Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3180/16.0T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CONTRATO DE SEGURO
DANO BIOLÓGICO
Nº do Documento: RP202004303180/16.0T8GDM.P1
Data do Acordão: 04/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.
II - A parte que impugne a decisão da matéria de facto não pode limitar-se a indicar o nome das testemunhas e transcrever excertos dos respectivos depoimentos e no final fazer uma breve súmula dos mesmos, para depois concluir, sem mais, que com base neles se devem alterar determinados pontos factuais, a par disso terá de fazer a sua análise crítica, elaborar uma argumentação que se oponha à argumentação produzida pelo juiz em 1.ª instância, colocando então o tribunal de recurso perante uma questão a resolver.
III - No cálculo do dano biológico futuro deve ponderar-se não apenas o tempo de actividade em função do tempo de vida laboral, mas todo o tempo de vida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3180/16.0T8GDM.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível de Gondomar-J1
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, residente na avenida …, n.º …, …, …, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra C…, Lda., com sede na rua…, n.º .., e D…, S.A., com sede na avenida…, n.º .., .., …. Lisboa, pedindo a condenação das Rés em regime de solidariedade a pagar à Autora a quantia de €21.506,40 para ressarcimento dos danos patrimoniais; a quantia de €10.000,00 para compensação dos danos não patrimoniais; a quantia a liquidar em execução de sentença referente a tratamentos futuros de fisioterapia e transportes para os mesmos; a quantia a liquidar em execução de sentença referente a medicação e; juros de mora sobre as quantias peticionadas desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alega como causa de pedir que a 1.ª Ré explora um estabelecimento de restauração/takeaway; já a 2.ª Ré assumiu o risco inerente à exploração do referido estabelecimento comercial, por contrato de seguro validamente celebrado, titulado pela apólice n.º ……../..; no dia 4 de Novembro de 2013 a Autora dirigiu-se ao referido estabelecimento comercial para adquirir uma refeição, estava a chover e o piso do estabelecimento comercial estava molhado e escorregadio; a 1.ª Ré nada fez para evitar que o piso acumulasse humidade e não diligenciou para colocar no chão qualquer revestimento que absorvesse a água e tornasse a circulação segura; acresce que não se mostrava sinalizada a condição do piso como molhada; a Autora escorregou no piso e caiu desamparada; nessa conformidade, foi assistida no local e conduzida ao hospital onde foi assistida; por causa da queda sofreu várias lesões e sequelas que a obrigaram a tratamentos médicos; tendo ficado a padecer de incapacidade permanente geral de 7 pontos; assim, pelo dano biológico pede uma indemnização no montante de €20.000,00; por causa das lesões sofridas gastou a quantia de €1.356,40 em consultas médicas e em medicamentos; por causa da assistência médica ficou com as calças danificadas que valiam €50,00; sofreu vários danos não patrimoniais que computa em €10.000,00; necessitou de recorrer a uma empregada doméstica com a qual gastou a quantia de €100,00; para além, da necessidade futura de fazer tratamentos de fisioterapia e toma de medicamentos.
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Regularmente citada para os termos da presente acção, a Ré D..., S.A., apresentou a contestação de fls. 70 a fls. 83, através da qual confirmou a celebração do contrato de seguro invocado pela Autora; esclarece que assim que recebeu a participação do sinistro diligenciou pela averiguação do mesmo e concluiu, atentas as diligências efectuadas, que inexistia fundamento para a sua segurada indemnizar a Autora a título de responsabilidade civil extra contratual e, nesta conformidade, declinou a regularização do sinistro; com efeito, o pavimento das instalações seguras é em granito polido, sem qualquer dano e à data dos factos não apresentava qualquer sinal de gordura ou sujidade no chão; o estabelecimento comercial tem um tapete à entrada para impedir que as pessoas entrem com os sapatos molhados e escorregadios e que molhem o interior da loja, nomeadamente, o pavimento: à data da queda da Autora não estava a decorrer qualquer operação de limpeza ou qualquer outro trabalho que pudesse provocar ou contribuir para a queda da Autora; nesse mesmo dia nenhuma outra pessoa caiu ou manifestou que o piso se encontrasse escorregadio ou molhado; logo, só se pode justificar a queda da Autora por um desequilíbrio momentâneo ou um tropeção sem qualquer relação com o local onde a mesma se encontrava; impugna os danos alegados pela Autora, a sua extensão e os montantes peticionados por claramente exagerados.
Termina por pugnar pela improcedência da acção, por não provada, com a consequente absolvição da Ré D…, S.A. do pedido.
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Regularmente citada a Ré C…, Lda. para os termos da presente acção, apresentou a contestação de fls. 97 a fls. 101, através da qual alega a excepção dilatória nominada de ilegitimidade passiva; impugna que tenha qualquer obrigação de indemnizar a Autora atentas as conclusões extraídas no relatório de peritagem efectuado pelo perito a cargo da Ré D…, S.A.; refere que fruto das condições climatéricas que se faziam sentir colocou sinalização vertical de perigo, alertando, precisamente, os utentes para o estado do piso; nesta conformidade, a queda da Autora ficou a dever-se única e exclusivamente à desatenção da Autora e ao facto de ter ignorado a referida sinalização; pelo que, à Ré não pode ser assacada qualquer responsabilidade pelas lesões sofridas pela Autora; já que a queda sofrida pela Autora apenas se poderá imputar ao próprio descuido da mesma; no mais, impugna os danos alegados pela Autora.
Termina por pugnar pela procedência da excepção dilatória nominada de ilegitimidade passiva, com a consequente absolvição da Ré C…, Lda. da instância; subsidiariamente pugna pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido.
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Por despacho de fls. 123 foi designada data para a realização de audiência prévia, que se encontra documentada na ata de fls. 134/135, na qual foi concedido prazo à Autora para o exercício do contraditório relativamente à excepção dilatória nominada de ilegitimidade passiva invocada pela Ré C…, Lda.
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A Autora pronunciou-se por articulado de fls. 137 pugnando pela improcedência da excepção dilatória invocada.
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Foi proferido o despacho saneador de fls. 139 a fls. 145, no qual foi fixado o valor à causa; foi apreciada e decidida a excepção dilatória nominada de ilegitimidade passiva da Ré C…, Lda., tendo-se concluído pela sua improcedência; foi certificada a validade e regularidade da instância; foi identificado o objecto do litígio; foram fixados os temas da prova e; foram admitidos os meios de prova.
O despacho saneador proferido nos autos não foi objecto de reclamação.
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Procedeu-se à realização da audiência final com observância das formalidades legais, tal como resulta documentado da acta de fls. 282 a fls. 284.
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A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provado e consequentemente condenou as Rés em regime de solidariedade a:
a)- a pagar à Autora a quantia de €1.456,40 (mil, quatrocentos e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos) a título de ressarcimento dos danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista para os juros civis, desde a data da citação para os termos da presente acção até integral e efectivo pagamento;
b)- a pagar à Autora a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de compensação dos danos não patrimoniais e patrimoniais futuros, acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista para os juros civis, desde a data da notificação da presente sentença até integral e efectivo pagamento;
c)- absolveu as Rés do demais peticionado pela Autora.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
I. A apelante entende que é devida a reponderação da decisão da matéria de facto quanto aos factos dados comos provados sob as alíneas d), h) e j), bem como a reponderação da decisão da matéria de facto relativamente aos factos dados como não provados sob os nº. 7 e 8 da sentença proferida
II. Caso sejam alteradas as decisões da matéria de facto acima referidas haverá então que ponderar os efeitos de tais alterações na decisão jurídica da causa
III. E, sem prescindir e por mera cautela de patrocínio, caso não seja alteradas as decisões da matéria de facto acima referidas e alterada a decisão jurídica da causa, a apelante entende que deverá ser recalculada a quantificação da indemnização atribuída pela IPP de 5 Pontos.
IV. Para a reponderação da prova, nomeadamente da alínea h) da sentença proferida deverá ser tido em consideração que não há um único depoimento (excepto nas declarações de parte da autora) que tenha afirmado que a autora tenha escorregado.
V. Isto é, não há nenhuma testemunha que tenha afirmado que a autora escorregou, pelo que salvo o devido respeito, não há nexo causal entre a queda da autora e o chão molhado do estabelecimento, pois não se apurou se a autora tropeçou, se se desequilibrou ou se por qualquer outro motivo caiu, e esta prova cabia à autora.
VI. Acresce que, entende a apelante que não será com as declarações de parte que se poderá dar como provado esse facto.
VII. Para a reponderação da prova, nomeadamente da alínea d) e j) da sentença deverão ser levados em conta os depoimentos da testemunha E…, do F…, do documento junto com a contestação da apelante e das declarações de parte da autora.
VIII. Relativamente aos factos dados como não provados sob o nº. 7 e 8 deverão ser reanalisados os depoimentos da ex. funcionária e da ex. colaboradora da 1º ré, assim como deverá ser reanalisado, o documento com as declarações da autora junto com a contestação da apelante e as declarações prestadas pela autora na própria audiência de julgamento.
IX. Sem prejuízo do já alegado e, por mera cautela de patrocínio, caso não sejam alteradas as respostas à matéria de facto acima referida, deverá ser recalculada a verba indemnização fixada pela IPP de 5 pontos
X. Pois tendo em atenção a retribuição liquida auferida pela autora, a idade da autora, e a esperança média de vida dos 75 anos de vida, a mesma é algo exagerada, já que, se tivermos em conta que o que aqui está em causa é a quantificação do alegado dano patrimonial futuro decorrente da I.P.P., considerar-se no cálculo da respectiva indemnização a idade de 75 anos, quando a idade da reforma situa-se, actualmente nos 66 anos de idade e, depois dessa idade a autora passará a reformada e, irá auferir a sua pensão de reforma
XI. Assim como, para a quantificação desta verba, não deverá cifrar-se na mera multiplicação da alegada perda de rendimentos anual pelo número de anos provável de esperança média de vida, primeiro porque é provável e, segundo porque recebendo de imediato a indemnização pela perda de rendimentos que seriam obtidos ao longo da sua vida activa e não esperança média de vida, a autora receberia uma vantagem injustificada, pelo que a mesma deverá ser reduzida ao seu justo valor.
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Devidamente notificado contra-alegou a Autora concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- decidir em conformidade no caso da procedência da impugnação da matéria de facto e, mesmo não sofrendo esta qualquer alteração, saber se a sua subsunção jurídica se encontra, ou não, correctamente efectuada.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido:
a) A Ré C…, Lda. explora um estabelecimento de restauração/takeaway aberto ao público na rua …, n.º .., … (resposta ao artigo 1.º da petição inicial).
b) A Ré C…, Lda. celebrou com a Ré seguradora um contrato de seguro, válido e eficaz na data de 4 de Novembro de 2013, titulado pela apólice n.º ……/.., através do qual esta assegurou o risco inerente à exploração do estabelecimento comercial daquela, designadamente, ao nível dos danos causados a terceiros em razão daquela exploração (resposta aos artigos 2.º e 16.º da petição inicial e, ao artigo 1.º da contestação apresentada pela Ré D…, S.A.).
c) No passado dia 4 de Novembro de 2013, cerca das 20h e as 20h 30m, a Autora dirigiu-se às instalações da Ré C…, Lda. para aí adquirir uma refeição (resposta ao artigo 4.º da petição inicial).
d) Naquele dia estava a chover sendo que, tendo por referência a hora referida em c), já chovia há pelo menos duas horas (resposta ao artigo 5.º da petição inicial).
e) O piso das instalações da Ré C…, Lda. era e é em pedra, granito polido (resposta ao artigo 6.º da petição inicial e, ao artigo 10.º da contestação da Ré D…, S.A.).
f) O piso referido em e) em caso de se encontrar molhado ou mesmo húmido, torna-se escorregadio (resposta ao artigo 7.º da petição inicial).
g) Por causa dos sucessivos acessos de clientes às instalações da Ré C…, Lda. o piso no interior encontrava-se molhado (resposta ao artigo 8.º da petição inicial).
h) A Autora entrou no estabelecimento comercial e quando iniciava a caminhada pelo seu interior, designadamente, no pavimento que se encontrava molhado escorregou e caiu desamparada (resposta aos artigos 13.º e 14.º da petição inicial).
i) O acidente ocorreu no dia 04/11/2013, pelas 20h 20m, no local de risco que é na rua …, n.º .., …. – … … e, teve como consequência danos corporais provocados por queda (resposta ao artigo 7.º da contestação apresentada pela Ré D…, S.A.).
j) No dia referido em c), o estado do piso do estabelecimento comercial pertencente à Ré C…, Lda. era escorregadio fruto das condições climatéricas verificadas no dia do sinistro e da constante entrada e saída de clientes (resposta ao artigo 4.º da contestação apresentada pela Ré C…, Lda.).
k) A Autora foi assistida de imediato no local, tendo sido chamado o INEM e por indicação dos técnicos do INEM, a Autora foi transportada ao Hospital G…, onde deu entrada pelo serviço de urgências (resposta aos artigos 17.º e 20.º da petição inicial).
l) No Hospital G… a Autora foi admitida no serviço de urgência no qual foi diagnosticado traumatismo do tornozelo esquerdo; dor e edema (resposta ao artigo 21.º da petição inicial).
m) Foi submetida a radiografia no tornozelo, duas incidências que revelou fractura bimaleolar (resposta ao artigo 22.º da petição inicial).
n) E, foi imobilizada com tala gessada (resposta ao artigo 23.º da petição inicial).
o) Duas semanas depois fez substituição da tala gessada por bota gessada que manteve por mais quatro semanas (resposta ao artigo 24.º da petição inicial).
p) Em 18 de Dezembro de 2013, na consulta externa de ortopedia, retirou o aparelho gessado (resposta ao artigo 25.º da petição inicial).
q) Quando retirou o gesso tinha edema volumoso do pé e tornozelo e, não conseguia fazer apoio do pé (resposta ao artigo 26.º da petição inicial).
r) Por persistência de dores, recorreu a um ortopedista particular que solicitou a realização de nova radiografia (resposta ao artigo 27.º da petição inicial).
s) A radiografia referida em r) revelou ausência de consolidação da fractura do maléolo externo do tornozelo esquerdo (resposta ao artigo 28.º da petição inicial).
t) Em 25/01/2014 após a realização de radiografia, foi submetida a cirurgia no Hospital H… (resposta ao artigo 29.º da petição inicial).
u) Onde esteve internada até 27/01/2014, data em que teve alta hospitalar (resposta ao artigo 30.º da petição inicial).
v) No pós-operatório tinha o membro inferior esquerdo imobilizado com tala gessada que manteve durante seis semanas até que em 03/03/2013 a retirou em consulta externa de ortopedia naquela mesmo hospital (resposta ao artigo 31.º da petição inicial).
w) Após iniciou marcha com carga progressiva (resposta ao artigo 32.º da petição inicial).
x) Manteve apoio externo com canadianas mais três semanas após retirar aparelho gessado (resposta ao artigo 33.º da petição inicial).
y) Manteve material de osteossíntese, placa e parafusos, no tornozelo esquerdo, aplicados na cirurgia de 25/01/2014 até 21 de Dezembro de 2015 (resposta ao artigo 34.º da petição inicial).
z) Nessa data foi novamente internada em hospital para intervenção cirúrgica, designadamente para retirar o material de osteossíntese (resposta ao artigo 35.º da petição inicial).
aa) Por causa do sinistro referido em h), a Autora sofreu as seguintes lesões e sequelas: - membro inferior esquerdo: cicatriz cirúrgica linear hipocrómica com rebordo hipercrómico com 7 cm de comprimento, localizada na face lateral do tornozelo; ausência de atrofia muscular da perna (perimetria de 33 cm medida a 15 cm da interlinha articular do joelho, contralateral 33 cm); flexão plantar passiva e activa de 35% (contralateral de 40º (e flexão dorsal passiva e activa de 5º (contralateral de 20º); força muscular conservada e simétrica; consegue colocar-se apoiada sobre os antepés e calcanhares, embora refira dor (resposta ao artigo 36.º da petição inicial).
bb) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 21/01/2016 (resposta ao artigo 49.º da petição inicial).
cc) O período de défice funcional temporário total é fixável num período de 6 dias (resposta ao artigo 49.º da petição inicial).
dd) O período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 803 dias (resposta ao artigo 49.º da petição inicial).
ee) O período de repercussão temporária na actividade profissional total é fixável num período de 35 dias (resposta ao artigo 49.º da petição inicial).
ff) O período de repercussão temporária na actividade profissional parcial é fixável num período de 774 dias (resposta ao artigo 49.º da petição inicial).
gg) Por causa das lesões e sequelas referidas em aa) a Autora ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos (resposta ao artigo 37.º da petição inicial).
hh) As sequelas descritas em aa) são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares (resposta aos artigos 54.º, 55.º e 56.º da petição inicial).
ii) As sequelas descritas em aa) têm uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7 (resposta aos artigos 56.º, 60.º e 59.º da petição inicial).
jj) Por causa das lesões referidas em aa) a Autora padece de dano estético fixável no grau 1/7 (resposta ao artigo 64.º da petição inicial).
kk) O quantum doloris é fixável no grau 4/7 (resposta aos artigos 51.º e 52.º da petição inicial).
ll) Por causa do referido em jj) a Autora sente que a cicatriz a desfeia e sente vergonha (resposta ao artigo 63.º da petição inicial).
mm) Por causa do referido em ii) a Autora ficou mais afastada do grupo de amigos (resposta ao artigo 61.º da petição inicial).
nn) Por causa do referido em aa), gg), hh), ii), ll) e mm) a Autora passou a sentir tristeza, a manter-se mais calada, evidenciando sofrimento físico ao longo do dia, tornou-se revoltada, denunciando alterações de humor (resposta aos artigos 57.º e 59.º da petição inicial).
oo) Antes do sinistro a Autora era uma pessoa activa, alegre e bem disposta (resposta aos artigos 53.º e 57.º da petição inicial).
pp) A Autora nasceu no dia 11 de Outubro de 1982 (resposta ao artigo 38.º da petição inicial).
qq) Na data do sinistro referido em h), a Autora desempenhava as funções de assistente administrativa de 2.ª, auferindo o salário mensal líquido de cerca de €590,50 (resposta ao artigo 39.º da petição inicial).
rr) Por causa do sinistro referido em h), a Autora gastou a quantia de €1.356,40 em tratamentos e consultas (resposta ao artigo 41.º da petição inicial).
ss) Após regressar a casa a Autora, por se encontrar impossibilitada da realização das tarefas domésticas, recorreu a uma empregada doméstica a quem pagou a quantia global de €100,00 (resposta ao artigo 50.º da petição inicial).
Factos Não Provados.
Não se provou que:
1) No dia 4 de Novembro de 2013, outras pessoas caíram no interior do estabelecimento da Ré C…, Lda. pelo mesmo motivo (resposta ao artigo 19.º da petição inicial).
2) Por causa do sinistro referido no facto provado h) a Autora estragou as calças que custavam €50,00 (resposta ao artigo 42.º da petição inicial).
3) Por causa do sinistro referido no facto provado h) a Autora deve efectuar tratamentos de fisioterapia ao longo da vida aí se englobando consultas de fisiatria e tratamentos propriamente ditos (resposta aos artigos 43.º, 44.º e 45.º da petição inicial).
4) Por causa do sinistro referido no facto provado h) a Autora ficará obrigada à toma de medicamentação para o resto da vida (resposta aos artigos 47.º e 48.º da petição inicial).
5) Antes do sinistro referido no facto provado h) a Autora não tinha qualquer problema de saúde (resposta ao artigo 53.º da petição inicial).
6) Por causa das lesões e sequelas causadas pelo sinistro referido no facto provado h) a Autora aumentou o seu peso corporal (resposta ao artigo 62.º da petição inicial).
7) Por causa do referido no facto provado j) a Ré C…, Lda. colocou na entrada do seu estabelecimento comercial sinalização vertical de perigo, alertando, precisamente, os respectivos utentes para aquele estado (resposta aos artigos 4.º e 5.º da contestação apresentada pela Ré C…, Lda. e, ao artigo 8.º da petição inicial).
8) À data do sinistro a Ré C…, Lda. colocou um qualquer dispositivo para revestir o chão para absorver a água, por ex. uma passadeira ou um tapete (resposta ao artigo 10.º da petição inicial).
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III. O DIREITO
Conforme supra se referiu a primeira questão que no recurso vem colocada prende-se com:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Como resulta do corpo alegatório e das respectivas conclusões a recorrente impugna a decisão da matéria de facto tendo dado, ao contrário do que referem os apelados, cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPCivil.
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, a Ré recorrente não concorda com a decisão sobre a fundamentação factual relativa às alíneas d), h) e j), dos factos provados e nºs 7. e 8. dos factos não provados.
Quid iuris?
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º nº 5) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.[1]
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[2]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[3]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[4]
Importa, porém, não esquecer que, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.[5]
Ora, tendo presentes estes princípios orientadores, e perscrutando as alegações recursivas, verifica-se que a Ré apelante se limitou, sob este conspecto, a pouco mais que indicar os nomes das testemunhas e transcrever excertos dos seus depoimentos.
Todavia, isso não basta.
A lei impõe aos recorrentes que indiquem o porquê da discordância, isto é, em que é que os referidos meios probatórios contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta dos citados meios probatórios.
É exactamente esse o sentido da expressão legal “quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida” (destaque e sublinhado nossos).
Repare-se na letra da lei: “Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida”!
Trata-se, aliás, da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detectada.
Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório.
Na verdade, indicar os nomes das testemunhas, transcrever excertos dos seus depoimentos e depois fazer uma brevíssima sumula desses depoimentos não é fazer a sua análise crítica, esta pressupõe que se construa um raciocínio lógico e fundamentado que leve a extrair uma conclusão baseada naqueles, ou seja, o que se exige é que se analisem esses meios de prova, cotejando-os mesmo com a prova em sentido contrário, relativizando o sentido dessa prova e dizendo porquê, mas também relativizando as provas que convoca para sustentar o seu ponto de vista e de tudo isso extraindo o sentido que lhe merecer acolhimento.
O que se pretende que a parte faça?
Certamente que apresente um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, dizendo onde se encontram no processo e, tratando-se de depoimentos, identifique a passagem ou passagens pertinentes, e, em segundo lugar, produza uma análise crítica dessas provas, pelo menos elementar.
A razão pela qual se afirma que a parte deve produzir uma análise crítica mínima é esta: indicar apenas os meios probatórios, isto é, o depoimento da testemunha A ou B, ou o documento C ou D, é reproduzir apenas o que consta do processo, pelo que nada se acrescenta ao que já existe nos autos, nem se mostra a razão por que a resposta a uma dada matéria de facto deve ser diversa da que foi dada pelo juiz.
Para desencadear a reapreciação pelo Tribunal da Relação, a parte tem de colocar uma questão a este tribunal.
Ora, só coloca uma questão se elaborar uma argumentação que se oponha à argumentação produzida pelo juiz em 1.ª instância, colocando então o tribunal de recurso perante uma questão a resolver.
Não basta pois identificar meios de prova e dizer que as testemunhas E…, I…, J… e K… afirmaram aquilo que está transcrito nos excertos dos seus depoimentos, pois o teor dos mesmos já consta dos autos.
Acresce que, como atrás se referiu não obstante se garantir no sistema processual civil um duplo grau de jurisdição, nomeadamente quanto à reapreciação da matéria de facto devendo a Relação formar a sua própria convicção, não podemos ignorar que continua a vigorar entre nós o princípio da livre apreciação da prova, conforme decorre do art.º 607.º/5, do C. P. Civil, ao estatuir que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”.
Para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
Como ensina Miguel Teixeira de Sousa[6], “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
E já lembrava Alberto dos Reis[7] que a prova livre não quer dizer prova arbitrária ou irracional. Quer dizer prova apreciada com inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, mas em perfeita conformidade com as regras da experiência e as leis que regulam a actividade mental. Não estamos perante um sistema da prova livre pura, mas de livre apreciação motivada da prova, ou seja, o que conduz à prova de um facto em juízo é o efeito que as provas, em conjugação com as regras da lógica e as máximas da experiência, produzem na convicção do juiz.[8]
Ora, a verdade é que verificamos ter havido, por parte do tribunal a quo, uma criteriosa avaliação de todos os meios probatórios, em particular da prova testemunhal, tendo em conta o princípio geral da livre convicção do julgador, assente nos princípios instrumentais da oralidade e imediação, aceitando-se plenamente a convicção da 1.ª instância, devidamente fundamentada, “factologia” que não foi infirmada por qualquer outro meio probatório.
Assim, não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida, mas sim uma efectiva e correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica que imponham entendimento diverso do acolhido.
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De modo simples, impunha-se que Ré recorrente como condição da reapreciação da prova, fizesse evidenciação da existência de um erro grosseiro, material ou formal, na apreciação da prova para, partindo dessa circunstância, abrir-se a porta da renovação da prova a que apela, coisa que manifestamente não fez.
Portanto, o referido ónus não se pode ter por satisfeito com o vertido pela Ré apelante nas suas alegações recursivas nos termos supra referidos.
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Mas ainda que assim se não entenda sempre se dirá como segue.
No que se refere às alíneas d) e j) da fundamentação factual não vemos como não dar como provado os factos que elas encerram, quando a própria apelante junta um documento, relativo às condições meteorológicas do dia em que ocorreu o sinistro, que atesta que esteve chuvoso, e se a precipitação, nesse dia, não foi muito abundante, isso deixa de ser relevante para se dar como demonstrado que o chão do estabelecimento em causa estaria escorregadio.
Na verdade, ainda que a precipitação nesse dia não tivesse sido abundante, para o piso de um estabelecimento se encontrar escorregadio basta apenas atentar nas inúmeras pessoas que aí entram (tratava-se de estabelecimento de restauração que também tinha takeaway), muitas vezes sem que pousem o guarda-chuva no sítio indicado para o efeito, para se concluir que o piso fica molhado e, portanto, escorregadio.
Para, além disso os próprios (a) funcionários (a) do estabelecimento em causa corroboraram que o dia da ocorrência esteve a chuvoso e o piso escorregadio, como também o afirmou a testemunha E… que nesse dia como cliente aí se encontrava.
Acresce que, não vindo questionado que o piso do estabelecimento era em granito polido, é facto notório que estando molhado ou apenas húmido se torna escorregadio.
Factos, aliás, que constam das alíneas e), f) e g) que não forma objecto de impugnação.
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Questiona também a Ré apelante que a Autora tenha escorregado.
É facto indesmentível, por o ter atestado toda a prova testemunhal produzida nos autos, que a Autora caiu no estabelecimento da Ré C…, Lda.
Está também provado que:
e) O piso das instalações da Ré C…, Lda. era e é em pedra, granito polido (resposta ao artigo 6.º da petição inicial e, ao artigo 10.º da contestação da Ré D…, S.A.).
f) O piso referido em e) em caso de se encontrar molhado ou mesmo húmido, torna-se escorregadio (resposta ao artigo 7.º da petição inicial).
g) Por causa dos sucessivos acessos de clientes às instalações da Ré C…, Lda. o piso no interior encontrava-se molhado (resposta ao artigo 8.º da petição inicial) (factos que não forma objecto de impugnação).
O que queríamos saber era se havia um pavimento escorregadio e se a vítima nele escorregou.
Ora, se alguém cai num local escorregadio, é de concluir que a queda se deveu ao carácter resvaladiço do pavimento.
Cabia à Ré, parte contra a qual tal facto foi invocado patentear que esta conclusão, retirada da aprendizagem das regras físicas, não funcionou em concreto nem teve relação com a ocorrência, coisa que manifestamente não fez.
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No que respeita ao ponto 7. dos factos não provados, o tribunal fez a análise crítica dos depoimentos contraditórios das testemunhas I… e J…, concluindo pela não prova do facto em questão.
Análise com a qual se concorda e que a Ré apelante não infirma pelo recurso a qualquer outro meio probatório convocado para o efeito.
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Por último e no que se refere ao ponto 8. também do elenco dos factos não provados, entende a apelante que o mesmo devia ser dado como provado pela razão de que, com a sua contestação, juntou documento com as declarações que a Autora prestou ao averiguador contratado um mês após o acidente, onde refere que depois de ter passado a antecâmara havia limpado os pés num pequeno tapete.
Cremos que em causa não estava um pequeno tapete, mas sim, como referem as testemunhas I… e J…, os tapetes pretos, compridos e antiderrapantes que habitualmente colocavam em dias de chuva e com piso escorregadio.
Importa, aliás, sopesar, que tal como se refere na decisão recorrida, este facto foi alegado pela Autora na negativa, todavia, impunha-se a sua prova pela positiva e por quem tinha esse ónus que era C…, Lda.
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Decorre do exposto que a apreciação da Mmª juiz a quo-efectivada no contexto da imediação da prova-, surge-nos assim como claramente sufragável, com iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, havendo que ouvidos os depoimentos indicados pela recorrentes, não são de molde a sustentar a tese que por ela vem expendida, pese embora se respeite a opinião em contrário veiculada nesta sede de recurso, havendo que afirmar ter a Mmª juiz captado bem a verdade que lhe foi trazida ao processo, com as dificuldades que isso normalmente tem, não existindo, portanto, fundamento probatório convocado pela recorrente para que este tribunal altere a decisão da matéria factual dada como assente pelo tribunal recorrido.
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Improcedem, desta forma, as conclusões I a VIII formuladas pela recorrente.
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A segunda questão que vem colocada no recurso prende-se com:
b)- saber se está, ou não, bem calculado o montante indemnizatório referente à IPP de 5 pontos.
Como se evidencia da decisão recorrida a este nível o tribunal a quo fixou o montante de €15.000,00.
Deste montante discorda a apelante estribada na circunstância de que não ter-se considerado no cálculo da respectiva indemnização a idade de 75 anos.
Com efeito, alega, em primeiro lugar porque, a idade da reforma situa-se, actualmente nos 66 anos de idade e, depois dessa idade a Autora passará a reformada e, irá auferir a sua pensão de reforma, depois em segundo lugar, a sentença está a referir-se à esperança média de vida e, não à vida activa.
Salvo o devido respeito não se acompanha este entendimento.
O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
No caso dos autos está provado que:
- a Autora nasceu no dia 11 de Outubro de 1982 [facto provado pp)];
- na data do sinistro referido em h), a Autora desempenhava as funções de assistente administrativa de 2.ª. auferindo o salário mensal líquido de cerca de €590,50 [facto provado qq)];
- o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixada em 5 pontos [facto provado gg)];
- as sequelas descritas em aa) são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares [facto provado hh)].
Perante este quadro factual, torna-se evidente que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico da lesada-consubstanciado na sua limitação funcional (5 pontos IPG)- deverá compensá-la também de tal perda de capacidades funcional, apesar de esta não estar imediatamente reflectida no nível de rendimento auferido.
Tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais repercute-se na qualidade e padrão de vida da Autora, afectando a sua actividade do dia-a-dia nas suas várias vertentes, lúdica ou mesmo doméstica, face ao aumento de penosidade e esforço que terá para as desempenhar e que a idade, certamente, agravará.
Acresce que, mesmo que a Autora venha a estar reformada, se precisar de trabalhar, a sua aptidão funcional está comprometida em 5 pontos havendo, para este efeito, que ponderar não apenas o tempo de actividade em função do tempo de vida laboral, mas todo o tempo de vida.
O que está em causa é, pois, o dano biológico que implica que se atenda às repercussões que a lesão pode proporcionar à pessoa lesada; tal dano assume, como já tivemos ensejo de referir, um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais.[9] Decorre, assim do exposto que a indemnização por danos patrimoniais futuros é devida mesmo que não se prove ter resultado da incapacidade física diminuição dos proventos da vítima, é a chamada distinção operada por Sinde Monteiro[10] entre o “dano biológico” e o “dano moral”.
O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial.[11]
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Destarte, improcedem também as conclusões IX a XI formuladas pela recorrente e, com elas, respectivo recurso.
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IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela Ré apelante (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 30 de Abril de 2020.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”-Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
[2] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
[3] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Ac. Rel. Porto de 19 de Setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de Dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[6] In “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347.
[7] In Código de Processo Civil, anotado, Vol. III, 247.
[8] Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 471.
[9] “O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquico do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”-cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de 4.10.2005 – Processo nº 05A2167 in www.dgsi.pt.
[10] In “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, página 248.
[11] Cfr. Acórdão do STJ, de 4.10. 2007 in www.dgsi.pt.