de guarda da mercadoria, o que justifica a não aplicação da limitação de responsabilidade do artigo 23º, mas do art. 29º da CMR." (in http://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=....... - . - …. - ...) O Supremo Tribunal Espanhol argumentou que de acordo com a lei espanhola e jurisprudência será suficiente para afastar o regime do limite de responsabilidade do transportador rodoviário, se este tinha conhecimento do risco de que as mercadorias poderiam ser roubadas, mesmo sem a imprudência por sua parte. O Supremo Tribunal Espanhol ampliou a noção de negligência grosseira para incluir a consciência do transportador de que as mercadorias possam ser roubadas ou furtadas como incumprindo o seu dever de guarda e de custodia, para nesses casos afastar o regime do limite de responsabilidade ao abrigo do art. 23º da CMR.
CXXXVII. Em face do exposto, a decisão de 1ª Instancia, ao improceder a presente ação, violou o disposto nos art.s 17, nº 1 e nº 2, 18, nº1, 29 e 32º da Convenção CMR e art. 383ª do CComercial. À contrário, não só deveria ter sido estabelecida a responsabilidade contratual das Recorridas pelo incumprimento contratual definitivo e culposo, como afastados os limites de responsabilidade do art. 23º da Convenção CMR e aplicado o regime do art. 29º da mesma Convenção.
Termos em que, com o douto suprimento que se invoca deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, substituída a douta sentença recorrida, o que deverá ser expressão de justiça.
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A ré C…, LDA. Veio responder às alegações da recorrente sustentando a improcedência do recurso
*
O objeto do recurso mostra-se circunscrito às seguintes questões:
I – Nulidades da sentença por omissão de pronuncia e por obscuridade;
II - Impugnação da matéria de facto
III - Improcedência da prescrição:
IV – Revogação da decisão absolutória e condenação das rés pela comprovada perda das mercadorias.
V – Valor da indemnização.
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I – Nulidade da sentença - art. 615, nº 1 alínea d) do CPC- por não se ter pronunciado sobre a alegação da autora de que o prazo de prescrição se deveria contar a partir do pagamento da indemnização da Recorrente à sua segurada.
Conforme se vem entendendo de forma unânime o que o disposto no artº … do CPC impõe ao tribunal é que se pronuncie sobre todas as questões suscitadas pelas partes, e não já sobre as razões por estas invocadas, nem sobre as questões que resultem prejudicadas pela posição tomada em relação a outras.
No caso em análise, o que haveria de decidir era a verificação ou não da prescrição do direito invocado. Pronunciando-se sobre essa matéria o tribunal cumpriu com o imperativo suprarreferido, não tendo que se debruçar sobre todos os argumentos que em contrário foram esgrimidos pelas partes. Assim que não se verifique a invocada nulidade, sem prejuízo de aqueles argumentos até poderem proceder e em consequência ser revogado o decidido.
E também não existe a invocada nulidade quando fundamentada em omissão de pronúncia sobre a interrupção do prazo prescricional mediante as notificações judiciais avulsas. Na sentença recorrida é tomada posição sobre esse aspecto quando se refere que, atenta a data das referidas notificações, e tendo em consideração o entendimento ali seguido sobre o prazo prescricional e o seu início, aquando da receção dessas notificações já o prazo prescricional havia decorrido.

Nulidade por obscuridade e ambiguidade ao considerar que ocorreu caso fortuito/força maior, desresponsabilizando assim as Recorridas do pagamento de qualquer indemnização à Recorrente - art. 615, nº 1 al) c) do CPC.
A obscuridade enquanto nulidade da sentença terá de entender-se, à semelhança do que se entendia já em face do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 669º do CPC, na redação anterior à lei 41/2013, de 26 de Junho, como o vício de que resulte a ininteligibilidade do raciocínio seguido ou a decisão nela contida. Tal como nas demais nulidades da sentença previstas no artº 615º do CPC, o que está em causa são irregularidades inerentes a vícios de atividade, erros formais consubstanciados em desvio ou infração às regras que disciplinam a elaboração da sentença, não se confundindo por isso com erros de julgamento, erros substanciais, por se ter interpretado ou aplicado mal a lei, ou apreciado mal os factos.
No caso da sentença recorrida consignou-se o entendimento de que as circunstâncias em que teria ocorrido o furto das mercadorias não permitiam qualquer reação de defesa por parte do motorista que as transportava, consubstanciando por isso uma situação de força maior, integrando-se assim na previsão do disposto no referido artº 17º, nº 2, da CMR. O raciocínio assim expendido é perfeitamente claro, independentemente de se concordar ou não com ele. Como tal inexiste a imputada nulidade.
II - IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Pontos 15, 16 e 17, – A apreciação da impugnação do decidido acerca da factualidade constante destes pontos da matéria de facto, que apenas relevariam em sede de interrupção do prazo prescricional, resulta prejudicada pela prejudicada pelo entendimento que adiante se verá ser o que se tem como adequado em termos do início do prazo prescricional.
Pela mesma razão se considera prejudicada a apreciação da impugnação da data que vem dada como provada no ponto 34 como sendo a data em que a mercadoria deveria ser entregue (21.12.2011) e que, como a própria recorrente salienta, só releva em matéria de prescrição.

Nos pontos 21 e 51 dos factos provados, foi dado como provado que:
21 – No dia 20 de Dezembro de 2011, pelas 13h55, este condutor estacionou o camião na estação de gasolina, Q…, O…, para efetuar o seu período de descanso de 9 horas;
51-No dia 20/12/2011, por volta das 19h00m locais, na Área de Serviço P… de Q…, o motorista da 2ª Ré encontrava-se no interior do veículo pesado de mercadorias a efetuar o seu período de repouso diário.

A recorrente sustenta que da prova testemunhal e fotográfica produzida, não resulta que o local do estacionamento tenha ocorrido numa estação da gasolina, quer na “O…” ou mesmo na P… de Q…. E por isso, e com referência aos depoimentos das testemunhas S…, - o perito polaco que se deslocou ao local, T…, funcionário da P… em Portugal, das fotografias juntas aos autos com a PI sob os documentos 2 a 4,com cópias a cores juntas na sessão de julgamento de 24.01.2017, do croqui junto pela Recorrida F… de folhas 300 dos autos, sustenta que não deveria ter sido dado como provado que o motorista da Recorrida F… havia estacionado o camião na “estação de gasolina O… em Q…, assim como na P… de Q…” e que o ponto 21 dos factos provados, deverá alterar-se ficando a constar como provado que “no dia 20.12.2011, pelas 13h55, este condutor estacionou o camião num terreno descampado no lado oposto à bomba P… de Q…, para efetuar o seu período de descanso de 9 horas.”

Na motivação da decisão de facto da sentença recorrida lê-se que o tribunal teve como determinante o depoimento do condutor do camião, a testemunha AI….
E efetivamente, das referidas testemunhas apenas o condutor do camião está em condições objetivas de saber precisamente onde estacionou o camião que conduzia. E esta testemunha foi perentória em referir que estacionou no recinto adjacente à bomba de gasolina, tendo inclusive elaborado o croquis, junto a fls. 671, explicando onde estacionou o camião, ainda que não saiba precisar se o terreno em questão pertencia à bomba em causa.
Já a testemunha T… apenas soube esclarecer que a rede de postos de abastecimento P… não tem parques para estacionamento. Mas acrescentou que as bombas pertencentes à rede P… são muitas vezes colocadas em sítios onde se pode estacionar, pertencentes a terceiros com quem têm parcerias.
Por sua vez a testemunha S… não foi convincente quando refere a inexistência de espaço junto à referida estação de serviço para que o camião pudesse estacionar.
Com efeito, os documentos fotográficos juntos aos autos, muito embora não permitem ter uma perspetiva exata do local, permitem apesar de tudo visualizar, mormente na fotografia de fls 662, uma área ampla de terreno adjacente à bomba de gasolina.

Quanto ao período de descanso de 9 horas o que é dado como provado nos referidos pontos é que o condutor aproveitou a paragem na referida P… para fazer o seu descanso diário, e não que aquela paragem tivesse sido determinada por isso, não se justificando por isso a alteração pretendida.

Irá como tal alterar-se a redação do referido ponto 21 da matéria de facto, por forma a excluir qualquer relação de pertença do terreno à rede P…, que não ficou efetivamente provada, mantendo-se quanto ao restante.
A redação será assim a seguinte:
“21 – No dia 20 de Dezembro de 2011, pelas 13h55, este condutor estacionou o camião na área de terreno adjacente à estação de gasolina, Q…, O…, para efetuar o seu período de descanso de 9 horas;”
Quanto ao ponto 51 não se vê razões para a sua alteração.

No ponto 34 dá-se como provado que “A mercadoria dos autos deveria ter sido entregue no destino no dia 21 de Dezembro de 2011”.
Conforme se refere na motivação da decisão de facto o documento de CMR junto a fls. 39, não ter qualquer indicação quanto á data da entrega das mercadorias no destino.
Ora, o que se concluiu em face do disposto nos artigos 4º e 9º da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias Por Estrada (aprovada por DEC. LEI 46.235, de 18/3/1965 e alterada, no artº 23º, pelo Decreto nº 28, de 6/9/1988 (CMR) é que, muito embora o contrato de transporte possa ser validamente celebrado sem observância de forma escrita, normalmente fica a constar de uma “declaração de expedição”, vulgarmente conhecida por documento CMR, do qual deverão constar os elementos essenciais do contrato – artº 6º CMR – entre os quais, e quando for caso disso, o “Prazo combinado, dentro do qual deve efetuar-se o transporte” – alínea f), do nº 2 do referido artº 6º.
Por sua no artigo 9.º, n.º 1) da mesma Convenção dispõe-se que a declaração de expedição faz fé das condições do contrato até prova em contrário.
Ou seja, perante a ausência de referência a data de entrega no documento CMR de fls 39 haverá de presumir que as partes contratantes não quiseram estabelecer qualquer data ou prazo limite para a entrega das mercadorias, admitindo-se no entanto a possibilidade de prova em contrário.
E para efeitos da prova do contrário, ou seja, de prova de que entre a segurada da autora e a ré C… foi convencionada uma data concreta para a entrega da mercadoria, não bastará por si só a indicação da “data de chegada” constante da fatura emitida pela transitária C…, ou as instruções desta à transportadora por si contratada, F…, já que são declarações a que é estranha a outra parte do contrato, a sociedade G… LDA segurada da autora.
Por outro lado a testemunha H…, que representa a segurada da autora, a sociedade G… Lda referiu em termos inequívocos, que não convencionaram qualquer data de chegada da mercadoria, tendo combinado apenas a data de saída.
Por sua vez a testemunha K…, que trabalha na C… e é quem organiza as viagens dos camiões, referindo-se às instruções de transporte juntas a fls. 193, referiu não se lembrar se a data que ali consta como data de chegada da mercadoria havia sido indicada pela G…, referindo apenas que era o tempo de viajam normal para aquele trajeto, e que a data indicada nas instruções ao transportador são da iniciativa da transitaria para gerir o aproveitamento da viajem de volta.
Com base nesta prova não pode considerar-se como assente efetivamente o que ficou a constar do ponto 34, que irá por isso ser eliminado.

No ponto 62 dá-se como provado que a referida P… “Está situada a cerca de 200 metros da Estrada … e a cerca de 3,5 quilómetros da Autoestrada A… e tem espaço usado como Parque, Instalações Sanitárias e Vigilante”
A recorrente sustenta que não poderia ter sido dado como provado que a estação de serviço de P…, em Q… “tem espaço usado como parque, instalações sanitárias e vigilante.”
No seguimento do que vimos ter sido a prova produzida acerca da propriedade dos terrenos onde se encontram colocadas as bombas da rede P…, e concretamente as declarações da testemunha T… a esse respeito, e a que já anteriormente se fez referência, irá alterar-se o referido ponto ficando a constar:
“Está situada a cerca de 200 metros da Estrada Nacional … e a cerca de 3,5 quilómetros da Autoestrada A…, sendo a área de terreno adjacente à mesma usada como parque de estacionamento existindo na mesma Instalações Sanitárias amovíveis, e uma cabine para um vigilante.”

Sustenta ainda a recorrente que o tribunal não deveria ter dado como provado no ponto 27 que os indivíduos que subiram a bordo do camião, ameaçaram o motorista da Recorrida F…, “com armas de fogo”.
Não foi efetivamente produzida prova a este respeito, já que a única pessoa em condições objetivas de o afirmar – a testemunha AI… condutor do camião, foi perentório em afirmar que lhe cobriram a cabeça e não pode verificar se tinham ou não armas.
Ira como tal alterar-se também o referido ponto ficando a constar como provado, e com base nas declarações da referida testemunha, o seguinte:
“27-Em consequência, abriu a porta do camião, tendo subido a bordo dois indivíduos, que o ameaçaram e furtaram o camião e reboque com todas as mercadorias que se encontravam a bordo, designadamente as mercadorias em referência nos autos;”

No ponto 66 dos factos, foi dado como provado que:
“A área de Serviço P… de Q… que foi a opção de paragem feita pelo motorista, era a área assinalada pela sua entidade patronal e dentro da rota de circulação dos transportes rodoviários de mercadorias para abastecer e necessária, considerando as horas de viagem por si realizadas, para efetuar o período de repouso diário de 9 horas”.
A recorrente impugna o que assim vem dado como provado sustentando que, perante a prova produzida não pode ter-se como provado que a referida P… se encontrava dentro da rota de circulação dos transportes internacionais de mercadorias.
Entende igualmente que não pode concluir-se da prova produzida que fosse absolutamente necessário ao motorista parar em Q…, por não ter mais horário.
Quanto a este último aspeto cremos que procede a argumentação da recorrente. Com efeito, o que se extrai do depoimento da testemunha condutor do camião é que os pontos de paragem para cumprir os períodos de descanso obrigatório são antecipadamente planeados, pelo que sempre seria possível alterar esse planeamento por forma a efetuar esse descanso noutro ponto ou estação de serviço.
Quanto à localização da referida estação de serviço o que factualmente releva é o que vem dado como provado nos pontos 22 e 62, ou seja, que a referida estação de gasolina se situa a cerca de 3,5 Km da autoestrada mais próxima, (…) com acesso através de estradas locais. Assim que o que se pode ter como provado, sem adjetivações conclusivas, é que a referida estação de serviço se encontrava localizada a cerca de 3,5 Km de uma das autoestradas (A…) utilizada para a circulação dos transportes rodoviários de mercadorias.
Ou seja, dista apenas 3,5 Kms de uma das vias principais utilizadas para a circulação dos transportes rodoviários de mercadorias.
Tendo isto presente irá alterar-se o ponto 66 que passará a ter a seguinte redação:
“A área de Serviço P… de Q… que foi a opção de paragem feita pelo motorista, encontrava localizada a cerca de 3,5 Km de uma das autoestradas (A…) utilizada para a circulação dos transportes rodoviários de mercadorias, e era uma das áreas assinalada pela sua entidade patronal para abastecer e para observação dos períodos obrigatórios de descanso.”

Os factos a considerar como provados são os seguintes:
1 - A 1ª Ré é uma sociedade comercial que exerce, com fins lucrativos, a atividade transitária;
2 - A 2ª Ré é uma sociedade comercial que exerce, com fins lucrativos, o transporte nacional e internacional rodoviário de mercadorias;
3 - A 14 de Dezembro de 2011, a 2ª Ré "D…, L.DA" (que utiliza o nome comercial de "F…") procedeu ao levantamento e receção das mercadorias dos autos nas instalações da empresa "AJ…, L.da", sitas na E.N. …, …. - … …;
4 - Sem que tenha oposto qualquer reserva às mesmas no documento de transporte;
5 - Estas mercadorias não chegaram a ser entregues do destino acordado;
6 - O motorista da 2ª Ré tinha de abastecer gasóleo e de efetuar o descanso obrigatório a que estão sujeitos os motoristas profissionais;
7 - A Autora endereçou às Rés "C…, L.DA" e "D…, L.DA" notificações judiciais avulsas, com os teores de fls. 60 e ss., que aqui se dão por reproduzidos, e que foram recebidas por estas no dia 07/02/2013.
8 - A Autora é uma agência de subscrição de certos sindicatos do mercado AE…;
9 - No exercício da sua atividade, a Autora celebrou com as empresas: "1 AF…, AG…", "G… (…)" e "AH…", um contrato para cobertura dos riscos inerentes à perda ou avaria das mercadorias transportadas, titulado pela apólice com o nº …./……., com o teor de fls. 30 e ss., que aqui se dá por reproduzido;
10 - Em Dezembro de 2011, a "G… (…)" acordou com a 1ª Ré "C…, L.DA" o transporte de mercadorias, a si pertencentes, desde … - Portugal até - … – Polónia;
11 - Por sua vez, a 1ª Ré incumbiu o transporte das mesmas mercadorias à 2ª Ré "D…, L.DA" (que utiliza o nome comercial "F…").
12 - As referidas mercadorias destinavam-se ao importador "AK…", com domicílio na Polónia;
13 - As mercadorias eram compostas por 2000 unidades de consolas, da marca … – … /… ..., devidamente embaladas e acondicionadas em 33 paletes, com o valor comercial de €390.0000,00;
14 - As mercadoras vieram a ser transportadas por camião da 2ª Ré, com a matrícula n.º .. – EP - .. e o atrelado L-……, com o selo nº ……., ao abrigo do documento de transporte CMR com o nº ……., com início a 14 de Dezembro de 2011, com o teor de fls. 39;
15 - A "G… (…)", emitiu em data não apurada, as declarações com os teores de fls. 43 e 47, que aqui se dão por reproduzidos dirigida às Rés, C… e F… e veio a participar os factos à Autora, sua seguradora;
16 - Esta mesma sociedade, enviou um e-mail à Ré C…, no dia 27/12/2011, pelas 2h.14m., com o teor de fls. 339, que aqui se dá por reproduzido;
17 - Esta mesma sociedade, enviou um e-mail à Ré F… no dia 19/01/2012, pelas 12h.39m., com o teor de fls. 340, que aqui se dá por reproduzido;
18 - A Autora pagou à "G… (…)" a quantia de €250.000,00, mediante pagamento bancário internacional, através do Bank AL…, via SWIFT, em 31.12.2012;
19 - A distância entre o local de receção das mercadorias em …, Portugal e …, Polónia é de aproximadamente 2.470 Km;
20 - O camião da 2ª Ré, contendo as mercadorias dos autos, era conduzido por um único motorista, de nacionalidade ucraniana, residente em Portugal, de nome AI…;
“21 - No dia 20 de Dezembro de 2011, pelas 13h55, este condutor estacionou o camião na área de terreno adjacente à estação de gasolina, Q…, O…, para efetuar o seu período de descanso de 9 horas;”
22 - Esta estação de gasolina situa-se a cerca de 3,5 Km da autoestrada mais próxima, (A…) com acesso através de estradas locais, assinaladas a roxo, no mapa de fls. 660, num local ermo, rodeado de árvores, visível nas fotografias de fls. 661 e 662;
23 - No referido local, existe uma estação de auto abastecimento de combustível, com pagamento por cartão de crédito e um WC, um pequeno armazém, e um pequeno “quiosque” ocupado pelo vigilante/segurança, sem quaisquer outras instalações próximas;
24 - Existem parques vigiados e fechados para veículos pesados na proximidade das grandes cidades por onde passa a Autoestrada A…, tais como em AM… (a cerca de 20Km de Q…); AN… (a cerca de 80Km de Q…), sendo estas as mais próximas do local onde aparcou o veiculo da ora Ré;
25 - Existe ainda um parque vigiado e pago, perto da cidade de AO…, ao Km 67 da A… e a 60Km de Q…, e outro parque vigiado perto de AM…, a cerca de 40Km de Q…;
26 - Cerca das 19h00, quando se encontrava dentro do camião a ver um filme, o condutor do camião AI… foi abordado por um homem com farda de segurança, que o informou ter as portas do reboque abertas;
“27 - Em consequência, abriu a porta do camião, tendo subido a bordo dois indivíduos, que o ameaçaram e furtaram o camião e reboque com todas as mercadorias que se encontravam a bordo, designadamente as mercadorias em referência nos autos;”
28 - O condutor do veículo participou o furto das mercadorias e do veículo às autoridades polacas;
29 - O veículo veio a aparecer dias mais tarde, vazio, em local não apurado;
30 - O motorista da 2ª Ré sabia que por razões de segurança devia procurar para descanso parques em sítios iluminados e frequentados por outras pessoas;
31 - Entre a 2ª Ré e a 3ª Ré "E…” foi celebrado um contrato de transferência do risco decorrente da atividade daquela, enquanto transportadora de mercadorias quer a nível nacional, quer a nível internacional, com o teor de fls. 142 e ss., que aqui se dá por reproduzido;
32 - O motorista da 2ª Ré não sabia qual a carga que era transportada, uma vez que as paletes estavam cobertas com plástico preto;
33 - O peso bruto da mercadoria transportada ascendia a 9.400 Kg;
34 - Eliminado;
35 - No âmbito das relações comerciais existentes entre a 1ª e a 2ª Rés, aquela solicitou a esta, no dia 13/12/2011, um “CAMIÃO COMPLETO POR CONTA DA G…”, sem ADR e sem 2º motorista, com as demais "Instruções de Transporte" constantes de fls. 216, que aqui se dão por reproduzidas;
36 - No dia 14/12/2011, às 10h55m, o motorista, regressou à sede da 2ª Ré, tendo o identificado supra veículo pesado de mercadorias ficado aparcado, às 19h45m, nas instalações desta e o motorista gozado o seu período de repouso;
37 - No dia 16/12/2011, às 17h30m, o motorista da 2ª Ré, ao volante do veículo pesado de mercadorias, iniciou, a partir da sede da 2ª Ré, a viagem com destino à Sociedade Comercial AP… C/O G…, sita em sul. …, Polónia;
38 - Efectuou, nesse mesmo dia, o seu período de repouso diário na Estação de Serviço de V…, Espanha.
39 - No dia seguinte, ou seja, 17/12/2011, às 09h40m, iniciou novo período de condução, desta feita, em direção a AQ…, Espanha, mais propriamente à Área de Serviço do …, onde chegou às 12h20m, para almoçar;
40 - Saiu da Área de Serviço do …, em AQ…, Espanha às 13h30m em direção a AR…, Espanha onde abasteceu, o veículo pesado de mercadorias, de gasóleo na Área de Serviço P… de AR… às 15h34m;
41 - Da Área de Serviço P… de AR… seguiu em direção a W…, França onde meteu, no veículo pesado de mercadorias, água e efetuou a sua pausa de 45 minutos;
42 - De W…, França, dirigiu-se a AS…, França, onde chegou às 21h40m, aí efetuando o seu período de repouso semanal reduzido (30 horas e 20 minutos).
43 - Às 04h00m do dia 19/12/2011 saiu de AS…, França com destino a AD…, França onde dormiu cerca de 1h45m;
44 - De AD…, França seguiu para AT…, França onde abasteceu, o veículo pesado de mercadorias, de AU…, na Área de Serviço P… de AT… às 09h49m;
45 - Da Área de Serviço P… de AT… dirigiu-se à Área de AV…, França, onde efetuou a sua pausa de 45 minutos;
46 - Da Área de AV…, França seguiu para a Área de Serviço de … X…, Alemanha onde chegou às 17h58m, aí efetuando o seu período de repouso diário e bem assim a compra da vinheta que lhe permite circular na Alemanha;
47 - Às 02h00m, do dia 20/12/2011, saiu da Área de Serviço de … X…, Alemanha em direção a … em AW…, Alemanha onde efetuou a sua pausa de 45 minutos;
48 - De … em AW…, Alemanha seguiu para … em Y…, Alemanha;
49 - De … em Y…, Alemanha seguiu para Q…, Polónia, onde abasteceu, o veículo pesado de mercadorias, de gasóleo, na Área de Serviço P… de Q… às 13h55m e efetuaria o seu período de repouso diário.
50 - A sociedade comercial "AP… C/O G…", sita em …, U…, Polónia, situava-se a cerca de 145 Km., onde o motorista da 2ª Ré contava proceder à descarga da mercadoria na manhã do dia 21/12/2011;
51 - No dia 20/12/2011, por volta das 19h00m locais, na área de terreno adjacente à estação de Serviço P… de Q…, o motorista da 2ª Ré encontrava-se no interior do veículo pesado de mercadorias a efetuar o seu período de repouso diário.
52 - Foi interrompido por uma batida na porta do veículo pesado de mercadorias efectuada por um indivíduo do sexo masculino, envergando uma farda de Segurança;
53 - Acto contínuo, baixa o vidro do veículo pesado de mercadorias e pergunta o que é que o mesmo pretendia, quando aquele lhe diz que é Segurança e que o queria informar que as portas do semi-reboque estavam abertas.
54 - Em consequência, abre a porta do veículo pesado de mercadorias, altura em que dois indivíduos do sexo masculino entram no seu interior, não deixando sair o motorista da 2ª Ré, obrigando-o, para que nenhum mal lhe acontecesse, a permanecer quieto e calado;
55 - De seguida, um dos indivíduos pôs em marcha o veículo pesado de mercadorias, para, a alguns metros após a Área de Serviço P… de Q…, já na Estrada Nacional .., numa berma, parar o veículo pesado de mercadorias e fazer sair o motorista da 2ª Ré e bem assim o 2º individuo que também se encontrava no interior do veículo pesado de mercadorias;
56 - Um vez fora do veículo pesado de mercadorias, o motorista da 2ª Ré foi forçado a entrar num veículo automóvel;
57 - Assim que o motorista da 2º Ré, e bem assim o 2º individuo que também se encontrava no interior do veículo pesado de mercadorias entram no veículo automóvel, saí um dos seus ocupantes que entra no veículo pesado de mercadorias e ao motorista da 2ª Ré são-lhe colocadas braçadeiras de plástico nos pulsos e amarrado ao banco do veículo automóvel;
58 - Seguidamente, iniciam a marcha do veículo automóvel, mantendo o motorista da 2ª Ré preso e privado da sua liberdade até a manhã do dia 21/12/2011;
59 - Cerca das 06h10m, do dia 21/12/2011, o motorista da 2ª Ré é largado num descampado, a cerca de 260 Km da Área de Serviço P… de Q…, através do qual caminhou até encontrar uma localidade, aí solicitando que lhe chamassem a Polícia;
60 - Chegada a Polícia, foi levado para o Posto de AX… onde foi interrogado e apresentada a competente queixa crime;
61-A Área de Serviço P… de Q… é área de Serviço propriedade da Sociedade Comercial P…, na Polónia denominada “P… …” – …, … – .. – …, sita em …, .. - … Q…;
62 “Está situada a cerca de 200 metros da Estrada Nacional .. e a cerca de 3,5 quilómetros da Auto-Estrada A…, sendo a área de terreno adjacente à mesma usada como parque de estacionamento existindo na mesma Instalações Sanitárias amovíveis, e uma cabine para um vigilante.”
63-A Sociedade Comercial P…, em Portugal denominada “P… Portugal - Produtos Petrolíferos, S.A.”, com sede na Estrada …, n.º .. – …, em … (…. - …) é uma filial do Grupo Total, especializada no fornecimento de combustível e serviços associados, tais como o pagamento de portagens, multas, pronto-socorro, lavagens e manutenções, para os profissionais do transporte rodoviário;
64- É fornecedora da 2ª Ré há mais de 12 anos;
65-O motorista 2ª Ré, portador do Cartão P… n.º …. - ., abasteceu através desse cartão o veículo pesado de mercadorias, de gasóleo e de AU… em respetivamente, 17.12.2011 (Área de Serviço P… de AR…) e 19.12.2011 (na Área de Serviço P… de AT…) e pagou as portagens em, também respetivamente, 17.12.2011 (ASF AY…/St. AZ… – ASF BA…/St BB… –ASF BC…/BD…), 19.12.2011 (Saprr BE…/AT… – Saprr BF… S/St BG… – Sprr BH… Ou/BI… – Station Service E … X…) e 20.12.2011 (BJ…);
66 - A área de Serviço P… de Q… que foi a opção de paragem feita pelo motorista, encontrava localizada a cerca de 3,5 Km de uma das autoestradas (A…) utilizada para a circulação dos transportes rodoviários de mercadorias, e era uma das áreas assinalada pela sua entidade patronal para abastecer e para observação dos períodos obrigatórios de descanso.
III - IMPROCEDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO
Considerou-se na sentença recorrida que o direito da autora de exigir o que pagou à sua segurada na sequência do furto ocorrido durante o transporte da mercadoria, estaria prescrito, conclusão contra a qual a recorrente se insurge.
No entanto, antes de entrar na apreciação da questão da prescrição impõe-se precisar conceitos, já que na sentença recorrida é referido o direito exercido pela autora umas vezes como direito de regresso, outras como sub-rogação.
Trata-se de realidades distintas, já que enquanto no direito de regresso o que se exerce é um direito novo, o direito à restituição do que se pagou, na sub-rogação o que se verifica é a substituição do credor (primitivo) pelo terceiro que tenha cumprido em lugar do devedor – artº 593º, nº 1, do CC – pelo que neste último caso o direito exercido pelo terceiro sub-rogado é o mesmo que pertencia ao primitivo credor.
Tendo isto presente, no que concerne ao direito da seguradora que pagou à sua segurada a indemnização que era devida pelo terceiro causador do dano, é clara a opção legislativa, que constava já do artº 441º do C. Com, de enquadrar juridicamente o exercício desse direito no âmbito da sub-rogação – V. artº 136º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo DL nº 72/2008, de 16 de Abril. Trata-se de opção essencialmente justificada como forma de obviar aos inconvenientes que de outra forma resultariam do funcionamento do mecanismo indemnizatório. Com efeito não seria aceitável que o segurado recebesse duas indemnizações pelo mesmo dano – uma paga pelo terceiro responsável e outra pela seguradora - enriquecendo-se injustificadamente e usando o seguro como forma de obter lucro. Por outro lado também não seria aceitável que o terceiro responsável pelo dano se visse isento da sua responsabilidade só pelo facto de o lesado estar a coberto dum contrato de seguro. O mecanismo da sub-rogação, transferindo para a seguradora o direito do segurado, permite sem dúvida obviar aqueles inconvenientes.
Tem como tal razão a recorrente quando sustenta que a sua intervenção não consubstancia o exercício de um direito de regresso, mas sim de sub-rogação.
Esta conclusão tem evidente repercussão no que concerne à invocação da prescrição. Com efeito, se se tratasse de direito de regresso, o direito da seguradora, enquanto direito ex nuovo, apenas prescreveria no prazo normal de vinte anos – artº 309º do CC.
Já não assim enquanto entendido como exercício do direito de sub-rogação, uma vez que, apesar de não existir norma idêntica à do artº 585º do CC nem esta ser referida na remissão feita pelo art.594.º, do CC, tem-se considerado que, porque o crédito transmitido se mantém tal qual era, o art.585.º é analogicamente aplicável à sub-rogação, uma vez que de outra forma o devedor resultaria prejudicado por uma transmissão de um direito em que não participou, deixando de poder invocar perante o novo credor os meios de defesa – exceções – que poderia opor eficazmente perante o anterior credor.
No entanto não se poderá perder de vista que a fonte da sub-rogação é, em todos os casos, o facto jurídico do cumprimento - Galvão Telles, Obrigações, 3ª ed., p. 230.
E por isso que, pressupondo a sub-rogação o pagamento por parte do terceiro, não pode deixar de entender--se que antes dele não há sub-rogação. Ou seja, o terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento - enquanto o não fizer não é sub-rogado e, consequentemente, não pode exercer os direitos do credor, Por isso tem razão a recorrente quando sustenta que só a partir dessa data se iniciará, em relação à seguradora sub-rogada no direito da sua segurada, a contagem do prazo prescricional – nº 1 do artº 306º do C.Civil. Solução contrária poderia aliás conduzir a resultados inadmissíveis, como bem se salienta no ac do STJ de 06-5-2016, proc nº 2896/04.8TBSTB.L1, podendo ocorrer a prescrição ainda antes de o direito se subjetivar, e como tal antes ainda de o terceiro, sub-rogado no direito da sua segurada, o poder exercer.
Não obsta a esta conclusão a argumentação desenvolvida pela recorrida E… na resposta às alegações de recurso, de que, dessa forma os transportadores estariam sujeitos a dois prazos distintos de prescrição, conforme os seus clientes contratassem, ou não, seguro de carga.
Quando muito o que poderá verificar-se, comprovada que seja a pertinente factualidade, é que possa ser alegado o uso abusivo do direito por parte da seguradora que tendo retardado injustificadamente o pagamento da indemnização à sua segurada, vem depois opor a não verificação da prescrição. Os factos apurados nos autos não permitem, no entanto, extrair essa conclusão no caso em análise.
Como tal, estando em causa o exercício de um direito que adveio à autora seguradora por sub-rogação no direito da sua segurada, o início do prazo prescricional só se iniciou para a seguradora autora, a partir do momento em que esta efetuou o pagamento da indemnização reclamada pela sua segurada. O que, conforme vem dado como provado, ocorreu em 31-12-2012.
E por isso, considerada esta data como início do prazo prescricional, mesmo considerando ser este o prazo prescricional de um ano previsto no artº artº 32º§ 1º, alínea b) da CMR, esse prazo ainda não havia decorrido nem quando a presente ação foi instaurada – a 03-8-2013 – nem quando a ré foi citada para os termos da mesma em 24-9-2013, e muito menos quando em dia 07/02/2013 as rés receberam a notificação judicial avulsa remetida pela autora, sendo que logo nesta data se teria de considerar interrompida a prescrição – artº 323º, nº 1 do CC.
Irá por isso revogar-se a decisão recorrida na parte em que considera procedente a exceção da prescrição e absolve, com esse fundamento, as rés do pedido contra elas formulado pela autora.

IV – RESPONSABILIZAÇÃO DAS RÉS C… e F… nos termos do art. 17º, nº 1 da Convenção CMR, pela comprovada perda das mercadorias.
Na sentença recorrida refere-se que entre a 1ª ré C…, LDA, e a segurada da autora, foi celebrado um contrato de transporte internacional de mercadorias, tendo esta ré C… por sua vez contratado com a 2ª ré, D…, L.DA, a execução desse transporte, fazendo daí decorrer a aplicação, relativamente a ambas as rés, enquanto transportadoras, do disposto na Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias Por Estrada (CMR), assinada em Genebra em 19/5/2956, aprovada em Portugal pelo Decreto – Lei n.º 46235, de 18/03/1965, entrou em vigor em 21/12/1969 e foi objeto de alteração através do Protocolo de Emenda, aprovado pelo Decreto n.º 28/88, de 6 de Setembro.
No entanto, o que se extrai da matéria de facto tida como provada resulta é que a atividade a que a 1ª ré C…, LDA, se dedica é a atividade transitária (1). E muito embora tenha celebrado com a segurada da autora, sociedade G…, o transporte de mercadoria aquela pertencente (10), incumbiu desse transporte a 2ª ré D…, L.DA (11) que essa sim exerce a atividade de transporte rodoviário de mercadorias (2).
Perante o que assim vem dado como provado, e na ausência de outros elementos, o que haverá de concluir-se é que aquela ré C…, LDA, interveio no contrato celebrado com a sociedade segurada da autora na qualidade de transitária, que era de resto a atividade a que comprovadamente se dedicava, obrigando-se assim perante a segurada da autora em termos do que era a sua atividade, ou seja planeando o transporte de molde a satisfazer a que as mercadorias chegassem (em boas condições) às instalações do destinatário, organizando o necessário para que o transporte se efetuasse, contratando com terceiros a execução desse transporte. Por isso que, com base nos elementos tidos como provados o que se pode dizer é que o contrato celebrado entre a segurada da autora e a ré C…, LDA foi, não um contrato de transporte, mas antes um contrato de comissão de transporte de expedição ou de trânsito, entendido enquanto contrato celebrado pelo interessado ou expedidor com um transitário com vista ao transporte de mercadorias, em que a obrigação assumida pelo transitário não é a da execução do transporte mas sim a de prestação de serviços de natureza logística e operacional relacionadas com o transporte de mercadorias - cfr artigo 1. °/2 do Decreto-Lei n.º 255/99, de 7 de julho - nomeadamente providenciando por celebrar por conta do expedidor, um (ou mais) contratos de transporte.
Não se tratando, como não se trata, de um contrato de transporte não tem direta aplicação a aludida Convenção de Genebra relativa ao transporte internacional de mercadorias (CM), mas sim o regime constante do DL 255/99, de 7/7. Em todo o caso não estando em causa a responsabilidade da ré C… pelos serviços prestados enquanto transitária, mas a sua responsabilização, perante o seu cliente, pelo incumprimento das obrigações contraídas pelo transportador que contratou e com os limites para este estabelecidos, por lei ou convenção - artº 15º do referido DL 255/99, de 7/7 - somos por essa via, indireta, remetidos para o disposto na referida CMR aplicável à 2ª ré F… LDA enquanto transportador encarregado pela 1ª ré pela execução do transporte das mercadorias.

Já relativamente a esta 2ª ré D…, L.DA, que também usa a designação F… LDA os factos tidos como provados na sentença recorrida evidenciam que esta 2ª Ré, que interveio efetivamente como transportadora no âmbito do contrato celebrado com a 1ª ré C….
Com efeito, resulta igualmente que esta ré F… LDA não assumiu qualquer obrigação contratual para com a segurada da autora, a sociedade G… (10 e 11), mas apenas e tão só para com a 1ª ré C…, pelo que só perante esta poderá responder pela perda da mercadoria, e na medida em que esta venha a exercer contra ela o direito de regresso pelo que vier a ser compelida a pagar relativamente ao valor dos prejuízos sofridos pela segurada da autora enquanto expedidor e proprietária da mercadoria.
E assim sendo, a seguradora autora, que intervém sub-rogada no direito da sua segurada G…, só pode exercer esse direito contra a ré C… e já não contra a 2ª ré transportadora, D…, L.DA - V. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 05/02/2004, disponível no mesmo sítio dos anteriores e de 5 de Março de 2009, in CJ, STJ, Ano XVII, Tomo I/2009, a pag. 131 e seg.s.
Como tal, mas com o referido fundamento, substancialmente diverso do da sentença recorrida, deve em relação à ré F… LDA, e à ré E…, demandada enquanto seguradora daquela ré, manter-se a decisão de absolvição do pedido.

Em relação à 1ª ré, C… e sem prejuízo do anteriormente referido acerca da qualificação do contrato celebrado entre esta ré e a segurada da autora, por força do disposto no artº 15º do DL 255/99, de 7/7, esta ré é efetivamente responsável pelo incumprimento das obrigações contraídas pelo transportador que contratou, a sociedade F…, respondendo assim pela perda da mercadoria durante a execução do transporte, sendo-lhe como tal aplicável o disposto no nº 1 do artº 17º da CMR.
Neste normativo, mais do que uma presunção de culpa prevê-se a responsabilidade objetiva do transportador. Com efeito muito embora o contrato de transporte, se deva qualificar como de prestação de serviços, o serviço que interessa ao contratante não é o transporte por si só, mas a colocação da pessoa ou dos bens íntegros na data e no local convencionado - cfr nº 1 do artº 17º da CMR. A obrigação assumida acaba por ser uma obrigação de resultado. E de acordo com o disposto no referido artº 17º, nº 1 da CMR basta a comprovação da não entrega na data aprazada, ou da perda da mercadoria, para que se possa afirmar o incumprimento da obrigação assumida pelo transportador.
No caso dos autos não ficou demonstrada a existência de uma data convencionada para a entrega da mercadoria. Mas está comprovado que, tendo a segurada da autora, a sociedade "G… (…)" acordado com a 1ª Ré "C…, L.DA" o transporte de mercadorias, que lhe pertenciam, desde … - Portugal até – U… – Polónia, onde deveriam ser entregues ao importador "AK…", a quem deveriam ser entregues, essas mercadorias não chegaram a ser entregues no destino acordado (5,10,11) tendo sido objeto de furto (roubo) perpetrado no dia 20 de Dezembro de 2011 (27).
Tanto basta para que à luz do artº 17º CMR se possa afirmar a responsabilidade do transportador contratado pela ré C… pela perda das referidas mercadorias, e consequentemente, e por força do disposto no nº 1 do artº 15º do DL 255/99, de 7/7, se deva afirmar a responsabilidade da ré C…, L.DA. perante a segurada da autora, em cujo direito esta ficou sub-rogada por via do pagamento que lhe efetuou.
Restava à ré Agiity alegar e comprovar - cfr artº 18º, nº 1 da CMR - a verificação, relativamente ao transportador, em nome de quem responde, de qualquer das circunstâncias que nos termos do nº 2 do artº 17º da CMR podem excluir a responsabilidade desse transportador.
Ora, o que a esse propósito vinha invocado por aquela ré é que a perda da mercadoria, se ficou a dever a ato de terceiros que, mediante ameaça e manietando o condutor do camião, subtraíram a mercadoria antes de esta ter chegado ao seu destino.
Uma das situações previstas no referido nº 2 do artº 17º da CMR como justificando a exclusão da responsabilidade do transportador pela perda das mercadorias transportadas é o de a mesma se ter ficado a dever a “… circunstâncias que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar.” Trata-se de previsão que é perfeitamente reconduzível às figuras de caso fortuito ou de força maior previstas no ordenamento jurídico nacional, entendido o caso fortuito como assentando na imprevisibilidade do evento, enquanto a força maior tendo subjacente a ideia de inevitabilidade, reconduzindo-se assim a qualquer acontecimento humano ou natural, que mesmo que previsível ou mesmo prevenido, não se pode evitar.
Ainda que obicter dicta – perante o decidido em termos da prescrição - consignou-se na sentença recorrida o entendimento de que que as circunstâncias em que teria ocorrido o furto das mercadorias não permitiam qualquer reação de defesa por parte do motorista que as transportava, consubstanciando por isso uma situação de força maior, integrando-se assim na previsão do disposto no referido artº 17º, nº 2, da CMR, pelo que sempre eximiriam o transportador da responsabilidade pela perda da mercadoria.
Revogada a decisão recorrida no que concerne à questão da prescrição, recoloca-se agora com maior pertinência a questão da verificação de evento reconduzível a caso de força maior a que alude o art. 17, nº 2 da Convenção CMR.
E a este respeito importa antes de mais precisar conceitos, já que na sentença recorrida se emprega indistintamente os conceitos de furto e roubo, sendo consabido que se trata de realidades distintas. Efetivamente perante os factos apurados o que se verificou foi um crime de roubo já que as mercadorias foram subtraídas mediante ameaça e o uso de força física que impossibilitaram o condutor do camião de reagir (27, 54, 57, 58).
A distinção não é despicienda, já que, enquanto o furto dificilmente se pode considerar como evento imprevisível e como tal excludente da responsabilidade do transportador, já em relação ao roubo pode dizer-se que configurará por natureza e definição uma causa de força maior, e como tal excludente da responsabilidade do transportador ao abrigo do disposto no artº 17º, nº 2 da CMR.
No caso dos autos está efetivamente comprovado que o condutor do camião da F…. que efetuava o transporte da mercadoria foi abordado por desconhecidos quando se encontrava, no dia 20 de dezembro de 2011 estacionado na zona adjacente à estação de gasolina, Q…, O…, os quais, depois de o manietarem, desapareceram com o camião e a mercadoria.
Verificadas as referidas circunstâncias é evidente que as consequências - a subtração da mercadoria - não eram evitáveis.
Mas no referido nº 2 do artº 17º CRM exige-se mais, exige-se que as circunstâncias que estiveram na origem desse evento – o assalto - não fossem em si mesmo previsíveis.
E por isso se tem entendido que mesmo no caso de roubo só caso a caso se poderá dizer que se está perante uma das causas de exclusão de responsabilidade referidas no nº 2 do artº17 daa CRM.
Cabe dizer que só em circunstâncias extraordinárias se justificará eximir o transportador da responsabilidade pela perda da mercadoria, sendo exigível que a transportadora e os respetivos motoristas tenham sempre presente a possibilidade de furtos ou mesmo roubos durante o trajeto, e que tomem as precauções possíveis, nomeadamente escolhendo locais de paragem menos isolados, mais iluminados e frequentados, que diminuam a possibilidade de assaltos ou do sucesso dos mesmos. A conclusão dependerá sempre do juízo que houver de fazer-se do grau de diligência e da atitude do transportador, antes, durante e depois do evento.
Em qualquer caso estamos factualidade relativamente à qual, na medida em que integra a previsão da referida causa excludente da responsabilidade, o ónus probatório recai sobre o transportador nos termos do referido nº 1 do artº 18º CRM.
No caso particular da transportadora F… o que os autos revelam é que, por sua conveniência, adotou como prática que os seus motoristas apenas abastecessem nos postos da rede P… (62 a 66) os quais, muito embora situados na rota utlizada pelos transportes rodoviários de mercadorias, estão normalmente localizados fora dessas vias principais, em locais em que por norma não existe qualquer outra infraestrutura para além da bomba de abastecimento de combustível, por sua vez self-service, dispensando mesmo a existência de pessoal permanente para abastecimento. E era esse o caso da estação de serviço da Área de Serviço P… de Q…, a qual, conforme vem dado como provado, se situava situa-se a cerca de 3,5 Km da autoestrada mais próxima, (A…) à qual se tem acesso através de estradas locais, e que se situa num local ermo, rodeado de árvore sem quais outras instalações próximas para além de um WC amovível, e um quiosque para um vigilante (22,23). O motorista do camião efetuou a paragem naquele posto de abastecimento porque era um dos postos da rede P…, que eram os únicos onde, segundo instruções da transportadora, e por conveniência desta, poderia abastecer, muito embora houvesse perto outros postos de abastecimento menos isolados onde o poderia fazer. E se é certo que o furto de mercadorias pode ocorrer em qualquer local, não é menos verdade que a subtração de um camião inteiro, com as mercadorias lá dentro só foi possível com um envolvimento de meios e com o emprego de força que dificilmente seria possível em local mais frequentado e mais iluminado.
Cremos por isso que assiste também aqui razão à recorrente quando sustenta que não estão verificadas as circunstâncias que nos termos do artº 17º, nº 2 da CRM justificariam que se tivesse por excluída a responsabilidade da transportadora, e consequentemente da ré C….
Subsiste como tal a responsabilidade desta ré perante a autora enquanto sub-rogada no direito da proprietária da mercadoria sua sub-rogada nos termos anteriormente referidos.

V – Peticionava a autora a condenação das rés no pagamento de EUR 250.000,00 acrescida de juros de mora vencidos no valor de EUR 8.227,74 e vincendos até efetivo e integral pagamento, alegando ser esse o valor por ela pago à sua segurada a quantia de EUR 250.000,00 - muito embora a mercadoria desaparecida tivesse o valor comercial de EUR 390.000,00.
Esta alegação resulta comprovada nos autos (13 e 18). No entanto nos artigos 23º e 25º da CRM são previstos limites valorativos da indemnização a atribuir, que não pode ultrapassarem regra, e no caso de perda da mercadoria, o valor da mesma no lugar e época em que foi aceite para transporte, calculado pela cotação da mesma em bolsa , ou quando não for possível, pelo preço usualmente praticado no mercado, ou, na falta destes parâmetros, pelo valor corrente de mercadoria de idêntica natureza e qualidade, não sendo admissível a indemnização de quaisquer outros danos causados pela perda da mercadoria.
Não poderá em todo o caso o valor da indemnização ultrapassar 8,33 unidades de saque especial definidos pelo FMI (DSE), por cada quilograma de peso bruto em falta - cfr. Decreto nº.28/88 de 6 de Setembro - Protocolo à Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada – sendo o valor, em direito de saque especial, da moeda nacional de um Estado que seja membro do Fundo Monetário Internacional, calculado segundo o método de avaliação que o Fundo Monetário Internacional esteja à data a aplicar nas suas próprias operações e transações.
Não constando da declaração de expedição (CRM) o valor da mercadoria, a indemnização a atribuir está sujeita à limitação imposta pelo referido artº 23º, nº 3 da Convenção, tendo em conta o peso bruto da mercadoria transportada de 9.400 quilogramas (33) ou seja, não poderá ultrapassar o valor correspondente a 78.302 unidades de saque especial calculados à data de 14-12-2011 (data em que a mercadoria foi aceite para transporte), ou seja €1,17329, segundo dados do Banco de Portugal[1].
Assim que o valor da indemnização a atribuir será, de acordo com os critérios definidos no referido artigo 23º da Convenção CRM, correspondente a €91.870,95 euros (9.400 Kg X 8,33 DSE X €1,17329).
Argumenta a recorrente que haverá no entanto de aplicar-se aqui o disposto no artº 29º, nº 1 da Convenção CRM por entender que a 2ª Ré, através do seu motorista, não teve qualquer cuidado em vigiar e guardar a carga, enquanto esta se encontrava à sua guarda e durante o período de descanso do seu motorista, o qual agiu com negligência grosseira e consciente e até com dolo eventual, pois sabia que, estacionando o veiculo com uma carga valiosa em local ermo e deserto, era passível de ser abordado e roubada a mercadoria, sem que tivesse os meios ao seu alcance para o evitar.
O referido artº 29º da CRM dispõe efetivamente que o transportador não tem o direito de aproveitar-se das disposições que excluem ou limitam a sua responsabilidade se o dano provier de dolo seu ou falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo.
No caso dos autos, consideradas as circunstâncias em que ocorreu a subtração da mercadoria e não estando provado que o motorista conhecesse qual o tipo de mercadoria transportada, temos como afastada a possibilidade dolo, mesmo que na modalidade de dolo eventual.
Já no que concerne ao conceito de conduta equiparável ao dolo, deverá a mesma entender-se, por referência ao previsto no ordenamento jurídico nacional, à culpa grave ou negligência grosseira.
E a este propósito concluiu-se que a transportadora não tomou efetivamente todas as medidas que poderia ter tomado para evitar eventos do género daquele que veio a ocorrer, e por isso não poderia beneficiar da exclusão de responsabilidade prevista no artº 17º, nº 2, da Convenção CRM. Mas não vemos que os factos apurados sejam suficientes para ter como configurada uma conduta grosseiramente negligente ou temerária da parte da transportadora ou do seu motorista, que justifique a sua equiparação ao dolo para efeitos do artº 29º, nº 1 da mesma Convenção. Com efeito a paragem foi efetuada no terreno adjacente à estação de serviço usado para o estacionamento de veículos de transporte de mercadorias, muito embora situada em local ermo e isolado, e onde existia apesar de tudo um vigilante permanente. Ou seja, não era um local que não estivesse destinado à paragem e estacionamento de veículos de transporte.
Não se considera por isso que deva ter aplicação o disposto no referido artº 29º da CRM, mantendo-se por isso o limite da indemnização imposto pelo artº 23º, nº 3 da Convenção.

Assim que, em conformidade com os fundamentos expostos, ACORDAM OS JUÍZES NESTA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
I – Nos termos e com os fundamentos acima expostos substancialmente diversos das constantes da sentença recorrida, mantêm a decisão absolutória ali proferida relativamente às rés D…, LDA, que utiliza o nome comercial F…, e E…, seguradora daquela;
II – Julgam improcedente a exceção de prescrição invocada, e revogando a sentença recorrida na parte em que absolve do pedido a ré C…, LDA, condenando esta ré no pagamento à autora da quantia de €91.870,95 euros (9.400 Kg X 8,33 DSE X € 1,17329), acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.

Custas pela autora recorrente e pela ré e recorrida C… na proporção do decaimento que se fixa respetivamente em 63,25% e 36,75%.
Síntese conclusiva:
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Porto, 21 de Fevereiro de 2018
Freitas Vieira
Madeira Pinto
Carlos Portela
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[1] https://www.bportugal.pt/Mobile/BPStat/Serie.aspx?IndID=122449&SerID=1148732&SW=1280&fOrder=RDEVAL_Data_Origem&fDir=DESC&Show=1