Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2930/14.3TBMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
LEGITIMIDADE ACTIVA
SÓCIO
RECEIO DE LESÃO
Nº do Documento: RP201409152930/14.3TBMAI.P1
Data do Acordão: 09/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Sendo os requerentes de uma providência cautelar comum sócios de uma sociedade, qualquer acto ilícito praticado contra ela confere-lhes legitimidade para demandar as pessoas que com tais actos os prejudicaram, não sendo pois necessário que a acção respectiva tenha de ser proposta pela própria sociedade, pois aqueles têm interesse directo na demanda.
II - A existência do “justo receio de perda da garantia patrimonial” não pode bastar-se com o receio subjectivo do credor, baseado em meras conjecturas, antes tem de assentar em factos concretos que o revelem sumariamente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2930/14.3TBMAI.P1
Origem-Tribunal Judicial da Comarca da Maia, 4º Juízo Cível
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
5ª Secção
Sumário:
I- Sendo os requerentes de uma providência cautelar comum sócios de uma sociedade, qualquer acto ilícito praticado contra ela confere-lhes legitimidade para demandar as pessoas que com tais actos os prejudicaram, não sendo pois necessário que a acção respectiva tenha de ser proposta pela própria sociedade, pois aqueles têm interesse directo na demanda.
II- A existência do “justo receio de perda da garantia patrimonial” não pode bastar-se com o receio subjectivo do credor, baseado em meras conjecturas, antes tem de assentar em factos concretos que o revelem sumariamente.
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I-RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B…, casado, residente na Rua …, .., …, Maia, e C…, casado, residente na Rua …, .., ….-… Porto, intentaram a presente providência cautelar não especificada contra D…, Lda., com sede na …, .., ….-… Maia, pedindo que seja ordenado o imediato encerramento do estabelecimento comercial de restaurante, sito no rés-do-chão da Rua …, nº .. da Maia, e espaço complementar anexo ao mesmo, bem como a notificação da requerida para se abster da prática de qualquer ato ou negócio jurídico com vista à transferência do estabelecimento para a sua titularidade.
Pedem, também, que seja dispensada a audição da parte contrária.
Alegam, para esse efeito e em suma, que o 1.º requerente é sócio gerente da sociedade
E…, Lda. sendo o 2º requerente o cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de F…, também este sócio gerente dessa sociedade.
Mais alegam que essa sociedade é inquilina do estabelecimento comercial sito no rés-do-chão da Rua …, nº .. da Maia e do espaço complementar anexo ao mesmo, sendo que recentemente esse estabelecimento comercial e anexo-onde já esteve instalado um restaurante-voltou a ser reaberto como restaurante, tendo os requerentes se apercebido que tinham sido os dois outros sócios da referida sociedade que, à sua revelia, decidiram reiniciar a actividade do restaurante em nome da requerida, de que os mesmos são sócios.
Assim, a requerida está a utilizar de forma abusiva o estabelecimento propriedade da sociedade de que os requerentes são sócios, com tudo que compõe esse estabelecimento, designadamente, o seu aviamento, móveis, louças, equipamento de cozinha, etc., o que é gerador de relevantes danos para os requerentes que vêm um importante e único património da sociedade em que detêm 50% do seu capital social, estar a ser utilizado, com o natural desgaste resultante dessa utilização, por terceiros, que recolhem os rendimentos dessa actividade.
Alegam, também, que receiam que essa utilização esteja a ser efectuada de forma imprevidente e pouco profissional, o que naturalmente acontece quando a exploração do estabelecimento é efectuada por terceiros, que mantêm um reduzido interesse na sua boa conservação e que o facto do estabelecimento estar a ser explorado por outra sociedade irá necessariamente conduzir a um desvio de clientela do restaurante para outro estabelecimento propriedade dessa sociedade.
Mais receiam que a requerida possa estar a preparar-se para, junto dos senhorios, encontrar uma forma de transferir o arrendamento para a sua esfera jurídica, tanto mais que os sócios da requerida são sócios e gerentes da sociedade E…, Lda. e que as suas assinaturas conjuntas obrigam esta sociedade.
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Por despacho datado de 9-06-2014 o tribunal recorrido indeferiu liminarmente a providência assim requerida.
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Não se conformando com a decisão assim exarada vieram os requerente interpor o concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
1- Os requerentes, enquanto sócios da sociedade proprietária do estabelecimento comercial, têm um interesse directo na defesa e conservação do estabelecimento, único bem que integra o património da sociedade.
2- A prática dos factos lesivos do seu direito pelos outros dois sócios e gerentes desta sociedade, impede que seja a própria sociedade a requerer a presente providência.
3- Tal qual a providência foi configurada pelos requerentes e tendo em consideração os pedidos formulados, os mesmos são parte legítima, pois só através da sua intervenção processual será possível assegurar a produção dos efeitos úteis da providência.
4- Sendo os requerentes gerentes da sociedade, cujo património está a ser grosseiramente esbulhado pela actuação ilícita da requerida, têm a obrigação de atuar em defesa dos interesses da sociedade, cfr. o disposto no art. 64º do CSC.
5- O que se pretende, com a decretação da providência requerida, é que a requerida seja impedida de continuar a explorar de forma ilícita e abusiva um estabelecimento comercial que é, por via indirecta, propriedade dos requerentes, utilizando para esse efeito todo o património dos requerentes e obtendo para si os rendimentos resultantes dessa exploração ilícita.
6- Permitir que essa actuação perdure no tempo, sem que a tutela jurisdicional requerida pelos requerentes no exercício do seu legítimo direito de propriedade seja exercida é denegação de justiça que não deve ser admitida.
7- A apropriação ilícita e abusiva de um bem propriedade de terceiro, é por si só e sem necessidade de demonstração de outros factos, lesiva dos direitos patrimoniais do titular legítimo desse património e a manutenção dessa apropriação traduz uma lesão séria que por si só legitima a intervenção do direito e dos tribunais.
8- Bastava assim a demonstração da apropriação e utilização abusiva do estabelecimento de restaurante propriedade dos requerentes, para que a providência fosse decretada sem necessidade de demonstração de outros factos.
9- Mas mesmo que assim não se entendesse, resulta da experiência comum que a utilização de um estabelecimento com as características das do estabelecimento em causa–um restaurante de classificação elevada que visa servir uma clientela de elevada/alta capacidade económica-traduz por si só um justificado receio que essa utilização não respeite as boas regras de cuidado e de manutenção do equipamento que serve o restaurante.
10- Por outro lado, é igualmente sabido e resulta da experiência comum que a prestação reiterada no tempo de um mau, ou menos bom, serviço de restauração, acarretará a quebra de clientela que num negócio desta natureza pode ser irrecuperável.
11- A continuação ou repetição iminente da utilização abusiva do estabelecimento é suficiente para que através da presente providência o Tribunal ponha termos a essa utilização violadora dos legítimos direitos dos requerentes.
12- Ao ter decidido como decidiu o tribunal da 1ª Instância não fez uma correta aplicação do disposto no art. 362º do CPC.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a decidir no presente recurso:
a)- saber se os recorrentes têm ou não legitimidade para intentar a presente providência cautelar;
b)- saber se foi ou não alegada factualidade demonstrativa da existência do fundado receio de que o direito dos requerentes sofra lesão grave e de difícil reparação.
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A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade a ter em conta para a decisão das questões supra referidas é a que consta do relatório supra e que aqui se dá por reproduzida.
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III- O DIREITO

a)- saber se os recorrentes têm ou não legitimidade para intentar a presente providência cautelar.
Respigando o essencial da decisão recorrida verifica-se que o primeiro dos fundamentos em que se estribou, para decretar o seu indeferimento, foi a circunstância de os recorrentes carecerem de legitimidade para a sua interposição.
Deste entendimento dissentem os recorrentes.
Quid iuris?
Como resulta do requerimento inicial os recorrentes alegam que a sociedade E…, Lda. de que eles são sócios é proprietária de um estabelecimento comercial de restaurante, denominado por G…, instalado no rés-do-chão do prédio urbano sito na Rua …, nº .., na Maia, inscrito na respectiva matriz sob o art. 556.
Mais alegam que tal sociedade manteve a actividade do restaurante de forma ininterrupta desde 1997 até Agosto de 2012 data em os sócios da sociedade decidiram encerrar temporariamente o estabelecimento de restaurante até que tomassem alguma decisão sobre a sua exploração, designadamente mantê-la afecta à sociedade ou cedê-la a terceiros.
Acontece que, os dois sócios dos recorrentes na citada sociedade E…, Lda. H… e I…, titulares, cada um, de uma quota com o valor nominal de € 20.000,00, à sua total revelia procederam à abertura do restaurante em nome da sociedade aqui requerida no mesmo espaço de que aquela era inquilina.
Perante esta alegação discorreu-se do seguinte modo na decisão recorrida e sobre a questão da legitmidade:
“(…) quem tem legitimidade para pedir o encerramento imediato do estabelecimento comercial em causa é a sociedade E…, Lda., sendo certo que a mesma é que será inquilina desse estabelecimento comercial.
Se bem que possamos aceitar que os requerentes, enquanto sócios dessa sociedade, poderão estar a ser indirectamente prejudicados pelo facto de um estabelecimento comercial da sociedade estar a ser abusivamente utilizado por terceiros, a verdade é que quem é titular do direito que estará a ser violado através da conduta da requerida é a sociedade E…, Lda. e não os requerentes”.
Não nos parece, salvo o devido respeito, que se tenha decidido com acerto sobre tal questão.
O actual CPCivil (anexo à Lei 41/2013, de 26 de Junho, e que entrou em vigor a 1 de Setembro de 2013) não apresenta divergências, mantendo o regime anteriormente previsto no CPC-95/96 no que concerne à questão da legitimidade apenas se tendo "desdobrado em dois números" o anterior artigo 28.[1]
Assim, dispõe o artigo 30.º (Conceito de legitimidade):
1 – O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.
2 – O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 – Na falte de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Portanto, a legitimidade processual caracteriza a concreta posição de quem é parte numa causa, "perante o conflito de interesses que aí se discute e pretende resolver", posição essa que é "o ser-se a pessoa (ou pessoas) cuja procedência da acção lhes atribui uma situação de vantagem (autor) ou a pessoa ou as pessoas a quem essa procedência causa uma desvantagem", o réu.[2]
A legitimidade das partes (que é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso) "prende-se com a posição da parte relativamente a uma determinada e concreta acção", isto é, não é traduz "uma qualidade pessoal para se ser parte em juízo (como a capacidade) mas antes uma posição perante a matéria controvertida no litígio, ou seja, perante o objecto do processo.[3]
Isto dito, não se põe em causa que, de facto, é a sociedade E…, Lda., que é a inquilina do estabelecimento comercial em questão, e cuja ocupação está, segunda a alegação dos recorrentes, a ser feita de forma ilícita pela requerida e, portanto, seria ela a titular do interesse a justificar a sua legitimidade activa para a instauração da presente providência cautelar não especificada.
Acontece que, os recorrentes são sócios da sociedade E…, Lda. sendo, o primeiro deles, sócio gerente.
Como, assim, qualquer acto ilícito praticado contra a referida sociedade, não pode deixar de conferir-lhe legitimidade para demandar as pessoas que com tais actos os prejudicaram, não sendo pois necessário que a acção respectiva tenha de ser proposta pela própria sociedade, pois aqueles têm interesse directo na demanda.
E, tal interesse directo na demanda, torna-os nos termos dos normativos atrás citados partes legítimas para intentar a presente providência cautelar não especificada.
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Procedem, desta forma, as conclusões formuladas pelos recorrentes sob os nºs 1. a 4. e respectivo segmento recursório.
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A segunda questão que no recurso vem colocada consiste em:

b)- saber se foi ou não alegada factualidade demonstrativa da existência do fundado receio de que o direito dos requerentes sofra lesão grave e de difícil reparação.
Na decisão recorrida entendeu-se não estar verificado tal requisito.
Deste entendimento dissentem os recorrentes.
Que dizer?
Preceitua o n.º 1 do artigo 362.º que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito pode requerer a providência concretamente adequada a assegurar a efectividade deste”.
Por seu turno, o artigo 368.º prescreve que a providência é decretada quando houver “probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão” (nº 1), podendo o tribunal, no entanto, recusar a sua decretação “quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar” (nº 2 do mesmo normativo)
Como diz Abílio Neto[4] “o decretamento de uma providência cautelar não especificada depende da concorrência dos seguintes requisitos: (a) que muito provavelmente exista o direito tido por ameaçado-objecto de acção declarativa-, ou que venha a emergir de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor; (b) que haja fundado receio de que outrem antes de proferida decisão de mérito, ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito; (c) que ao caso não convenha nenhuma das providências tipificadas nos arts. 393º a 427º do CPC; (d) que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado; (e) que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar”.
Como se sabe a providência cautelar não especificada visa a tutela provisória de um direito ameaçado, sendo instrumental de um processo principal instaurado ou a instaurar-cfr. artigo 364.º do Código de Processo Civil.
Afirma Alberto dos Reis[5] que “A providência cautelar surge como antecipação e preparação duma providência ulterior: prepara o terreno e abre caminho para uma providência final. A providência cautelar, nota Calamendrei, não é um fim, mas um meio; não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material. Portanto, a providência cautelar é posta ao serviço duma outra providência, que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa. Este nexo entre a providência cautelar e a providência final pode exprimir-se assim: aquela tem carácter provisório, esta tem carácter definitivo”.
No que diz respeito à apreciação do requisito da titularidade do direito, a lei contenta-se com a emissão de um juízo de probabilidade ou verosimilhança, exigindo, todavia, que tal probabilidade seja justa e séria.[6]
Já no que concerne ao segundo requisito supra referido, o do fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, pressupõe a providência que aquele que a solicita se encontre perante meras ameaças. Se a lesão já está consumada, a providência não tem razão de ser, por falta de função útil, porque não há que evitar ou acautelar um prejuízo se este já se produziu, a não ser que a violação cometida seja o prelúdio de outras violações, que se mantenham actuais.[7]
Por outro lado, a violação receada não será qualquer uma, mas aquela que "modificando o estado actual, possa frustrar ou dificultar muito a efectividade do direito de uma parte. Para justificar o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação não basta um acto qualquer, mas sim aquele que é capaz de exercer uma dificuldade notável, importante para o exercício do direito".[8]
Ou seja, não basta, para o deferimento da providência, que se conclua pela possibilidade de o requerente poder vir a sofrer um qualquer dano. Tal dano tem de revestir uma gravidade assinalável, ser penoso e importante de tal forma que a sua reparação posterior seja inviável ou mesmo meramente difícil.
Este último requisito há-de aferir-se já não através de um juízo de mera probabilidade (como o da verificação da aparência do direito) mas sim através de um juízo de realidade ou de certeza.
Em suma, o que está em causa, em última análise, é obviar-se ao "periculum in mora".
Ou seja, a providência cautelar, porque não constitui um meio para se criarem ou definirem direitos, não deve ser encarada como uma antecipação da decisão final a proferir na acção principal e da qual dependente, apenas se justificando para se acautelar o direito invocado no sentido de evitar, durante a pendência da acção principal, a produção de danos graves e dificilmente reparáveis.
Postas estas breves considerações voltemos ao caso em apreço.
No requerimento inicial e sob o título “Dos Pressupostos do Procedimento cautelar” os recorrentes alegam essencialmente o seguinte:
“41. Conforme já alegado os Reqtes. são sócios da sociedade que é a legítima proprietária e possuidora do estabelecimento comercial de restaurante melhor descrito nos art. 9º e 12º deste articulado.
42. A Reqda., de forma abusiva, está a explorar o referido estabelecimento comercial, como se fosse a sua titular, o que não é.
43. A exploração do estabelecimento por parte da Reqda., é violadora do direito de propriedade de que os Reqtes., por intermédio da sociedade de que são sócios, são titulares sobre o estabelecimento.
44. E é causadora de relevantes danos aos Reqtes., que, dessa forma, se vêm privados do mesmo.
45. Os Reqtes. receiam, justificadamente, que a exploração do estabelecimento pela Reqte. provoque danos à imagem e valor do estabelecimento.
46. Como também a todo o equipamento que o integra.
47. Danos esses provocados por deficiente utilização do equipamento e pelo natural desvio de clientela para outro estabelecimento explorado pela Reqte.
48. Os Reqtes. receiam igualmente que os sócios da Reqda., face à sua qualidade de sócios e gerentes da sociedade proprietária do estabelecimento, transfiram à revelia dos demais sócios, os aqui Reqtes., o estabelecimento para terceiros, apropriando-se dessa forma do património da sociedade.”
49. Os Reqtes. para salvaguardarem os seus legítimos direitos, têm de se socorrer da via judicial.
50. Pelo que irão propor a competente ação judicial.
51. Todavia, o decurso normal dessa ação irá determinar um agravar e acumular de prejuízos muito dificilmente reparáveis no futuro.
52. Pelo que não podem aguardar o decurso do prazo necessário à obtenção de uma decisão judicial que produza os seus efeitos úteis normais.
53. Impondo-se pois o recurso à presente providência cautelar, como única forma dos Reqtes. acautelarem os seus legítimos direitos.
54. E mediante a qual se ordene o imediato encerramento do estabelecimento e a notificação da Reqda. para se abster de praticar qualquer ato ou negócio jurídico que determine a transferência da propriedade do estabelecimento para si própria.
55. Encontram-se assim preenchidos todos os pressupostos que permitem decretar a presente providência cautelar.
56. Desde logo, o “funus boni iuris”, ou seja a probabilidade séria da existência do direito de propriedade da sociedade de que os Reqtes, são sócios sobre o estabelecimento comercial.
57. E que se encontra a ser explorado pela Reqda. sem que a exploração esteja legitimada por qualquer forma.
58. Por outro lado, encontra-se igualmente demonstrado o “periculum in mora”, já que os Reqtes. receiam justificadamente que, enquanto não for decidida a acção de condenação que vão instaurar, os danos por si sofridos se acumularão, tornando-se mesmo impossível a sua reparação.
59. Pelo que só através da presente providência, é possível evitar a lesão grave e dificilmente reparável do direito dos Reqtes., proveniente da necessária demora na tutela judicial do seu direito.
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Não se pondo em causa, como não se pode por, que os requerentes tinham de alegar o fundado receio de alguém lhe causar lesão grave e dificilmente reparável, importa verificar perante a transcrita alegação se o fizeram, uma vez que a primeira instância entendeu que tal não ocorreu.
Estatui o artigo 365.º, n.º 1 do CPCivil que o requerente deve oferecer prova, ainda que sumária, do direito que diz estar ameaçado e justificação para o receio da lesão.
Evidentemente que se se deve oferecer prova para demonstrar esses requisitos, isso implica, como nos parece evidente, que seja alegada factualidade bastante que permita, uma vez provada, concluir-se pela existência do direito e do justo receio.
E, conciliando o disposto nos artigos 226.º, n.º 4, alínea b) e 590.º, n.º 1, ambos do CPCivil, o juiz pode, em lugar de ordenar a citação, indeferir liminarmente o requerimento inicial (no procedimento cautelar) quando a pretensão seja manifestamente improcedente.
Finalmente, não pode deixar de considerar-se como manifestamente improcedente a pretensão que apenas se funda em factos alegados que, mesmo (todos eles) provados, não seria deferida, justamente porque esses factos–repete-se, mesmo que integralmente provados–não permitiam a conclusão de estarem verificados os requisitos de que depende esse deferimento, os requisitos de que depende o deferimento da providência pretendida.
Com efeito, o ónus allegandi é o primeiro ónus que as partes têm que ultrapassar quando se dirigem a juízo, na medida em que o juiz julga de acordo com o que foi alegado e provado pelas partes.[9]
No caso presente, a decisão sob censura entendeu que os recorrentes não concretizaram factualmente o “fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável”.
E, cremos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que nos parece correcta a decisão.
De facto, para além da alegação supra transcrita ser, na sua maioria, de cariz conclusivo, toda ela se estriba essencialmente em danos materiais, sem que, os recorrentes concretizem factualmente, que a requerida não possui condições patrimoniais capazes de ressarcir os citados danos.
Na verdade, os requerentes não alegam qualquer facto que nos leve a concluir que a requerida não terá meios de os indemnizar dos danos causados em consequência da utilização abusiva do estabelecimento comercial e pela demora na entrega do mesmo.
Ora, abarcando a protecção cautelar tanto os prejuízos imateriais ou morais, “por natureza irreparáveis ou de difícil reparação”, como “ainda os efeitos que possam repercutir-se na esfera patrimonial do titular”, o certo é que “Quanto aos prejuízos materiais o critério deve ser bem mais restrito do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva.
Apesar disso, não deve excluir-se, como aliás, a lei não exclui, a possibilidade de protecção antecipada do interessado relativamente a prejuízos de tal espécie, embora devam ser ponderadas as condições económicas do requerente e do requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados”.[10]
E ao impor a lei o “fundado” do receio, quis significar dever apoiar-se aquele “em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo, não bastando simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados, assentes numa apreciação ligeira da realidade”.
Visando-se igualmente, com tal qualificativo, “restringir as medidas cautelares, evitando que a concessão indiscriminada de protecção provisória, eventualmente com efeitos antecipatórios, possa servir para alcançar efeitos inacessíveis ou dificilmente atingíveis num processo judicial pautado pelas garantias do contraditório e da maior ponderação e segurança que devem acompanhar as acções definitivas”.[11]
Sobre este aspecto dizem ainda José Lebre de Freitas. A. Montalvão Machado. Rui Pinto,[12] “Dadas a provisoriedade da medida cautelar e a sua instrumentalidade perante a acção de que é dependência…” bastará ao Requerente “(…) fazer prova sumária do direito ameaçado…; mas já não é assim no que respeita ao periculum in mora, que deve revelar-se excessivo: a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer acção; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito”.
Portanto, a violação receada não será qualquer uma mas aquela que, modificando o estado actual, possa frustrar ou dificultar muito a efectividade do direito de uma parte. Para justificar o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação não basta um acto qualquer, mas sim aquele que é capaz de exercer uma dificuldade notável, importante para o exercício do direito
Ou seja, não basta, para o deferimento da providência, que se conclua pela possibilidade de o requerente poder vir a sofrer um qualquer dano. Tal dano tem de revestir uma gravidade assinalável, ser penoso e importante (que se sente e que causa "mossa" ao requerente), de tal forma que a sua reparação posterior seja inviável ou mesmo meramente difícil.
Este último requisito há-de aferir-se já não através de um juízo de mera probabilidade (como o da verificação da aparência do direito) mas sim através de um juízo de realidade ou de certeza.
Evidente que a utilização do estabelecimento e de todos os seus componentes pela requerida poderá causar desgaste no património da sociedade, todavia, tal desgaste pode vir a ser ressarcido adequadamente na acção a intentar.
Por sua vez o receio de que a requerida possa estar a fazer uma utilização imprevidente e pouco profissional é um receio totalmente subjectivo não traduzido em qualquer suporte factual, sendo que, essa subjectividade se assemelha a um estado de alma sem, portanto, a objectividade que a lei exige para que o receio se tenha por fundado.
Da mesma forma que o eventual risco de desvio da clientela é também totalmente conclusiva e descarnada igualmente de qualquer suporte factual.
Tem a requerida qualquer outro restaurante para o qual possa desviar clientela? E a sociedade E…, Lda. tem qualquer outro estabelecimento comercial do qual possa estar a ser desviada clientela pelo facto de a requerida estar abusivamente a explorar esse estabelecimento?
Concluiu-se assim que, perante os factos alegados no requerimento inicial pelos recorrentes não são configuráveis todos os requisitos exigidos por lei para o decretamento da requerida providência cautelar, e, mais exactamente, o periculum in mora, com o alcance que se deixou supra definido.
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Destarte, improcedem, as conclusões dos recorrentes sob os nºs 5. a 10. que, neste âmbito, se revelam totalmente irrelevantes e na sua maioria desenquadradas do objecto da decisão proferida neste segmento.
Na verdade, para ser decretada a providência solicitada, ou seja, que a requerida seja impedida de continuar a explorar de forma ilícita e abusiva um estabelecimento comercial, tinham os recorrentes que alegar um acervo factual que, uma vez provado, resultado demonstrada a verificação dos pressupostos exigidos pela factie species das normas supra referidas para o seu decretamento, coisa que os recorrentes, manifestamente não fizeram, não podendo, o seu deferimento fundamentar-se apenas na simples ocupação ilícita por parte da requerida do estabelecimento pertencente à sociedade E…, de que os recorrentes são sócios e como estes propugnam.
Como assim, a providência tinha de ser indeferida e, ao fazê-lo, bem decidiu o despacho sob censura.
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IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente por não provada a apelação, confirmando-se, assim a decisão recorrida.
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Custas pelos apelantes (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 15 de Setembro de 2014.
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
_____________
[1] Cfr. Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, págs. 41/43.
[2] Cfr. J.P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2011, págs. 372/373.
[3] Cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume I, Almedina, 2010, págs. 415/416.
[4] In Código Processo Civil., 13ª ed., pg. 187.
[5] Código de Processo Civil Anotado, I Vol, págs. 623.
[6] Cfr. L.P. Moitinho de Almeida, " in Providências Cautelares Não Especificadas ", pág. 19 e segs.
[7] Cfr. Moitinho de Almeida, in ob. cit.
[8] Cfr. Manuel Rodrigues, " in Processo Preventivo e Conservatório, pág. 67.
[9] Cfr. Fernando Pereira Rodrigues, A Prova em Direito Civil, Coimbra Editora, 2011, págs. 22.
[10] Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do processo civil”, Vol. III, 2ª ed., Almedina, 2000, págs. 82-83.
[11] Idem, pág. 87.
[12] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 6.