Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
567/14.6T2AGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
TÍTULO JUDICIAL IMPRÓPRIO
MEIOS DE DEFESA
Nº do Documento: RP20151105567/14.6T2AGD-AP1
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Sendo a acção executiva baseada em titulo judicial impróprio, formado pala notificação efectuada e a falta de declaração do terceiro devedor, não está este impedido de deduzir, por embargos, os meios de defesa que tenha contra a pretensão executiva, incluídos os que tinha à data da penhora, relativamente à existência do direito de crédito, por não estar sujeito, no que respeita aos fundamentos dos embargos, à enunciação restritiva do direito adjectivo civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: TRPorto.
Apelação nº 567/14.6T2AGD-A.P1 - 2015.
Relator: Amaral Ferreira (962).
1º Adj.: Des. Deolinda Varão.
2º Adj.: Des. Freitas Vieira.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.

1. Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que B… instaurou contra C… e D… e que, ao abrigo do disposto no artº 777º, nº 3, do Código de Processo Civil, por ausência de resposta à notificação que lhe foi efectuada para proceder à penhora em 1/3 do salário do executado D…, prosseguiu contra “E…, S.A.”, deduziu esta embargos de executado e à penhora, alegando, em resumo, que a ausência de resposta à notificação que lhe foi efectuada se deveu a lapso administrativo, em virtude de o seu funcionário a quem estão adstritas tais funções se encontrar então a gozar licença de parentalidade, mas que, de qualquer modo, não podia proceder à penhora porque sobre o salário do executado impendia já a penhora de 1/3, no âmbito do processo nº 3544/12.8T2AGD, sendo, por isso, impenhorável nos termos do artº 738º do Código de Processo Civil, e que a penhora que incide sobre as suas contas bancárias é manifestamente desproporcional, porque apenas responderia pelo valor da prestação em falta e não pela totalidade do valor da execução.
Conclui pela procedência dos embargos, com a consequente extinção da execução no que a ela respeita, e da oposição à penhora, com o levantamento da penhora dos saldos bancários.

2. Liminarmente recebidos os embargos e a oposição à penhora e notificada para deduzir oposição, contestou a exequente que, concluindo pela improcedência dos embargos e da oposição à penhora, alega, também em resumo que, a ausência de resposta à notificação para proceder à penhora no salário do executado D…, implica o reconhecimento da existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora, sendo, por isso, irrelevante que sobre o referido vencimento incidisse penhora anterior.

3. Após prolação de despacho, que considerando ser possível conhecer do mérito da causa, ouviu as partes para se pronunciarem quanto à dispensa da realização de audiência prévia e à prolação de saneador/sentença, sobre o qual apenas se pronunciou a embargante, que disse nada ter a opor, foi proferida decisão a julgar procedentes os embargos e a declarar extinta a execução quanto à embargante, mais determinando o levantamento da penhora realizada sobre os seus bens.

4. Dela discordando, apelou a embargada/exequente que, nas respectivas alegações, formula as seguintes conclusões:
1ª: O presente recurso de apelação vem interposto da sentença proferida em 4 de Junho de 2015 que julgou procedente os embargos de executado, declarando extinta a execução movida e determinando o levantamento da penhora realizada;
2ª: Entendeu o Tribunal ad quo que não podia a executada ser responsável pelo pagamento do valor peticionado nos presentes autos, uma vez que o salário do executado é impenhorável;
3ª: A recorrente não se conforma com a douta decisão do Tribunal a quo.
4ª: Em 2 de Março de 2014, a aqui exequente instaurou acção executiva contra o executado D… e C…, indicando para o efeito como título executivo uma sentença condenatória, já transitada em julgado.
5ª: Aquando da interposição da presente acção executiva, foi indicado como bem à penhora, o salário do executado D…, auferia junto da sociedade E…, S.A., com sede na Rua …, nº …, ….-… ….
6ª: Para formalizar a respectiva penhora do vencimento do executado D…, o Oficial de Justiça, nomeado no âmbito dos presentes autos, procedeu à notificação da aqui executada E…, S.A., em 18 de Março de 2014, nos termos e para efeitos do artigo 773º do Código de Processo Civil, devendo a mesma considerar penhorado o vencimento do executado D…, até ao valor de 14.500,00€.
7ª: Ora, a executada E…, S.A., nada disse no prazo estabelecido legalmente, conforme consta dos autos e a mesma confessou na sua oposição à execução.
8ª: Nos termos do artigo 773º nº 1 do Código de Processo Civil a penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à penhora ordem do agente de execução.
9ª: Estabelecendo o nº 2 daquele artigo que “cumpre ao devedor declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução”, devendo tais declarações ser prestadas no prazo de 10 dias, perante o agente de execução, no caso de não poderem ser efectuadas no acto da notificação.
10ª: O que não ocorreu, não tendo a executada E…, S.A., no prazo legalmente estabelecido nada dito no prazo concedido para o efeito.
11ª: Pelo que, a Exequente, seguindo os legais trâmites, requereu através do seu requerimento dirigido ao Meritíssimo Juiz que ordenasse o seguimento daqueles autos contra a entidade patronal do executado, em virtude do reconhecimento da obrigação.
12ª: Sendo certo que todos os requisitos legais estavam reunidos, pois que constam dos presentes autos a notificação efectuada e a falta de declaração, tendo sido ordenado o prosseguimento dos autos contra a entidade patronal do executado.
13ª: O efeito cominatório da falta de declarações é que entende-se que a entidade reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora (vide artigo 773º, nº 4 do Código de Processo Civil).
14ª: Não sendo cumprida a obrigação pode o exequente exigir a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.
15ª: Se a oponente/executada E…, S.A. nada disse quando se efectuou a penhora, agora só tem que se queixar de si própria que não cumpriu com as respectivas obrigações legais apesar de ter sido advertida das mesmas através da notificação que lhe foi dirigida pelo Tribunal.
16ª: Não podendo, em momento a posteriori, vir alegar que a penhora nunca teria corrido os seus termos atendendo que sobre o vencimento do executado D… já decorria termos outra penhora.
17ª: Neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 1.03.2010, disponível in www.dgsi.pt, cujo sumário e texto sumariamente se transcreve: “Sumário: Quando o devedor de crédito penhorado não tiver prestado no acto de notificação da penhora declarações sobre a existência do crédito, as garantias que o acompanham, a data do vencimento e outras circunstâncias que interessam à execução, deve fazê-lo no prazo legal de cinco dias, sob cominação de se haver como reconhecida a existência da obrigação, nos termos em que o crédito foi nomeado à penhora.
18ª: No mesmo sentido se decidiu no Acórdão da Relação do Porto, de 8.11.2005, disponível in www.dgsi.pt, que: (Sumário) I- A penhora de depósitos existentes em Bancos obedece às regras fixadas para a penhora de créditos, com as especialidades dos nºs 2 e seguintes do artº 861-A do C.P.Civil. II- A instituição notificada da penhora do saldo do depósito bancário tem o dever de em 15 dias comunicar ao tribunal o saldo da conta objecto da penhora. III- O incumprimento desencadeia a sanção legal, mesmo na hipótese de o crédito ser diminuto.
19ª: A omissão de qualquer declaração, naquele prazo, implica que, por força do disposto no artigo
773º, nº 4 do Código de Processo Civil, que ele reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora.
20ª: Como se refere no Assento do STJ de 25 de Novembro de 1993, BMJ 431, pág. 25, “não se pode deixar ao arbítrio do devedor o momento em que venha prestar declarações sobre o crédito, tanto mais que se estabelece no nº 3 do artº 856º cominação para a falta de declaração, parecendo evidente que essa cominação só tem sentido desde que exista prazo para a declaração”.
21. Nesta mesma linha de orientação escreveu Lopes Cardoso, in Manual da Acção Executiva, pág. 437, “...prudente será que o devedor notificado o observe, para não incorrer na sanção correspondente à falta de oportuna prestação das declarações de que se trata...”.
22ª: Em virtude da negligência da executada E…, S.A., a Exequente não recebeu o valor do seu crédito até à presente data.
23ª: Não podendo de acordo com as normas legais supra mencionadas ficar impune o comportamento da executada E…, S.A., sob pena de ser criar um mecanismo dilatório para o não cumprimento da obrigação legal estabelecida no artigo 773º do Código de Processo Civil.
24ª: Ou seja, considerar o tribunal a quo que a executada não tinha qualquer obrigação de proceder à penhora do vencimento do executado, é beneficiar o comportamento da mesma, conferindo-lhe um prazo alargado para a apresentação da sua defesa.
25ª: Caso a executada E…, S.A. tivesse respondido à notificação que lhe foi dirigida pelo Tribunal, a exequente teria pedido o prosseguimento dos autos com a realização de outras diligências de penhora para recuperação do crédito exequendo e demais despesas.
26ª: O que não efectuou atendendo que a executada E…, S.A. nada disse no prazo que lhe foi concedido para o efeito, tendo entretanto decorrido o prazo de um ano desde a falta de declaração da executada.
27ª: Sendo que até à presente data, são desconhecidos quaisquer outros bens ao executado D….
28ª: Acresce que, face do decurso do tempo, pode, inclusive, o referido executado já ter dissipado ou desaparecido com os seus bens com o objectivo de se furtar ao cumprimento da sentença condenatória que serve de título executivo nos presentes autos.
29ª: Tendo a exequente exigido o apuramento da responsabilidade da executada, nos termos e para efeitos do artigo 773º, nº 5 do Código de Processo Civil, deveria o Tribunal ad quo ter pronunciado quanto ao pedido apresentado pela exequente, o que não ocorreu, sendo a sentença completamente omissa quanto a tal pedido apresentado pela exequente.
30ª: Por outro lado, a executada E…, S.A., limitou-se alegar que sobre o vencimento do executado D… incidia penhora anterior à da exequente.
31ª: No entanto, não foi indicado nos autos, o momento do início da penhora do vencimento do executado D… e quais os respectivos descontos que já foram efectuados à ordem do anterior processo judicial.
32ª: Tal defesa não constitui fundamento suficiente para concluir pelo limite da impenhorabilidade do vencimento do executado D….
33ª: Assim, deverá ser considerado que não tendo a executada E…, S.A., é responsável pelo pagamento do valor peticionado no âmbito dos presentes autos, ao abrigo do disposto no artigo 773º do Código de Processo Civil, ou na eventualidade de tal não ser deferido, sempre deve a mesma ser condenada nos termos do nº 5 daquela disposição legal.
34ª: Não tendo entendido e decidido conforme exposto, a sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, designadamente do artigo 773º do Código de Processo Civil.
35ª: Pelo que, no provimento do presente recurso, deve revogar-se a sentença recorrida e, em sua substituição, ser proferida outra que considere a executada E…, S.A., responsável pelo pagamento da quantia peticionada nos autos, por falta de cumprimento do estabelecido no artigo 773º do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente Recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão recorrida, com o que farão Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA!

5. Tendo a embargante/executada oferecido contra-alegações a sustentar a manutenção da decisão recorrida, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Para a decisão do recurso releva, além da emergente do antecedente relatório, que aqui se dá por reproduzida, a factualidade que a decisão recorrida teve como provada e que é a seguinte:
A) A execução a que estes autos correm por apenso foi inicialmente instaurada contra C… e D….
B) Nessa execução foi a ora opoente notificada, por carta registada com AR expedida a 18.03.2014, nos termos do artigo 773 do Código de Processo Civil, para a penhora 1/3 do vencimento do executado D….
C) Após essa notificação, a embargante nada declarou ao abrigo do nº 2 do artigo 773 do Código de Processo Civil.
D) Utilizando o silêncio como reconhecimento de dívida, prosseguiu a execução contra a ora embargante.
E) Na data referenciada em B), incidia sobre o vencimento do executado D… a penhora realizada no âmbito do processo 3544/12.8T2AGD desta Instância Central de Execução, na proporção de 1/3.

2. Perante as conclusões formuladas pela recorrente, as quais, a par das razões de direito e das questões de conhecimento oficioso, delimitam o âmbito e objecto do respectivo recurso, a questão suscitada é a de saber se a falta de declaração do terceiro devedor do crédito penhorado obsta a que, em embargos por ele deduzidos à subsequente execução contra ele movida, seja verificada a inexistência da correspondente obrigação e/ou a impossibilidade legal da efectivação do desconto no salário do executado na execução inicial.

Efectivamente, como se deixou relatado, a execução instaurada por B… contra C… e D… prosseguiu contra a embargante “E…, S.A.”, ao abrigo do disposto no artº 777º, nº 3, do Código de Processo Civil vigente (NCPC) - diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar sem outra indicação de origem -, por ausência de resposta à notificação que lhe foi efectuada para proceder à penhora de 1/3 do salário do executado D….
E tendo a decisão recorrida, face aos factos que teve como provados, mormente, como alegado pela embargante, que na data em que ocorreu a notificação já se encontrava penhorado 1/3 do salário do primitivo executado D…, julgado os embargos procedentes, contra ela se insurge a embargada, que sustenta a sua improcedência.
Adiantando solução, entendemos que a decisão não merece a censura que lhe atribui a apelante.
Vejamos porquê.

Consistindo a penhora de salários numa penhora de créditos, dispõe o artº 773º:
1. A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução.
2. Cumpre ao devedor declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução.
3. Não podendo ser efectuadas no acto da notificação, as declarações referidas no número anterior são prestadas por escrito ao agente de execução, no prazo de 10 dias.
4. Se o devedor nada disser, entende-se que reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora.
”.
Estipula, por sua vez, o artº 777º:
1. Logo que a dívida se vença, o devedor que não a haja contestado é obrigado:
a) A depositar a respectiva importância em instituição de crédito à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução sejam realizadas por oficial de justiça, da secretaria; e
b) A apresentar o documento do depósito ou a entregar a coisa devida ao agente de execução ou à secretaria, que funciona como seu depositário.

3. Não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos de execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.
4. Verificando-se, em oposição à execução, no caso do nº 4 do artº 773º, que o crédito não existia, o devedor responde pelos danos causados, nos termos gerais, liquidando-se a sua responsabilidade na própria oposição, quando o exequente faça valer na contestação o direito à indemnização.
”.
Reproduz o nº 4 do último dos citados preceitos legais a redacção do artº 860º, nº 4 do Código de Processo Civil anteriormente vigente (CPC) - preceito que foi introduzido pela reforma processual operada pelo DL 38/03, de 08/03, e mantido com as alterações constantes do DL nº 226/2008 (embora apenas aplicável aos processos iniciados após a sua entrada em vigor, ou seja em 31/3/2009 - artº 1º) -, ressalvada a remissão para o preceito relativo à ausência de declaração, que nele era feita para o nº 4 do artº 856º, mas cuja redacção era também a mesma do nº 4 do artº 773º do NCPC.
Como dá pertinentemente conta o acórdão da RL de 23/11/2011, citado na decisão recorrida e disponível em www.dgsi.pt., perante estes preceitos legais, surgiram na jurisprudência duas posições.
Uma dessas posições é no sentido de que a falta de declaração do terceiro devedor, notificado nos termos do disposto no artº 856º, nº 3 do Código de Processo Civil, implicava que se considerasse definitivamente aceite a existência do crédito, obstando a que ele viesse a contestar tal existência, tanto em sede de oposição à execução que lhe fosse movida nos termos do art° 860°, n° 3, como em sede de oposição à penhora (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ, de 24/03/2004, de 07/10/2004, e de 04/10/2007, Proc. 07B2645 (relatora Cons. Maria dos Prazeres Beleza), e deste Tribunal da Relação do Porto, de 18/11/2008, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Diversamente entende outra jurisprudência, com cuja fundamentação se concorda, como é o caso, entre outros, dos acórdãos do STJ de 4/10/2007, Proc. nº 07B2557 (relator Cons. Santos Bernardino), da RL de 12/05/2011 e o citado de 23/11/2011, e deste Tribunal de 01/03/2005, de 28/03/2001 e de 2/5/2013 (este relatado e subscrito como adjunto pelos aqui adjuntos), todos disponíveis no referido sítio da Internet.
Para tanto, nela se pondera que se está perante uma sanção imposta a quem é estranho à causa, que não conhece os exactos termos dela, pelo que é razoável entender que essa anterior redacção do artº 856º, nº 3, do CPC, teria apenas em vista estabelecer uma presunção juris tantum, como sanção para o terceiro - suposto credor do executado - que não quis aproveitar o momento próprio para declarar que a dívida não existia (....), quando notificado para proceder aos descontos no indicado funcionário, no processo executivo movido contra este.
Como se decidiu no citado acórdão deste Tribunal de 1/3/2005, confrontando esta solução com a do cominatório estabelecido nos artºs 784º e 484º do Código de Processo Civil, “Estabelece-se … uma notável distinção entre condutas e resultados, num e noutro caso, na medida em que, sem deixar de sancionar o terceiro (indicado credor do executado) por incumprimento da notificação no tempo e lugar próprio (ou seja, no prazo de dez dias a contar da notificação movida pelo exequente contra a executada), lhe concede no entanto o direito de poder emendar, em momento posterior, essa falta de colaboração, penalizando-o, no entanto, com o ónus da prova da inexistência do suposto crédito da executada (da execução primitiva) sobre ele (Executado, na qualidade de terceiro credor da Executada primitiva, inadimplente da notificação naquele processo)”.
Mais nele se escreve que esta solução, ainda que “avessa ao entendimento jurisprudencial dominante antes da actual redacção do artº 860º do CPC, (dada pelo DL nº 38/2003, de 8 de Março), já era defendida por grande parte da doutrina”, nomeadamente a citada na decisão aí recorrida, como era o caso de Teixeira de Sousa, Acção Executiva, pág. 269, Remédio Marques, A penhora e a reforma do processo civil, pág. 63, mas também o de Lebre de Freitas, O silêncio do terceiro devedor, ROA, ano 62, II, 2002, pág. 383 e ss., Paula Costa e Silva, As garantias do Executado, RFDUNL, ano IV, nº 7, 2003, pág. 200, e Januário Gomes, Penhora de direitos de crédito, Breves notas, RFDUNL, ano IV, nº 7, 2003, pág. 110.
E ainda que o artº 860º, nº 4 do CPC, na sua redacção actual (o que retira força vinculativa ao Assento do STJ de 25/11/1993, hoje com força de acórdão uniformizador de jurisprudência, porque tirado antes das alterações introduzidas ao artº 860º, nº 4, pela reforma processual civil de 1995/1996), veio no entanto a consagrar essa doutrina. Assim, o reconhecimento da dívida resultante da inacção do terceiro devedor do Executado (aqui suposta entidade patronal) nos termos do artº 856º-3 (penhora de vencimentos do executado) assenta numa presunção ilidível em sede de oposição à execução, vindo a traduzir-se na inversão do ónus da prova.
Assim, sendo a acção executiva baseada em título judicial impróprio, formado pela notificação efectuada e a falta de declaração do terceiro devedor, não está este impedido de deduzir, por embargos, os meios de defesa que tenha contra a pretensão executiva, incluídos os que tinha à data da penhora, relativamente à existência do direito de crédito, por não estar sujeito, no que respeita aos fundamentos dos embargos, à elencação restritiva do artº 814º (artº 729º do NCPC) do mesmo Código (cfr., neste sentido, José lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil, Anotado, vol. 3º, 2003, pág. 459).
Ora, resulta da factualidade apurada que quando a ora opoente foi notificada, por carta registada com AR expedida a 18.03.2014, nos termos do artigo 773º do Código de Processo Civil, para a penhora 1/3 do vencimento do executado D…, incidia sobre o vencimento desse executado a penhora realizada no âmbito do processo 3544/12.8T2AGD desta Instância Central de Execução, na proporção de 1/3, pelo que, ainda que se presumisse a existência do crédito penhorado, sempre ocorreria uma circunstância impeditiva da efectivação dos ordenados descontos, qual seja a de a mesma implicar a violação da regra da impenhorabilidade de dois terços do salário do executado, como dispõe o artº 738º, nº 1, não colhendo o argumento da embargada, de que, não tendo sido indicado nos autos, o momento do início da penhora e quais os descontos efectuados à ordem do anterior processo judicial, a defesa da embargante não constitui fundamento suficiente para concluir pelo limite da impenhorabilidade, posto que, como vem provado, à data da notificação recebida pela embargante já se mostrava penhorado 1/3 do salário.
E, tendo sido este, também o entendimento da decisão recorrida, improcede a apelação.

Apenas uma nota final sobre a pretensão da embargada, que com esse fundamento atribui à decisão recorrida o vício da nulidade por omissão de pronúncia, de que seja apurada a responsabilidade da embargante, nos termos e para os efeitos do artº 773º, nº 5, ou seja no quadro da litigância de má-fé, como, aliás, sustentou na contestação.
Concedendo-se embora sofrer a decisão recorrida do aludido vício - artº 615º, nº 1, al. d), 1ª parte -, suprindo-o, uma vez que os autos contêm todos os elementos que permitem conhecer da questão, diremos que, compulsados os autos, no confronto entre os factos alegados e os provados não se vislumbra que os mesmos sejam susceptíveis de integrar o aludido tipo de litigância, nos termos previstos no artº 542º, nº 2.
E, ainda que a embargada pretendesse aludir à indemnização a que alude o artº 777º, nº 4 - responsabilidade da embargante pelos danos causados, nos termos gerais de direito -, os factos por ela alegados são manifestamente insuficientes para concluir pela existência de prejuízos.
Na verdade, não alegou que a ausência de declaração da embargante a tenha impedido de proceder à penhora de outros bens então existentes no património do executado, mas apenas que actualmente lhe são desconhecidos outros bens e que, face ao decurso no tempo, pode (não alega que tal sucedeu) ele ter dissipado ou desaparecido com os seus bens para se furtar ao cumprimento da sentença condenatória que constitui o título executivo - cfr. os artºs 32º e 33º da contestação.
Improcedem, portanto, todas as conclusões da apelação.

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em confirmar a decisão apelada.
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Custas pela apelante.
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Porto, 5/11/2015
Amaral Ferreira
Deolinda Varão
Freitas Vieira