Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
778/18.5T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: IPATH
FATOR DE BONIFICAÇÃO DE 1
5
CÁLCULO DA PENSÃO
SUBSÍDIO POR SITUAÇÃO DE ELEVADA INCAPACIDADE PERMANENTE
Nº do Documento: RP20230417778/18.5T8AVR.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo sido fixada ao sinistrado IPATH com uma incapacidade permanente, por via da aplicação do fator de bonificação de 1,5, de 100% para o exercício de outra profissão, a pensão deve ser calculada nos termos do art. 48º, nº 3, al. a), da Lei 98/2009, isto é, como se o A. estivesse afetado de uma IPA, e não nos termos da al. b) do mesmo, isto é, com base em IPATH,
II - E o mesmo se dizendo quanto ao subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, que deve ser calculado nos termos do art. 67º, nº 2, da Lei 98/2009 e não nos termos do nº 3 desse preceito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 1778/18.5T8AVR.P1

Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1327)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas




Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

AA, instaurou contra A..., SA. – Sucursal em Portugal e B..., S.A., a presente ação declarativa de condenação, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, pedindo:
a) Que seja realizada Junta Médica para aferição da IPP atribuída ao A., tendo em conta todos os danos físicos e psicológicos sofridos com o acidente desde então e, ainda, considerar-se, na determinação do grau de incapacidade que afeta o A., o fator de bonificação de 1,5, previsto na Instrução Geral nº 5, alínea a) da Tabela Nacional de Incapacidades considerando a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual;
b) A condenação da R. Empregadora a reconhecer que o valor do RAB real do sinistrado era de €11.867,59 (salário de €557,00 x 14 meses + 4,36 x 242 de subsídio de alimentação + 748,96 de trabalho suplementar + 395,51 de horas viagem + €1.870,000 de subsídio de deslocação);
c) A condenação das RR., na proporção das respetivas responsabilidades, no pagamento de indemnização na forma de pensão anual vitalícia, tendo em conta a retribuição de €557,00 x 14 meses + 4,36 x 242 de subsídio de alimentação + 748,96 de trabalho suplementar + 395,51 de horas viagem + € 1.870,000 de subsídio de deslocação;
d) A condenação das RR. no pagamento dos montantes correspondentes ao período de baixa médica de 23.02.2017 a 15.01.2019, de acordo com o grau de incapacidade que se vier a apurar, na sua quota-parte de responsabilidade;
e) A condenação da R. Seguradora no pagamento de um subsídio de elevada incapacidade permanente, igual a 12 vezes o valor de 1.1 IAS, considerando a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, a fixar por perícia médico-legal;
f) A condenação da R. Seguradora no pagamento de um subsídio para readaptação da habitação no valor de €5.055,84;
g) A condenação da R. Seguradora no pagamento das despesas necessárias à reintegração profissional do A.;
h) A condenação da R. Seguradora no pagamento de uma prestação suplementar, mensal e desde a data da alta, para assistência a terceira pessoa, no valor de 1.1 IAS;
i) A condenação da R. Seguradora no pagamento da quantia de €9.435,10 a título de ajudas técnicas que o A. necessita atualmente e com carácter de urgência;
j) A condenação das RR., na sua quota-parte de responsabilidade, no pagamento de uma indemnização, pela IPP que o A. sofre em virtude do sinistro, considerando 66,75% de incapacidade, no valor de € 270.805,09;
k) A condenação da R. Seguradora no pagamento da quantia de €923,11 a título de despesas que o A. teve que suportar com ajudas técnicas, deslocações obrigatórias relacionadas com o processo e outras;
l) A condenação da R. Seguradora no pagamento das despesas médicas e medicamentosas que o A. tiver que vir a suportar no futuro, que resultem diretamente do acidente em causa e que sejam necessários e adequados ao estado de saúde, físico e psíquico do A., e à reparação para a vida ativa, com prestações de natureza médica e/ou cirúrgica, farmacêutica, hospitalar, ajudas técnicas e quaisquer outras, seja qual for a sua forma;
m) Tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, até integral cumprimento das obrigações das RR..
Alegou para tanto, em síntese, que no dia 27.02.2017, pelas 07h00, na localidade de ..., concelho de Aveiro, na Rua ..., sentido Sul – Norte, quando se deslocava para o local de trabalho, de ciclomotor, teve um acidente de viação, do qual lhe resultaram lesões determinantes, para além de ITA, de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), mais carecendo das prestações que reclama; auferia a retribuição anual “bruta” de €11.867,59, a qual não foi integralmente comunicada à R. Seguradora, pelo que é a empregadora responsável na medida da retribuição não transferida, correspondente a 25,4% da referida retribuição anual.

A R. Empregadora contestou, sustentando que à data do acidente, tinha transferido para a R. Empregadora a sua responsabilidade infortunística-laboral em relação ao A., com base em todas as importâncias que lhe pagou, desde que começou a laborar como seu trabalhador subordinado, em Novembro de 2016, até Fevereiro de 2017.
Concluindo pela improcedência da ação, no que a si respeita, com a consequente absolvição do pedido.

Também a R. Seguradora contestou, reconhecendo que aquando do acidente, encontrava-se em vigor contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, celebrado entre as RR., com base na retribuição anual de salário transferido de €9.930,69 [€539,00 x 14 meses (salário) + €95,92 x 11 meses (subsídio alimentação) + €180,21 x 11 meses (outros subsídios)].
Discordando do grau de incapacidade atribuído pelo Perito Médico do GML e da necessidade de auxílio de terceira pessoa em atividades da vida diária.
Aceitando pagar, na medida da sua responsabilidade, as despesas com a adaptação do automóvel do sinistrado, no valor de €705,80.
Quanto às demais “ajudas técnicas” reclamadas, já forneceu ao Sinistrado todas as que este necessita, sendo a barra de duche e o banco de duche “consumidos” com a entrega da cadeira de duche, já ocorrida.
Deu alta ao A. em 08/06/2018, considerando-o afetado de uma IPP de 60% com IPATH, tendo-lhe pago indemnização pelos períodos de ITA sofridos até à data da alta, em função do salário para si transferido, passando a partir daí a pagar-lhe pensão provisória.
Caso seja considerada uma data de alta diferente da referida, deverá ser “descontado as pensões provisórias pagas até à data da alta”, nos valores eventualmente devidos a título de incapacidades temporárias.
Concluiu considerando que a ação deve ser julgada em função da prova a produzir, requerendo a sujeição do A. a Junta Médica.

Foi proferido despacho saneador, onde se reconheceu a regularidade da instância, fixando-se os factos assentes, o objeto do litígio e os temas da prova.

Organizou-se apenso para fixação da incapacidade, onde teve lugar exame da A. por Juntas Médicas, incluindo das especialidades de Medicina Física e de Reabilitação, Urologia e Psiquiatria, tendo sido proferida decisão, no sentido de considerar que em consequência do acidente de trabalho sofrido, o A.:
a) Esteve em situação de ITA desde 28/02/2017 até 15/01/2019 (data da consolidação médico-legal das lesões);
b) Ficou a padecer de uma IPP de 100% (já com aplicação do fator de bonificação de 1,5), com IPATH, desde 16/01/2019. - cfr. fls. 48/49 do apenso “B”.

Em sede de audiência final, as partes prescindiram da produção de prova e de alegações orais, requerendo a prolação de sentença, tendo chegado a acordo quanto à matéria de facto controvertida, nos termos que constam da respetiva acta, a fls. 325 dos autos.

Foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:
“Em face de todo o exposto e na parcial procedência da acção, decide-se:
I. Declarar que em consequência do acidente de trabalho em questão, o A.:
a) Esteve em situação de ITA desde 28/02/2017 até 15/01/2019 (data da consolidação médico-legal das lesões);
b) Ficou a padecer de uma IPP de 100% (já com aplicação do factor de bonificação de 1,5), com IPATH, desde 16/01/2019.
II. Condenar a R. A..., SA. – Sucursal em Portugal, a pagar ao A.:
a) €5.706,85 (cinco mil, setecentos e seis euros e oitenta e cinco cêntimos), a título de diferencial de indemnização pelo período de ITA sofrido pelo A..
b) A pensão anual e vitalícia de €8.720,00 (oito mil, setecentos e vinte euros), da forma acima descrita e com efeitos desde 16/01/2019, actualizada para €8.781,04 (oito mil, setecentos e oitenta e um euros e quatro cêntimos), com efeitos a partir de 01/01/2020, e para €8.868,85 (oito mil, oitocentos e sessenta e oito euros e oitenta e cinco cêntimos), com efeitos a partir de 01/01/2022 - a que deverão ser deduzidos os montantes que já foram pagos entretanto pela R. Seguradora a título de pensão provisória, nos termos do art. 52º n.º 5.
c) €5.561,40 (cinco mil, quinhentos e sessenta e um euros e quarenta cêntimos), de subsídio por elevada incapacidade permanente.
d) €12.195,17 (doze mil, cento e noventa e cinco euros e dezassete cêntimos), a título de prestação suplementar para assistência de 3ª pessoa desde 16/01/2019 até Agosto de 2022 (inclusive).
e) Prestação suplementar para assistência de 3ª pessoa a partir de 01/09/2022, 14 (catorze) vezes por ano, no valor mensal de €243,76 (duzentos e quarenta e três euros e setenta e seis cêntimos), a pagar da forma acima descrita, sendo anualmente actualizável, na mesma percentagem em que o for o IAS.
f) Subsídio para readaptação da habitação, até ao limite de €5.561,40 (cinco mil, quinhentos e sessenta e um euros e quarenta cêntimos), para pagamento de despesas com as obras mencionadas no n.º 16, al. f), dos factos provados.
g) €705,80 (setecentos e cinco euros e oitenta cêntimos), a título de reembolso das despesas suportadas pelo A. com a adaptação do seu veículo automóvel.
h) €119,00 (cento e dezanove euros), a título de reembolso das despesas suportadas pelo A. com deslocações obrigatórias para exames médicos e tentativa de conciliação, no âmbito dos presentes autos.
i) Juros de mora à taxa legal (actualmente de 4%) até integral pagamento, contados desde 16/01/2019, quanto às prestações referidas nas als. a) e c); desde a data de vencimento de cada uma das mensalidades, sobre o respectivo valor, no que respeita às als. b), d) e e); desde a data da notificação à R. Seguradora das quantias despendidas com as obras, em relação à al. f); desde a citação da R. Seguradora, em 05/11/2020, no que se refere à al. g); e desde a data da notificação à R. Seguradora do montante reclamado pela sinistrado a título de despesas de transporte, em 20/01/2022 no tocante à al. h).
III. Condenar a R. A..., SA. – Sucursal em Portugal, a fornecer/assegurar ao A. As seguintes ajudas técnicas e dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais, assim como a respectiva renovação e reparação, sempre que necessário: a) Cadeira de rodas manual activa; b) “Standing frame”; c) meias de contenção; d) cadeira de duche retráctil, barra de duche e banco de duche; e) colchão de prevenção de escaras; f) estrado articulado; g) almofada para prevenção de escaras; h) e ortótese para membro inferior.
IV. Condenar a R. A..., SA. – Sucursal em Portugal, a fornecer/assegurar ao A. as seguintes prestações em espécie:
a) Acompanhamento psiquiátrico (três consultas por ano, em períodos de crise), para tratamento dos problemas psicológicos de que ficou a padecer, assim como medicação (ansiolíticos e antidepressivos) episodicamente, conforme a situação adaptativa, a aferir na altura;
b) Acompanhamento regular em consultas de ortopedia e medicina física e de reabilitação, para monitorização do seu quadro clínico, no sentido de não perder as capacidades que foi capaz de adquirir;
c) Tratamentos medicamentosos, nomeadamente analgésicos, miorrelaxantes e medicação para eventual controle da bexiga neurogénica e intestino;
d) Tratamentos periódicos de reabilitação, duas a três vezes por ano, a definir na altura, pelos serviços competentes.
e) Fornecimento ou pagamento de transporte e estada (se necessária) para comparecer aos referidos tratamentos e consultas, que obedeça às condições de comodidade impostas pela natureza das sequelas de que é portador.
V. No mais, absolver do pedido a R. A..., SA. – Sucursal em Portugal.
VI. Absolver do pedido a R. B..., S.A..
*
Custas a cargo do A. e da R. A..., SA. – Sucursal em Portugal, na proporção de 40% e 60%, respectivamente (art. 527º n.ºs 1 e 2 do actual Cód. de Processo Civil), cabendo em exclusivo à R. Seguradora suportar os encargos referentes ao pagamento de remuneração aos peritos e despesas com diligências necessárias ao diagnóstico clínico, nos termos do art. 17º n.º 8 do Regulamento das Custas Processuais.
*
Valor da acção: €183.574,50.”

Inconformada, veio a Ré Seguradora recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. A douta sentença recorrida condenou a Recorrente a pagar ao Sinistrado, entre outras, as seguintes prestações:
“ II. Condenar a R. A..., SA. – Sucursal em Portugal, a pagar ao A.:
(…)
“b) A pensão anual e vitalícia de €8.720,00 (oito mil, setecentos e vinte euros), da forma acima descrita e com efeitos desde 16/01/2019 (…)
c) €5.561,40 (cinco mil, quinhentos e sessenta e um euros e quarenta cêntimos), de subsídio por elevada incapacidade permanente. (…)”
2. O que significa dizer que as prestações infortunística foram calculadas nos termos aplicáveis a uma situação de IPA.
3. A sentença apresenta manifesta oposição entre a fundamentação e a decisão.
4. No âmbito do apenso de fixação de incapacidade, na sequência das respostas unânimes dos Senhores Peritos Médicos em sede de Junta Médica, foi em 09 de Fevereiro de 2022 proferida a seguinte decisão: “o A. ficou afectado de Incapacidade Permanente Parcial (IPP) para o trabalho de 100% [já com aplicação do factor de bonificação de 1,5, nos termos do n.º 5, al. a) das Instruções Gerais da TNI, dado que o A. não é reconvertível em relação ao posto de trabalho que ocupava], com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH)”
5. Em resultado, foi dado como provado o facto 15.
6. Daí que a decisão “Consequentemente e por força da referida bonificação, o A. atinge o máximo de IPP, pelo que as prestações reparatórias a que tem direito devem corresponder às previstas para a incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA)” seja manifesta contraditória com a respectiva fundamentação.
7. É bom de ver, com o devido respeito, que a douta decisão não tem qualquer cabimento com os elementos constantes dos autos, com os fundamentos e com a Lei, pois que o Sinistrado não se encontra em situação de IPA.
8. Esta posição seria admissível na vigência da anterior legislação infortunística, e apenas no que respeita ao subsídio de situação de elevada incapacidade, já que o Legislador, na redacção do artigo 23.º da Lei 100/97, não distinguia as incapacidades permanentes absolutas.
9. A redacção introduzida pela Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, veio sanar qualquer controvérsia.
10. Actualmente não faz sentido sufragar tal posição jurisprudencial.
11. Acresce que, a IPP de 100%, com IPATH, foi atingida através da bonificação de 1,5 prevista nas alíneas a) do n.º 5 das instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades.
12. O Sinistrado não se encontra totalmente afectado na sua capacidade funcional, dispondo de uma capacidade restante de 33,25%.
13. O Sinistrado ainda é capaz de desempenhar outro trabalho/tarefa que seja compatível com a sua capacidade residual.
14. Razão pela qual não poderá o mesmo receber as prestações devidas a uma pessoa em que a capacidade funcional restante é de 0%.
15. Assim, em conformidade com a fundamentação e com a Lei, deveria o Tribunal a quo ter condenado a Recorrente ao pagamento de uma pensão anual e vitalícia ao abrigo da al. b) do n.º 3 do artigo 48.º da LAT, e do subsídio por situação de elevada incapacidade permanente nos termos do n.º 3 do artigo 67.º da LAT.
16. A douta sentença recorrida é nula nos temos da al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, impondo-se o suprimento do vício ou a sua revogação.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, ASSIM SE FARÁ INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!
Foram violados os seguintes preceitos legais:
Artigos 48.º e 67.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.”

O A/Recorrido contra-alegou, pugnando pelo não provimento do recurso [não formulou conclusões].

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer referindo o seguinte:
“2. Está em causa o cálculo da pensão devida ao sinistrado com uma IPP de 66,75%, com IPATH, que depois de ser aplicado o factor 1,5 atinge 100%.
Salvo sempre melhor opinião o cálculo da pensão, não assiste razão à Recorrente.
A Recorrente não questiona a aplicação do factor 1,5, neste caso.
Assim, por efeito da aplicação deste factor, a IPP atinge 100%.
Aceitando a posição da Recorrente, esta inutilizava os benefícios da aplicação deste factor. A pensão seria calculada como se tal não tivesse sido aplicado. Ou seja, era aplicado, mas na prática a pensão era calculada tomando em conta apenas a IPP de 66,75% com a capacidade sobrante de 33,25%, e a IPATH.
Entende-se que sendo aplicado este factor de bonificação de 1,5 sobre o grau de IPP, então deverá ser tomado em conta para efeitos de cálculo da pensão.
E, assim, entende-se que não merece censura a douta sentença em recurso.
*
3. Termos em que, se emite parecer no sentido de, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, ser confirmada a douta sentença recorrida, improcedendo o recurso.”, parecer sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
Assim, são as seguintes as questões a apreciar:
- Da nulidade de sentença;
- Do modo de cálculo da pensão e do subsídio de elevada incapacidade permanente.
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III. Fundamentação de facto

É a seguinte a decisão da matéria constante da sentença recorrida:
“Provados estão os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
1. O A. nasceu no dia .../.../1996.
2. A R. B..., S.A. (R. Empregadora) é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social, designadamente, a construção civil, montagens técnicas, construções metalomecânicas e reparações industriais no âmbito mecânico e eléctrico e a fabricação de estruturas de construções metálicas.
3. Entre 22 de Agosto de 2016 e 20 de Novembro de 2016, o A. integrou os quadros de pessoal de “C..., Ld.ª”.
4. Em 22 de Agosto de 2016, a R. Empregadora celebrou com a C..., Ld.ª um Contrato de Utilização de Trabalho Temporário, a termo incerto, mediante o qual o A., como trabalhador temporário da C..., Ld.ª, passou a desempenhar para a R. Empregadora funções correspondentes à categoria profissional de “trabalhador de Apoio Industrial”.
5. Tal situação manteve-se até 15 de Novembro de 2016, data em que o A. celebrou com a R. Empregadora contrato de trabalho a termo incerto, com início reportado a 21 de Novembro de 2016, passando a partir daí a prestar trabalho à R. Empregadora, enquanto seu trabalhador subordinado, no âmbito de organização e autoridade desta.
6. No dia 27/02/2017, pelas 07h00, na localidade de ..., concelho de Aveiro, na Rua ..., sentido Sul/Norte, quando o A. se deslocava de casa para o local de trabalho na R. Empregadora, tripulando o ciclomotor com a matrícula ..-JJ-.., despistou-se e embateu noutro veículo.
7. Na referida data, o A. era trabalhador subordinado da R. Empregadora, auferindo como contrapartida do seu trabalho a retribuição anual ilíquida de €10.900,00, assim discriminada: €557,00 de retribuição base mensal x 14; mais € 95,92 por mês x 11 meses, de subsídio de alimentação; mais €186,08 x 11 de outras retribuições.
8. Nessa mesma data, a R. Empregadora tinha a responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a R. “A..., SA.” (R. Seguradora), através de contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º ...06, com base na retribuição anual ilíquida de €10.900,00.
9. Na sequência do referido acidente, o A. foi transportado para o Centro Hospitalar 1 ... – Hospital 1... e daí transferido de urgência, no mesmo dia, para o Centro Hospitalar e Universitário 2..., onde ficou internado nos cuidados intensivos, tendo sido sujeito a intervenções cirúrgicas à perna direita e à coluna.
10. Posteriormente, em 10/04/2017, o A. foi transferido para o Serviço de Ortopedia do Hospital 1..., onde esteve internado até 08/05/2017, data em que foi transferido para o Centro de Reabilitação ..., onde permaneceu até 05/01/2018, com vista à sua recuperação funcional.
11. A partir daí, o A. continuou o tratamento em regime ambulatório, frequentando consultas e tratamentos de medicina física e de reabilitação numa clínica da área da sua residência, bem como consultas de urologia no Centro de Reabilitação ..., consultas de psiquiatria no Hospital 1... e consultas de neurocirurgia no Centro Hospitalar e Universitário 2....
12. Em consequência do descrito acidente, o A. sofreu as seguintes lesões: fractura tipo burst de L1, com paraplegia imediata; fractura da diáfise do fémur direito; fractura dos ossos da perna à direita; fractura da omoplata direita; fractura de arcos costais à esquerda com hemopneumotórax; e traumatismo crânio-encefálico, com perda de conhecimento.
13. Em resultado dessas lesões, o A. esteve em situação de ITA desde 28/02/2017 até 15/01/2019 (data da consolidação médico-legal das lesões).
14. Em consequência das lesões derivadas do acidente, o A. ficou a padecer das seguintes sequelas: Paraplegia, bexiga neurogénica, disfunção eréctil, alteração dos esfíncteres, cicatrizes cirúrgicas e alterações psiquiátricas que afectam a sua capacidade para o trabalho.
15. Tais sequelas determinam ao A. uma IPP de 100% (já com aplicação do factor de bonificação de 1,5), com IPATH, desde 16/01/2019.
16. Em consequência do acidente sofrido, o A. carece:
a) De acompanhamento psiquiátrico (três consultas por ano, em períodos de crise), para tratamento dos problemas psicológicos de que ficou a padecer, assim como medicação (ansiolíticos e antidepressivos) episodicamente, conforme a situação adaptativa, a aferir na altura.
b) De acompanhamento regular em consultas de ortopedia e medicina física e de reabilitação, para monitorização do seu quadro clínico, no sentido de não perder as capacidades que foi capaz de adquirir.
c) De tratamentos medicamentosos, nomeadamente analgésicos, miorrelaxantes e medicação para eventual controle da bexiga neurogénica e intestino.
d) De tratamentos periódicos de reabilitação, duas a três vezes por ano, a definir na altura, pelos serviços competentes.
e) De ajudas técnicas, nomeadamente cadeira de rodas manual activa; “Standing frame”; meias de contenção, sempre que necessário; carro adaptado; cadeira de duche retráctil, barra de duche e banco de duche; colchão de prevenção de escaras; estrado articulado; almofada para prevenção de escaras; e ortótese para membro inferior.
f) De obras de reabilitação da habitação, nomeadamente de adaptação do chuveiro e do acesso ao chuveiro; barras laterais para acesso à sanita; comando eléctrico do portão de acesso à garagem; substituição do lavatório por outro que permita uma aproximação/abordagem frontal, com 80 cm de altura e 50 cm de profundidade, medida a partir do bordo frontal; e boleamento da aresta de focinho do desnível de acesso à porta de casa, com inclinação até 50%.
g) De ajuda de terceira pessoa (nomeadamente para confeccionar as refeições, limpeza da habitação, para se vestir/despir e para a higiene pessoal), durante 4 (quatro) horas por dia.
17. Em consequência do acidente em questão, o A. suportou despesas com a adaptação do veículo automóvel, no valor de €705,80.
18. O A. suportou despesas com deslocações obrigatórias para exames médicos e tentativa de conciliação, no âmbito do presente processo, no valor global de €119,00.
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, de entre os alegados na petição inicial e contestações.”
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IV. Fundamentação de Direito

1. Da 1ª questão
Nulidade de sentença

Invoca a Recorrente a nulidade de sentença prevista no art. 615º, nº 1, al. c), do CPC, por alegada por contradição entre os fundamentos e a decisão, para tanto alegando que: “4. No âmbito do apenso de fixação de incapacidade, na sequência das respostas unânimes dos Senhores Peritos Médicos em sede de Junta Médica, foi em 09 de Fevereiro de 2022 proferida a seguinte decisão: “o A. ficou afectado de Incapacidade Permanente Parcial (IPP) para o trabalho de 100% [já com aplicação do factor de bonificação de 1,5, nos termos do n.º 5, al. a) das Instruções Gerais da TNI, dado que o A. não é reconvertível em relação ao posto de trabalho que ocupava], com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH)” 5. Em resultado, foi dado como provado o facto 15. 6. Daí que a decisão “Consequentemente e por força da referida bonificação, o A. atinge o máximo de IPP, pelo que as prestações reparatórias a que tem direito devem corresponder às previstas para a incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA)” seja manifesta contraditória com a respectiva fundamentação. 7. É bom de ver, com o devido respeito, que a douta decisão não tem qualquer cabimento com os elementos constantes dos autos, com os fundamentos e com a Lei, pois que o Sinistrado não se encontra em situação de IPA.”.

1.1. Dispõe art. 615º, nº 1 al. c), do CPC/2013 que é nula a sentença quando: “c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”
A nulidade invocada – oposição entre os fundamentos e a decisão - reporta-se a uma contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Ou, por outras palavras, quando existe uma quebra no raciocínio lógico, não retirando o juiz, das premissas de que parte, a conclusão lógica que se imporia no silogismo judiciário.
De referir que o mencionado vício gerador de nulidade de sentença - contradição entre os fundamentos e a decisão- não se confunde com eventual erro de julgamento, seja na decisão da matéria de facto (erro de facto), seja na aplicação do direito aos factos (erro de direito), em que o juiz, com base em determinada prova [ou falta dela] decide erradamente sobre determinado de facto e/ou em que, com base em determinada factualidade ou falta dela decide erradamente no sentido que juridicamente considera ser o correspondente ao direito aplicável.

1.2. No caso, aos 09.02.2022 foi proferida, no apenso de fixação da incapacidade, a seguinte decisão:
“(…)
II – Tendo em conta o resultado dos exames efectuados pelo Gabinete Médico Legal e Forense do Baixo Vouga (GMLFBV) na fase conciliatória do processo (cfr. fls. 96 dos autos principais) e posteriormente, pela Junta Médica (cfr. sobretudo o auto de fls. 45 deste apenso), nomeadamente as considerações e conclusões aí unanimemente expressas pelos Exm.ºs Peritos que neles intervieram, que se afiguram correctas no seu enquadramento, face à Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23/10 e ajustadas aos elementos constantes do processo, nomeadamente à natureza e gravidade das sequelas, é de concluir que em consequência do acidente em causa, o A. ficou afectado de Incapacidade Permanente Parcial (IPP) para o trabalho de 100% [já com aplicação do factor de bonificação de 1,5, nos termos do n.º 5, al. a) das Instruções Gerais da TNI, dado que o A. não é reconvertível em relação ao posto de trabalho que ocupava], com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH), a partir do dia seguinte ao da consolidação médico-legal das lesões - que ocorreu em 15/01/2019, de acordo com o entendimento nesse sentido manifestado quer pelo Exm.º Perito Médico do GMLFBV, quer pela Junta Médica.
E com base no parecer do Exm.º Perito Médico do GMLFBV, é de considerar que o A. esteve em situação de incapacidade temporária absoluta para o trabalho (ITA) desde 28/02/2017 até 15/01/2019.
III - Em face do que se declara que, em consequência do acidente em apreço, o A.:
a) Esteve em situação de ITA desde 28/02/2017 até 15/01/2019 (data da consolidação médico-legal das lesões);
b) Ficou a padecer de uma IPP de 100% (já com aplicação do factor de bonificação de 1,5), com IPATH, desde 16/01/2019.”
E na sentença ora recorrida foi referido o seguinte:
(…)
Sofrendo por via disso as lesões descritas no n.º 12 dos factos provados, que lhe causaram ITA de 28/02/2017 a 15/01/2019 (inclusive), ficando a partir daí a padecer de sequelas (mencionadas no n.º 14 dos factos provados) que lhe determinam uma IPP de 100% (com aplicação do factor de bonificação de 1,5), com IPATH.
(…)
No que respeita às incapacidades permanentes, de acordo com o art. 48º n.º 3, «Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações:
a) Por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho - pensão anual e vitalícia igual a 80% da retribuição, acrescida de 10% desta por cada pessoa a cargo, até ao limite da retribuição;
b) Por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual - pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Por incapacidade permanente parcial - pensão anual e vitalícia correspondente a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho ou capital de remição da pensão nos termos previstos no artigo 75.º; (…)».
(…)
Conforme foi entendido pelas Juntas Médicas realizadas, o A. ficou a padecer, em consequência do acidente de trabalho sofrido, de sequelas determinantes de uma IPP de 66,75%, com IPATH, passando a IPP a 100%, por aplicação do factor de bonificação de 1,5, previsto no n.º 5, al. a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23/10, em virtude do A. não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho.
Consequentemente e por força da referida bonificação, o A. atinge o máximo de IPP, pelo que as prestações reparatórias a que tem direito devem corresponder às previstas para a incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA) 6.
6 Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/03/2017, proferido no processo n.º 298/14.7TTFAR.E1 e disponível em http://www.dgsi.jtre.pt e o aí citado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/01/2014, proferido no processo n.º 3145/08.5TTLSB.L1 e disponível na Colectânea de Jurisprudência, ano 2014, tomo I, pág. 163.
O que significa que o A. tem direito a receber, desde 16/01/2019 (dia seguinte ao da consolidação médico-legal das lesões), uma pensão anual e vitalícia no valor de €8.720,00 (€10.900,00 x 80%), visto não estar demonstrado ter a seu cargo pessoa nas condições referenciadas nos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 49º.
Tem também o A. direito:
- A subsídio por elevada incapacidade permanente, calculado com base em IPA, à semelhança da pensão, em conformidade com o disposto no art. 67º n.º 2 7, correspondendo a 12 vezes o valor de 1,1 do Indexante dos Apoios Sociais (IAS) em vigor no ano em que ocorreu o acidente (2017) 8, no valor de €5.561,409,
7 Vd. nesse sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/04/2021, proferido no processo n.º 8807/17.3T8LSB.L1-4 e disponível em http://www.dgsi.jtrl.pt.
8 Que foi de €421,32, de acordo com a Portaria n.º 4/2017, de 3 de Janeiro.
9 €463,45 (1,1 do IAS) x 12 = €5.561,40.
(…)
Ora, do transcrito, resulta bem evidente que não ocorre qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão. O que o Mmº Juiz entendeu é que, por via da atribuição do fator de bonificação de 1,5, a incapacidade permanente do A. foi fixada em 100% (para o exercício de outra profissão, sendo que o A. ficou afetado de IPATH) e que, por essa razão, a pensão deve ser calculada como se tivesse o mesmo uma IPA.
Não há pois qualquer contradição, qualquer quebra do raciocínio lógico entre as premissas e a conclusão. O que se verifica é que a Recorrente discorda de tal entendimento, sendo que o que poderia ocorrer seria eventual erro de julgamento, mas não a invocada nulidade de sentença.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.

2. Da 2ª questão
Do modo de cálculo da pensão e do subsídio de elevada incapacidade permanente

Já acima deixámos consignado o excerto da sentença com relevância para a questão ora em apreço, da qual resulta que o Mmº Juiz, tendo em conta que, tendo sido fixada a IPP de 100% (para o exercício de outra profissão, sendo que o A. ficou afetado de IPATH) ainda que por via da aplicação do fator de bonificação, a pensão deve ser calculada nos termos do art. 48º, nº 3, al. a), da LAT (Lei 98/2009) isto é, como se o A. estivesse afetado de uma IPA (incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho), e não nos termos da al. b) do mesmo, isto é, com base em IPATH, entendimento este de que a Recorrente discorda pelas razões que invoca.
Como bem sintetiza o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto no seu douto parecer “Está em causa o cálculo da pensão devida ao sinistrado com uma IPP de 66,75%, com IPATH, que depois de ser aplicado o factor 1,5 atinge 100%.”.
Concorda-se com a sentença recorrida, que está em consonância também com os Acórdãos da Relação de Lisboa de 29.01.2014, que se encontra publicado na Coletânea de Jurisprudência, 2014, Tomo I, pág. 163 a 166, e da Relação de Évora de 30.03.2017, Proc. 298/14.7TTFAR.E1, este in www.dgsi.pt, não se vendo razão para discordar de tal entendimento.
No mencionado Acórdão da Relação de Lisboa, a que era aplicável a Lei 100/97 e em que estava em causa uma IPP de 75% e a que veio a ser aplicado o fator de bonificação de 1,5, donde resultou uma incapacidade permanente de 100%, referiu-se que “E assim sendo, tem aplicação o disposto no art. 17º nº 1 al. a) da LAT, nos termos do qual (….)”.
E, no mencionado Acórdão da Relação de Évora referiu-se que “Nesta conformidade, e considerando que o Autor se encontrava afectado da IPP de 84%, face à referida bonificação atinge a totalidade de IPP, ou seja, encontra-se afectado de 100%, o que equivale a uma incapacidade permanente absoluta (IPA), pelo que terão que se calcular as prestações pela reparação do acidente nesta base (neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-01-2014, Proc. n.º 3145/08.5TTLSB.L1, disponível em CJ, ano 2014, tomo I, pág. 163).
Ainda que por via da aplicação do fator de bonificação previsto no nº 5, a. a), das Instruções Gerais da TNI, certo é que a incapacidade permanente do sinistrado passa a ser de 100%, e passa a sê-lo para todos os efeitos, sob pena de se negar ou coartar os efeitos plenos dessa incapacidade e sendo que, nem o art. 48º, nº 3, al. a), da LAT, nem a mencionada Instrução, restringem o seu campo de aplicação às situações de que resulte uma IPA mas sem atribuição do fator de bonificação. O citado art. 48º, nº 3, al. a), reporta-se às situações de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, sendo que a esta se subsumem as situações de incapacidade permanente de 100% e nesta se enquadrando, também, as situações em que, ainda que por via da atribuição do fator de bonificação, a incapacidade redunde numa incapacidade permanente de 100%. A Lei, ao prever a atribuição do fator de bonificação, fá-lo por entender que, verificando-se as condições da sua atribuição, se justifica atribuir tal fator, equiparando a situação incapacitante do sinistrado que resulta dessa atribuição àquelas de que resultaria essa mesma incapacidade mas sem atribuição de tal fator, salientando-se que a Lei não distingue os efeitos para que deva, ou não, valer a atribuição desse fator.
Diz ainda a Recorrente que o Acórdão da Relação de Lisboa versa sobre acidente de trabalho ocorrido em 2008, a que era aplicável a Lei 100/97, sendo que, no âmbito desta, foi jurisprudencialmente muito discutido o modo de cálculo do subsídio de situação de elevada incapacidade, o que veio a ficar resolvido com a atual Lei 98/2009.
E assim era, efetivamente.
Mas tal em nada interfere com o caso em apreço.
Com efeito, e desde logo, no que se reporta ao cálculo da pensão, a Lei 100/19977 [art. 17º, nº 1, designadamente a sua al. a)] dispunha de forma idêntica à que dispõe o atual art. 48º, nº 3, designadamente a sua al. a), pelo que o facto de o acidente de trabalho subjacente ao mencionado acórdão da RL ter ocorrido em 2008 não tem qualquer relevância no que toca ao modo de cálculo da pensão, que era e é idêntico.
No que toca ao subsídio de elevada incapacidade[1], é certo que, no âmbito da Lei 100/97 discutia-se se, em caso de IPATH, o subsídio seria devido na totalidade ou se, no seu cálculo, deveria ser ponderado o coeficiente de desvalorização da IPP (para o exercício de outra atividade).
Assim, entendiam:
i) Uns[2], que tal ponderação deveria ter lugar, para tanto se argumentando, em síntese, que haverá que se distinguir entre a incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho (IPA) da incapacidade permanente apenas para o trabalho habitual (IPATH), sendo esta menos grave do que aquela (mas mais grave do que. apenas, a IPP de 70% ou mais). Neste entendimento, o subsídio deveria ser fixado entre a remuneração mínima anual integral e 70% do seu valor, ponderando-se igualmente a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão, de acordo com a seguinte fórmula: s.m.n. x 12 meses = W; s.m.n. x 12 meses x70% = X; W – X x IPP = Z; Z + X= subsídio.
ii) Outros, que também na IPATH o subsídio de elevada incapacidade deveria ser fixado em 12 vezes a remuneração a mínima mensal. Para tanto, e em síntese, argumentava-se que: a incapacidade permanente absoluta pode sê-lo para todo e qualquer trabalho ou absoluta para o trabalho habitual, apontando a letra do art. 23º no sentido da interpretação de que o subsídio será devido por inteiro em ambos os casos; ao dispor como dispôs, o legislador, que não desconhecia tal diferença, não estabeleceu qualquer regime distinto para a IPATH, pelo que, onde o legislador não distingue, não deve o intérprete fazê-lo; nas situações de incapacidade permanente absoluta, a atribuição prende-se e justifica-se, essencialmente, em função da natureza e finalidade desse subsídio e da natureza absoluta da incapacidade, seja ela para todo e qualquer trabalho, seja apenas para o trabalho habitual, enquanto que nas situações de incapacidade apenas parcial ela se justifica face ao elevado grau de incapacidade (igual ou superior a 70%), o qual, podendo variar, determinará a correspondente ponderação.
Neste último sentido pronunciou-se de forma reiterada e uniforme o STJ, entre outros[3], no Acórdão de 02.02.2006, in www.dgsi.pt, Proc 05S3820.
Sufragámos igualmente este entendimento, no âmbito da Lei 100/97, entre outros, no Acórdão da RP de 13.02.2017[4].
Entretanto, o art. 67º, nos nºs 2 e 3, da Lei 98/2009, veio dispor no sentido do primeiro dos entendimentos apontados, pelo que a questão, relativamente aos acidentes de trabalho ocorridos na vigência deste diploma, se mostra resolvida.
Não obstante, não é esta a questão que se coloca nos presentes autos.
Naquelas situações, de divergência jurisprudencial, o que estava em causa eram situações de IPATH que não redundem, por via da aplicação do fator de bonificação, numa incapacidade permanente (para o exercício de outra profissão) de 100% .
Ora, o que está em causa na situação em apreço, é uma situação em que ao sinistrado/autor (para além da IPATH) foi atribuída, ainda que por via da aplicação do fator de bonificação, uma incapacidade permanente de 100% (para o exercício de outra profissão), situação que, como acima dissemos, é equiparável ou enquadrável na incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA). E se não há que distinguir, como não há, para efeitos da fixação da pensão, também não há que distinguir para efeitos do cálculo do subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, que é enquadrável no art. 69º, nº 2, da LAT.
Improcedem, assim e nesta parte, as conclusões do recurso, seja quanto à fixação da pensão anual e vitalícia, seja quanto ao subsídio por situação de elevada incapacidade permanente.
***

V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.


Porto, 17.04.2023
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo de Freitas
__________
[1] Cfr. Paula Leal de Carvalho, A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e o fator de bonificação de 1,5 – Questões práticas, in Prontuário do Direito do Trabalho, 2017 – I, pág. 84 a 86.
[2] Cfr. Acórdãos da RP de 26.04.2010, in www.dgsi.pt, de 07.06.2004 e de 13.12.2004, in Acidentes de Trabalho, Jurisprudência, 2000-2007, p. 260 e 264.
[3] Cfr. também e entre outros, Acórdãos do STJ de 14.11.07, Proc. 07S2716, e de 04.05.2011, Proc. 199/07.STTVCT.P1. S1, in www.dgsi.pt,
[4] Proc. nº 261/10.7TTMAI.P2, in www.dgsi.pt.