Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MENDES COELHO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DE PATERNIDADE AVERIGUAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULAÇÃO DE PEDIDO LEGITIMIDADE ACTIVA | ||
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Nº do Documento: | RP202306264667/22.0T8MAI.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PROCEDENTE; DECISÃO REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Ainda que apelidando a acção de “investigação da paternidade” e demandando apenas o pretenso pai, o Autor, ao formular no seu pedido que deve “ser excluída a paternidade de …(nome)…” depois de sob o artigo especifico da p.i. dizer, pelos factos que alegou anteriormente, que impugna a paternidade do pai inscrito no registo, e ao formular também nele que se declare “que o menor … (nome)… é filho de …(nome)…, com as legais consequências, e ordenando-se o averbamento de tal paternidade no assento de nascimento” depois de também alegar no corpo da p.i. factualidade nesse sentido, está, por um lado, a deduzir um pedido de impugnação da sua paternidade registada e o consequente cancelamento do respectivo registo (só assim se pode interpretar a expressão por si utilizada de “ser excluída a paternidade de ...(nome)…”), e, por outro lado, a deduzir também um pedido próprio de acção de investigação de paternidade, pois pede que a sua paternidade seja estabelecida em relação à pessoa que demanda como Réu e que é pessoa diferente da que consta no registo como seu pai. II – A cumulação daqueles dois pedidos, como é jurisprudência pacífica, é perfeitamente de admitir, pois não obstante o disposto no art. 1848º nº1 do C. Civil, a procedência do pedido de impugnação da paternidade registada ditará a ordem de cancelamento do respectivo registo e a procedência do pedido de reconhecimento da paternidade relativamente a outra pessoa ditará um registo próprio que será lavrado depois daquele cancelamento, mas nada obsta a que aquele cancelamento e este novo registo emanem de uma mesma decisão que contemple cada um daqueles pedidos. III – Figurando na acção como autor apenas o filho e como réu apenas o pretenso pai, para a acção poder prosseguir com a legitimidade processual que a lei exige (nomeadamente o litisconsórcio necessário que, de um ou de outro lado, emerge do art. 1846º nº1 do C. Civil em relação à impugnação de paternidade), há que passar a figurar na acção como autora, ao lado do autor inicial ou mesmo como ré, a mãe daquele, e há que passar também a figurar como réu a pessoa que ao tempo do nascimento do autor estava casada com a sua mãe e que figura no registo como sendo o seu pai. IV – Não podendo o juiz, por si, fazer intervir aquelas pessoas, mas podendo-o o autor (art. 316º nº1 do CPC), há que, operando o comando do nº2 do art. 6º do CPC, ter lugar convite ao autor para, em vista de assegurar a legitimidade das partes para os pedidos que formulou – nomeadamente em relação ao de impugnação da paternidade registada –, chamar à acção aquelas pessoas. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº4667/22.0T8MAI.P1 (Comarca do Porto – Juízo de Família e Menores da Maia – Juiz 2) Relator: António Mendes Coelho 1º Adjunto: Joaquim Moura 2º Adjunto: Ana Paula Amorim Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório AA, nascido a .../.../2005, propôs em 16/9/2022, ainda enquanto menor e representado pela sua mãe BB, acção declarativa comum que disse ser “para investigação da paternidade” contra CC, deduzindo a final o seguinte pedido: “Nestes termos, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, por via desta, ser excluída a paternidade de DD e declarando-se que o menor AA é filho de CC, com as legais consequências, e ordenando-se o averbamento de tal paternidade no assento de nascimento daquele”. Alegou para tal, em síntese, o seguinte: que foi registado como filho de BB e do então marido desta, DD, mas quando nasceu a sua mãe já estava separada de facto deste desde 2003 e tinha passado a viver desde essa altura em comunhão de leito e de mesa com o Réu; que nasceu na sequência das relações sexuais mantidas entre a sua mãe e o Réu nos primeiros 120 dias dos 300 que antecederam o seu nascimento. Depois da alegação circunstanciada de factualidade e considerações que entendeu pertinentes e imediatamente antes da formulação do pedido no final da petição inicial nos termos acima referidos, os artigos 27 e 28 de tal peça, que são os últimos, têm o seguinte conteúdo (transcreve-se): “27. Impugnando-se desta forma a paternidade do pai inscrito no registo de nascimento mencionado no artigo 2.º deste articulado; 28. Inscrevendo no registo civil Português e consequentes registos da União Europeia o Menor, tendo como Pai o Réu CC, e como Mãe BB;”. A 27/10/2022, pela Sra. Juíza foi proferida a seguinte decisão: “AA, representado pela sua mãe, BB, intentou a presente ação declarativa comum, que indicou como de “investigação da paternidade”, contra CC, peticionando “Ser excluída a paternidade de DD e declarando-se que o menor AA é filho de CC”. Fundamenta a sua pretensão dizendo, em síntese, que: - foi registado como filho de BB e do então marido desta, DD; - nasceu na sequência dessas relações sexuais que a BB manteve com o Réu nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do Autor. * O processo foi concluso para despacho liminar.* O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade. As partes são dotadas de personalidade e de capacidade judiciária, e estão devidamente patrocinadas. E são as legítimas atenta a ação proposta. Inexistem quaisquer outras nulidades, exceções dilatórias a apreciar. * Nesta ação, que o A. designou como “de investigação de paternidade” elegeu demandar (apenas) aquele que indica ser o seu pai biológico. E, como se disse formulou apenas o seguinte pedido “ser excluída a paternidade de DD e declarando que o menor AA é filho de CC”.O articulado do Autor não prima por clareza e inequivocidade. Ainda assim, importa considerar que, salvo certos casos limite (de ineptidão da petição inicial), se impõe um esforço de aproveitamento, em homenagem à prevalência das questões de substância sobre as de mera forma, e que passa por uma tarefa de busca do sentido realmente tido em vista, logo, por um trabalho interpretativo que permita discernir aqueles que são os objetivos inerentes a qualquer ação judicial – uma decisão de mérito que se pronuncie sobre o litígio anunciado. É às regras da interpretação dos negócios jurídicos que devemos recorrer na busca do sentido do que contenham, em geral, os articulados que, na ação, as partes produzam; prioritariamente, portanto, que o ali contido valha com o sentido que seja razoável deduzir do texto e do contexto da peça processual em questão (artigo 236º, nº 1, do Código Civil). A esta luz, o que resulta é que a petição inicial do Autor quis desencadear o que se chama de ação de estado, visando alterar a sua filiação paterna (o que tem inerentes consequências de índole registral). O A. propugnou que fosse declarado filho do Réu; aqui claramente o pedido típico da ação de investigação de paternidade. É o que, para lá de qualquer dúvida se intui do conteúdo do petitório. Peticiona também, ainda que incluído na formulação do aludido pedido, “ser excluída a paternidade de DD”. Não peticiona o A. que seja declarado que não é filho de DD nem sequer que seja ordenado o cancelamento do correspondente registo de paternidade. Por outro lado, não propôs a presente ação contra DD – que aliás arrolou como testemunha - e é representado na pressente ação pela sua mãe (que, portanto, não assume aqui a posição de parte). À impugnação de paternidade referem-se principalmente os artigos 1838º e seguintes do Código Civil. Tratar-se-ia, ao que aqui mais nos importa, de pôr em crise a paternidade presumida do Autor estabelecida em favor de DD, nos termos do artigo 1826º, nº 1, do CC. Como alegado, foi na constância do casamento de sua mãe com este (que, repita-se, não demandou como Réu), que o A. nasceu; não obstante, alegadamente, dele não ser filho. Como resulta do artigo 1839º, nº 1, do CC, tem o filho legitimidade ativa na ação; e passiva, de acordo com o artigo 1846º, nº 1, a mãe, o filho e o presumido pai, que não sejam Autores. Por outro lado, o Autor tem o ónus de alegar e provar factos dos quais o juiz possa concluir por uma manifesta improbabilidade do marido da mãe ser o pai (artigo 1839º, nº 2, do CC). À investigação de paternidade referem-se, em particular, os artigos 1869º e seguintes do Código Civil; aqui se tratando de estabelecer ou reconhecer o vínculo de filiação paterna, entre o A. e o R, já que se alegou que foi das relações sexuais mantidas entre a mãe e este, que aquele foi gerado. A legitimidade ativa pertence aqui ao filho (artigo 1869º, princípio); e a passiva ao pretenso pai (artigos 1873º e 1819º, nº 1, princípio). Ora, no caso em apreço, não só o A. interpôs a presente ação em seu nome sendo representado pela sua mãe, como não demandou o seu pai registral, como também designou a ação proposta expressamente como de “investigação de paternidade” e ainda não pede que se declare que o pai registral não é o seu pai biológico nem o cancelamento do registo de paternidade estabelecida em favor de DD. No caso dos autos, a mãe do Autor não assume a posição de parte, nem do lado ativo, nem do lado passivo, atenta a posição que assumiu nos autos, como representante do filho. E note-se que por a mãe do A. ter formulado pedido de apoio judiciário que não prima pela clareza, pois que é formulado apenas em seu nome não fazendo menção que se destina a ser proposta ação em representação e em nome do seu filho, foi convidada a esclarecer tal circunstância, tendo afirmado expressamente que a finalidade do pedido era essa. Ora, pretendendo-se propor também ação de impugnação de perfilhação na qual teria que figurar como Ré não poderia o A. ser representado pela sua mãe na presente ação, sendo certo que poderia ser representado pelo Ministério Público (art. 9º/1, al. d) do EMP). Acresce que o A. não só não demandou a sua mãe nem o seu pai registral, como arrolou este como testemunha. Assim, é manifesto que no presente processo o Autor não pretendeu coligar uma ação de impugnação de paternidade presumida com a ação de investigação de paternidade intentada. À luz do exposto, mesmo dando-se primazia à tutela das questões de mérito não há como dizer, num quadro da boa fé processual que o Autor tenha formulado qualquer pedido ajustado à impugnação da sua paternidade, merecedor de seguimento jurisdicional. Ora, estando a paternidade do Autor deferida registralmente a DD (existindo assim um registo inibitório de outro qualquer registo de paternidade), não podia o Autor fazer investigar, sem mais, a sua paternidade biológica contra o ora Réu – ac. do STJ de 12.11.2019, proc. 21768/16.7T8PRT.P1.S1. Teria previamente que obter o afastamento da paternidade registada, podendo coligar a ação de impugnação da paternidade presumida e ação de investigação de paternidade e demandando simultaneamente a sua mãe, o seu pai registral e o seu pretenso pai (artigo 36º, nº 1e nº 2, do CPC), havendo ainda a considerar que não ocorre qualquer um dos obstáculos a que se refere o artigo 37º do mesmo diploma. Dispõe o 1848º, nº 1, do Código Civil que “não é admitido o reconhecimento em contrário da filiação que conste do registo de nascimento enquanto este não for retificado, declarado nulo ou cancelado”. O referido preceito do Código Civil constitui uma concretização do princípio, tradicional na nossa ordem jurídica, que se proclama na disposição do art. 3º do Código do Registo Civil (Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume V, 1995, página 229). Do que se trata é de salvaguardar e de defender a prova privilegiada que constituem as menções exaradas nos registos, quanto a factos que a ele estejam obrigatoriamente sujeitos – e que se entendem estar em rigoroso paralelismo com a verdade dos factos (Robalo Pombo, “Código do Registo Civil anotado e comentado”, 1991, páginas 45 a 46). Dir-se-ia, portanto, de tutela da fé pública do registo e da segurança que ela tem de imprimir relativamente aos factos ou aos atos registados; e por isso é que a verdade registral prevalece e se impõe sobre a factual, ainda que se saiba desconforme com esta, enquanto esse registo não for suprimido. A precedência das ações – de impugnação da paternidade presumida do marido da mãe, primeiro, e de investigação da paternidade, depois – é assim percetível. Sem prejuízo da tramitação comum, no caso de coligação de ações, que não pretira a precedência indicada e salvaguarde a referida tutela registral. Na decorrência do já indicado, sabemos que os factos registados só podem ser judicialmente impugnados desde que seja pedido o respetivo cancelamento ou retificação (artigo 3º, nº 2, do CRC). E, na verdade, esse pedido não foi formulado pelo Autor no que concerne ao registo da sua paternidade presumida. Consequentemente, é manifesta a improcedência desta ação de investigação de paternidade. Assim sendo, conhecendo da manifesta improcedência da ação, resta indeferir liminarmente a petição inicial (art. 590º/1 do CPC). * Nestes termos e pelos fundamentos expostos, face à manifesta improcedência do pedido, indefiro liminarmente a petição inicial.* Custas pelo Autor - art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.* Versando a ação sobre o estado das pessoas, o respetivo valor é equivalente à alçada da Relação e mais (euro) 0,01, cf. decorre do disposto no art. 303/1 do Código de Processo Civil.Assim, em cumprimento do estabelecido no art. 306/1 e 2 do mesmo diploma, considerado o valor atual da alçada da Relação (art. 44/1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.08), fixa-se o valor da ação em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo). * Notifique.”De tal decisão veio o Autor interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “I. O A., decidiu demandar judicialmente o Réu, para que possa efetivamente corrigir a sua paternidade; II. Dando entrada nos presentes autos de uma ação de investigação de paternidade conforme o fundamento legal respaldado pelos artigos 1869.º e 1871 n.º 1 b) e e) do CC; III. o A., tal como aceita a douta sentença, dá azo a uma cumulação de pedidos que ora se juntou quando requer o reconhecimento da paternidade do Réu por uma via e por outra, quando pede a exclusão em sentido lato da paternidade registal de DD; IV. Desta forma não se compreende a conclusão da sentença a quo em considerar que a causa é manifestamente improcedente; V. Sem antes ter citado o R., para que o mesmo venha aos autos manifestar a sua posição na história; VI. O A., não coloca em causa a maternidade, já que a mesma se encontra devidamente e legitimamente fixadas; VII. Suportando-se na sua progenitora para o representar na presente ação, conforme o artigo 124.º do CC estabelece: “A incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela tutela, conforme se dispõe nos lugares respetivos.” VIII. Nos vários (doutos) despachos e respetivas respostas, nunca foi questionado o A., para vir aperfeiçoar a sua peça; IX. É notório que a MMª Juiz a quo, compreendeu a pretensão do A., motivo pelo qual se estranha a sua decisão de pôr termo à causa; X. Sem qualquer motivo aparente; XI. Na ação é efetivamente requerida a exclusão da paternidade do DD; XII. E por exclusão deverá entender-se impugnação, retirada do registo, e de não inclusão… XIII. Tal como se poderá ver da definição da própria palavra “Exclusão”, “Ato ou efeito de excluir ou de ser excluído” "exclusão", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/exclus%C3%A3o [consultado em 06-11-2022]. E ainda, “exclusão: 1. ato ou efeito de excluir(-se); não inclusão; 2. retirada de um conjunto; afastamento; 3. Impedimento 4. gíria académica reprovação (em exame ou prova)”; XIV. Já que, a MMª Juiz do Tribunal a quo, no seu douto despacho, percebe, esquematiza e entende, tudo quanto é pretendido pelo A., XV. Até porque, se por um lado se pede o reconhecimento e a fixação da paternidade do R., por outro ao ser reconhecida, tacitamente é cancelada e impugnada qualquer paternidade registal que exista; XVI. Neste caso, a ação apenas seria infundada (com o devido respeito), se não existisse fundamento fáctico que fizessem crer que a paternidade está devidamente estabelecida e reconhecida e aí, não seria o R., efetivamente progenitor do Menor e A., XVII. Já que a presente ação, visa a atribuição jurídica da paternidade do A., ao seu progenitor biológico aqui o R., tal como estabelece o Ac. Do STJ de 31/01/2017 ao processo 440/12.2TBBCL.G1.S1, disponível em dgsi.pt que de acordo com o sumário; “A ação de investigação de paternidade tem como escopo a atribuição jurídica da paternidade do filho ao progenitor biológico deste, pelo que o facto de onde emerge tal direito é a procriação biológica/geração, constituindo tal facto jurídico procriador (relação sexual fecundante) a respetiva causa petendi.” XVIII. Sem prescindir de toda a documentação, que foi junta e que facilmente se poderá ir de encontro ao que o mencionado acordo aborda da seguinte forma: “ Tal facto jurídico pode lograr prova, quer diretamente, enquanto prova da procriação / filiação biológica (via biológica), quer indiretamente, através do uso de alguma das presunções legais (da relação biológica) de paternidade previstas no nº 1 do artigo 1871º do Código Civil, desde que não ilididas, nos termos do nº 2 do mesmo normativo (via presuntiva), podendo tais vias ser invocadas cumulativamente (como sucede no caso dos autos). Na presente ação de investigação de paternidade, enquanto ação fundada na presunção de paternidade estabelecida na alínea a) do nº 1 do no artigo 1871º do Código Civil, à A. cabe provar os factos-base de tal presunção, em concreto, a posse de estado, a qual é integrada, conjunta e cumulativamente, por três elementos: (i) a reputação como filho pelo pretenso pai (nomen); (ii) o tratamento como filho pelo pretenso pai (tractatus); e (iii) a reputação como filho do pretenso pai pelo público (fama).” XIX. Posto isto, não compreende o A., a improcedência da ação nos moldes apresentados; XX. Já que não foi dada a oportunidade ao A., de se explicar ou aperfeiçoar a sua petição inicial; XXI. Demonstrando que a forma como montou e deu entrada da mesma é a forma correta; XXII. Tão correta, que a MMª Juiz a quo, entendeu e reduziu na sua douta sentença de cinco páginas! XXIII. Ao não pedir qualquer aperfeiçoamento da peça, viola por inerência o seu dever funcional na condução do processo; XXIV. Tal como menciona o TRP em 08/01/2018, para o processo 1676/16.2T8OAZ.P1 disponível em dgsi.pt que estabelece no seu sumário que “I - O convite ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada é, por mor do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 590º do Código de Processo Civil, uma incumbência do juiz, isto é, um seu dever funcional. II - O estrito cumprimento desse dever implica que o tribunal não pode deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado que se revele deficiente e, mais tarde (designadamente na sentença final), considerar o pedido da parte improcedente precisamente pela falta do facto que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar essa peça processual. II - A omissão desse ato devido, influindo no exame e decisão da causa, implica a nulidade da sentença nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 195º do Código de Processo Civil.” XXV. Bem como chama à colação o TRE em 24/10/2019 ao processo 153/18.1T8LGS.E1 disponível em dgsi.pt a emanar que “No âmbito dos poderes de gestão inicial, o juiz profere, sendo caso disso, despacho a providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, como se extrai do disposto nos números 2 e 4 do artigo 590º do Código de Processo Civil e como desenvolvimento do dever de gestão processual precipitado no artigo 6º do mesmo diploma.” XXVI. Incluindo neste lote, está o Ac do STJ, ao processo n.º 945/14.0T2SNT-G.L1.S1 disponível também ele em dgsi.pt de 06/06/2019 “O convite ao aperfeiçoamento de articulados, nos termos do nº 4 do art. 590º do CPC, é um dever a que o juiz está sujeito e cujo não cumprimento leva ao cometimento de nulidade processual [...]” XXVII. Tanto doutrina como jurisprudência não levantam qualquer questão nesta matéria interpretativa ao dever funcional que assiste à MMª juiz a quo e que tal foi largamente incumprido.” O Mº Pº apresentou contra-alegações de resposta, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão recorrida. Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC. Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar: a) – apurar se é de considerar que na acção estão deduzidos, em cumulação, pedido de impugnação da paternidade registada e seu cancelamento e pedido de investigação de paternidade; b) – em caso de resposta positiva àquela questão, apurar da sua consequência na tramitação dos autos. ** II – FundamentaçãoVamos ao tratamento da primeira questão enunciada. Discorda-se frontalmente da decisão recorrida quando ali se conclui, e dali se faz derivar o raciocínio que levou ao indeferimento liminar da petição inicial, que “é manifesto que no presente processo o Autor não pretendeu coligar uma ação de impugnação de paternidade presumida com a ação de investigação de paternidade intentada”. Aliás, parece-nos ser manifesto exactamente o contrário: isto é, que o Autor, ainda que apelide a acção de “investigação da paternidade” e demande apenas o pretendo pai, ao formular no seu pedido que deve “ser excluída a paternidade de DD” depois de sob o artigo 27 da mesma peça (que supra se transcreveu no relatório) dizer, pelos factos que alegou anteriormente, que impugna a paternidade do pai inscrito no registo, e ao formular também nele que se declare “que o menor AA é filho de CC, com as legais consequências, e ordenando-se o averbamento de tal paternidade no assento de nascimento” depois de também alegar no corpo da p.i. factualidade nesse sentido, está, claramente, por um lado, a deduzir um pedido de impugnação da sua paternidade registada e o consequente cancelamento do respectivo registo (só assim se pode interpretar a expressão por si utilizada e já referida de “ser excluída a paternidade de DD”), e, por outro lado, a deduzir também um pedido próprio de acção de investigação de paternidade, pois pede que a sua paternidade seja estabelecida em relação à pessoa que demanda como Réu e que é pessoa diferente da que consta no registo como seu pai. Esta interpretação da p.i. e dos pedidos nela deduzidos no sentido que ora se defende está aliás em plena consonância com a argumentação, referida na decisão recorrida, da “prevalência das questões de substância sobre as de mera forma, e que passa por uma tarefa de busca do sentido realmente tido em vista, logo, por um trabalho interpretativo que permita discernir aqueles que são os objetivos inerentes a qualquer ação judicial – uma decisão de mérito que se pronuncie sobre o litígio anunciado”, que “[é] às regras da interpretação dos negócios jurídicos que devemos recorrer na busca do sentido do que contenham, em geral, os articulados que, na ação, as partes produzam; prioritariamente, portanto, que o ali contido valha com o sentido que seja razoável deduzir do texto e do contexto da peça processual em questão (artigo 236º, nº 1, do Código Civil)” e que “[a] esta luz, o que resulta é que a petição inicial do Autor quis desencadear o que se chama de ação de estado, visando alterar a sua filiação paterna (o que tem inerentes consequências de índole registral)” [anota-se porém, por respeito ao direito autoral, que todo este texto que agora se refere e foi assumido pela Sra. Juíza como seu não é efectivamente da sua autoria, mas antes cópia de texto produzido no Acórdão da Relação de Lisboa de 3/5/2011, proferido no proc. nº3849/08.2TBOER.L1-7 e em que foi relator o Sr. Desembargador Luís Lameiras, que está disponível em www.dgsi.pt]. A cumulação daqueles dois pedidos, como é jurisprudência pacífica, é perfeitamente de admitir, pois não obstante no art. 1848º nº1 do C. Civil se preceitue que “Não é admitido o reconhecimento em contrário da filiação que conste do registo de nascimento enquanto este não for retificado, declarado nulo ou cancelado”, a procedência do pedido de impugnação da paternidade registada ditará a ordem de cancelamento do respectivo registo e a procedência do pedido de reconhecimento da paternidade relativamente a outra pessoa ditará um registo próprio que será lavrado depois daquele cancelamento mas nada obsta a que aquele cancelamento e este novo registo emanem de uma mesma decisão que contemple cada um daqueles pedidos [no sentido da possibilidade de cumulação, vide, entre outros, os Acórdãos do STJ de 16/3/2010 (proc. nº699/09.2TBOAZ.S1, relator Salazar Casanova) e de 26/11/2020 (proc. nº1303/17.0T8VCD.P2.S1, relator Tomé Gomes); o Acórdão da Relação de Lisboa de 3/5/2011 que já acima se referiu; o Acórdão desta mesma Relação do Porto de 15/2/2016 (proc. nº8135/14.6T8PRT.P1, relator Correia Pinto) e o Acórdão da Relação de Guimarães de 11/7/2012 (proc. nº 676/07.8TBPVL.G1, relator Araújo de Barros)]. Assim, conclui-se, em contrário da decisão recorrida, que na acção estão deduzidos em cumulação os pedidos que supra se referiram. Passemos agora à segunda questão enunciada. Estando presentes na acção, em cumulação, os referidos pedidos de impugnação da paternidade registada e seu cancelamento e de investigação de paternidade, e decorrendo da lei que na acção de impugnação de paternidade devem ser demandados a mãe, o filho e o presumido pai quando nela não figurem como autores (art. 1846º nº1 do C. Civil), e que na acção de investigação de paternidade deve ser demandado o pretenso pai (arts. 1873º e 1819º nº1 do C. Civil), há que, face ao facto de figurar na acção como autor apenas o filho e como réu o pretenso pai, concluir o seguinte: para a acção poder prosseguir com a legitimidade processual que a lei exige (nomeadamente o litisconsórcio necessário que, de um ou de outro lado, emerge do art. 1846º nº1 do C. Civil em relação à impugnação de paternidade), há que passar a figurar na acção como autora, ao lado do autor inicial (que entretanto fez 18 anos no dia 15 de Junho já deste ano) ou mesmo como ré, a mãe daquele por si própria, e há que passar também a figurar como réu a pessoa que ao tempo do nascimento do autor estava casada com a sua mãe e que figura no registo como sendo o seu pai (identificada na petição inicial como sendo DD). Se estas pessoas não intervierem ou não forem chamadas para figurar como partes na acção, a par de quem nela já figura, ocorrerá excepção dilatória de ilegitimidade processual. Porém, só se poderá concluir por tal excepção dilatória depois de se tentar suprir a mesma. Ora, como previsto no art. 6º nº2 do CPC, “O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo” (o sublinhado é nosso). No caso do pressuposto processual em causa o juiz não pode, por si, fazer intervir aquelas pessoas. Mas o autor pode (art. 316º nº1 do CPC). Assim, operando aquele comando do nº2 do art. 6º, competirá ter lugar convite ao autor para, em vista de assegurar a legitimidade das partes para os pedidos que formulou – nomeadamente em relação ao de impugnação da paternidade registada –, chamar à acção a sua mãe, para nela figurar como autora ou ré, e também chamar a pessoa que figura no registo como sendo o seu pai (DD) para nela figurar como réu. Em conclusão, porque na petição, e nos termos que acima se concluiu, ocorre a cumulação dos supra referidos pedidos e a legitimidade processual das partes não se mostra insuprível (art. 590º nº1 do CPC), carece de fundamento o decidido indeferimento liminar, antes devendo ter lugar, para assegurar o pressuposto processual da legitimidade das partes, convite ao autor nos termos referidos no parágrafo anterior. Como tal, há que, julgando procedente o recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a sua substituição por despacho de convite ao autor nos termos sobreditos, seguindo-se depois os ulteriores termos processuais. Não há lugar a custas, pois o recorrido que contra-alegou está delas isento (art. 4º nº1 a) do RCP). * Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):……………………… ……………………… ……………………… ** III – DecisãoPor tudo o exposto, acordando-se em julgar procedente o recurso, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se a sua substituição por despacho de convite ao autor nos termos sobreditos, seguindo-se depois os ulteriores termos processuais. Sem custas. *** Porto, 26/6/2023Mendes Coelho Joaquim Moura Ana Paula Amorim |