Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20/23.7YRPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MARTINS
Descritores: RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Nº do Documento: RP2023052420/23.7YRPRT.P1
Data do Acordão: 05/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: RECUSADO PARCIALMENTE O PEDIDO DE RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: No caso vertente, tendo em conta a duração (inferior a seis meses) de duas das sanções alternativas imposta pelo Estado emitente, há motivo de recusa de reconhecimento quanto às medidas de trabalho a favor da comunidade e de proibição de aproximação, atenta a alínea j) do artigo 36.º da Lei n.º 158/2015, de 12 de setembro, e a natureza impositiva da norma do n.º 1 do mesmo preceito legal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 20/23.7YRPRT.P1

Reconhecimento e execução de sentença penal europeia


Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
I.1. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, ao abrigo da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, veio requerer o reconhecimento e execução de sentença penal europeia proferida contra a cidadã portuguesa AA, devidamente identificada nos autos, para efeitos de cumprimento em Portugal das penas aplicadas, com os seguintes fundamentos (transcrição integral):
“1.º Por decisão datada de 25 de Fevereiro de 2022, com o número 59/2022, proferida pela Unidade Processual de Apoio Directo Penal - Juízo Criminal n.° 2 de Vitória-Gasteiz, em audiência de julgamento realizada no âmbito do Processo Abreviado N.° 390/2.021, derivado do Inquérito - Processo Abreviado n.° 298/2.019 do Juízo de Violência Contra a Mulher n.° 1, de Vitória-Gasteiz, na Comunidade Autonómica do País Basco do Reino de Espanha, ao abrigo do disposto nos artigos 27.°, 28.° e 153.°, n.°s 2, 3 e 4, do Código Penal Espanhol, e pela prática de um crime de maus tratos não habituais no âmbito familiar, foi a ora requerida AA condenada nas penas de 30 (trinta) dias de trabalhos em favor da comunidade, privação do direito de posse e porte de armas pelo período de 1 (um) ano, e proibição de se aproximar a menos de 200 (duzentos) metros de BB, da respectiva casa, local de trabalho ou de qualquer outro local em que o mesmo se encontre ou que frequente, durante o período de um mês.
2.° A punição acima mencionada, na parte que ora releva, assentou na seguinte resenha de factos dados como provados:
- «Em 2 de Dezembro de 2019, enquanto os dois arguidos estavam na casa onde moravam, durante uma discussão, a arguida esbofeteou o arguido. O arguido então deu um murro na barriga da arguida, fazendo com que esta caísse ao chão e pedisse ajuda a uma terceira pessoa.
Devido a esses factos ... BB apresentou equimose na região da bochecha esquerda, lesão que necessitou apenas de um atendimento médico, sem necessidade de tratamento médico, demorando 2 dias para curar, nenhum deles impeditivo para as suas ocupações habituais.
Ambos renunciaram a qualquer indemnização a que possam ter direito por esses factos».
3.° De harmonia com o disposto nos artigos 787.°, n.° 6, e 789.°, n.° 2, do Código de Processo Penal Espanhol, a decisão condenatória em referência transitou de imediato em julgado, pois que foi proferida oralmente e quer o Ministério Público quer as partes manifestaram a sua decisão de não recorrer.
4.° O crime por cuja prática a requerida foi penalmente responsabilizada no País Basco é igualmente punido em Portugal, nomeadamente como crime de violência doméstica, plasmado no artigo 152.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal, ou, ainda que assim não se entendesse, como crime de ofensa à integridade física simples, da previsão do artigo 143.° do mesmo diploma legal, assim se registando como verificada a dupla incriminação legalmente exigida - cfr. artigo 3.°, n.°s 1 e 2, da Lei n.° 158/2015, de 17 de Setembro.
5.° Quer pela lei do País Basco/Reino de Espanha, quer face à lei portuguesa, os tribunais do País Basco são os competentes, em razão do território, para o julgamento e condenação da ora requerida.
6.° A decisão proferida pelo Tribunal do País Basco não contém disposições que violem os princípios do ordenamento jurídico português.
7.° Pelo que a decisão em apreço deverá ser reconhecida e executada quanto às penas acima mencionadas em que a requerida se mostra condenada, em conformidade com o disposto nos artigos 1.° a 4.° e 13.° da Lei n.° 158/2015, de 17 de Setembro.
8.° Não se verificando qualquer motivo de recusa para o respectivo reconhecimento e execução, para poder ser executada em Portugal a sentença em referência carece de ser previamente revista e confirmada, nos termos do disposto nos artigos 13.° da Lei n.° 158/2015, de 17 de Setembro, e 234.° do Código de Processo Penal.
9.° Sendo o Tribunal da Relação do Porto material e territorialmente competente para tal efeito - cfr. artigos 13.°, n.° 1, da Lei n.° 158/2015, de 17 de Setembro, e 235.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, conjugados com as pertinentes normas da LOSJ, aprovada pela Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto, e legislação complementar.”
Conclui pedindo que se declare revista e confirmada a decisão com o número 59/2022, datada de 25 de Fevereiro de 2022 e imediatamente transitada, proferida pela Unidade Processual de Apoio Directo Penal - Juízo Criminal N.° 2 de Vitória-Gasteiz, em audiência de julgamento realizada no âmbito do Processo Abreviado n.° 390/2021, derivado do Inquérito - Processo Abreviado n.° 298/2.019 do Juízo de Violência Contra a Mulher n.° 1, de Vitória-Gasteiz, atribuindo-se-lhe força executória, para cumprimento em Portugal das penas de 30 (trinta) dias de trabalhos em favor da comunidade, de privação do direito de posse e porte de armas pelo período de 1 (um) ano, e de proibição de se aproximar a menos de 200 (duzentos) metros de BB, da respectiva casa, local de trabalho ou de qualquer outro local em que o mesmo se encontre ou que frequente, durante o período de um mês, aplicadas à cidadã portuguesa AA.
Juntou cópia da sentença proferida no âmbito do processo abreviado n.º 390/2021 traduzida em língua portuguesa e certidão referida no artigo 6º da Decisão-Quadro 2008/947/JAI do Conselho, de 27 de Novembro de 2008.
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I.2. Citada a requerida para, querendo, se opor ao pedido de reconhecimento e execução da sentença, nada disse.
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I.3. Notificados para apresentarem alegações o Ministério Público renovou o pedido formulado.
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I.4. Este Tribunal da Relação proferiu despacho que determinou que se informasse previamente, de forma urgente e directa, o Estado emissor através do Tribunal solicitante:
i) Da eventual existência de uma causa de recusa de reconhecimento e execução da pena de proibição de a requerida se aproximar a menos de 200 (duzentos) metros de BB, da respectiva casa, local de trabalho ou de qualquer outro local em que o mesmo se encontre ou que frequente, durante o período de um mês;
ii) Que o Estado Português pode assumir a fiscalização dessa sanção alternativa se for obtido acordo pelo Tribunal espanhol de condenação;
iii) Que o tribunal espanhol de condenação terá, querendo, que autorizar essa fiscalização no prazo de 15 dias seguidos a contar da recepção da presente comunicação;
iv) Que, se o Tribunal espanhol de condenação autorizar, será assumida a fiscalização da pena de proibição de a requerida se aproximar a menos de 200 (duzentos) metros de BB, da respectiva casa, local de trabalho ou de qualquer outro local em que o mesmo se encontre ou que frequente, durante o período de um mês, mas não será assumida, em caso de incumprimento, a responsabilidade pela tomada das decisões referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 40º da Lei n.º 158/2015, de 12.09.
Decorrido o prazo concedido a referida Autoridade não apresentou qualquer resposta.
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I.5. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Factos Provados
Com interesse para a decisão consideram-se provados os seguintes factos (com base nos documentos juntos aos autos):
i. Por decisão datada de 25 de Fevereiro de 2022, transitada em julgado de imediato, com o número 59/2022, proferida pela Unidade Processual de Apoio Directo Penal - Juízo Criminal n.º 2 de Vitória-Gasteiz, em audiência de julgamento realizada no âmbito do Processo Abreviado n.º 390/2.021, derivado do Inquérito - Processo Abreviado n.º 298/2.019 do Juízo de Violência Contra a Mulher n.º 1, de Vitória-Gasteiz, na Comunidade Autonómica do País Basco do Reino de Espanha, a ora requerida AA, de nacionalidade português, foi condenada pela prática de um crime de maus tratos não habituais no âmbito familiar ao abrigo do disposto nos artigos 27.º, 28.º e 153.º, n.ºs 2, 3 e 4, todos do Código Penal Espanhol, nas penas de 30 (trinta) dias de trabalhos em favor da comunidade, privação do direito de posse e porte de armas pelo período de 1 (um) ano, e proibição de se aproximar a menos de 200 (duzentos) metros de BB, da respectiva casa, local de trabalho ou de qualquer outro local em que o mesmo se encontre ou que frequente, durante o período de um mês.
ii. Tal condenação teve por base os seguintes factos:
- BB, maior de idade e AA tiveram uma relação sentimental, actualmente rompida, mas mantinham a convivência no domicílio de AA situado na Avenida ..., ..., Comunidade Autonómica do País Basco do Reino de Espanha;
- em 2 de Dezembro de 2019, enquanto os dois arguidos estavam na casa onde moravam, durante uma discussão, a arguida esbofeteou o arguido. O arguido então deu um murro na barriga da arguida, fazendo com que esta caísse ao chão e pedisse ajuda a uma terceira pessoa;
- Devido a estes factos BB apresentou equimose na região da bochecha esquerda, lesão que necessitou apenas de um atendimento médico, sem necessidade de tratamento médico, demorando 2 dias para curar, nenhum deles impeditivo para as suas ocupações habituais;
iii. A requerida esteve presente no julgamento que conduziu à referida decisão condenatória, tendo sido assistida por um advogado.
iv. A requerida entretanto regressou a Portugal, residindo na Rua ..., em ....
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II.2. Apreciação do pedido
A pretensão formulada nos presentes autos fundamenta-se na Lei n.º 158/2015, de 17.09 (com a redacção introduzida pela Lei n.º 155/2019, de 12.09) que aprovou o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade, para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, bem como o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças e de decisões relativas à liberdade condicional para efeitos da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas.
O pedido formulado é o de reconhecimento e da execução, em Portugal, da sentença em matéria penal proferida pela autoridade competente de outro Estado membro da União Europeia (Espanha), com o objectivo de facilitar a reinserção social da pessoa condenada e que impôs à requerida 30 (trinta) dias de trabalhos em favor da comunidade, privação do direito de posse e porte de armas pelo período de 1 (um) ano, e proibição de se aproximar a menos de 200 (duzentos) metros de BB, da respectiva casa, local de trabalho ou de qualquer outro local em que o mesmo se encontre ou que frequente, durante o período de um mês – artigo 1º, n.º 2, 2ª parte da citada Lei n.º 158/2015.
Vejamos, então, o regime que, na parte relevante para o caso em apreço, decorre da citada Lei n.º 158/2015.
Dispõe o artigo 27º, com a epígrafe “Tipos de medidas de vigilância e de sanções alternativas” que:
1. O disposto nos capítulos seguintes aplica-se à transmissão de sentenças e de decisões relativas às seguintes sanções alternativas ou medidas de vigilância:
(…)
f) Deve de evitar o contacto com determinadas pessoas;
g) Dever de evitar o contacto com objectos específicos que tenham sido, ou sejam suscetíveis de ser, usados pela pessoa condenada para cometer uma infração penal;
(…)
i) Prestação de trabalho a favor da comunidade; (…)”.
Por seu turno, o artigo 36º, com a epígrafe “Motivos de recusa do reconhecimento e da fiscalização” estabelece que:
1 - A autoridade portuguesa competente para a execução recusa o reconhecimento da sentença, ou, se for caso disso, da decisão relativa à liberdade condicional, bem como a assunção da responsabilidade pela fiscalização das medidas de vigilância ou das sanções alternativas se:
a) A certidão referida no n.º 1 do artigo 30.º estiver incompleta ou não corresponder manifestamente à sentença ou à decisão relativa à liberdade condicional e não tiver sido completada ou corrigida dentro de um prazo razoável, entre 30 a 60 dias, a fixar pela autoridade portuguesa competente para a execução;
b) Não estiverem preenchidos os critérios definidos no n.º 2 do artigo 3.º ou nos n.os 1 e 2 do artigo anterior;
c) O reconhecimento da sentença e a assunção da responsabilidade pela fiscalização das medidas de vigilância ou das sanções alternativas forem contrários ao princípio ne bis in idem;
d) A sentença disser respeito a factos que não constituam uma infração nos termos da legislação nacional portuguesa;
e) A pena a executar tiver prescrito nos termos da legislação nacional portuguesa e os factos que estão na sua origem forem da competência de Portugal, nos termos da sua legislação nacional;
f) Se previr, na legislação nacional portuguesa, uma imunidade que impeça a fiscalização das medidas de vigilância ou das sanções alternativas;
g) A pessoa condenada não for, devido à sua idade e nos termos da legislação nacional portuguesa, responsável penalmente pelos factos subjacentes à sentença;
h) De acordo com a certidão prevista no artigo 30.º, a pessoa não esteve presente no julgamento que conduziu à decisão, a menos que a certidão ateste que a pessoa, em conformidade com outros requisitos processuais definidos no direito nacional do Estado de emissão:
i) Foi atempada e pessoalmente notificada da data e do local previstos para o julgamento que conduziu à decisão, ou recebeu efetivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto e foi informada de que essa decisão podia ser proferida mesmo não estando presente no julgamento;
ii) Tendo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor designado por si ou pelo Estado para a sua defesa em tribunal e foi efetivamente representada por esse defensor no julgamento; ou
iii) Depois de ter sido notificada da decisão e expressamente informada do direito a novo julgamento ou a recurso e a estar presente nesse julgamento ou recurso, que permite a reapreciação do mérito da causa, incluindo novas provas, e pode conduzir a uma decisão distinta da inicial, declarou expressamente que não contestava a decisão ou não requereu novo julgamento ou recurso dentro do prazo aplicável;
i) A sentença ou, se for caso disso, a decisão relativa à liberdade condicional determinar uma medida de tratamento médico-terapêutico cuja fiscalização, não obstante o disposto no artigo 39.º, não possa ser assumida pelo Estado português, de acordo com o seu sistema jurídico ou de saúde;
j) A duração da medida de vigilância ou da sanção alternativa for inferior a seis meses; ou
k) A sentença disser respeito a infrações penais que, de acordo com a legislação nacional do Estado português, se considere terem sido cometidas, na totalidade, em grande parte ou no essencial, no seu território ou em local considerado como tal.
(…)
4 - Nos casos referidos nas alíneas a), b), c), h), i), j), l) e k) do n.º 1, antes de decidir não reconhecer a sentença ou, se for caso disso, a decisão relativa à liberdade condicional, e não assumir a responsabilidade pela fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas, a autoridade competente do Estado português deve comunicar com a autoridade competente do Estado de emissão por qualquer meio adequado e, se oportuno, deve solicitar-lhe que faculte sem demora todas as informações complementares necessárias.
5 - Não obstante a autoridade portuguesa competente invocar um motivo de recusa referido no n.º 1, em especial os motivos referidos na alíneas d) ou k), pode, de comum acordo com a autoridade competente do Estado de emissão, decidir proceder à fiscalização da medida de vigilância ou da sanção alternativa aplicada na sentença e, se for caso disso, na decisão relativa à liberdade condicional que lhe foram enviadas, sem assumir a responsabilidade pela tomada das decisões referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 40.º”
Por sua vez, o artigo 40º da citada Lei n.º 158/2018 dispõe que:
1 - A autoridade portuguesa competente para a execução é competente para tomar todas as decisões subsequentes relacionadas com uma pena suspensa, liberdade condicional, condenação condicional ou sanção alternativa, designadamente em caso de incumprimento de uma medida de vigilância ou de uma sanção alternativa, ou se a pessoa condenada cometer uma nova infração penal.
2 - Essas decisões subsequentes incluem, nomeadamente:
a) A modificação de deveres ou regras de conduta que constituem a medida de vigilância ou a sanção alternativa, ou a alteração da duração do período de vigilância;
b) A revogação da suspensão da execução da pena de prisão ou a revogação da liberdade condicional; e
c) A aplicação de uma pena de prisão ou medida privativa de liberdade no caso de sanção alternativa ou condenação condicional.
3 - A legislação nacional do Estado português é aplicável às decisões tomadas ao abrigo do n.º 1 e a todas as consequências subsequentes da sentença, incluindo, se for caso disso, a execução e, se necessário, a adaptação da pena de prisão ou medida privativa de liberdade.”
No caso vertente, a sentença foi transmitida a Portugal (mais precisamente à autoridade competente do Estado de execução) pela autoridade competente do Estado de emissão, acompanhada da certidão cujo modelo consta do anexo I à Lei n.º 158/2015, a qual se mostra devidamente preenchida e traduzida para a língua portuguesa correspondendo à sentença (cf. artigos 30º e 34º da citada Lei n.º 158/2015).
O crime pelo qual o requerido foi condenado no Estado de emissão (maus tratos não habituais no âmbito familiar) não fazem parte do elenco do n.º 1 do artigo 3º da citada Lei n.º 158/2015, todavia, os factos pelos quais a requerida foi condenada são igualmente puníveis na ordem jurídica portuguesa, nomeadamente, como crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n1, al. b) do Código Penal ou, pelo menos, como crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal e, como tal, verifica-se a dupla incriminação do facto prevista no n.º 2 do artigo 3º da citada Lei n.º 158/2015 (cf. artigo 36º, n.º 1, als. b) e d) da citada Lei n.º 158/2015).
Refira-se que não há notícia de que a execução contrarie o princípio ne bis in idem, que nos termos da lei portuguesa as penas não se mostram prescritas, que não existe uma imunidade que impeça a execução da condenação e que a condenada é imputável em razão da idade (cf. artigo 36º, n.º 1, als. c), e), f) e g) da citada Lei n.º 158/2015).
Acresce que, a requerida esteve presente no julgamento e foi assistida por defensor (cf. artigo 36º, n.º 1, al. h) da citada lei n.º 158/2015) e a infracção em causa não foi praticada em território nacional ou em local considerado como tal (cf. artigo 36º, n.º 1, al. k) da citada lei n.º 158/2015).
Ademais, a requerida tem nacionalidade portuguesa e reside em Portugal (cf. artigos 35º e 36º, n.º 1, al. b), parte final da citada lei n.º 158/2015).
Em causa está o reconhecimento de sentença penal europeia para fins de posterior execução em Portugal das seguintes sanções alternativas:
a) 30 (trinta) dias de trabalhos em favor da comunidade;
b) Privação do direito de posse e porte de armas pelo período de 1 (um) ano; e
c) Proibição de se aproximar a menos de 200 (duzentos) metros de BB, da respectiva casa, local de trabalho ou de qualquer outro local em que o mesmo se encontre ou que frequente, durante o período de um mês.
Ora, tendo em conta a duração das sanções alternativas imposta pelo Estado emitente não podemos deixar de concluir que há motivo de recusa de reconhecimento quanto às medidas de trabalho a favor da comunidade e de proibição de aproximação atenta a alínea j) do artigo 36º da citada Lei n.º 158/2015 e a natureza impositiva da norma do n.º 1 do mesmo preceito legal (neste sentido, veja-se Ac. do STJ de 04.04.2019 e Ac. do TRL de 25.06.2019, ambos acessíveis em www.dsgi.pt).
Acrescenta-se ainda que a solução subsidiária prevista no n.º 5 do artigo 36º da citada Lei n.º 158/2015 tendente a uma fiscalização da medida mesmo sem o reconhecimento da sentença não se mostra viável quanto à pena de prestação de trabalho a favor da comunidade atenta a sua natureza e o respectivo regime legal, designadamente, os procedimentos e regras técnicas destinados a facilitar e promover a organização das condições práticas de aplicação e execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade estabelecidos no nosso ordenamento jurídico (cf. artigo 496º do Código de Processo Penal).
Quanto à pena de proibição de aproximação a sua fiscalização mostrando-se compatível com o disposto no n.º 5 do artigo 36º da citada Lei n.º 158/2015 este tribunal diligenciou previamente junto do Estado emissor para obtenção, nesta parte, do respectivo acordo por forma a se proceder à sua fiscalização, com as limitações previstas no n.º 5 do citado artigo 36º face à existência de motivo de recusa de reconhecimento.
Ora, apesar de interpelado para se manifestar o Estado emissor nada disse.
Nestes termos, tendo duas das sanções alternativas impostas pelo Estado emitente a duração inferior a 6 meses – 30 (trinta) dias de trabalhos em favor da comunidade e proibição de se aproximar a menos de 200 (duzentos) metros de BB, da respectiva casa, local de trabalho ou de qualquer outro local em que o mesmo se encontre ou que frequente, durante o período de um mês – considera-se haver fundamento para a recusa de reconhecimento da sentença estrangeira nesta parte com vista à sua execução em Portugal.
Quanto à sanção alternativa de privação do direito de posse e porte de armas pelo período de 1 (um) ano conclui-se estarem verificados todos os pressupostos de que depende o reconhecimento da sentença estrangeira em questão e a sua execução em território português, impondo-se, nesta parte, julgar o pedido procedente.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto julgar parcialmente procedente o pedido de reconhecimento e execução de sentença penal europeia e, em consequência, decidem:
a) Recusar o reconhecimento da sentença datada de 25 de Fevereiro de 2022, transitada em julgado, com o número 59/2022, proferida pela Unidade Processual de Apoio Directo Penal - Juízo Criminal n.º 2 de Vitória-Gasteiz, em audiência de julgamento realizada no âmbito do Processo Abreviado n.º 390/2.021, derivado do Inquérito - Processo Abreviado n.º 298/2.019 do Juízo de Violência Contra a Mulher n.º 1, de Vitória-Gasteiz, na Comunidade Autonómica do País Basco do Reino de Espanha, na parte em que condena a requerida AA nas penas de 30 (trinta) dias de trabalhos em favor da comunidade e de proibição de se aproximar a menos de 200 (duzentos) metros de BB, da respectiva casa, local de trabalho ou de qualquer outro local em que o mesmo se encontre ou que frequente, durante o período de um mês;
b) Reconhecer a sentença datada de 25 de Fevereiro de 2022, transitada em julgado, com o número 59/2022, proferida pela Unidade Processual de Apoio Directo Penal - Juízo Criminal n.º 2 de Vitória-Gasteiz, em audiência de julgamento realizada no âmbito do Processo Abreviado n.º 390/2.021, derivado do Inquérito - Processo Abreviado n.º 298/2.019 do Juízo de Violência Contra a Mulher n.º 1, de Vitória-Gasteiz, na Comunidade Autonómica do País Basco do Reino de Espanha, na parte em que condena a requerida AA na pena de privação do direito de posse e porte de armas pelo período de 1 (um) ano e determinar a sua execução e fiscalização em Portugal.
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Notifique.
Comunique de imediato à autoridade competente do Estado de emissão – artigo 37º da citada Lei n.º158/2015.
Após trânsito em julgado da presente decisão, remeta o processo ao Juízo Local Criminal de Ovar da Comarca de Aveiro por ser o competente para a execução e fiscalização da sanção alternativa aludida em b) – artigos 34º, n.º 2 e 35º-A da citada Lei n.º 158/2015.

Sem tributação em custas, sem prejuízo do pagamento de honorários ao Exmo. defensor nomeado à requerida.
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Porto, 24.05.2023
Maria do Rosário Martins
Lígia Trovão
Pedro M. Menezes