Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
825/21.0JAAVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOANA GRÁCIO
Descritores: CRIME DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇA
ATO SEXUAL DE RELEVO
Nº do Documento: RP20230503825/21.0JAAVR.P1
Data do Acordão: 05/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – Ato sexual de relevo é todo o ato que tenha uma natureza objetiva estritamente relacionada com a atividade sexual, ou seja, que normalmente apenas seja praticado no domínio da sexualidade entre pessoas, e que atenta de forma grave contra a liberdade de autodeterminação sexual, podendo esta gravidade variar em face da natureza, intensidade ou duração da conduta.
II – Constitui ato sexual de relevo a simulação do ato sexual de penetração em contacto com o corpo (mesmo que com alguma roupa vestida) de uma menor, ainda mais se acompanhado da exibição de um vídeo de carácter sexual e com a interpelação da menor sobre se sabia reproduzir os movimentos de uma mulher que no vídeo se despia à frente de um homem.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 825/20.0JAAVR.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 2



Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 825/20.0JAAVR, a correr termos no Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 2, por acórdão de 18-10-2022, foi decidido:
«Nos termos do exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal coletivo em:
A - Julgar a acusação procedente, por provada, pelo que, consequentemente:
1. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artgs 171º, nº 1, 177º, nº 1, al. a), 69º-B, nº 2 e 69º-C, nºs 2 e 3, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão (perpetrados quando a vítima tinha 6/7 anos de idade), bem como nas seguintes penas acessórias:
- Na pena acessória de proibição do exercício de profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contato regular com menores pelo período de 5 (cinco) anos;
- Na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores pelo período de 5 (cinco) anos;
- Na pena acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais pelo período de 5 (cinco) anos.
2. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artgs 171º, nº 1, 177º, nº 1, al. a), 69º-B, nº 2 e 69º-C, nºs 2 e 3, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (perpetrados quando a vítima tinha 10 anos de idade), bem como nas seguintes penas acessórias:
- Na pena acessória de proibição do exercício de profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contato regular com menores pelo período de 5 (cinco) anos;
- Na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores pelo período de 5 (cinco) anos;
- Na pena acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais pelo período de 5 (cinco) anos.
3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares principais e acessórias impostas nos pontos 1 e 2 deste dispositivo, condenam o arguido AA:
3.1. Na pena única de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, subordinada a regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, o qual, uma vez homologado, fará parte integrante deste acórdão;
3.2. Na pena única acessória de proibição do exercício de profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contato regular com menores pelo período de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses;
3.3. Na pena única acessória de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores pelo período de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses;
3.4. Na pena única acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais pelo período de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses.
4. Condenam o arguido AA no pagamento das custas criminais do processo, com duas UCs e meia de taxa de justiça, ao abrigo do disposto nos artgs 374º, nº 4; 513º, nº s 1, 2 e 3; 514º, nºs 1 e 2; e 524º, todos do CPP, bem como nos termos dos artgs 1º, nº 1; 2º; 3º, nº 1; 5º, nº 1; 8º, nº 9; e 13º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais (em conjugação com a Tabela III),7 sem prejuízo do apoio judiciário concedido (cfr. refª 13424477).
B – A título de reparação da vítima em casos especiais:
1. Condenar o arguido AA no pagamento à menor BB de uma compensação de 3.000,00 (três mil euros);
2. Condenar o arguido AA no pagamento das custas referentes à instância cível a que respeita o arbitramento da reparação da vítima em casos especiais (cfr. artº 527º, nº1, do C.P.C.,8 ex vi do artº 523º, do C.P.P.), sem prejuízo do apoio judiciário concedido (cfr. refª 13424477);
3. Fixar à instância cível o valor de €3.000,00 (três mil euros), nos termos dos artgs 297º, nº 1, e 306º, nºs 1 e 2, do C.P.C.»
*
Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, solicitando a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que o absolva dos crimes por que foi condenado, bem como da compensação económica arbitrada, apresentando nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«a. O presente recurso versará quer sobre matéria de facto como sobre matéria de direito.
b. Quanto à primeira, cremos que, ponderada a prova documental e pericial junta aos autos, bem como a prova produzida em sede de audiência de julgamento, ao Coletivo impunha-se a decisão de absolver o Arguido da prática dos dois crimes de abuso sexual de menores agravado p. e p. pelos artigos 171º, n.º 1 e 77º, n.º 1, bem como das penas acessórias dos artigos 69º-B, n.º 2 e 69º-C, n.º 2 e 3, todos do Código Penal.
c. De facto, os presentes autos desenvolveram-se com base numa versão dos factos muito vaga, imprecisa e repleta de contradições: referimo-nos à versão da menor BB, com dez anos aquando a denúncia e cujas declarações foram variando ao longo da evolução do processo.
d. Senão vejamos: no momento da denúncia, disse a testemunha CC que, meses antes, o Arguido levantou a saia à menor para ver de que cor eram as suas cuecas e, após, mostrou-lhe danças funk, pedindo que ela as imitasse.
e. Ouvida a menor (cfr. auto de inquirição de fls. 11 e seguintes), esta acrescentou que, quando o pai pediu para se sentar no dele, esta a balançou para a frente e para trás, tendo sentido a pila dele encostada ao corpo dela, e que o vídeo exibido era íntimo.
f. Mais disse que, quando tinha cerca de 6 anos de idade, e à semelhança do episódio mais recente, o Arguido, sentado no sofá com as calças ligeiramente descidas abaixo da cintura, pediu à menor para se sentar no colo dele, o que ela fez.
g. Já sentada, disse a menor que o Arguido puxou o corpo dela contra o dele e começou a balançá-la para a frente e para trás em cima dele, comportamento que a deixou desconfortável, motivo pelo qual se dirigiu para a casa-de-banho, descarregando o autoclismo, comportamento que não concebemos como plausível para uma criança de tão tenra idade, não obstante a Psicóloga ouvida nos presentes autos ter um entendimento contrário (Faixa 20221012101620_4153549_2870450, ao minuto 15:30m).
h. Após, mais disse a menor que se dirigiu para o quarto da tia DD, testemunha de acusação nos presentes autos, contando-lhe tudo o que se havia passado.
i. Note-se que, não obstante a importância desta testemunha para a descoberta da verdade material, a verdade é que, usando a prerrogativa de que tem direito, não prestou declarações.
j. Ora, analisando o relatório de serviço de Psicologia de fls. 97, vemos já que, ao invés do supra referido, a menor disse à Psicóloga que, aquando o segundo episódio, o Arguido estava na cozinha, nada tendo referido quanto ao ato de a ter balançado para a frente e para trás.
k. Tais ambiguidade levaram mesmo a testemunha CC, atual responsável pela menor, a dirigir um manuscrito ao Processo n.º 270/12.1T2ETR-1, do Juízo de Família e Menores de Estarreja (cfr. fls. 83 e seguintes dos presentes autos), pedindo a manutenção do regime de visitas da menor com o Arguido, referindo-se aos episódios descritos como uma “autêntica confusão gerada pela BB”, conforme explicou novamente em sede de audiência de julgamento- Faixa 20220928105317_4153549_2870450, ao minuto 14:50.
l. Perante o teor de tal manuscrito, foi a menor novamente inquirida, a qual, para além de confirmar o teor das declarações anteriormente prestadas, acrescentou que, depois da alegada ocorrência do primeiro episódio, falou com a Psicóloga da Escola Básica ..., em ...- Dra. EE. Não obstante, a verdade é que a mesma não foi arrolada como testemunha, ficando assim por demonstrar se a mesma tinha efetivamente conhecimento desta situação ou não.
m. Por sua vez, do relatório de perícia médico-legal constante de fls. 158 e seguintes resulta que a menor relatou que, ocorrido o primeiro episódio, contou à avó, ao avô e à tia DD; já quanto ao segundo, mais disse que afinal o vídeo que o pai estava a ver era um programa de dança, designadamente de funk, que, não obstante a ousadia característica, nada tem a ver com vídeos íntimos ou pornográficos.
n. Sucede que, arrolados a avó e o avô como testemunhas, a primeira negou alguma vez ter tido conhecimento de uma situação deste teor (cfr. Faixa 20220928111627_4153549_2870450, ao minuto 02:35) e o segundo não prestou declarações.
o. Ainda deste relatório não podemos ignorar que da avaliação instrumental resulta que a menor tem tendência a mentir e necessidade de chamar a atenção, o que corresponde, efetivamente e em grande parte, à descrição feita pela testemunha CC da personalidade da menor em vários momentos do processo (cfr. Faixa 20220928105317_4153549_2870450, ao minuto 06:35).
p. Salienta-se que, de acordo com a testemunha CC, a BB só falou no assunto na Psicóloga depois de a mãe ter ido viver com o atual companheiro- cfr. Faixa 20220928105317_4153549_2870450, ao minuto 16:45.
q. Nesse mesmo relatório, a mesma revelou ainda que a escola começou a 17 de setembro de 2020, momento em que a Psicóloga telefonou a expressar a ausência de necessidade de continuar a marcar todas as segundas-feiras porque a menor se encontrava bem, mas que, na semana seguinte, a mesma Psicóloga ligou a pedir para falar com a tia por uma situação grave,
r. situação que não encaramos como normal, pois não se compreende porque é que a menor não contou imediatamente à tia, pessoa respeitada e amada por ela, nem entrou em contacto com a Psicóloga anteriormente, visto que esta referiu ser uma possibilidade mesmo durante o período de férias.
s. Mais disse a testemunha que era a própria menor que via vídeos impróprios para a sua idade sendo que num desses vídeos havia um “velhote a dizer a uma rapariga e ela respondeu assim: “eu não sei fazer isso”, expressão que coincide com a alegada resposta dada pela menor ao Arguido aquando o segundo episódio (cfr. facto n.º 9 considerado como provado),
t. o que nos tem que obrigatoriamente levar a questionar se as acusações vertidas nos presentes autos não resultam da associação dos comportamentos carinhosos do Arguido que este e a menor afirmaram existir com os diversos vídeos que a menor via com cariz sexual ou, pelo menos, sedutor, conforme referiu a testemunha CC.
u. Veja-se, a este respeito, as declarações do Arguido (Faixa 20220928101533_4153549_2870450, ao minuto 20:53) e as da testemunha CC (Faixa 20220928105317_4153549_2870450, ao minuto 11:30), ambas prestadas em sede de audiência e julgamento.
v. Passando à análise das declarações para memória futura prestadas pela menor e cuja transcrição consta já dos autos, salienta-se que a menor diz, num primeiro momento, que não reparou se o Arguido tinha as calças para baixo; mas, logo depois, diz já que o Arguido “baixou um bocado as calças (…)”; mais, diz até que “baixou também um bocado as cuecas”, algo que nunca tinha referido anteriormente.
w. Por outro lado, e quando questionada acerca da forma e duração daquele ato, a menor referiu que era a zona do cóccix que estava em contacto com o Arguido, que a saia já estava para baixo quando o Arguido a sentou no colo, que tal ato não durou muito tempo e que o Arguido nunca lhe pediu para que não contasse nada a ninguém.
x. Em face do exposto, somos a questionar: se o Arguido tivesse realmente a intenção de abusar sexualmente da sua filha, teria a “preocupação” de baixar-lhe a saia e só depois sentá-la no seu colo? Se foi assim tão rápido, quantas vezes é que o Arguido balançou a menor da frente para trás? Se o Arguido tivesse realmente praticado tais atos, não teria pedido à menor que não contasse nada a ninguém?
y. In casu, a menor referiu expressamente que nunca o pai lhe disse isso.
z. Aliás, refere a menor que, quando esta era mais pequenina, o Arguido tinha a por hábito sentá-la no colo, o que é confirmado pelo Arguido aquando as declarações prestadas em sede de audiência de julgamento (ouça-se os minutos 06:03 e 18:58 da Faixa 20220928101533_4153549_2870450),
aa. proximidade que é confirmada pela esposa do aqui Arguido, testemunha FF (Faixa 20220928113709_4153549_2870450, ao minuto 2:30).
bb. Por fim, no que respeita ao vídeo que o Arguido alegadamente estava a ver, se num primeiro momento a menor referiu que era um vídeo de cariz pornográfico, mais adiante disse que era um programa de dança e aqui era já um vídeo com uma dança funk.
ORA,
cc. Perante todas as contradições supra expostas, cremos que a decisão que se impõe aos Venerandos Desembargadores é da substituição do Acórdão recorrido por outro que, sopesados e ponderados todos os argumentos supra descritos, bem como o princípio in dubio pro reo, absolva o Arguido da prática de dois crimes de abuso sexual agravado p. e p. pelos artigos 171º, n.º 1, 177º, n.º 1, al. a) e das penas acessórias previstas nos artigos 69º-A, n.º 2 e 69º-C, n.º 2 e 3, todos do Código Penal, bem como, consequentemente, da compensação pecuniária que o Arguido resultou condenado a pagar à menor.
SEM PRESCINDIR E NA EVENTUALIDADE DE OS VENERANDOS DESEMBARGADORES CONCLUÍREM QUE DOS AUTOS RESULTA PROVA CABAL E SUFICIENTE PARA CONSIDERAR COMO PROVADOS OS FACTOS VERTIDOS NA DOUTA ACUSAÇÃO, O QUE, ATENTO O SUPRA EXPOSTO, SÓ POR MERA HIPÓTESE ACADÉMICA SE CONCEBE, SEMPRE SE DIRÁ QUE…
dd. A considerar-se como provado que os factos ocorreram conforme vertido na acusação, cremos que os mesmos não se subsumem ao ilícito p. e p. pelo n.º 1 do artigo 171º do Código Penal por não configurarem um “ato sexual de relevo”.
ee. Para o Coletivo, conforme bem explanaram no Acórdão ora recorrido, é o ato de o Arguido, depois de ter pedido à menor para se sentar no seu colo, a ter balançado para a frente e para trás de forma repetida que configura o tal ato sexual de relevo.
ff. Quanto a este gesto/ato, não podemos deixar de salientar que:
1. Estamos a falar de somente duas situações;
2. Nas duas ocasiões o Arguido e a menor estavam completamente vestidos, sendo certo que foi a menor quem referiu que a saia estava já para baixo quando o Arguido a sentou no seu colo;
3. A menor refere expressamente que era o seu cóccix que estava em contacto com o Arguido;
4. Desconhece-se se tal movimento foi feito uma, duas, três ou mais vezes;
5. Desconhece-se também se o Arguido usou força ou não na execução desse movimento;
6. Dos autos não resulta que o Arguido tenha acompanhado a prática de tal ato com qualquer expressão sexualmente sugestiva;
7. O Arguido não beijou intensivamente, não apalpou nem acariciou a menor.
gg. Ou seja, a ter acontecido tais atos, cremos que os mesmos integram o conjunto de atos que estão excluídos deste conceito, ou seja, os atos que embora passados e em si significantes por impróprios, desonestos ou de mau gosto, pela sua pequena quantidade, ocasionalidade ou instantaneidade não entravam de forma importante a livre determinação sexual da vítima.
hh. Ou seja, somos do entendimento que os mesmos, a ter acontecido, não invadiram de maneira objetivamente significativa aquilo que constitui a reserva pessoal e a liberdade da determinação sexual da menor,
ii. pois, em boa verdade, a menor continuou a querer ter contactos com o pai e reconheceu que “aquilo não foi um abuso”.
jj. Em face do exposto, e não integrando tais factos o elemento objetivo deste tipo de ilícito, também por este motivo deveria o Arguido ter sido absolvido da prática dos referidos ilícitos, bem como das penas acessórias que aos mesmos estão conexas, o que se requer.»
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção do acórdão recorrida.
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Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso em sede de facto e de direito, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Notificado deste parecer nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, o recorrente respondeu, reafirmando os argumentos do seu recurso e enunciado a prova que sustentava a sua pretensão.
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Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.
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II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso.
As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:
- Erro de julgamento em sede de matéria de facto;
- Erro de julgamento em sede de direito.
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Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente e razões da sua fixação, sendo do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e respectiva motivação constantes do acórdão recorrido (transcrição)[1]:
«I - Fundamentação de facto:
A - Factos provados:
Da acusação:
1. A menor BB, nasceu em .../.../2009, é filha de GG e do arguido AA, com quem residiu desde data não concretamente apurada em casa dos avós, sita na rua ..., em ..., Concelho ....
2. Em data não concretamente apurada, quando a menor BB tinha entre 6 e 7 anos de idade, a avó foi busca-la à escola e, quando chegaram a casa, o pai, que estava sentado no sofá, chamou-a.
3. Quando aí chegou o arguido que já tinha desapertado e baixado ligeiramente as calças, pediu à BB para que se sentasse no seu colo tendo aquela acedido.
4. Quando a BB se encontrava sentada no colo do arguido este tocou-lhe na barriga, puxou-a para si e começou a balançar o corpo da filha, para a frente e para trás, de forma repetida.
5. Incomodada com o comportamento do pai e sentido a pele daquele a tocar no seu corpo, a menor alegando que precisava ir à casa de banho logrou sair do colo e afastar-se do arguido.
6. Também em data não concretamente apurada, no ano de 2020, no Verão, num sábado, a menor foi passar o fim-de-semana a casa do pai, sita na rua ..., em ....
7. Aproveitando que a esposa FF tinha ido trabalhar, o arguido chamou a BB e perguntou-lhe de que cor eram as suas cuecas e, depois da menor ter respondido que não sabia, levantou-lhe a saia.
8. Ademais, o arguido estava a ver um vídeo de cariz sexual, onde um homem estava sentado numa cadeira enquanto uma mulher se despia à sua frente, vídeo que exibiu à BB e a quem perguntou se sabia dançar aquela “dança”, acrescentando que a vizinha HH dançava muito bem.
9. Como a menor disse que não sabia dançar, enquanto mostrava o vídeo, o arguido mandou a BB sentar-se no seu colo, ao que aquela acedeu, ficando de costas para o corpo daquele.
10. Aí o arguido, que já tinha desapertado e baixado as calças, puxou a menor contra si e friccionou o corpo daquela contra o seu, em gestos de para a frente e para trás, de forma repetida.
11. Incomodada com comportamento do pai e sentido a pele daquele a tocar no seu corpo, BB logrou sair do colo daquele e afastar-se do arguido.
12. O arguido agiu da forma descrita, com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos, bem sabendo a idade da menor (6/7 e 10 anos à data) e que por isso, não tinha a capacidade e o discernimento necessários a tomar qualquer decisão, livre e pessoal, quanto à prática de qualquer ato de natureza sexual, não ignorando que, com a sua conduta, prejudicava o livre desenvolvimento da personalidade da mesma na esfera sexual.
13. Ademais o arguido escolheu a sua filha para com ele manter contacto físico de cariz sexual, não obstante ser do seu conhecimento essa relação familiar como também a sua idade, bem sabendo que era menor de 14 anos e que não tinha capacidade para se determinar sexualmente, tendo-se aproveitado para tanto da ingenuidade, inexperiência e credulidade, não se abstendo, ainda assim de agir como planeou e executou.
14. O arguido atuou sempre livre, deliberada e conscientemente, com o intuito de satisfazer os seus instintos libidinosos e as suas paixões lascivas, bem como de obter satisfação sexual, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
(….)
*
Vejamos os fundamentos do recurso.
*
(…)
Invoca também o recorrente, na eventualidade da manutenção da matéria de facto provada, que a decisão padece de erro de julgamento em sede de direito, posto que não está em causa qualquer acto sexual de relevo.
Argumenta o recorrente que quer ele quer a ofendida estavam vestidos e que os factos ocorreram apenas duas vezes.
Para reforçar a sua alegação recorre à caracterização da acção pela negativa, afirmando que não se sabe quantas vezes foi feito o movimento descrito, que não se sabe se foi usada força, que não resulta dos autos que tenha sido acompanhada de qualquer expressão sexualmente sugestiva, que não beijou, apalpou ou acariciou a menor.
Traz ainda à colação, de forma totalmente deslocada desta análise de direito, alegadas[2] afirmações da ofendida sobre a conduta do recorrente.
A argumentação do recorrente é parca, pois, na verdade, nem as declarações da ofendida nem aquilo de que não se fez prova e não ficou consignado na matéria de facto importam para a qualificação jurídica dos factos, que, como a própria expressão induz, se limita a subsumir a factualidade assente ao direito.
É a partir dos factos provados que temos de encontrar o enquadramento jurídico dos mesmos.
E nesta perspectiva, consideramos que o recorrente alega um único argumento a ponderar e que respeita à circunstância de nas duas ocasiões o arguido e a menor estarem vestidos.
Vejamos, antes, porém, a apreciação que a este propósito foi levada a cabo pelo Tribunal a quo[3]:
«II - Fundamentação de direito:
2.1. Subsunção jurídico-penal dos factos dados como provados:
2.1.1. Generalidades:
Feita a fundamentação de facto, importa agora proceder à respetiva qualificação jurídica, pois, conforme refere Cavaleiro Ferreira, o facto só é definível na sua unidade ou pluralidade em função dum critério, duma perspectiva que em Direito tem de provir da própria lei (Concurso de Normas Penais», in Scientia Juridica, XXIX, nºs 164 e 165, pág.1180), sendo certo que, conforme ensinamento de Eduardo Correia, ter-se-á de ter em conta que para o Direito Penal o facto só interessa se perspetivado como desvalor (cfr. «Direito Criminal», I, págs. 231 a 237), sendo o ponto de partida de toda a elaboração do direito criminal a conduta, o comportamento humano, a acção em sentido lato como juízo teleológico, como negação de valores ou interesses pelo homem.
2.1.2. Dos crimes de abuso sexual de crianças:
Ao arguido é imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal (a que correspondem as penas acessórias previstas nos artgs 69º-B, nº 2, e 69º-C, nºs 2 e 3, ambos do Código Penal).
Ora, o artº 171º, nº 1, do Código Penal, dispõe da seguinte forma:
1 – Quem praticar ato sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
A incriminação deste tipo de condutas visa a proteção da autodeterminação sexual, face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coação, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade, presumindo a lei que a prática de atos sexuais com menor, em menor ou por menor de certa idade prejudica o seu desenvolvimento global (cfr., neste sentido, Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial, Tomo I, p. 541).
O agente pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, e a vítima é necessariamente uma criança ou jovem menor de 14 anos de idade, de qualquer sexo, iniciada ou não sexualmente, possuindo ou não discernimento para entender o ato sexual que nela, com ela ou perante ela se pratica ou se leva a praticar, cabendo-lhe ou não uma intervenção ativa no respetivo processo.
Para ser incriminado, o agente pode utilizar o seu próprio corpo ou praticar atos ou gestos sexuais com terceiro (por ex., quando o agente pratica cópula com um parceiro diante de uma criança).
Ato sexual de relevo será todo aquele (em princípio ativo e só muito excecionalmente omissivo) que de um ponto de vista predominantemente objetivo, assume a natureza de um conteúdo ou um significado diretamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por via disso, com a liberdade da determinação sexual da vítima.
«No dizer do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.1996 in CJ, STJ, IV, tomo 3, 170 citado em Maia Gonçalves in CP Português, Comentado e Anotado, 12ª edição, 1998, Coimbra, 539 “ato sexual é aquele que tem uma relação com o sexo (relação objetiva) se reveste de certa gravidade e é praticado com intenção de satisfazer apetites sexuais” (…). De todo o modo o tipo está limitado pelo uso de expressão restritiva de relevo. O direito criminal, como ultima ratio implica que só seja tutelada a liberdade sexual contra ações que revistam certa gravidade. Em tais termos, atos como o coito anal e a masturbação devem ser aqui incluídos; o mesmo não sucederá, em regra, com os beliscões e os beijos, que só o deverão ser, em casos extremos, ou seja, naqueles em que exista grande intensidade objetiva e intuitos sexuais atentatórios da autodeterminação sexual. Também Leal Henriques e Simas Santos in Código Penal, 2º volume, 2ª edição, Rei dos Livros, 230, afirmam que “não é qualquer ato de natureza sexual que serve o espírito do artigo, mas apenas aqueles que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade do sujeito passivo e invadam de uma maneira objetivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património intimo que no domínio da sexualidade, é apanágio de todo o ser humano”.
No Comentário Conimbricense (Tomo I, 447 a 449) o Professor Figueiredo Dias diz que “ato sexual é todo aquele que de um ponto de vista predominantemente objetivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado diretamente relacionados com a esfera da sexualidade e, consequentemente, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica” (…) “Ao exigir que o ato sexual seja de relevo a lei impõe ao intérprete que afaste da tipicidade não apenas os atos insignificantes ou bagatelares, mas que investigue do seu relevo na perspetiva do bem jurídico protegido (…); é dizer, que determine - ainda aqui de um ponto de vista objetivo – se o ato representa um entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima”.
Ficam, pois, excluídos do tipo atos que, embora passados e em si significantes por impróprios, desonestos, ou de mau gosto, todavia, pela sua pequena quantidade, ocasionalidade ou instantaneidade não entravem de forma importante a livre determinação sexual da vítima.
Relevante para a determinação do conteúdo e significado do caráter sexual do ato pode ser também o circunstancialismo de lugar, de tempo, das condições que o rodeiam e que o faça ser reconhecível pela vítima como sexualmente significativo.» (citação do acórdão do TRP de 11.05.2016, processo nº 225/12.6JAAVR.P1, com texto integral em www.dgsi.pt).
Note-se ainda que é irrelevante para efeitos de incriminação o consentimento da vítima.
Trata-se de um crime de perigo abstrato, na medida em que – em face da presunção já acima aludida -, a incriminação tem lugar independentemente da possibilidade de um perigo concreto para o desenvolvimento livre, físico ou psíquico, do menor ou da violação do bem jurídico cuja proteção se visa antecipar.
O tipo subjetivo de ilícito, por sua vez, exige o dolo em alguma das suas modalidades (cfr. artº 14º, do Código Penal).
O dolo é o conhecimento e a vontade de realizar o tipo de ilícito, sendo certo que a representação do facto constitui o seu elemento intelectual (que segundo a teoria da representação compreende os elementos essenciais do crime, tais como a conduta por ação ou por omissão – por ex., o evento e o nexo causal nos crimes de resultado) e os seus elementos normativos; já a intenção da sua realização constitui o chamado elemento volitivo, que compreende, segundo a teoria da vontade, a resolução ou a decisão de agir.
Tendo presente o exposto e reportando-nos agora à factualidade dada como provada, verificamos o arguido, em duas ocasiões distintas – separadas por vários anos - levou a que a filha se sentasse no seu colo, balançando o corpo desta para a frente e para trás de forma repetida (simulando pois o ato sexual), sendo certo que AA tinha desapertado e baixado ligeiramente as suas calças. Fê-lo animado de resoluções criminosas igualmente distintas, sendo que a vítima, à data, contava com 6 ou 7 anos e mais tarde com 10 anos de idade.
Tais atos, s.m.o, enquadram-se no conceito de ato sexual de relevo, porquanto relevantemente intrusivos na esfera sexual da menor, sobretudo num contexto em que se encontrava sozinha com o seu progenitor, a ponto de ela se afastar incomodada ao sentir o contacto da sua pele com a pele do progenitor.
Além disso, a conduta de AA cai na previsão legal da al. a), do nº 1, do artº 177º, do Código Penal, na medida em que é o progenitor da vítima, pelo que se trata de comportamento que merece uma censura acrescida.[4]
Em suma, o arguido praticou dois crimes de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artgs 171º, nº 1, e 177º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal (a que correspondem as penas acessórias previstas nos artgs 69º-B, nº 2, e 69º-C, nºs 2 e 3, ambos do Código Penal).»

Esta avaliação, quanto a nós, mostra-se correcta e certeira, pelo que não nos alongaremos na análise do tipo de crime.
O recorrente, em boa verdade, aceita em termos genéricos a caracterização do tipo de ilícito que aqui está em causa, discordando apenas que no caso concreto os factos dados como provados em cada uma das ocasiões descritas assumam a intensidade da conotação sexual que àquele subjaz.
Recorrendo à posição perfilhada no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-06-2013[5], diríamos que o acto sexual de relevo, no contexto que aqui se analisa, é todo o que tenha uma natureza objectiva estritamente relacionada com a actividade sexual, ou seja, que normalmente apenas seja praticado no domínio da sexualidade entre pessoas, e que atenta de forma grave contra a liberdade de autodeterminação sexual do visado, podendo esta graduação variar em face da natureza, intensidade ou duração da conduta.
Também no acórdão deste Tribunal do Porto de 08-06-2022[6], se segue idêntica posição, podendo aí apreender-se de forma desenvolvida o preenchimento doutrinal e jurisprudencial do conceito de acto sexual de relevo, em consonância com o enunciado na decisão recorrida.
Relembrando os factos que estão em causa neste julgamento, temos uma primeira ocasião, quando a ofendida tinha entre 6 e 7 anos de idade, em que a avó a foi busca à escola e quando chegaram a casa, o pai, que estava sentado no sofá, chamou-a. Quando aí chegou o arguido que já tinha desapertado e baixado ligeiramente as calças, pediu à BB para que se sentasse no seu colo tendo aquela acedido. E quando a BB se encontrava sentada no colo do arguido este tocou-lhe na barriga, puxou-a para si e começou a balançar o corpo da filha, para a frente e para trás, de forma repetida. Incomodada com o comportamento do pai e sentido a pele daquele a tocar no seu corpo, a menor alegando que precisava ir à casa de banho logrou sair do colo e afastar-se do arguido.
E uma segunda ocasião, num sábado no Verão do ano de 2020, tinha a ofendida 10 anos, e tinha ido passar o fim-de-semana a casa do pai, sita na rua ..., em .... Aproveitando que a esposa FF tinha ido trabalhar, o arguido chamou a BB e perguntou-lhe de que cor eram as suas cuecas e, depois da menor ter respondido que não sabia, levantou-lhe a saia. Ademais, o arguido estava a ver um vídeo de cariz sexual, onde um homem estava sentado numa cadeira enquanto uma mulher se despia à sua frente, vídeo que exibiu à BB e a quem perguntou se sabia dançar aquela “dança”, acrescentando que a vizinha HH dançava muito bem. Como a menor disse que não sabia dançar, enquanto mostrava o vídeo, o arguido mandou a BB sentar-se no seu colo, ao que aquela acedeu, ficando de costas para o corpo daquele. Aí o arguido, que já tinha desapertado e baixado as calças, puxou a menor contra si e friccionou o corpo daquela contra o seu, em gestos de para a frente e para trás, de forma repetida. Incomodada com comportamento do pai e sentido a pele daquele a tocar no seu corpo, BB logrou sair do colo daquele e afastar-se do arguido.

A descrição antecedente não deixa margem para dúvidas – e o Tribunal a quo também as não teve – de que o arguido, em cada uma das duas ocasiões indicadas, actuou como que simulando um acto sexual de penetração, reproduzindo os movimentos de oscilação para a frente e para trás que lhe são próprios, sendo que na segunda ocasião a descrição é mais pormenorizada e intensa, explicando-se que com os referidos movimentos oscilatórios o arguido friccionou o corpo da menor contra o seu, acção que representa um acto de natureza marcadamente sexual, correspondendo muitas vezes a condutas preliminares à efectiva penetração.
Não se tratou de um toque esquivo ou de um leve e arisco roçar no corpo na menor. O arguido, ainda que com alguma roupa vestida – o que, todavia, não impediu que a pele dele tocasse na dela –, desapertou as calças, baixou-as e colocou a menor no seu colo, posição que permite o contacto das zonas genitais de um e de outro, ainda que cobertas com roupas, e nessa posição movimentou o corpo da menor nos termos descritos. Na segunda situação a acção é complementada e acompanhada com a exibição de um vídeo de cariz sexual e com a interpelação da menor para saber se sabia reproduzir os movimentos da mulher que, no vídeo, se despia à frente de um homem.
Estas descritas dinâmicas são para o comum do cidadão atentatória de sentimentos de pudor e de vergonha, pois envolvem contactos em zonas corporais erógenas realizados através de movimentos objectivamente conotados com a sexualidade do ser humano.
Tais condutas não podem, por isso, deixar de ser consideradas, em qualquer das ocasiões, um acto sexual de relevo, ofensivo e condicionante da liberdade e da autonomia sexual que a menor tem pleno direito a preservar e a desenvolver, e que em concreto foram de imediato pela mesma percepcionadas como incomodativas, tanto mais que sentiu a pele do arguido a tocar na sua – relembra-se que o arguido havia desapertado e baixado as calças (apenas ligeiramente na primeira ocasião).
Esta sensação de incomodo e a imediata reacção da menor de afastamento do colo do arguido, mesmo com apenas 6 ou 7 anos, é um sinal muito claro da forte perturbação infligida à liberdade de autodeterminação sexual da ofendida e ao direito a um sereno e harmonioso desenvolvimento da sua sexualidade e de quão ofensivas as condutas do arguido foram dos mesmos.
Nenhuma censura há, assim, que fazer recair nesta parcela do acórdão recorrido, improcedendo na íntegra o recurso.
*
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (arts. 513.º, n.ºs. 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).

Porto, 03 de Maio de 2023

(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)

Maria Joana Grácio
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
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[1] As notas-de-rodapé assumiram diferente numeração com a inserção do excerto do texto nesta decisão.
[2] O recorrente, ao longo das suas alegações de recurso, nunca especificou qualquer particular parcela das declarações da ofendida de acordo com o disposto no art. 412.º, n.º s 3 e 4, do CPPenal.
[3] A nota-de-rodapé assumiu diferente numeração com a inserção do excerto do texto nesta decisão.
[4] Segundo a qual as penas previstas nos artgs 163º a 165º e 167º a 176º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for ascendente, descendente, adotante, adotado, parente ou afim até ao segundo grau do agente.
[5] Relatado por Maria Pilar de Oliveira no âmbito do Proc. n.º 204/10.8TASEI.C1, acessível in www.dgsi.pt. Aí encontramos outras referências doutrinais e jurisprudenciais que auxiliam na consolidação do conceito e para as quais se remete.
[6] Relatado por Amélia Catarino no âmbito do Proc. n.º 3926/17.9JAPRT.P1, acessível in www.dgsi.pt, também subscrito pela aqui relatora na qualidade de juiz-adjunta.