Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1155/09.4TBVRL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
FUNÇÃO JURISDICIONAL
Nº do Documento: RP201410301155/09.4TBVRL.P1
Data do Acordão: 10/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Constituem o núcleo essencial da função jurisdicional e por isso não são sindicáveis, os actos de interpretação das normas de direito e de valoração jurídica dos factos e das provas;
II - O erro de direito só constituirá fundamento de responsabilidade civil, quando, salvaguardada que esteja o antes aludido núcleo essencial da função jurisdicional, o mesmo seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária porque assente em conclusões absurdas;
III - Não constitui acto negligente grosseiro subsumível na definição acabada de descrever mas simples nulidade insanável de conhecimento oficioso, a decisão na qual o julgador e apesar do esforço sério demonstrado, não conseguiu dar cumprimento completo e cabal ao que antes havia sido determinado por um tribunal de categoria superior.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº1155/09.4TBVRL.P1
Tribunal recorrido: 3º Juízo de Vila Real
Relator: Carlos Portela (579)
Adjuntos: Des. Pedro Lima Costa
Des. José Manuel de Araújo Barros

Acordam na 3ª Secção (2ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório:
B…, residente na Rua …, n.º .., Lisboa, instaurou a presente acção declarativa de condenação com a forma de processo sumário contra o Estado Português, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 15.500,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e morais decorrentes das decisões constantes de duas sentenças proferidas no âmbito do Processo Comum Singular n.º 509/04.7TAVRL, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real.
Regularmente citado para contestar, o Réu devidamente representado pelo Digno Magistrado do Ministério Público contestou invocando a excepção peremptória da prescrição do direito de accionar relativamente aos alegados danos fundados na sentença de 5.12.2005, mais impugnando os factos alegados pelo Autor na sua petição inicial e nos quais este funda o seu pedido, concluindo assim e quanto a estes pela absolvição do pedido.
O Autor respondeu pugnando pela improcedência da excepção de prescrição.
Os autos prosseguiram os seus termos, tendo sido proferido despacho que saneou o processo relegando para decisão final o conhecimento da matéria excepcional invocada, fixou a matéria de facto assente e elaborou base instrutória com os factos ainda controvertidos.
Tal despacho não foi objecto de qualquer reclamação.
Produzida a prova tida por atinente, realizou-se a audiência de discussão e julgamento no culminar da qual se proferiu sentença na qual se julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência se absolveu o Réu do pedido contra si formulado pelo Autor.
Inconformado com o teor da mesma, dela veio recorrer o Autor, apresentando desde logo e nos termos legalmente previstos as suas alegações.
O Ministério Público em representação do Estado respondeu.
Foi proferido despacho que teve o recurso por tempestivo e legal, admitindo o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação foi emitido despacho que considerou que o recurso é o próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao seu conhecimento, cumpre apreciar e decidir o recurso em apreço.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Resulta dos autos que a presente acção foi proposta em 17.07.2009 e que a sentença recorrida foi proferida em 09.11.2013.
Assim sendo e atento o disposto nos artigos 5º, nº1 e 7º, nº1 da Lei nº41/2013 de 26 de Junho ao presente recurso devem ser aplicadas as regras processuais postas a vigorar por este último diploma legal.
Ora como é sabido, o objecto do presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório estão definidas pelo teor das conclusões vertidas pelo Autor/Apelante nas suas alegações de recurso (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do NCPC).
E é o seguinte o teor das mesmas conclusões:
1 - Por sentença do Tribunal Judicial de Vila Real decretada em 5 de Dezembro de 2005, o arguido no processo de difamação respectivo em que o Recorrente era assistente foi absolvido.
2 - O Assistente e aqui Recorrente recorreu desta sentença e o Tribunal então apelado, o Tribunal da Relação do Porto (TRP), deu razão ao Assistente e aqui Recorrente e revogou a sentença decretada, considerando-a padecer de insuficiência, contradição e de erro notório.
3 - O TRP, através de Acórdão proferido em 14 de Novembro de 2007, ordenou então ao Tribunal Judicial de Vila Real que procedesse a novo julgamento circunscrito às questões que constituíam a insuficiência, a contradição e o erro notório da sentença revogada, isto é, para apurar o tipo de dolo do arguido no processo de difamação (se dolo necessário, se dolo eventual), pois dúvidas não existiam sobre a sua culpa e sobre a sua condenação.
4 - Não obstante, por sentença proferida em 16 de Julho de 2008, o arguido foi absolvido nos exactos termos em que havia sido absolvido em 5 de Dezembro de 2005.
5 - O Assistente e aqui Recorrente recorreu desta sentença para o TRP, alegando, desde logo e antes da impugnação da apreciação da matéria de facto, a nulidade da sentença por desrespeito a uma decisão injuntiva dum Tribunal superior – o Acórdão do TRP de 14 de Novembro de 2007.
6 - Em 18 de Março de 2008, o TRP decidiu este Recurso, dando razão ao Assistente e aqui Recorrente e considerando que o Tribunal Judicial de Vila Real não acatou a decisão que lhe foi ditada pelo TRP.
7 - Neste Acórdão, o TRP concluiu que o Tribunal Judicial de Vila Real violou as regras da hierarquia funcional do sistema judicial e as regras da competência em razão da hierarquia e que essa violação, pela sua gravidade, põe em causa o fim último do processo penal e a realização da justiça.
8 - O tribunal recorrido considerou que o A. e Recorrente, devido às decisões do Tribunal Judicial de Vila Real sucessivamente revogadas, sofreu os danos e prejuízos elencados nas alíneas n) a v) da sentença.
9 - A sentença recorrida considera que a Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, só se aplica aos factos consistentes na sentença de 16 de Julho de 2008, a qual desobedeceu ao TRP, e aos danos provenientes desta sentença considerada nula com a gravidade de pôr em causa o fim último do processo penal e a realização da justiça, como diz o próprio TRP no Acórdão de 18 de Março de 2009.
10 - Quanto à sentença de 16 de Julho de 2008, no entanto, considera o tribunal recorrido que a desobediência a uma injunção directa dum tribunal superior não é uma actuação judicial que de forma evidente seja contrária à lei e à Constituição, não é desconforme ao direito e que pode aceitar-se como uma das soluções plausíveis de direito (quarto parágrafo da página 14 da sentença recorrida) e que essa desobediência é uma questão estritamente jurídico-processual, sem gravidade suficiente para integrar o conceito de erro judiciário (página 16 da sentença recorrida).
11 - É inconstitucional, por violação dos nº 1, 4 e 5 do artigo 20º, do nº 2 do artigo 202º, do artigo 203º, dos nº 2 e 3 do artigo 205º, da alínea a) do nº 1 do artigo 209º e do nº 4 do artigo 210º da Constituição da República Portuguesa (CRP), a interpretação que o tribunal recorrido fez da norma do nº 1 do artigo 13º da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, segundo a qual a violação do dever dos tribunais de comarca respeitarem e obedecerem às decisões dos tribunais superiores proferidas em vias de recurso, constante das regras de repartição das competências pelos tribunais em razão da hierarquia fixadas pelos artigos 16º e 19º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, na versão em vigor em 16 de Julho de 2008 e expresso como único limite à independência dos juízes no nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ, Lei 21/85, de 30 de Julho, na actual redacção), é uma questão meramente jurídico-processual que não constitui uma decisão judicial que determina materialmente a situação submetida ao tribunal, mesmo quando desobedece em absoluto ao comando para apreciação da matéria de facto que o tribunal superior lhe ordenou proceder, e, por isso, não é susceptível de gerar responsabilidade civil extracontratual do Estado por erro judiciário.
12 - É inconstitucional, por violação do artigo 22º da CRP, a interpretação que o tribunal recorrido fez da norma do nº 1 do artigo 13º da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, segundo a qual a violação do dever dos tribunais de respeitarem e obedecerem às decisões dos tribunais superiores proferidas em vias de recurso, constante das regras de repartição das competências pelos tribunais em razão da hierarquia fixadas pelos artigos 16º e 19º da lei 3/99, de 13 de Janeiro, na versão vigente em 16 de Julho de 2008, e expresso como único limite à independência dos juízes no nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei 21/85, de 30 de Julho, na actual redacção), não é uma decisão que de modo evidente seja contrária à Constituição ou à lei, não é desconforme ao direito e não pode deixar de se aceitar como uma solução plausível de direito, não revestindo, por isso, a gravidade suficiente para constituir uma ilicitude integradora do conceito de decisão manifestamente inconstitucional ou ilegal previsto naquele nº 1 do artigo 13º da Lei 67/2007.
13 - A desobediência por parte dum tribunal de comarca face a um acórdão dum Tribunal da Relação proferido em sede de recurso daquela decisão de primeira instância é indubitavelmente uma decisão manifestamente inconstitucional e ilegal.
14 - Essa decisão desobediente viola frontalmente os artigos 20º, nº 1, 4 e 5, 202º, nº 2, 205º, nº 2209º, nº 1, alínea a) e 210º, nº 4 da CRP, viola frontalmente os artigos 16º, 19º, nº 1 do artigo 47º e alínea a) do artigo 56º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, na versão em vigor em 16 de Julho de 2008, e, ainda, o nº 1 do artigo 4º do EMJ.
15 - A sentença de 16 de Julho de 2008 é, pois, intensamente ilícita e constitui um erro crasso, indesculpável, contrário à CRP e à lei, desconforme com o direito, inaceitável como solução jurídica plausível.
16 - Isso mesmo diz o Acórdão do TRP de 18 de Março de 2009 e o tribunal de comarca que decretou a sentença aqui recorrida transcreve-o mesmo, logo, não o ignora: “A decisão proferida, em recurso, pelo Tribunal de superior instância, confirmando, ou alterando as decisão recorrida; ordenando – se disso for o caso – a repetição total do julgamento ou a repetição apenas parcial (delimitada às questões nela definidas), vincula o Tribunal de hierarquia inferior, impendendo sobre o Juiz titular do mesmo o dever de cumprir e acatar essa decisão.
Não o fazendo – e analisada a questão, estritamente, do ponto de vista jurídico processual -, viola as regras da hierarquia funcional em que os Tribunais se estruturam e, consequentemente, as regras da competência em razão da hierarquia. Essa violação das referidas regras, pela sua gravidade, põe em causa o fim último do Processo Penal: a realização da justiça através da produção adequada à verdade material”: página 8 e 9 da sentença recorrida.
17 - Seria ilógico e absurdo o resultado jurídico e a conformação das situações factuais decorrente de decisões de primeira instância que desobedecessem às decisões dos tribunais superiores proferidas em via de recurso.
18 - A sentença de 16 de Julho de 2008 foi decretada, não apenas contra o Acórdão do TRP de 14 de Novembro de 2007, mas ainda contra a lei expressa – contra as referidas normas da CRP, contra as leis da organização judiciária e contra o EMJ.
19 - Essa decisão de 16 de Julho de 2008 é, não apenas manifestamente inconstitucional e ilegal, mas grosseiramente anti-jurídica.
20 - É, de resto, fundamento de sanção disciplinar e de censura dos juízes, atendendo ao nº 2 do artigo 216º da CRP, ao nº 1 do artigo 4º e ao artigo 82º do EMJ: é dever dos magistrados judiciais obedecerem às decisões dos tribunais superiores proferidas em via de recurso (nº 1 do artigo 4º do EMJ), sendo infracção disciplinar os factos praticados pelos magistrados judiciais, ainda que meramente culposos, com violação dos deveres profissionais (artigo 82º do EMJ).
21 - A gravidade da ilicitude perpetrada pela sentença de 16 de Julho de 2008, consistente na desobediência e no não cumprimento do Acórdão do TRP de 14 de Novembro de 2007, é, aliás, reconhecida pelo Acórdão do TRP datado de 18 de Março de 2009 e que a própria sentença ora recorrida transcreve na sua alínea m), na página 6: “Esse não cumprimento da decisão proferida em recurso põe em causa um dos princípios estruturantes do Ordenamento Jurídico do nosso Estado de Direito”.
22 - Ainda que o erro judiciário previsto no artigo 13º da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro exija uma ilicitude intensa, ela ocorreu neste caso concreto: o tribunal de comarca que decretou a sentença de 16 de Julho de 2008 desobedeceu a um comando injuntivo dum tribunal superior emanado pela via do recurso e, com isso, violou as normas constitucionais de garantia dos direitos fundamentais de acesso ao direito, ao processo equitativo e à tutela jurisdicional efectiva, violou as normas constitucionais da legalidade democrática respeitante à organização dos próprios tribunais, violou as normas legais da organização dos tribunais judiciais e violou a norma do EMJ que constitui, inclusivamente, infracção disciplinar.
23 - A sentença agora recorrida viola o disposto no artigo 13º, nº 1, da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, ao não considerar que a sentença de 16 de Julho de 2008 constitui uma decisão manifestamente inconstitucional e ilegal, uma vez que foi desobediente e incumpridora dum acórdão dum tribunal superior proferido em via de recurso e integra a ilicitude objectiva e subjectiva que significa um erro crasso, grosseiro, indesculpável, não aceitável segundo a normalidade das coisas, que provocou danos e prejuízos reconhecidamente provados.
24 - O respeito por esta norma impõe que a sentença de 16 de Julho de 2008, porque desobedeceu e não cumpriu um Acórdão dum tribunal superior proferido em via de recurso e integra a ilicitude objectiva e subjectiva que significa um erro crasso, grosseiro, indesculpável, não aceitável segundo a normalidade das coisas, que provocou danos e prejuízos reconhecidamente provados, seja considerada manifestamente inconstitucional e ilegal.
25 - Considera a sentença recorrida que o Acórdão do TRP de 18 de Março de 2009 apenas considerou a desobediência e incumprimento dum seu acórdão como uma questão estritamente jurídico-processual e não constitui um erro na apreciação da matéria de facto que, por isso, não integra o acervo das decisões substantivas susceptíveis de decidir materialmente as matérias controvertidas e de, por isso, gerar a obrigação de indemnizar.
26 - Por isso, considera a sentença recorrida que o requisito do nº 2 do artigo 13º da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, não está preenchido.
27 - O Acórdão do TRP de 18 de Março de 2009 que revogou a sentença de 16 de Julho de 2008 evidenciou os erros na matéria de direito e na apreciação da matéria de facto e fê-lo censurando a sentença de 16 de Julho de 2008 e o tribunal de comarca onde esta sentença foi decretada, afirmando a gravidade do erro.
28 - No que toca ao erro na apreciação da matéria de facto, o erro do tribunal de comarca que proferiu a sentença de 16 de Julho de 2008 é tão grosseiro e clamoroso quanto o mesmo tribunal se recusou a cumprir o Acórdão do TRP de 14 de Novembro de 2007 no que à apreciação da matéria de facto diz respeito.
29 - A nulidade da sentença de 16 de Julho de 2008 por desobediência ao Acórdão do TRP de 14 de Novembro de 2007 em virtude de aquela ter desobedecido e deixado de cumprir a apreciação da matéria de facto que lhe havia sido ordenada, não é uma mera questão processual ou de mero expediente.
30 - É, antes, uma decisão sobre a apreciação da matéria de facto consistente na total omissão de apreciar criticamente e valorativamente os factos demonstrados em tribunal conforme a delimitação e a circunscrição que lhe haviam sido ordenadas pelo TRP.
31 - Por isso, se a sentença de 16 de Julho de 2008 não fosse manifestamente inconstitucional e ilegal, como é e como foi considerada pelo Acórdão do TRP de 18 de Março de 2009, ela sempre seria injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
32 - Também por esta razão, a sentença ora recorrida viola a última parte do nº 1 do artigo 13º da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro: a sentença de 16 de Julho de 2008, porque desobedeceu ao Acórdão do TRP que lhe ordenou a produção de prova circunscrita a determinada matéria de facto, deixando de cumprir essa ordem, é uma sentença completamente injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
33 - A sentença de 16 de Julho de 2008, porque desobedeceu ao Acórdão do TRP que lhe ordenou a produção de prova circunscrita a determinada matéria de facto, deixando de cumprir essa ordem, é uma sentença completamente injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto e, por isso, subsume-se ao nº 1 do artigo 13º da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, sendo geradora da responsabilidade civil extracontratual do Estado por erro judiciário.
34 - Como se pode verificar pela alínea n) da sentença recorrida, na página 9, o Recorrente teve prejuízos com o processo que foram provados em tribunal, no montante de 1.670,64 € (mil seiscentos e setenta Euros e sessenta e quatro cêntimos).
35 - Como se pode verificar pela mesma alínea n) da sentença recorrida, o Recorrente teve ainda o prejuízo de três deslocações de ida e volta entre Lisboa/Vila-Real/Lisboa, à razão de 100 € cada deslocação num só sentido (410 km entre Lisboa e Vila Real), despendidos em combustível e portagens, perfazendo um total de 600 € (seiscentos Euros).
36 - Como se pode verificar pela alínea q) da sentença recorrida, o Recorrente sofreu o dano e o prejuízo de ter ficado sem as suas férias de Verão no ano de 2008, sendo esse prejuízo quantificado pelo valor de inferior a metade do subsídio de férias que auferia nesse ano de 2008, o qual é de 2.000 € (dois mil Euros).
37 - Como se pode verificar pelas alíneas r) a t), o Recorrente sofreu danos morais decorrentes da pena, angústia, depressão, tristeza, agonia, danos na auto-imagem e perturbação durante tempo prolongado, além da preocupação constante com o processo sucessivamente decidido contra Direito com repetido erro judiciário, danos que devem ser indemnizados pelo valor de 5.500 € (cinco mil e quinhentos Euros).
38 - Como se pode verificar pela alínea v), o Recorrente foi obrigado a deslocar-se de Luanda a Portugal para a sessão de 25 de Janeiro de 2010, o que lhe provocou um prejuízo comprovado pelo bilhete de avião constante de fls 511 e 512 do 2º Volume dos autos, o qual tem o valor de - 1252,30 USD (dólares norte-americanos), correspondentes, no câmbio oficial do Banco Central Europeu à data de 25 de Janeiro de 2010, ao montante de 890 € (oitocentos e noventa Euros).
39 - O Recorrente, deve, pois, ditada que seja a responsabilidade extracontratual do Estado por erro judiciário originada pela sentença de 16 de Julho de 2008 que desobedeceu e não cumpriu o Acórdão do TRP de 14 de Novembro de 2007 proferido em via de recurso, ser indemnizado na quantia de 10.660,64 € (Dez mil seiscentos e sessenta e quatro Euros e sessenta e quatro Cêntimos).
Assim decidindo o TRP para o qual se recorre, revogando a sentença recorrida e determinando a verificação da responsabilidade civil extracontratual do Estado por erro judiciário, com a consequente obrigação de o R. indemnizar o A. e Recorrente pelos danos e prejuízos que o tribunal recorrido considerou provados e que ascendem ao montante de 10.660,64 € (Dez mil seiscentos e sessenta e quatro Euros e sessenta e quatro Cêntimos), será feita, finalmente, inteira JUSTIÇA
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Já o Réu através do Digno Magistrado do MºPº conclui do seguinte modo as suas contra-alegações:
1 – Os Tribunais de hierarquia inferior devem obediência aos Tribunais de hierarquia superior nas decisões que estes proferem em sede de recurso, como resulta do artigo 210.º da CRP, e dos artigos 3.º, 4.º n.º 2 e 19.º n.º 1 da Lei 3/99, de 13/01, e artigo 4.º n.º 1 do EMJ (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho).
2 – Nos processos em que tal suceda, devem pois os tribunais de hierarquia inferior acatar as decisões proferidas pelos tribunais de categoria e hierarquia superior.
3 – E foi isso mesmo, que o Tribunal da Comarca de Vila Real quis fazer, e ou tentou fazer no processo crime n.º 509/04.7TAVRL, relativamente ao Acórdão do TRP, proferido no processo a 14/11/2007, quando realizou novo julgamento e proferiu nova sentença, constante de folhas 348 a 357, e datada de 16 de Julho de 2008, referindo na mesma e no final de folhas 348, que “No douto acórdão da Relação do Porto, (fls. 592 e seguintes) foi considerado existir contradição ou insuficiência quanto a matéria de facto provada relativamente a quatro questões enunciadas pelo recorrente, tendo o processo sido reenviado para novo julgamento quanto a essas questões.”
4 – E embora não tenha feito exarar na acta da audiência de julgamento quais eram as questões em causa, dúvidas não existem sobre as mesmas, pois o TRP havia-as elencado no acórdão em que ordenara o reenvio do processo “…para novo julgamento circunscrito às quatro questões acima referidas”, conforme decidido e consta a folhas 336.
5 – Na verdade, as quatro questões foram expressamente referidas nesse acórdão e, objecto de discussão no novo julgamento e de apreciação na nova sentença proferida pelo Tribunal da Comarca de Vila Real, e datada de 16 de Julho de 2008, ao incluir nela os pontos 11, 14, 15 e 16 dos factos provados, que são os únicos quatro pontos diferentes dos factos dado como provados na anterior sentença, com excepção dos factos referentes aos dados pessoais do arguido que entretanto se tinham alterado.
6 – E tanto assim é, que no acórdão de folhas 358 a 370 do TRP, que apreciou essa sentença, por via de recurso interposto pelo aqui Autor, se deixou dito a folhas 367, que “Do texto da Sentença proferida resulta evidente que se à segunda das questões é dada resposta (e, por isso, cumprida a decisão proferida em recurso), o mesmo não ocorre em relação às três restantes questões”
7 – O facto de a sentença proferida pelo Tribunal da comarca não ter respondido de forma evidente (nosso negrito) às outras três perguntas como fizera à segunda, não significa que não tenha tentado fazê-lo, pois como se disse, a nova sentença apresenta, precisamente, quatro novos factos dado como provados, relativamente à primeira proferida no processo.
8 – Na verdade, o que terá acontecido, foi que o Tribunal da Comarca de Vila Real nas respostas dadas às outras três questões suscitadas no Acórdão de 14/1172007, não foi capaz de afastar as dúvidas e as insuficiências que a primeira sentença já apresentava, não dando respostas evidentes e para além de qualquer dúvida, como aconteceu com uma.
9 – Aliás, terá sido semelhante o entendimento do TRP, no acórdão proferido em relação a essa sentença, e por isso tenha entendido que essa questão do incumprimento devia ser “ …analisada a questão, estritamente, do ponto de vista jurídico processual.”
10 – Donde resulta, a nosso ver, que o incumprimento do decidido no Acórdão do TRP, por parte do Tribunal da Comarca de Vila Real, não só não foi intencional, como não se constituiu em acto negligente grosseiro, pois resulta de forma clara que quis dar cumprimento ao decidido pelo TRP, mas não o conseguiu de forma evidente, ao ponto de ter sido invalidada a sentença e ordenado que o processo fosse reenviado para Vila Real para ser dado cabal cumprimento ao primeiro Acórdão do TRP.
11- Não tendo havido intenção de desobedecer por parte do Tribunal da Comarca de Vila Real relativamente a decisão do TRP, e pelo contrário, tenho havido trabalho objectivo que demonstra que houve uma tentativa séria de dar resposta às questões suscitadas pelo Tribunal superior, deverá concluir-se que se estará perante um erro desculpável, o qual não reveste ilicitude que proceda culpa grave do Juiz da Comarca, donde possa resultar responsabilidade civil para o Estado.
12- Ora atento o teor do artigo 13.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, só existirá responsabilidade civil do Estado por erro judiciário, quando os danos decorrentes de decisões jurisdicionais, sejam manifestamente inconstitucionais, ou ilegais, ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto, o que, como se disse, não se verificará no caso presente.
13 – Não pode deixar de se dizer que, ao contrário do que o Autor afirma, em momento algum a sentença ora em recurso, admitiu que em consequência das sentenças revogadas naquele supra indicado processo crime, o Autor tenha sofrido danos de natureza material ou moral.
14 – O que aí se diz, é substancialmente diferente, como se pode ver da sua leitura atenta, designadamente do teor da sua alínea n), onde se referem as despesas, com taxas, multas e outros que o Autor teve naquele processo crime, designadamente até ao momento da primeira sentença, em que o próprio Autor, admite, pelo menos implicitamente, que só com a sentença datada de 16 de Julho de 2008 é que se verificariam as ilegalidades e erros judiciários.
15 – Também quanto aos danos não patrimoniais invocados pelo Autor, também é substancialmente diferente o que se escreveu na sentença ora em recurso, como resulta de uma leitura das alíneas s) e t), para a qual, com a devida vénia, remetemos, sendo que nas alíneas u) e v) da decisão, não foram contabilizados quaisquer prejuízos para o Autor.
16 – Para além de tudo isto, importa referir, que desde a leitura da primeira sentença proferida no processo crime supra referido, e que ocorreu em 5 de Dezembro de 2005, ficou decidido e assente, que o aqui Autor e assistente naquele processo crime, não conhecia, nem tinha tido qualquer contacto pessoal ou conversa com o arguido daquele mesmo processo, nem se tinha deslocado a Mesão Frio, pelo que nunca poderia ter sido ele a pessoa visada pelas declarações prestadas por esse arguido no processo disciplinar em que era visada uma tia do Autor.
17 – Ora, sendo as audiências de julgamento públicas, a partir da leitura de tal decisão, ficou a ser do conhecimento público, que o Autor não tinha o comportamento que a comunicação social divulgara e, nessa medida, viu reposta a verdade e reparada a sua honra, consideração e bom nome, quer pessoal quer profissional.
18 - Tanto mais que, ficou provado, desde essa altura, que o arguido desse processo, não tivera a responsabilidade pela divulgação dos factos nos meios de comunicação social.
Pelo que a decisão de julgar improcedente a acção e, consequentemente, absolver o Estado do pedido formulado contra ele pelo Autor mostra-se correcta, não merecendo a mesma qualquer reparo ou censura.
Devendo por isso, ser mantida, indeferindo-se o recurso interposto pelo Autor, fazendo-se, desse modo, Justiça.
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Perante o acabado de expor, resulta claro que se reconduz à seguinte questão o objecto do presente recurso:
Saber se a sentença recorrida deve ser revogada no sentido de ser entendido que no caso, estão verificados os pressupostos de facto e de direito que justificam a procedência do pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais formulado pelo Autor contra o Estado Português.
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Como decorre dos autos o Tribunal “a quo” deu como provados os seguintes factos:
a) O Autor é assistente num processo-crime de difamação que corre termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real sob o número 509/04.7TAVRL, no qual deduziu acusação particular e pedido de indemnização civil contra o arguido C….
b) O julgamento teve a sua primeira sessão a 7 de Novembro de 2005 na qual o arguido prestou declarações cuja transcrição consta da certidão junta a fls. 432 a 452 dos autos.
c) Por sentença proferida no aludido processo, a 5 de Dezembro de 2005, foi o arguido absolvido do crime de que vinha acusado, bem como do pedido civil contra si deduzido, nos termos e pelos fundamentos constantes de fls. 310 a 320 que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
d) Na sequência do recurso interposto pelo Autor (aí assistente) tal decisão foi revogada por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, a 14 de Novembro de 2007, nos termos e com os fundamentos exarados a fls. 321 a 336 que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, por via do qual foi ordenada a repetição do julgamento, nele se consignando o seguinte:
“Antes do mais importa averiguar se a decisão recorrida padece dos vícios a que alude o art. 410° n.º 2 al. b) do CPP (erro notório, insuficiência e contradição) que são, aliás, de conhecimento oficioso.
Do texto da decisão recorrida, no que diz respeito à matéria de facto, constatam-se, as seguintes situações:
1) Dá-se como provado que a Directora do CDSS de Vila Real é tia do assistente, que as declarações que o arguido prestou no sobredito processo de inquérito se reportavam ao sobrinho daquela, que assistente e arguido não se conheciam e dá-se como não provado que o arguido prestou as declarações em questão referindo-se ao assistente.
Afigura-se que o tribunal a quo incorreu numa contradição.
Efectivamente, quando prestou aquelas declarações, o arguido referiu-se indubitavelmente ao assistente (que é o sobrinho da Dra. D…) ou seja referiu-se a uma pessoa concreta que sabia existir e não a uma personagem virtual (que sentido faria referir-se a alguém que não existia?).
O facto de arguido e assistente não se conhecerem é irrelevante neste contexto (pode-se difamar alguém que não se conhece e com quem nunca se contactou).
Consequentemente, é contraditório consignar que o arguido não se referiu ao assistente na sobredita circunstância (o facto de não o conhecer não implica essa Conclusão / se assim não fosse o arguido referiu-se a quem?).
2) Na matéria de facto dada como provada sob o nºs 8 e 9 relatam-se as declarações alegadamente difamatórias prestadas pelo arguido. Contudo, apesar de no item 10° se consignar a quem foram prestadas e se identificar o processo respectivo na matéria de facto em causa não se contextualizam as afirmações proferidas designadamente não se explicita que tipo de pergunta foi feita pela instrutora do processo, em que contexto e a que propósito.
Esta indagação tem relevância para melhor se aferir a conduta do arguido designadamente em relação ao visado com as declarações em questão.
Afigura-se que, neste caso, a matéria de facto peca por insuficiência.
3) Na fundamentação da decisão recorrida fez-se constar que: "De facto, provado ficou que alguém procurou o arguido e com ele manteve a conversa por este relatada no inquérito da Inspecção-Geral, da mesma forma e com a mesma segurança se tendo apurado não ter sido o assistente quem o procurou, pelo que quando o arguido relatou o ocorrido não se podia referir ao aqui assistente. Posto isto, não poderá o assistente sentir-se o visado, o ofendido, o prejudicado com as expressões proferidas pelo arguido".
Independentemente de se considerar controversa a última conclusão (mesmo sendo assim, porque razão não poderá o assistente considerar-se ofendido com o relato do arguido?) o que é certo é que nem na matéria de facto provada nem na não provada consta qualquer referência à circunstância de alguém ter procurado e com ele ter mantido a conversa em questão o que configura insuficiência, para a decisão, da matéria de facto provada (se tais factos estão provados devem ser feitos constar no local próprio e em relação a eles deve haver fundamentação / mutatis mutandis se não provados).
4) Por fim, o tribunal a quo afastou o dolo directo mas a difamação (art. 180º n.º 1 do CP) é compatível com qualquer das formas do dolo (directo, necessário ou eventual) pelo que falta averiguar se o arguido agiu, na circunstância, com dolo necessário ou eventual.
A sobredita omissão configura também insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
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Prejudicadas as demais questões suscitadas pelo recorrente.
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Nestes termos, ao abrigo do preceituado no art. 426.º nº 1 do CPP, reenvia-se o processo para novo julgamento circunscrito às quatro questões acima referidas.”
e) A nova audiência de julgamento teve cinco sessões: a primeira sessão em 24 de Abril de 2008, a segunda em 8 de Maio de 2008, a terceira em 27 de Maio seguinte, a quarta em 23 de Junho de 2008 e a leitura de sentença em 16 de Julho de 2008.
f) No dia 16 de Maio de 2008 o Autor, assistente nos autos em questão, requereu a junção aos mesmos de seis documentos cujas cópias constam de fls. 382 a 394 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
g) Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho proferido na sessão de julgamento realizada a 27 de Maio de 2008:
“Por serem totalmente irrelevantes à discussão aqui em causa, não se vendo em que tais documentos podem contribuir para a descoberta material não se admite a junção dos documentos n.º 1 a 5 (fls. 658 a 671), determinando-se o seu desentranhamento e devolução, admitindo-se apenas o documento n.º 6, sem deixar de se frisar que a conclusão do requerido quanto a esse documento é uma mera conclusão do Assistente.
Custas pelo incidente, que se fixam em 1 Ucs.”
h) Nessa mesma sessão de julgamento o arguido formulou o seguinte requerimento:
“O arguido requer a junção aos presentes autos de 2 documentos para contraprova do alegado pelo Assistente quanto aos danos que sobrevieram na sequência da notícia, que segundo diz deu origem aos presentes autos, tanto mais que na referida notícia, que foi publicada em 29.08.2003, o Assistente já tinha sido nessa data eleito para a Comissão de Protecção de Dados, em 28.07.2002.
Por fim o documento n.º 2 visa atestar o carácter do Assistente, tanto mais que encontrando-se com a inscrição suspensa na Ordem dos Advogados, desde 14.01.2004 pretendia litigar em causa própria nos próprios autos.
Pede deferimento.”
i) No que concerne a este requerimento recaiu o seguinte despacho:
“Quanto à junção requerida pelo arguido, atendendo às declarações prestadas pelo Assistente, bem como também no peticionado no pedido cível, admite-se a sua junção.
Notifique.”
j) A 9 de Junho de 2008 o Autor formulou novo requerimento no processo acima identificado requerendo a correcção do despacho referido na alínea g) nos termos constantes de fls. 100 a 102 que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
k) Tal requerimento foi indeferido por despacho proferido a 16 de Junho de 2008 e cuja cópia consta de fls. 103, tendo o assistente sido condenado em 2 UCs a titulo de custas.
l) Por sentença proferida a 16 de Julho de 2008 foi o arguido absolvido do crime de que vinha acusado, bem como do pedido civil contra si deduzido, nos termos e pelos fundamentos constantes de fls. 348 a 357 que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
m) Na sequência do recurso interposto pelo Autor (aí assistente) tal decisão foi revogada por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, a 18 de Março de 2009, nos termos e com os fundamentos exarados a fls. 358 a 370 que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, dele constando o seguinte:
“Do procedimento seguido e documentado em Acta resulta que, após a abertura da Audiência, não foi delimitado o objecto desse novo Julgamento, após o reenvio do processo, identificando-se as questões sobre as quais iria incidir a produção da prova e a discussão da causa (esse procedimento permitiria também que, se alguma dúvida se colocasse acerca da delimitação do objecto do reenvio, os sujeitos processuais pudessem reagir contra a interpretação pelo Tribunal efectuada da decisão da 2.ª Instância).
E, se tal não foi efectuado em Audiência, na Sentença as questões não surgem melhor concretizadas, pois do seu relatório apenas consta "No douto Acórdão da Relação do Porto foi considerado existir contradição ou insuficiência quanto à matéria de facto provada relativamente a quatro questões enunciadas pelo recorrente, tendo o processo sido reenviado para novo Julgamento quanto a essas questões".
Tem, pois, de se concluir que no Tribunal de 1.ª Instância não foi dado cumprimento ao decidido por este Tribunal, não sendo apreciadas e decididas as questões objecto do reenvio.
Esse não cumprimento da decisão proferida em recurso, põe em causa um dos princípios estruturantes do Ordenamento Jurídico do nosso Estado de Direito.
Concretizando:
Nos arts. 202° e 203° da nossa Constituição estabelece-se que os Tribunais são Órgãos de Soberania, independentes e apenas sujeitos à Lei.
Garantia dessa independência dos Tribunais, é a independência dos Juízes a quem compete a titularidade desses órgãos e o exercício da função jurisdicional.
Mas, sendo os Tribunais e os Juízes seus titulares independentes, não devendo obediência entre si, decorre da ordem Constitucionalmente estabelecida que os mesmos se organizam segundo uma estrutura hierarquizada, referida no art. 210° da CRP, e sendo composta por Tribunais de 1.ª Instância, 2.ª Instância (os Tribunais da Relação), e Supremo Tribunal de Justiça – órgão superior da hierarquia.
Essa hierarquização dos Tribunais Judiciais consubstancia-se no seguinte: os Tribunais de 1.ª Instância devem obediência às decisões dos Tribunais da Relação e às do Supremo Tribunal de Justiça, e os segundos às deste.
Esta independência e estrutura hierarquizada, são concretizadas na legislação ordinária:
No art. 3° da Lei 3/99, de 13/01 (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), repete-se o preceito Constitucional: "os Tribunais Judiciais são independentes e apenas estão sujeitos à Lei" (texto reproduzido no art. 4° da supra referenciada Lei 52/2008, de 28/08).
No n.º 2 do art. 4° da Lei 3/99, completa-se: "a independência dos Tribunais Judiciais é assegurada pela existência de um órgão privativo de gestão e disciplina da magistratura judicial, pela inamovibilidade e pela não sujeição a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por Tribunais Superiores" (texto reproduzido no art. 5°, n.º 2 da Lei 52/2008).
O art. 19°, n.º 1, da Lei 3/99, de 13/01 define a finalidade da estrutura hierarquizada, sob a epígrafe – competência em razão da hierarquia: "os Tribunais Judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões" (texto reproduzido' no art. 27°, n.º 1 da Lei 52/2008).
No art. 4°, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais estabelece-se: "os Magistrados Judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a Lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos Tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos Tribunais superiores".
Estas normas, conjugadas, estabelecem um sistema, padrão em qualquer Estado de Direito Democrático, nos termos do qual, a hierarquia em que os Tribunais se ordenam é uma hierarquia funcional, exprimindo uma vinculação entre esses órgãos, imprescindível para a estruturação dos recursos (as decisões dos Tribunais Superiores têm de ser acatadas pelos inferiores quando proferidas em recurso provindos destes últimos).
Temos assim que a estrutura hierarquizada dos Tribunais está indissociavelmente ligada à faculdade de impugnação das decisões judiciais, ou seja, aos Recursos: meio pelo qual se encaminha o conhecimento de questão já decidida por um Tribunal de inferior Instância (Tribunal a quo), para um Tribunal de superior Instância (Tribunal ad quem).
A decisão proferida, em recurso, pelo Tribunal de superior Instância, confirmando, ou alterando a decisão recorrida; ordenando – se disso for o caso – a repetição total do Julgamento ou a repetição apenas parcial (delimitada às questões nela definidas), vincula o Tribunal de hierarquia inferior, impendendo sobre o Juiz titular do mesmo o dever de cumprir e acatar essa decisão.
Não o fazendo – e analisada a questão, estritamente, do ponto de vista jurídico-processual –, viola as regras da hierarquia funcional em que os Tribunais se estruturam e, consequentemente, as regras da competência em razão dessa hierarquia.
Esta violação das referidas regras, pela sua gravidade, põe em causa o fim último do Processo Penal: a realização da Justiça através da produção adequada à verdade material (não obstante, no caso estarmos perante uma "bagatela penal").
Assim, no processo foi cometida uma nulidade absoluta, tipificada no art. 119°, al. e) do CPP: violação das regras de competência hierárquica do Tribunal.
A comissão dessa nulidade determina a invalidade do segundo Julgamento e da Sentença que no termo do mesmo foi proferida (a aqui sob apreciação), tendo o procedimento de regressar à fase de cumprimento do Acórdão por esta Relação proferido, efectuando-se novo Julgamento para averiguação e decisão das questões supra identificadas, sendo proferida a adequada decisão de Direito, quer quanto à matéria criminal, quer quanto ao pedido de indemnização civil.
Esta decisão prejudica a apreciação das restantes questões suscitadas, nomeadamente os invocados erros na apreciação da prova.
*
Nos termos relatados, decide-se declarar verificada a nulidade do art. 119°, al. e) do CPP – violação das regras da competência hierárquica do Tribunal e, em consequência, declarar a invalidade da Sentença recorrida e do Julgamento que a precedeu, determinando-se o envio do processo para o Tribunal da 1ª Instância, para cumprimento do Acórdão primitivamente proferido por este Tribunal, nos termos supra referidos.”
n) No processo a que se alude na alínea a) o Autor pagou custas processuais no valor de € 574,00; teve despesas com a transcrição da prova gravada no valor de € 180,00; pagou uma multa no valor de € 89,00, liquidada pela prática de acto processual fora de prazo, (no 2º dia útil, por referência ao art.º 145º do CPC); pagou honorários de Advogado no valor de € 827,64, referentes à prestação do serviço de transcrição da gravação da prova; teve despesas com os consumíveis da feitura dos recursos e peças processuais (papel, cópias, tinteiro) e deslocou-se de Lisboa a Vila Real para três sessões da segunda audiência de julgamento e com o intuito de preparar a defesa dos seus direitos e interesses.
o) O Autor decidiu estudar o caso para preparação da sua defesa e apresentar os recursos referenciados supra, visando desta forma não ter que suportar estes custos com honorários de Advogado.
p) Pela razão referida na alínea o) e no caso do primeiro recurso, o Autor prescindiu das suas férias de Natal para a preparação do mesmo.
q) Pela razão referida na alínea o) e no caso do segundo recurso, o Autor prescindiu das suas férias de Verão para a preparação do mesmo.
r) O que lhe causou transtorno e sacrifício.
s) Durante a pendência do processo que versa sobre factos que o Autor sentia como penosos, angustiantes, depressivos e degradantes da sua auto-imagem, quando confrontado com outros intervenientes, o mesmo sentiu angústia, tristeza, depressão e agonia, pelo confronto e lide com esses factos e intervenientes.
t) Nas datas em que se confronta com os factos em análise no processo e com os seus intervenientes são momentos perturbantes a que o Autor não consegue escapar e que persistiram pelo facto de o arguido no processo referido em a) ter sido absolvido nas sentenças mencionadas nas alíneas c) e l).
u) A partir de Julho de 2009 o Autor passou a deslocar-se a Angola, em desempenho profissional.
v) Na sequência da declaração de invalidade da sentença referida na alínea l) e do julgamento que a precedeu, cuja repetição foi ordenada por Acórdão do TRP de 18/03/2009, o Autor teve que se deslocar de Angola a este Tribunal para a sessão de julgamento que se realizou no dia 25 de Janeiro de 2010.
*
Não tendo sido impugnada pelo Autor/Apelante a decisão da matéria de facto antes proferida, consigna-se que continuam a ser estes os factos a considerar na decisão que aqui temos de proferir.
Ora como bem se afirma na sentença recorrida, o Autor funda o seu pedido de indemnização no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos causados no exercício da função jurisdicional.
Assim e como decorre do seu articulado inicial, estavam inicialmente em causa as sentenças proferidas, respectivamente, a 5 de Dezembro de 2005 e 16 de Julho de 2008, no âmbito do processo criminal que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real sob o número 509/04.7TAVRL, no qual o aqui Autor, na qualidade de assistente, deduziu acusação particular e pedido de indemnização civil contra o arguido C….
Atentas as datas em que foram proferidas cada uma destas duas sentenças, fácil é concluir, como aliás entendeu a Sr.ª Juiz “a quo”, ser diferente o regime legal aplicável a cada uma delas,
Na verdade aquando da prolação da primeira destas decisões (em 5 de Dezembro de 2005), vigorava o D.L. n.º48051, de 21.11.1967 o qual regulava a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública.
Diversamente, quando foi proferida a segunda delas, (a 16.07.208), já vigorava a Lei nº67/2007 de 31 de Dezembro.
Ora segundo se mostra da leitura mais atenta das suas alegações de recurso e mais concretamente se retira das conclusões nas quais o Autor/Apelante sintetiza as suas pretensões, o mesmo cinge agora o objecto do seu recurso ao que pelo Tribunal “a quo”, foi feito decorrer da última destas duas decisões.
Isto porque entendendo-se o que se entender relativamente à debatida questão da responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional no âmbito do D.L. nº48051 de 21.11.67, sempre quanto àquela teria que proceder a excepção peremptória da caducidade do direito de accionar antes invocada pelo Ré e ora Apelado.
Tudo atenta a data em que este último foi citado para os termos da presente acção e de acordo com as razões melhor descritas na sentença recorrida e às quais aqui não podemos deixar de aderir.
Importa sim apurar quais as consequências que decorrem da aplicação nos autos e mais concretamente ao decidido na sentença proferida a 16.07.2008, do regime legal previsto na Lei nº67/2007 de 31.12.
Na verdade e sendo evidente que tal diploma legal não se fez acompanhar de qualquer norma de direito transitório, resulta claro que quanto a ela devem valer as regras gerais sobre a aplicação da lei no tempo.
Deste modo e atendendo que a Lei nº67/2007 não dispõe de modo diverso, a mesma aplica-se aos factos fundamentadores da responsabilidade que produzam efeitos a partir da sua entrada em vigor (cf. o seu artº.6º e o art.º12º, nº1 do Código Civil).
Quanto à sua delimitação objectiva, cabe salientar que este novo diploma, estabelece o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa.
Com este pretendeu-se pois, consagrar em letra de lei, toda a acção funcional do Estado, com excepção dos danos decorrentes da privação da liberdade ilegal ou injustificada e da condenação penal injusta – densificado nos artigos 225º, 226 e 462º do CCP, e cujo quadro jurídico se mantém inalterado (cf. o art.º13º da Lei nº67/2007).
Isto na esteira do que já antes vinha sendo entendido por alguma da doutrina, segundo a qual se considerava directamente aplicável à responsabilidade do Estado por danos resultantes do exercício da função legislativa e jurisdicional o que decorre do disposto no art.º 22.º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual: “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.
Assim, com interesse para a situação em apreço, temos que:
Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo (art.º 202º, nº 1, CRP);
Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (art.º 202º, nº2, CRP);
Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei (art.º 203º CRP);
Os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei (art.º 216º, nº 2, CRP);
Os magistrados judiciais não podem abster-se de julgar com fundamento na falta, obscuridade ou ambiguidade da lei, ou em dúvida insanável sobre o caso em litígio, desde que este deva ser juridicamente regulado (art.º 3º, nº 2, do EMJ – Lei 21/85);
Os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores (art.º 4º, nº 1, do EMJ);
O dever de obediência à lei compreende o de respeitar os juízos de valor legais, mesmo quando se trate de resolver hipóteses não especialmente previstas (art.º 4º, nº 2, do EMJ);
Os magistrados judiciais não podem ser responsabilizados pelas suas decisões (art.º 5º, nº 1, do EMJ);
Só nos casos especialmente previstos na lei os magistrados judiciais podem ser sujeitos, em razão do exercício das suas funções, a responsabilidade civil, criminal ou disciplinar (art.º 5º, nº 2, do EMJ);
Fora dos casos em que a falta constitua crime, a responsabilidade civil apenas pode ser efectivada mediante acção de regresso do Estado contra o respectivo magistrado, com fundamento em dolo ou culpa grave (art.º 5º, nº 3, do EMJ).
Regressando à Lei nº67/2007 de 31.12, temos pois as seguintes especificidades da responsabilidade decorrente do exercício da função jurisdicional:
Regime geral (art.º12º): “Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa”.
Responsabilidade por erro judiciário (art.º 13º, nº1): Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente”.
Deste regime, resulta pois e em suma o seguinte:
Relativamente às decisões jurisdicionais, o Estado apenas é civilmente responsável pelos danos decorrentes das decisões manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos e facto, e esse pedido indemnizatório apenas poderá ocorrer após a prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, nos casos, obviamente, em que esse recurso seja legalmente admitido.
Ora na tese do Autor/Apelante, na situação dos autos estamos perante a hipótese que configura o apelidado erro de direito, o qual é como há muito vem sendo aceite, pode dizer respeito à aplicação (lei a aplicar), à interpretação (sentido da lei aplicada), ou à qualificação (dos factos).
De todo o modo, também nestes casos importa recordar o seguinte:
1º) Os actos de interpretação de normas de direito e de valoração jurídica dos factos e das provas, núcleo da função jurisdicional, são insindicáveis;
2º) O erro de direito só será fundamento de responsabilidade civil quando, salvaguardada a essência da função judicial antes referida em 1º), seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível, e de tal modo grave que transforme a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas.
Neste sentido e com particular relevo para o caso, é de considerar o que consta do Acórdão do STJ de 28.02.2012, proferido no processo nº825/06.3TVLSB.L1.S1 e publicado integralmente em dgsi.Net.
Vejamos, pois se é o que ocorre nos autos.
Sabemos que na opinião do Autor/Apelante “a decisão recorrida viola frontalmente os artigos 20º, nº1, 4 e 5, 202º, nº2, 205º, nº2, 209º, nº1, alínea a) e 210º, nº4 da CRP, viola frontalmente os artigos 16º, 19º, nº1 do artigo 47º e alínea a) do artigo 36º da Lei 3/99 de 13 de Janeiro, na versão em vigor em 16 de Julho de 2208, e ainda, o nº1 do artigo 4º do EMJ”.
Salvo sempre melhor opinião, não tem no entanto razão nestes seus argumentos.
Ora como já vimos, tudo decorre do processo crime nº509/04.7TAVRL, no qual o Autor desta acção era queixoso/assistente, sendo arguido um tal C… e onde se discutia a imputada prática por este, na pessoa do ora Autor e naquele processo assistente, de um crime de difamação.
No culminar de tal processo procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença na qual o arguido foi absolvido.
Interposto recurso pelo ora Autor, este Tribunal da Relação, entendeu por bem e ao abrigo do disposto no artigo 426º, nº1 do CPP, ordenar o reenvio do processo para novo julgamento circunscrito às quatro questões acima melhor referidas em d) dos factos provados.
Em cumprimento desta “ordem”, realizou-se então nova audiência de julgamento acabando por ser proferida a debatida sentença de 16 de Julho de 2008 na qual se absolveu de novo o arguido do crime de que vinha acusado.
Interposto novo recurso dessa sentença por parte do ora Autor, sobre a mesma recaiu novo acórdão deste Tribunal da Relação, no qual e entre o mais se considerou que no Tribunal de 1.ª Instância não foi dado cumprimento ao decidido por este Tribunal, já que não foram apreciadas e decididas as questões objecto do reenvio.
A tal propósito também não deixou de se salientar que “a decisão proferida, em recurso, pelo Tribunal de superior instância, confirmando, ou alterando a decisão recorrida; ordenando – se disso for o caso – a repetição total do julgamento ou a repetição apenas parcial (delimitada às questões nela definidas), vincula o Tribunal de hierarquia inferior, impendendo sobre o Juiz titular do mesmo o dever de cumprir e acatar essa decisão.”.
Mais se afirmou o seguinte:
“Não o fazendo – e analisada a questão, estritamente, do ponto de vista jurídico processual -, viola as regras da hierarquia funcional em que os Tribunais se estruturam e, consequentemente, as regras da competência em razão dessa hierarquia.”
A este propósito, conclui-se então da seguinte forma:
“Assim, no processo foi cometida uma nulidade absoluta, tipificada no art.º119º, al. e) do CPP: violação das regras de competência hierárquica do Tribunal”.
E mais:
“A comissão dessa nulidade determina a invalidade do segundo julgamento e da Sentença que no termo do mesmo foi proferida…
Esta decisão prejudica a apreciação das restantes questões suscitadas, nomeadamente os invocados erros na apreciação da prova.
Por fim o TRP determinou o envio do processo para o Tribunal da 1.ª Instância, para cumprimento da decisão primitivamente proferida.
Perante todos estes elementos, entendeu então nestes autos a Sr.ª Juiz “a quo” que o Tribunal da Relação do Porto, analisou a questão do incumprimento, por parte do Tribunal da Comarca de Vila Real do acórdão proferido pelo TRP, do ponto de vista estritamente jurídico processual, acabando por concluir não se estar no caso perante um erro escandaloso e crasso.
Também nós consideramos que da análise mais atenta do consignado na sentença proferida em 16 de Julho de 2008 pelo Tribunal da Comarca de Vila Real, não resulta ter havido nesta qualquer intenção de desobedecer a uma decisão do Tribunal da Relação do Porto.
Na verdade, é também nosso entendimento segundo o qual, o tribunal da comarca embora não tenha feito constar expressamente da acta da audiência de julgamento, quais as questões que cabia esclarecer e decidir naquele julgamento, acabou por tentar responder a essas mesmas questões e tê-lo-á conseguido nomeadamente e apenas no que à segunda questão colocada pelo TRP se impunha.
Pode pois dizer-se que da análise mais atenta dos elementos que constam dos presentes autos e que documentam a tramitação do processo crime nº509/04.7TAVRL, há que concluir que o Tribunal da Comarca de Vila Real tentou cumprir suficientemente o decidido pelo Acórdão do TRP de 14.11.2007 relativamente às questões melhor descritas nesta última decisão, o que inquestionavelmente acabou por não conseguir fazer de forma suficiente e cabal.
E daí que perante tal “falha”, tenha o TRP no supra citado acórdão de 18.03.2009, decidido como já vimos, ter por verificada a nulidade do Tribunal e, em consequência, declarar a invalidade da Sentença recorrida e do Julgamento que a precedeu, determinando o envio do processo para o Tribunal da 1ª Instância, para cumprimento do Acórdão primitivamente proferido pelo mesmo tribunal, nos termos e para os efeitos por si referidos.
Em suma, o que estava e está em causa na decisão em apreço é uma nulidade absoluta da previsão legal do art.º119º, alínea e) do Código de Processo Penal cujos fundamentos se encontram melhor descritos na sentença recorrida e que por isso nos dispensamos de voltar aqui a reproduzir.
A ser deste modo, bem andou pois o Tribunal “a quo” quando concluiu não se prefigurar a existência de uma decisão passível de ser integrada na previsão legal do artº13º, nº1 da Lei nº67/2007 de 31.12.
Isto tendo designadamente em conta que ao erro grosseiro se deve ligar a ideia de culpa grave, na medida em que a decisão jurisdicional posta em causa não pode deixar de reflectir uma diligência e zelo manifestamente inferiores aqueles que se encontram obrigados os juízes em razão do cargo, na óptica do art.8º, nº1 da mesma lei (neste sentido cf. Guilherme da Fonseca, A Responsabilidade Civil por Danos Decorrentes do Exercício da Função Jurisdicional (Em Especial, o Erro Judiciário), Revista Julgar, nº5, pág.51 e seguintes).
Não é pois e reitera-se, o que ocorre nos autos, onde o titular do órgão jurisdicional e de forma desculpável, apenas incorreu na nulidade insanável antes melhor identificada.
Por outro lado e perante o acabado de expor, resulta também manifesto que não está aqui verificado o pressuposto previsto nos nºs 1 e 2 do art.º9º da citada Lei nº67/2007, segundo o qual se consideram ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Assim bem se discorreu quando na decisão ora impugnada se concluiu que a falta do principal pressuposto da responsabilidade civil aquilina – a acção ou omissão ilícita – teria que conduzir como aliás conduziu, à improcedência da pretensão formulada pelo Autor.
Em suma por não ter interpretado de forma incorrecta nenhuma das normas agora invocadas pelo Autor/Apelante, nem quaisquer outras que importasse aqui considerar, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida, a qual deve por isso e sem mais ser confirmada.
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Sumário (art.º663º, nº7 do NCPC):
1.Constituem o núcleo essencial da função jurisdicional e por isso não são sindicáveis, os actos de interpretação das normas de direito e de valoração jurídica dos factos e das provas;
2.O erro de direito só constituirá fundamento de responsabilidade civil, quando, salvaguardada que esteja o antes aludido núcleo essencial da função jurisdicional, o mesmo seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária porque assente em conclusões absurdas;
3.Não constitui acto negligente grosseiro subsumível na definição acabada de descrever mas simples nulidade insanável de conhecimento oficioso, a decisão na qual o julgador e apesar do esforço sério demonstrado, não conseguiu dar cumprimento completo e cabal ao que antes havia sido determinado por um tribunal de categoria superior.
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação, e em consequência, confirma-se integralmente a sentença recorrida.
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Custas a cargo do Autor/Apelante (cf. artº527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
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Notifique.

Porto, 30 de Outubro de 2014
Carlos Portela
Pedro Lima Costa
José Manuel de Araújo Barros