Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
53/12.9GTSJM-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
MENOR
REPRESENTAÇÃO
Nº do Documento: RP2014070353/12.9gtsjm-D.P1
Data do Acordão: 07/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A representação do menor, para efeitos de dedução de PIC, cabe a quem estiverem legalmente atribuídas as responsabilidades parentais, no momento em que o mesmo for deduzido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal 53/12.9gtsjm-D.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B…, demandante civil devidamente identificada nos autos acima referenciados, inconformada com o despacho proferido em 26-02-2013, ordenando a notificação dos tios paternos do menor, seu filho, para, querendo, apresentarem o competente pedido de indemnização civil a que o menor tem direito, recorreu para este Tribunal da Relação, por entender que tem legitimidade para deduzir tal pedido, de resto já apresentado nos autos.
Terminou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1) Até à maioridade ou emancipação, os filhos estão sujeitos ao poder paternal;
2) No que concerne ao exercício do poder paternal e no que aos progenitores respeita, pode, tal exercício caber a ambos ou apenas a um deles;
3) No caso dos autos, tendo o Pai do menor falecido, em 11/03/2012, o exercício do poder paternal ficou a pertencer à Recorrente, sua Mãe;
4) Que já o possuía, de resto, mesmo antes daquele ter falecido;
5) De facto, por sentença transitada em julgado, proferida no proc. n° 50/1 0.9TBOAZ, do 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, foi o menor entregue à guarda da mãe, a quem compete, desde 25/02/2010, o exercício das responsabilidades parentais.
6) Esta sentença foi comunicada à competente Conservatória do Registo Civil, que a averbou no Assento de Nascimento,
7) Cujo registo é obrigatório e tem valor probatório pleno.
8) Por conseguinte, enquanto tal Sentença não for revogada nem alterada, compete à mãe o exercício das responsabilidades parentais.
9) O M.º Juiz a quo foi induzido em erro pelo T.J. de Oliveira de Azeméis.
10) Porquanto recebeu "de chofre", os documentos de fls. 412/ss, em desrespeito ao dever de reserva;
11) De facto, a informação de fls. 412/ss - que é reservada e sigilosa - foi enviada em "bruto" e incompleta, pelo MO Juiz do 1° Juízo Cível do T.J. de Oliveira de Azeméis, sem despacho fundamentado, sem ouvir as partes ou o MO P";
12) Dando azo a tamanha confusão, que baralhou o MO Juiz a quo, levando-o a confundir o poder paternal com a tutela.
13) Concretamente, o M.º Juiz a quo julgou que as responsabilidades parentais foram alteradas, em favor dos tios paternos, o que não corresponde à verdade;
14) Uma coisa são as responsabilidades parentais, definidas por Sentença transitada em julgado no Proc n.º 50/1 0.9TBOAZ, 2° Juízo Cível
15) Outra, bem diferente, são as "responsabilidades parentais" (a expressão é incorrecta, daí a confusão), definidas provisoriamente no Proc nº. 955/12.2TBOAZ, l° Juízo Cível,
16) Que é um processo tutelar comum, de protecção e promoção, de cariz instrumental, temporário, e que visa acautelar o bem-estar físico e psíquico da criança, alegadamente em perigo.
17) Enquanto o 1 ° processo é definitivo, vigorando enquanto a Sentença não for revogada ou alterada,
18) O 2° é provisório, com um prazo bem definido (2 meses), o qual caducou em 28/11/2012,
19) Nesse curto prazo de 2 meses, estabeleceu-se que as "responsabilidades parentais" seriam exercidas conjuntamente pela progenitora e pelos tios paternos em relação às questões de primordial importância do menor,
20) Pelo que, o douto despacho recorrido jamais podia afastar totalmente a legitimidade da recorrente, uma vez que garantir o reconhecimento de uma indemnização, pela via judicial, é uma questão de primordial importância e não da vida corrente, ou de natureza urgente.
21) Mas o certo é que o fez, interpretando (mal) a cláusula 2a do Acordo Provisório, em consequência da errada informação de fls. 412/ss, dada precipitadamente pelo MO Juiz do 1° Juízo Cível do T.J. de Oliveira de Azeméis.
22) Informação que, de resto, além de errada, já está desactualizada, pois, entretanto, a Mãe retirou o consentimento e requereu o arquivamento dos autos,
23) Sinal inequívoco que a tutela termina pelo exercício do poder paternal,
24) Que a Mãe jamais perdeu, ou, sequer. foi, no todo ou em parte, inibido.
25) Mesmo no âmbito da tutela, quando tiver sido decretada alguma das providências referidas no art.º 1918° do CC, como foi o caso, os pais conservam o exercício do poder paternal em tudo o que com ela se não mostre inconciliável - nomeadamente, a legitimidade processual para representar os filhos em juízo.
26) A Mãe, ora recorrente, é, pois, parte legítima neste processo, cabendo-lhe, em representação do seu filho C…, suprir a incapacidade e, em nome deste, deduzir o Pedido de Indemnização Cível.
27) Ao não decidir como vem de dizer-se, violou o douto despacho recorrido, por erro de interpretação, o disposto nas seguintes normas legais: art. 124°, 1877° e 1878°, nº. 1, 1903°, 1904° e 1912°, 1918°, 1919° e 1961° d) do Código Civil; art. 177°, n.º 1 da OTM; art. 1° f) e g); 2° 3° 69° e) e f); 78° nº 1 do CRC art. 88° n.º 1 e nº 5 da Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro;
28) Pelo que deve ser revogado, com as legais consequências, isto é, atribuindo-se novamente à Mãe a legitimidade processual para, em nome do menor, suprir a sua incapacidade e representá-lo em Juízo, nomeadamente sustentar o Pedido de Indemnização Cível, já deduzido a fls. 239,
29) O que se requer!
*
Não foi apresentada qualquer resposta à motivação do recurso.
Nesta Relação, o Ex.º Procurador-geral Adjunto teve vista dos autos, não emitindo parecer por considerar que se tratava “… de uma questão do foro estritamente cível que extravasa a esfera de intervenção do Ministério Público.”.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
Com interesse para o julgamento do presente recurso, consideramos relevantes os seguintes factos:
a) Em 26-02-2013 foi proferido o despacho ora recorrido, do seguinte teor:
“Dos documentos juntos a fls. 412 e ss conclui-se que a progenitora do menor já não era, à data da apresentação do PIC de fls. 239, a sua representante legal, pelo que, carece a mesma de legitimidade para sua apresentação.
Face ao exposto, dê conhecimento aos diversos intervenientes do teor de fls. 412 e ss., devendo os tios paternos do menor aí melhor identificados, ser notificados na qualidade de legais Representantes do menor para, querendo, apresentar o competente Pedido de Indemnização Civil.”
b) Os tios do menor C… deduziram, em 3 de Abril de 2013, o pedido de indemnização civil.
c) Em 29-05-2013 foi proferido o seguinte despacho:
“Tendo em consideração que, em face da documentação junta aos autos, à data da entrada em juízo do PIC formulado pela progenitora do menor (26/11/2012) se encontrava em vigor o acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais que determinava que “as questões de particular importância para a vida da criança, as responsabilidades parentais serão exercidas conjuntamente pela progenitora e pelos tios paternos” somos a admitir os dois Pedidos de Indemnização Civil formulados nos autos, relegando-se para momento oportuno a decisão de saber a quem deve ser entregue a indemnização eventualmente a fixar. Notifique, sendo a progenitora do menor também para declarar se mantém interesse no recurso. ”
d) Em 13 de Junho de 2013 a progenitora do menor declarou que mantinha interesse no recurso – fls. 82 destes autos.
e) Em 17 de Maio de 2013 foi fixado o seguinte regime provisório das responsabilidades parentais do menor C…:
“1) A criança residirá com os tios paternos, a quem caberá o exercício das responsabilidades parentais relativo aos atos da vida corrente e questões de natureza urgente.
2) Quanto às questões de primordial importância para a vida da criança nomeadamente as questões relativas ao pedido de indemnização cível discutidas no âmbito do processo n.º 53/12.9GTSJM a correr termos na Comarca do Baixo Vouga – Tribunal de Ovar – 2ª juízo de Instrução Criminal, as responsabilidades parentais serão exercidas conjuntamente pela progenitora e pelos tios paternos.
3) A progenitora poderá visitar a criança em casa dos tios paternos, quinzenalmente, entre as 14,30 horas e as 18,00 horas, podendo, levar a criança a passear e fazendo-se acompanhar, caso o deseje, do companheiro.”
f) A Seguradora, demandada do pedido cível formulado nos autos, veio dizer, além do mais:
“(…) Assim, resultando do ponto 2 do documento de fls. 726 e 727 que, relativamente ao pedido de indemnização cível discutido nos presentes autos, as responsabilidades parentais serão exercidas conjuntamente pela progenitora e pelos tios paternos, entende-se que, salvo melhor opinião, não podem ser formulados pedidos indemnizatórios a título individual, em separado, cumulando-se as respectivas indemnizações – sendo certo que até está em causa o ressarcimento dos mesmos danos”.
g) Em 08-01-2014 foi proferido o despacho de folhas 110 e seguintes, aqui dado por reproduzido, e de onde consta (além do mais):
“(…)
Ora como flui do que supra se disse em q), ou seja da Cláusula do acordo a que Mãe e Tios chegaram no âmbito do Processo Tutelar Comum (e não processo de promoção) mediante a qual “Quanto às questões de primordial importância para a vida da criança, nomeadamente as questões relativas ao pedido de Indemnização Civil discutidas no âmbito do processo n.º 53/12.9GTSJM a correr termos na comarca do Baixo Vouga – Tribunal de Ovar – 2º Juízo de Instrução Criminal (certamente por lapso) as responsabilidades parentais serão exercidas pela Progenitora e Tios Paternos” afigura-se-nos de mediana clareza que o que se impõe é o litisconsórcio activo.
Ora, este não se basta com a presença de ambos os sujeitos nos autos, antes exige e supõe um único articulado, uma única alegação, com a mesma causa de pedir, o mesmo elenco factual, e finalmente e como é óbvio, o mesmo pedido – art. 28º,n.º 1 e 29º, 1º parte do Código de Processo Civil aplicáveis por força do art. 129º do Código penal.
Nestes moldes, notifique os Demandantes para, no prazo de 15 dias virem aos autos apresentar um articulado único bem como nova procuração a favor de mandatário comum.”
h) Em 07-05-2014 foi admitido o recurso do despacho proferido em 26-02-2013 (al. a da matéria de facto)), interposto pela demandante.
2.2. Matéria de direito
De acordo com a motivação do recurso e respectivas conclusões, a mãe do menor (titular da pretensão indemnizatória no processo-crime, por óbito do pai) põe em causa o despacho proferido em 26-02-2013 que não lhe reconheceu legitimidade para deduzir o pedido de indemnização cível, em representação do menor, por entender “que a progenitora do menor já não era, à data da apresentação do PIC de fls. 239, a sua representante legal”.
Na apreciação do recurso do referido despacho (indeferindo legitimidade à progenitora para deduzir o pedido de indemnização civil), importa desde logo sublinhar que o mesmo foi já modificado.
De facto, em 29-05-2013 foi proferido despacho que alterou o ora recorrido, admitindo o pedido de indemnização civil formulado pela ora recorrente e também o pedido cível formulado pelos tios paternos do menor. Com este último despacho foi parcialmente revogado, por substituição, o despacho proferido em 26-02-2013 (recorrido), mais concretamente na parte em que não reconhecia legitimidade à mãe do menor para deduzir o pedido de indemnização cível em representação do mesmo.
Para além disso, o despacho recorrido teve ainda uma outra e mais radical modificação, através do despacho de 08-01-2014, considerando não poderem ser formulados dois pedidos cíveis em representação do menor, pelo que se impunha o litisconsórcio activo, o qual “(…) não se basta com a presença de ambos os sujeitos nos autos, antes exige e supõe um único articulado, uma única alegação, com a mesma causa de pedir, o mesmo elenco factual, e finalmente e como é óbvio, o mesmo pedido – art. 28º, n.º 1 e 29º, 1º parte do Código de Processo Civil aplicáveis por força do art. 129º do Código Penal”.
Deste modo e com tal despacho ficou decidido que os representantes do menor só podiam deduzir um pedido de indemnização civil e, estando o exercício das responsabilidades parentais atribuído a mais do que uma pessoa, todas elas (progenitora e tios paternos) deviam, num só articulado, deduzir um só pedido cível.
Este despacho modificou não só o anterior despacho de 26-02-2013 (despacho recorrido), como o de 29-05-2013, não ficando qualquer deles a produzir efeitos nos presentes autos. Na verdade, após o despacho de 08-01-2014 ficou decidido que, neste processo, os Tios Paternos e a Mãe do menor deviam apresentar um único articulado, em representação do mesmo.
Contudo, e não obstante este último despacho (atribuindo legitimidade à mãe e tios paternos do menor para deduzirem um único pedido cível), o presente recurso ainda tem utilidade, na medida em que a recorrente pretende ser a única com legitimidade para representar o filho menor.
E se assim for, então a revogação (em sede de recurso) do primeiro despacho, com esse fundamento, inviabiliza as subsequentes decisões, designadamente a proferida em 08-01-2014, considerando ser caso de litisconsórcio necessário.
A questão a decidir é, portanto, a de saber se o despacho recorrido deve manter-se, o que implica saber a quem cabe a representação legal de um menor para figurar como autor numa acção de indemnização civil, com vista ao ressarcimento dos danos causados pela morte de seu pai.
Pensamos que a resposta a tal questão não é difícil.
A representação do menor cabe a quem estiverem legalmente atribuídas as responsabilidades parentais, no momento em que for deduzido o pedido de indemnização civil.
Com efeito e como decorre directamente da lei, a incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal (art. 124º do C. Civil). As responsabilidades parentais (exercício do poder paternal), por seu turno, incluem (além do mais) o poder de “representação” (art. 1878º, 1 do C. Civil). Deste modo, o poder de representação do menor cabe a quem for atribuída a responsabilidade parental, no momento do respectivo exercício.
Importa assim averiguar quem detinha as responsabilidades parentais na data em que foi formulado o PIC, para sabermos se o mesmo foi deduzido por quem tinha (nessa altura) legitimidade, ou seja, se quem o deduziu representava (ou não) o menor.
O despacho recorrido referiu que, quando o pedido foi formulado, a mãe do menor não tinha legitimidade para agir sozinha.
E de facto assim era. Nessa ocasião, isto é, em 26-11-2012 (como se referiu no despacho de 29-05-2013), as responsabilidades parentais (na parte que agora interessa) estavam atribuídas provisoriamente (desde 28-9-2012 – fls. 63 dos autos) em conjunto à mãe e tios paternos do menor.
Ora, se o poder de representação está incluído no âmbito do exercício das responsabilidades parentais e estas, na parte que agora interessa, estavam atribuídas em conjunto à mãe e tios paternos do menor, é evidente que a mãe não tinha poderes para, por si só, representar o menor e formular o pedido cível, na ocasião em que o fez.
Impõe-se por isso concluir que bem andou o despacho recorrido, devendo, em consequência, negar-se provimento ao recurso.
3. Decisão
Face ao exposto, os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Porto, 02/07/2014
Élia São Pedro
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