Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
551/13.7TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO DE CRÉDITO
DEVER DE INFORMAÇÃO DO SEGURADO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RP20150326551/13.7TVPRT.P1
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato de seguro de crédito é o contrato aleatório por via da qual a seguradora, mediante o recebimento de um prémio, se obriga a suportar o risco, em regra, da falta ou atraso no pagamento do crédito do segurado e tomador de seguro, indemnizando-o do prejuízo sofrido em consequência da não satisfação do seu crédito até ao limite da percentagem do crédito seguro estabelecido no contrato.
II - No contrato de seguro de crédito o segurado está onerado com um amplo dever de informação a favor da seguradora tendo por objecto os elementos que na economia do contrato possam interferir com a actuação, os direitos e os deveres das partes.
III - A violação desse dever de informação permite à seguradora invocar a excepção de não cumprimento e recusar-se a regularizar o sinistro enquanto não lhe for fornecida a informação contratualmente relevante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 551/13.7TVPRT.P1 [Comarca do Porto/Instância Central do Porto/Cível]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
B…, S.A., NIF ………, com sede no …, …, Guimarães, instaurou nas Varas Cíveis do Porto acção judicial contra C… – Companhia de Seguros de Crédito, S.A., NIF ………, com sede na Rua …, Porto, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €80.203,72, acrescida dos respectivos juros calculados à taxa legal contados desde a data da citação e até efectivo pagamento.
Para o efeito, alegou que celebrou com a ré um contrato de seguro de créditos, o qual abrangia designadamente os respectivos créditos sobre o seu cliente D…, S.A., ao qual a autora forneceu diversas mercadorias alimentares. Entre 17.09.2010 e 23.11.2010 a autora forneceu a este cliente mercadorias tituladas pelas facturas que apresenta e cujo valor ascende ao total de €100.254,65, montante que não foi pago pelo cliente na data prevista. Em 09.12.2010 a autora comunicou à ré a suspensão dos pagamentos do mencionado cliente, sendo que este veio posteriormente a ser declarado insolvente, apesar do que a ré se recusa a pagar o valor do crédito comunicado.
A acção foi contestada pela ré que reclama a improcedência total do pedido, mediante a alegação de que a autora prestou falsas declarações à ré quanto ao montante do seu crédito, pois na data da comunicação da ameaça de sinistro o seu crédito sobre aquele seu cliente ascendia não a €100.254,65 mas, pelo menos, a €210.014,65. A alegação da autora de que não comunicou o restante crédito sobre o cliente porque as demais facturas já estavam fora de prazo previsto contratualmente para a respectiva participação importa uma violação da obrigação da autora de comunicar a ameaça de sinistro, informando a ré do montante global do seu crédito sobre o cliente, assim fornecendo os elementos necessários à ré para analisar as condições de cobertura do crédito no âmbito do contrato celebrado. Os créditos cobertos pelo contrato de seguro são todos os créditos que se constituam na vigência da apólice, sendo absolutamente indispensável para o funcionamento do contrato de seguro de crédito, conhecerem-se todos os créditos do segurado sobre o seu cliente para se verificar não só a data da verificação do sinistro nos termos do artigo 7.º n.º1 das Condições gerais, mas também o âmbito da cobertura do contrato. Apesar dos pedidos da ré a autora não forneceu as informações que lhe foram pedidas designadamente no tocante às facturas cujo valor deveria ser pago pelas letras de câmbio aceites e pelo cheque emitido pelo cliente. Nos termos do artigo 11.º n.º 2 das Condições Gerais, caducou o direito da autora à indemnização contratual uma vez que a autora não comunicou os elementos necessários à identificação do crédito seguro ou à comprovação da ocorrência do risco e ou da verificação do sinistro, nos seis meses subsequente à notificação da ré para esse efeito. A ser devida qualquer indemnização haverá que descontar o valor da franquia prevista no contrato e bem assim o valor do IVA que se encontra excluído do contrato.
Após audiência de julgamento, foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo a ré do pedido.
Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I – Os factos alegados pela recorrida sob art.ºs 19.º, 20.º, 24.º, 25.º, 26.º, 31.º e 35.º da contestação, são contraditórios e contrariados com a documentação junta e os depoimentos prestados pelas testemunhas E… e F… indicadas pelos recorrida;
II – Outrossim, os pontos infra identificados sob os n.ºs 2.º, 25.º, 28.º, 29.º e 31.º da petição inicial dos foram incorrectamente julgados como não provados, de toda a documentação junta, mormente, os documentos juntos pela recorrente sob o n.º 26, a certidão emitida em 08/09/2011 em que consta que os valores de crédito sobre a dita devedora insolvente, reclamados e reconhecidos, não haviam sido pagos, e o depoimento testemunha indicada pela recorrida E…;
III – Pelo que devem ser julgados não provados os factos alegados sob os art.ºs 19.º, 20.º, 24.º, 25.º, 26.º, 31.º e 35.º da contestação e os art.ºs 2.º, 25.º, 28.º,29.º e 31.º da petição inicial julgados provados;
IV – A recorrente invocou e provou ter feito fornecimentos, cobertos pelo contrato de seguro que outorgou com a recorrida no valor de 100.254,65€, à entretanto declarada insolvente D…, S.A. que constituíram um sinistro nos termos da apólice;
V – Inversamente, a recorrida não invocou na contestação ter ocorrido falta de pagamento pela dita D…, SA de qualquer outro fornecimento ou prestação de serviço, anterior ou posterior, àquele que constituiu a comunicação da ameaça de sinistro efectuada pela recorrente;
VI – Sem alegar tratarem-se de vendas e prestações de serviços, a recorrida fundou o direito a exonerar-se de efectuar o pagamento da indemnização apenas e só na falta de prestação de esclarecimentos sobre um valor em dívida constante de uma reclamação de créditos feita pela recorrente com base em letras de câmbio e cheques, isto é títulos de crédito;
VII – Pelo que, incorreu em erro de julgamento o segmento da sentença que considerou que o sinistro é de valor montante muito superior (mais do dobro), e bem assim que tal sinistro corresponde ao valor reclamado e reconhecido no processo de insolvência e a obrigação de fazer outras comunicações para além das efectuadas pela recorrente;
VIII – Face à prova produzida e à matéria dada como assente, a recorrente tem direito a, contratualmente, receber da recorrida as quantias peticionadas a título de seguro de crédito contratado com esta e por vendas àquela efectuadas de que não recebeu o respectivo preço;
IX – Sendo certo que, tal sinistro no valor de €100.254,65 foi regular e atempadamente comunicados à recorrida, comunicou em 09/12/2010 à recorrida a “ameaça de sinistro”, e na qual comunicou a suspensão dos pagamentos do mencionado cliente “D…, S.A.” e sob o art.º 30.º alegou que, “declarada a insolvência da mencionada cliente em 28-03-2011, foi formalizada a participação do sinistro à Ré, relativamente às facturas em que havia manifestado a dita ameaça de sinistro”;
X – Facto amplamente confirmado pelos documentos e testemunhas indicadas pela recorrida E… e F… nos depoimentos supra identificados e transcritos;
XI – Tanto mais que a recorrente deu integral cumprimento ao art.º 5.º, ponto II, al a) das CGA remetendo toda a documentação referente ao sinistro, isto é, de todos os documentos que titulem o crédito e ainda os de expedição e recepção dos bens transaccionados para o mercados externo;
XII – Assim, o Mm.º Juiz “a quo” decidiu pela improcedência da acção essencialmente por ter considerado a recorrida não esclareceu as divergências ocorridas entre o valor da participação de sinistro e o valor da reclamação de crédito, incorrendo em erro de julgamento;
XIII – Salvo devido respeito, andou mal o Mm.º Juiz “a quo” decidiu os presentes autos referindo que existe o direito à exoneração porque “a autora não esclareceu tais divergências no prazo contratualmente fixado (mesmo após prorrogações)”.
XIV – Ora, a mera falta de esclarecimento de alguma questão pela recorrente sobre o valor do crédito – o que não se concebe, nem concede e apenas se admite por mero raciocínio académico – não é causa de exoneração;
XV – Na verdade, nos termos do n.º 1, do art.º 11.º das clª gerais, para o esclarecimento de questões relacionadas com os registo contabilísticos – como seria o caso da data de emissão de facturas, confirmação de contas correntes, ou outros dados relativamente à relação com o devedor – é concedido o direito à recorrida de aceder à contabilidade da recorrente, o que a recorrida não alegou nem provou;
XVI – Provada que foi pela recorrente a existência do contrato de seguro de crédito válido, da ocorrência de um determinado sinistro e a sua tempestiva comunicação, nos termos do disposto no art.º 342.º do C.C., a alegação e prova de factos que a exonerassem do pagamento da indemnização contratualmente fixada incumbia à recorrida, por se tratar de um facto impeditivo do direito recorrente;
XVII – Como bem refere a sentença, os contratos de seguro – nos termos dos art.ºs 426.º e 427.º do C. Com – são regulados pelas estipulações constantes da apólice que não sejam proibidas por lei, devendo os mesmos ser pontualmente cumpridos;
XIX – Com efeito, ao abrigo das referidas normas e nos termos dos art.ºs 1.º, 2.º, 3.º e 5.º da C. Gerais, é devida a indemnização à recorrente pela recorrida, não havendo fundamento para a exoneração da recorrida no seu pagamento;
XX – Assim, a sentença recorrida violou os termos da apólice bem assim, para além de outros, o disposto nos art.ºs 426.º e 427.º do C. Com, 342.º e 409.º do Código Civil.
A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam deste Tribunal que resolva as seguintes questões:
i) Se a decisão da matéria de facto deve ser alterada relativamente aos pontos concretos indicados pela recorrente;
ii) Se a autora estava obrigada a fornecer a informação pedida pela ré relativamente a fornecimentos anteriores aos mencionados na comunicação da ameaça de sinistro;
iii) Qual a consequência do não fornecimento dessa informação;
iv) Que decisão deve ser proferida em relação ao pedido da autora em função dessa consequência.

III. Da impugnação da decisão da matéria de facto:
O artigo 640.º do novo Código de Processo Civil estabelece que, querendo impugnar a decisão da matéria de facto, o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente e sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, os seguintes aspectos: os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que na óptica dos recorrentes impunham decisão diversa e o sentido da decisão que deve ser proferida, sendo que no tocante aos depoimentos gravados deve indicar as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
A lei impõe assim ao recorrente que individualize os factos que estão mal julgados, que especifique os meios de prova concretos que impõem a modificação da decisão, que indique o sentido da decisão a proferir e, inclusivamente, tratando-se de depoimentos de testemunhas gravados, que precise as passagens do depoimento que tal hão-de permitir.
Com vista ao cumprimento dos requisitos da impugnação da matéria de facto, a recorrente especificou os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que na sua óptica impunham decisão diversa e o sentido da decisão que deve ser proferida. Ainda que apenas nas alegações de recurso e já não nas respectivas conclusões, a recorrente indicou também as passagens da gravação dos depoimentos em que se funda o recurso.
Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.02.2015, relatado por Tomé Gomes no processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, in www.dgsi.pt, e merece a nossa total concordância: “a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC. É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC. Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1 do referido artigo 640.º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada. Já no que respeita à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos, a sua inobservância não se mostra, sempre, assim tão pertinente, tendo em conta o processo técnico dessas gravações e o modo como ficam registadas nos respetivos suportes magnéticos, com o indicação do início e fim da gravação em relação a cada depoimento. Acresce que a indicação parcelada de determinadas passagens dos depoimentos convocados só raramente dispensam o tribunal de recurso de ouvir todo o depoimento, na medida em que os interrogatórios sobre determinado ponto de facto e as respetivas instâncias da parte contrária e do tribunal não são sequenciais, encontrando-se disseminadas ao longo de todo o depoimento. Em face disso, afigura-se que a sanção prescrita no n.º 2, alínea a), do art.º 640.º do CPC deverá ser aplicada com algum tempero, em termos de só se justificar quando, perante extensos depoimentos a abarcar matéria bastante diversificada - a maior parte dela não impugnada -, a omissão ou inexatidão na indicação das passagens tidas por relevantes dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame por banda do tribunal de recurso. Outra problemática consiste em saber se tais requisitos do ónus impugnativo devem constar, formalmente, das conclusões recursórias ou se bastará incluí-los no corpo alegatório. Segundo certo entendimento, a lei não consagra norma expressa sobre tal inclusão no quadro conclusivo, como o faz relativamente à impugnação de direito, nos termos do artigo 639.º, n.º 1 e 2, do CPC. Outro entendimento vai no sentido de que, constituindo a especificação dos pontos concretos de facto um fator de delimitação do objeto de recurso, nessa parte, pelo menos a sua especificação deverá constar das conclusões recursórias, por força do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugadamente com o art.º 640.º, n.º 1, alínea a), aplicando-se, subsidiariamente o preceituado no n.º 1 do art.º 639.º, todos do CPC. Nesta segunda linha de entendimento, não parece que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam figurar da síntese conclusiva, já que não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, traduzindo-se antes em elementos de apoio à argumentação probatória.”
Nada obsta, pois, ao conhecimento do recurso da decisão da matéria de facto.
A recorrente impugna a decisão do Mmo. Juiz a quo de julgar não provados os factos alegados nos artigos 2.º, 25.º, 28.º, 29.º e 31.º da petição inicial.
Quanto ao primeiro destes factos é manifesto que se tratou de um lapso do Mmo. Juiz porquanto o mesmo facto foi em simultâneo julgado provado e não provado o que gera uma inevitável contradição. Esta situação deve ser eliminada através do mecanismo previsto na 1.ª parte da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do novo Código de Processo Civil.
De todo o modo, trata-se de um facto que foi expressamente admitido por acordo no artigo 1.º da contestação e que é uma absoluta evidência no processo atenta a circunstância de a autora ser uma empresa que se dedica a uma actividade comercial no âmbito da qual só a um cliente fornece centenas de milhares de euros de mercadoria por ano e que sente necessidade de celebrar mesmo seguros de crédito para cobrir o risco da sua actividade comercial, pelo que não pode deixar de a praticar com carácter habitual e fim lucrativo. Tal facto tem, por isso, de ser julgado provado, como, estamos em crer, era intenção do Mmo. Juiz a quo.
No que concerne ao facto do artigo 25º a decisão de o julgar não provado é absolutamente correcta. Com efeito, ao contrário do que sustenta a recorrente, não foi produzida qualquer prova que revele que as letras de câmbio de que é portadora e com base em cujos direitos cambiários decidiu reclamar os seus créditos no processo de insolvência do cliente incluam os créditos relativos aos fornecimentos mencionados nas facturas que descrimina nesta acção para efeitos de accionamento do contrato de seguro de crédito.
Aliás, conforme a testemunha G…, empregada de escritório da autora que fez a participação do sinistro à ré e que com esta tratou deste assunto, revelou no decurso do seu depoimento, o conflito com a ré surgiu precisamente pela dificuldade que a autora afirma ter em conseguir especificar os fornecimentos cujos valores parciais estão compreendidos no valor de cada um dos títulos de crédito, circunstância que a testemunha atribuiu à saída da empresa da pessoa que na altura tratava dos meios de pagamento e que terá sido a responsável pelo apuramento do valor com que foram preenchidas as letras de câmbio.
Acresce que na reclamação de crédito apresentada no processo de insolvência não se faz qualquer referência a facturas subjacentes aos títulos de crédito, tornando impossível encontrar no documento relativo a essa reclamação qualquer prova do facto que aqui se discute. E, finalmente, atenta a enorme proximidade entre as datas de vencimento das letras e as datas de vencimento das facturas especificadas no artigo 19.º da petição inicial é altamente improvável que as letras pudessem incluir já o valor destes fornecimentos uma vez que nenhuma das facturas tem data de vencimento anterior ao vencimento da primeira letra e uma parte delas tem mesmo data de vencimento posterior à data de ambas as letras.
No tocante aos factos dos artigos 28.º e 29.º está em discussão saber se no âmbito do processo de insolvência a autora não recebeu qualquer valor do crédito reclamado, designadamente, o correspondente às facturas supra identificadas, permanecendo em dívida a totalidade da quantia reclamada.
Com a petição inicial a autora juntou uma certidão do processo de insolvência onde se certifica que não consta dos autos que tenha havido qualquer pagamento aos credores. O Mmo. Juiz a quo, sem se referir especificamente a estes factos, menciona na sua motivação ter levado em consideração os documentos juntos aos autos, ignorando-se porque não considerou aquela informação constante da certidão como suficiente para prova destes factos.
A nosso ver, conjugando o teor do aludido documento com os depoimentos das duas testemunhas arroladas pela autora, designadamente a empregada de escritório G…, que, pese embora sem um conhecimento muito profundo ou pormenorizado, afirmaram que a dívida deste cliente da autora está por pagar, foi produzida prova bastante destes factos, pelo que urge alterar a decisão da matéria de facto nesse particular, expurgando, contudo, da resposta, a correspondência entre o valor reclamado e o valor das facturas especificadas nestes autos pelos motivos atrás referidos na fundamentação da decisão relativa ao facto do artigo 25.º.
Em relação ao alegado no artigo 31.º, a pretensão da autora não pode proceder. Com efeito, o que ali se mostra alegado não tem a natureza de facto, mas de pura formulação de um juízo de valor ou conclusivo. Ao dizer que remeteu à ré “toda a documentação contratualmente fixada como necessária”, a autora não descreve um acontecimento do mundo empírico (um facto), limita-se a tecer um juízo de valor ou uma opinião a partir de uma realidade factual exterior a esta alegação e nela não descrita e, portanto, insusceptível de verificação. Como é óbvio, essa é a conclusão que o tribunal deve poder retirar a partir de factos concretos que tenha apurado, pelo que não pode constar do elenco da matéria de facto, destinado a conter factos e não julgamentos.
Passando agora aos artigos da contestação, o que acabou de se afirmar relativamente ao alegado pela autora no artigo 31.º da petição inicial, aplica-se ipsis verbis ao alegado pela ré no artigo 19.º da contestação. O que o tribunal podia e devia ter dado como provado é que a apólice do contrato de seguro celebrado entre as partes compreende as condições gerais juntas pela ré com a contestação como documento n.º 6. Tudo o mais são interpretações ou extrapolações que a ré faz a partir dessas cláusulas, nalguns casos mesmo para além e à margem destas, que obviamente poderão ser ou não acompanhadas pelo tribunal mas apenas em sede de aplicação do direito aos factos, não em sede de fixação da matéria de facto já que aqueles juízos ou interpretações não são factos. Justifica-se, pois, alterar a decisão da matéria de facto no tocante a este ponto, dando apenas como reproduzido os documentos com as condições gerais e particulares do contrato.
Quanto à resposta ao artigo 20.º da contestação também se nos afigura manifesto que a mesma deve ser alterada pois que a decisão de julgar provado esse facto não levou na devida conta o que a própria ré alega a seguir no seu articulado e onde nega aquilo que afirmou no citado artigo, como também o teor do documento junto com a contestação como documento n.º 9 onde a funcionária da ré E… afirma que parte da informação solicitada lhe foi entretanto prestada, o que aliás reafirmou no seu depoimento oral.
Na verdade, pese embora no artigo 20.º da contestação a ré afirme que a autora não forneceu nenhuma das informações (“nada explicou) pedidas pela ré em 19-09-2012, mais à frente, designadamente nos artigos 25º e 32.º do mesmo articulado, confessa que a autora lhe forneceu, embora mais tarde, parte daquelas informações, mais concretamente o número e o valor das facturas que seriam pagas pela letra e pelo cheque.
Isso mesmo também resulta do aludido documento n.º 9 onde a funcionária da ré comunica à autora que “após troca de vários e-mails ficou esclarecida não só a razão da diferença – uma letra e um cheque devolvidos – como quais os documentos que estavam na origem dessa mesma letra e cheque” (sublinhados nossos). O mais que se pode dar como provado e que permitirá evitar a contradição que foi transposta da contestação para a matéria de facto e compreender os factos seguintes, é que “a autora não forneceu logo os elementos pedidos”. Decide-se pois alterar a resposta nessa medida.
Entendeu o Mmo. Juiz a quo julgar provado o alegado no artigo 24.º da contestação, isto é, que a autora nunca comunicou à ré a letra de €115.014,65, com vencimento em 15.11.2010. Afigura-se-nos, no entanto, que a prova produzida não é bastante para suportar essa convicção. Com efeito, no mail junto com a contestação como documento n.º 4 a funcionária da ré E… dirige-se à funcionária da autora fazendo referência ao “telefonema de há momentos, bem como do efectuado no início de Agosto” e depois afirma que a declaratária “informam-me que a diferença entre o valor reconhecido no processo e o valor comunicado se refere a letras, que se venceram posteriormente e que foram devolvidas e na origem das quais estarão facturas, anteriores às comunicadas” (sublinhado nosso).
Ora esta alusão a conversas telefónicas destinadas a tratar do sinistro participado e a utilização da expressão “letras” no plural, são de molde a deixar sérias dúvidas quanto a não ter a autora informado a ré também da letra no valor de €115.014,65, sendo certo que essa é a única outra letra referida nos autos para além da de €95.000 (logo, se eram só duas tinham mesmo de ser estas).
Se a isso acrescentarmos que a própria autora forneceu à ré a indicação do valor dos créditos reclamados no processo de insolvência, enviando-lhe mesmo certidão do tribunal comprovativa daquele valor, e que na reclamação de créditos a autora usou o critério de invocar única e exclusivamente o direito de crédito de natureza cambiária sem referir uma única factura específica, não se vislumbra o interesse ou motivação que poderia levar a autora a não informar a ré dessa letra quando informou da outra e esse assunto já estava a ser usado pela ré para recusar a regularização do sinistro pretendida pela autora. Daí que aquelas dúvidas se tornem suficientemente fortes e alicerçadas para impedir que o facto do artigo 24.º da contestação seja julgado provado. Nessa medida. Decide-se alterar a resposta para não provado.
A resposta ao artigo 25.º da contestação resulta de uma análise correcta dos meios de prova produzidos e mais concretamente do documento n.º 9 junto com a contestação onde se admite o recebimento de algumas informações e a falta das outras informações referidas no artigo em causa, sendo certo que a autora não produziu (e, precisamente por isso, também não a menciona no seu recurso) prova que infirme esse documento, tendo mesmo a testemunha G… admitido no seu depoimento a impossibilidade de ir mais longe na prestação de informações em virtude de a pessoa que tratava desse assunto ter deixado a empresa, num sinal evidente do amadorismo e falta de rigor com que a autora tratou este assunto (contrastando com o profissionalismo e persistência da ré) que trespassa dos documentos juntos e ficou absolutamente patente nos depoimentos das testemunhas que arrolou.
O que não se podia incluir na redacção do facto e aqui se aproveita para corrigir são os aspectos absolutamente conclusivos quanto à correspondência do facto em si com as obrigações que derivam do contrato, aspectos esses que não devem constar da matéria de facto já que não são factos mas meras conclusões que caberá ao tribunal retirar em devido tempo. Por conseguinte, elimina-se da resposta correspondente ao artigo 25º da contestação a seguinte parte: “impedindo a ré de proceder à análise da cobertura do sinistro no âmbito do contrato de seguro, contrariamente ao que havia sido expressamente solicitado e está obrigada contratualmente”.
As respostas ao alegado nos artigos 26º, 31º e 35º da contestação está em consonância com aquilo que os meios de prova documentais (e-mails trocados) juntos com a contestação revelam e as testemunhas G…, arrolada pela autora, e E…, arrolada pela ré, afirmaram nos respectivos depoimentos de forma mais ou menos explícita ou directa: a autora não logrou satisfazer os pedidos da ré entre finais de 2012 e princípios de 2013 para que lhe indicasse as datas de emissão e de vencimento das facturas que deviam ser pagas pelas letras e enviasse o histórico das letras e cópia dessas facturas. Aliás, no recurso a recorrente não indica um único meio de prova que revele coisa diversa ou seja, ao menos, capaz de colocar em dúvida aqueles factos. A decisão do tribunal de 1.ª instância deve pois manter-se inalterada em relação a esses pontos concretos da matéria de facto.

Ainda em sede de matéria de facto, este tribunal pode e deve oficiosamente corrigir a redacção da referida matéria nos pontos em que a mesma inclui para além de factos propriamente ditos, meras conclusões ou mesmo matéria de direito, porquanto, como já se assinalou, no elenco da matéria de facto apenas devem constar factos.
É o caso da redacção correspondente ao artigo 6.º da contestação, da qual se elimina a menção “e como, desde logo, se vê das letras de câmbio juntas à petição inicial, a autora prestou falsas declarações à ré quanto ao montante do seu crédito, pois”.
É o caso da redacção correspondente ao artigo 14.º da contestação, a qual compreende exclusivamente matéria de direito [“E não era aceite porque é obrigação contratualmente assumida pela autora, comunicar a ameaça de sinistro, informando a ré do montante global do seu crédito sobre o cliente, assim fornecendo os elementos necessários à ré para analisar as condições de cobertura do crédito no âmbito do contrato celebrado”] e como tal deve ser totalmente expurgada da matéria de facto.
E é finalmente o caso da redacção ao artigo 44.º da contestação, da qual se elimina a menção “pelo que nada mais restou à ré senão”.

IV. Factos provados:
Estão definitivamente considerados provados os seguintes factos:
a] A Autora dedica-se à actividade comercial distribuição e fornecimento de produtos alimentares e bebidas para revenda, designadamente, cervejas, sumos, bebidas destiladas, entre outras. (1º da petição inicial).
b] O que faz com carácter habitual e fim lucrativo. (2º da petição inicial).
c] A Ré é uma empresa que se dedica à actividade seguradora, designadamente, nos ramos de crédito e caução. (3º da petição inicial).
d]O que também faz com carácter habitual e fim lucrativo. (4º da petição inicial).
e] No decurso de 2009 e no desenvolvimento das respectivas actividades comerciais, Autora e Ré, celebraram um contrato de seguro de crédito nos termos do qual esta se obrigava a indemnizar aquela dos prejuízos sofridos em consequência da verificação de risco de crédito. (5º da petição inicial).
f] Estando o referido contrato de seguro titulado pela apólice n.º ……….. (6.º da petição inicial).
g] Sendo certo que, nos termos das respectivas condições gerais da apólice, constituíram, entre ambos, as seguintes coberturas do mencionado contrato: “Mora do cliente que subsista por prazo superior ao prazo de constitutivo do sinistro aplicável, fixado nas Condições Especiais ou nas Condições Particulares da Apólice; b)Falência ou insolvência do Cliente, comprovada por decisão judicial transitada em julgado; c) Concordata, moratória ou outra medida de efeitos equivalentes celebrada com o cliente e homologada no âmbito de processo judicial, oponível ao segurado (aqui Autora); d) Insuficiência de meios de pagamento do cliente comprovada judicialmente ou reconhecida pela Ré, nomeadamente, quando se verifique a cessão de actividade e inexistência de património penhorável do cliente. (7.º da petição inicial).
h] Outrossim, nos termos das condições gerais da referida apólice, são considerados indemnizáveis os créditos sobre clientes estabelecidos nos mercados previstos nas condições particulares, até aos limites de crédito fixados ou aceites pela Ré para cada cliente, que se constituam durante a vigência da apólice e desde que os correspondentes sinistros sejam participados até ao final do ano seguinte ao termo do período de vigência em que o crédito se constituiu. (8.º da petição inicial).
i] Sendo, contudo, aceites pela Ré os sinistros participados depois do referido prazo de um ano contado desde o termo do período de vigência em que o crédito se constituiu desde que não tenham decorrido mais de seis meses sobre a data da verificação do respectivo sinistro. (9.º da petição inicial).
j] Nos termos das condições particulares da apólice, Autora e Ré fixaram como mercados onde vigorava o seguro, o mercado interno português. (10.º da petição inicial).
k] Considerando-se que o cliente se constitui em mora para efeitos de verificação de sinistro, o decurso de 120 dias. (11.º da petição inicial).
l] E a percentagem garantida de créditos foi limitada pela Ré em 80% dos clientes do mercado interno. (12.º da petição inicial).
m] Nos termos do referido contrato de seguro, o prazo máximo de pagamento dos créditos a conceder pela Autora aos seus clientes tinha como limite máximo os 90 dias. (13.º da petição inicial).
n] Permitindo-se que a Autora concedesse aos seus clientes, sem autorização prévia da Ré, uma prorrogação do prazo para o pagamento dos créditos de 60 dias. (14.º da petição inicial).
o] Nos termos das condições particulares da apólice, foi fixada a franquia de 500€ para o período de 01 de Novembro de 2009 a 31 de Outubro de 2010 e de 250€ para o período de 01 de Novembro de 2010 a 31 de Outubro de 2011. (15.º da petição inicial).
p] E um capital máximo tarifável de 3.100.000€. (16.º da petição inicial).
q] Sendo o montante máximo indemnizável por cada ano correspondente ao factor 25. (17.º da petição inicial).
r] A Autora no exercício daquela sua actividade de distribuição alimentar e bebidas, forneceu ao seu cliente D…, S.A., com o NIF ………, com sede na Rua … …/., n.º .., freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão diversas mercadorias, tais como cervejas de marca Super Bock e Cristal, sumos de marca Frissumo e Guaraná, água de marca Vitalis, entre outras. (18.º da petição inicial).
s] A Autora forneceu ao seu cliente, para além de outras as mercadorias tituladas nas seguintes facturas:
1) Factura n.º …….058 emitida em 17-09-2010, vencida em 01-10-2010 no valor de 114,88 €
2) Factura n.º …….064 emitida em 17-09-2010, vencida em 01-10-2010 no valor de 13.209,46 €
3) Factura n.º …….066 emitida em 20-09-2010, vencida em 04-10-2010 no valor de 13.543,76 €
4) Factura n.º …….071 emitida em 21-09-2010, vencida em 05-10-2010 no valor de 9.866,96 €
5) Factura n.º …….079 emitida em 22-09-2010, vencida em 06-10-2010 no valor de 5.386,91 €
6) Factura n.º …….091 emitida em 27-09-2010, vencida em 11-10-2010 no valor de 114,88 €
7) Factura n.º …….125 emitida em 04-10-2010, vencida em 18-10-2010 no valor de 114,88 €
8) Factura n.º …….130 emitida em 04-10-2010, vencida em 18-10-2010 no valor de 13.209,46 €
9) Factura n.º …….149 emitida em 11-10-2010, vencida em 25-10-2010 no valor de 114,88 €
10) Factura n.º …….176 emitida em 18-10-2010, vencida em 01-11-2010 no valor de 2.924,84 €
11) Factura n.º …….177 emitida em 18-10-2010, vencida em 01-11-2010 no valor de 86,22 €
12) Factura n.º …….179 emitida em 19-10-2010, vencida em 02-11-2010 no valor de 5.878,87 €
13) Factura n.º …….180 emitida em 19-10-2010, vencida em 02-11-2010 no valor de 13.209,46 €
14) Factura n.º …….188 emitida em 20-10-2010, vencida em 03-11-2010 no valor de 9.866,96 €
15) Factura n.º …….203 emitida em 25-10-2010, vencida em 08-11-2010 no valor de 3.960,81 €
16) Factura n.º …….245 emitida em 04-11-2010, vencida em 18-11-2010 no valor de 114,88 €
17) Factura n.º …….271 emitida em 15-11-2010, vencida em 29-11-2010 no valor de 114,88 €
18) Factura n.º …….279 emitida em 18-11-2010, vencida em 02-12-2010 no valor de 8.306,78 €
19) Factura n.º …….290 emitida em 23-11-2010, vencida em 07-12-2010 no valor de 114,88 €
t] O referido cliente na data prevista para o vencimento das mencionadas facturas não procedeu ao seu pagamento à Autora; (21.º da petição inicial).
u] Face à falta de pagamento das mencionadas facturas, em cumprimento do disposto no art.º 5.º, ponto II, al a) das CGA, a Autora comunicou em 09-12-2010 à Ré a “Ameaça de Sinistro”, pelo qual comunicou a suspensão dos pagamentos do mencionado cliente “D…, SA”, e que o valor do conta-corrente naquela data era de 100.254,65 €. (22.º da petição inicial).
v] Por sentença de 28-03-2011, proferida nos Autos de Insolvência, Proc.º n.º 4594/10.4 TBGMR, pelo 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Famalicão, foi declarada a insolvência daquela cliente da Autora, a D…, S.A. (23.º da petição inicial).
w] A Autora estava na posse de letras de câmbio no valor de 210.014,65€, as quais titulavam uma obrigação de pagamento à Autora pela referida D…, SA; (24.º da petição inicial).
x] A Autora formulou a reclamação de créditos junto daqueles Autos de Insolvência tendo como fundamento aquela obrigação cartular assumida pela insolvente. (26.º da petição inicial).
y] A quantia reclamada naqueles Autos de Insolvência foi integralmente reconhecida, e bem assim, os juros vencidos à taxa legal. (27.º da petição inicial).
z] Não tendo a autora recebido, no âmbito do processo de insolvência, qualquer valor da quantia reclamada, estando em dívida a totalidade da quantia reclamada. (resposta aos artigos 28.º e 29.º da petição inicial).
aa] Declarada a insolvência da mencionada cliente em 28-03-2011, a Autora formalizou a participação do sinistro à Ré, relativamente às facturas em que havia manifestado a dita “ameaça de sinistro”. (30.º da petição inicial).
bb] Relativamente ao mencionado cliente D…, S.A., a Ré mantinha válida a garantia de pagamento da quantia de 150.000€. (32.º da petição inicial).
cc] Com fundamento no facto de o valor reclamado no processo de insolvência ser superior ao valor das mencionadas facturas e que constituem o objecto do sinistro, a Ré recusou-se a pagar a quantia devida em virtude da garantia de crédito que prestou à Autora. (33.º da petição inicial).
dd] A Ré, apesar de por diversas vezes instada pela Autora para pagar, o certo é que não procedeu ao pagamento da mencionada quantia. (35.º da petição inicial).
ee] A comunicação da ameaça de sinistro, relativa ao crédito de €100.254,65, recepcionada em 9-12-2010 foi devidamente registada na ré. (4.º da contestação).
ff] E logo nessa data a ré solicitou à autora: “Dado que se encontram em falta cópias dos documentos que titulam os créditos em aberto e como estes são necessários à sua identificação e às respectivas condições de cobertura, solicitamos a V.Ex.as o seu envio, o mais rápido possível, sob pena de não podermos proceder à respectiva indemnização, caso venha a ocorrer o sinistro”. (5.º da contestação).
gg] Na data da comunicação da ameaça de sinistro, 09-12-2010, o crédito da autora sobre aquele seu cliente não ascendia a € 100.254,65 conforme a autora comunicou à ré, mas pelo menos a €210.014,65, resultante da soma das letras de câmbio de €95.000,00 que se venceu em 30-09-2010 e de €115.014,65 que se venceu em 15-11-2010. (6.º da contestação).
hh] Em 19-9-2011 a autora enviou à ré a certidão judicial emitida pelo 4.º Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão no âmbito do processo n.º 4594/10.4TBGMR, relativa à insolvência da sua cliente D…, Lda. (7.º da contestação).
ii] Dando a conhecer à ré que, afinal, o seu crédito sobre a insolvente, não era no montante constante da comunicação da ameaça de sinistro no valor de €100.259,65, mas sim de €213.853.78 conforme constava daquela certidão como crédito reconhecido. (8.º da contestação).
jj] Uma vez apurado que tal crédito de €213.853,78 integrou a lista definitiva dos créditos reconhecidos, em 3-8-2012, a ré solicitou à autora esclarecimentos sobre a razão da diferença entre o valor constante da comunicação da ameaça de sinistro e o valor que havia sido reconhecido à autora naquele processo de insolvência. (9.º da contestação).
kk] Ao que a autora respondeu, singelamente, que aquela diferença de valores estava em letras que se venceram posteriormente e foram devolvidas. (10.º da contestação).
ll] Mais tendo informado a ré que não comunicou o restante crédito de que era titular sobre a sua cliente, relativo à diferença do valor constante da comunicação da ameaça de sinistro para o valor que efectivamente lhe foi reconhecido no supra referido processo de insolvência, porque as facturas já estavam fora de prazo previsto contratualmente para a respectiva participação. (12.º da contestação)
mm] Ao que a ré em 19-9-2012, explicou à autora que a informação de que não comunicou o restante crédito porque as respectivas facturas já estavam fora de prazo não era aceite pela ré. (13.º da contestação).
nn] Mais solicitou a ré à autora que procedesse ao histórico completo da dívida indicando: Quais as facturas e/ou outros documentos que estão na origem de cada uma das letras iniciais – a soma dos documentos tem que ser, evidentemente, igual ao valor da letra; Qual a data de vencimento inicial e, caso tenha havido reformas, quais as datas e valores das novas letras; Se há créditos (facturas) que não tenham sido tituladas.” (16.º da contestação).
oo] A apólice do contrato celebrado entre autora e ré compreende as condições gerais constantes do documento junto com a contestação sob o n.º 6 e as condições particulares constantes dos documentos juntos com a petição inicial sob os n.º 2 e 3. (resposta ao artigo 19.º da contestação).
pp] A autora não forneceu logo os elementos pedidos. (resposta ao artigo 20.º da contestação).
qq] Pelo que a ré em 13-11-2012, lembrou à autora que o “processo se encontrava a aguardar os esclarecimentos solicitados” no e-mail de 19-09-2012 “sem os quais não poderemos dar andamento a este assunto.” (21.º da contestação).
rr] Em 21-11-2012, a autora informou a ré que após a comunicação da ameaça de sinistro tinham sido devolvidos um cheque (€15.000,00) e uma letra de (€95.000) enviando os documentos de liquidação. (23.º da contestação).
ss] Esclareceu também o número e o valor das facturas que seriam pagos pela letra e cheque supra referido, mas omitiu a datas de emissão e de vencimento daquelas facturas. (25.º da contestação).
tt] E nada mais esclareceu do que lhe havia sido solicitado pela autora. (26.º da contestação).
uu] Pelo que a ré solicitou novamente tais elementos à autora. (27.º da contestação).
vv] Como a ré lhe referiu por e-mail em 28 de Fevereiro de 2013, esclarecendo que era indispensável a indicação das datas de emissão e vencimento das facturas que deviam ter sido pagas pela letra e cheque supra referido e o envio de cópia das mesmas, como já tinha sido expressamente solicitado em 19-9-2012. (30.º da contestação).
ww] Mas a autora insistiu em não facultar tal informação à ré. (31.º da contestação).
xx] Pelo que em 30-4-2013, a ré insistiu novamente junto da autora, recordando que havia uma diferença entre o valor comunicado na ameaça de sinistro e o relacionado na lista de credores do devedor, que considerava que tal diferença tinha sido esclarecida pela existência da letra (€ 95.000,00) e cheque (€15.000,00) supra referidos, mas que se tornava necessário conforme o e-mail de 19-09-2012, que a autora informasse a ré do histórico da evolução da divida titulada pela letra e cheque, desde o valor inicial até ao valor actualmente em aberto. (32.º da contestação).
yy] Mais informou a ré que a relação das facturas em dívida enviada pela autora e cujo pagamento estava titulado pela letra e cheque supra referidos, sem o histórico das letras e sem a cópia das facturas, permitindo conhecer as respectivas datas de emissão e vencimento, não era possível aferir da cobertura do sinistro no âmbito do contrato de seguro, para que fosse possível proceder ao pagamento da indemnização. (33.º da contestação).
zz] Não obstante tais esclarecimentos terem sido solicitados diversas vezes, e já há muito tempo, a ré concedeu ainda um prazo adicional de 30 dias para que os mesmos fossem prestados, sob pena de encerrar o processo. (34.º da contestação).
aaa] Mas a autora, mais uma vez, nada esclareceu. (35.º da contestação).
bbb] Apesar de terem decorrido os seis meses a que se refere a cláusula 11.º n.º 2 das Condições Gerais, a ré em 30-4-2013, ainda concedeu um prazo adicional de 30 dias para que a autora prestasse os solicitados elementos. (41.º da contestação).
ccc] Mas a autora não os prestou. (42.º da contestação).
ddd] A ré encerrou o respectivo processo sem admitir ou regular aquele sinistro ou proceder ao pagamento da indemnização. (44.º da contestação).

V. O direito:
Na resposta às alegações de recurso, a recorrida sustenta que a recorrente não apresentou alegações, nem formulou qualquer conclusão tendente a alterar o segmento da sentença que determinou a caducidade do direito da recorrente, pelo que a Relação não deverá conhecer do objecto do recurso já que essa omissão conduz ao trânsito em julgado da sentença proferida, sendo um acto inútil o conhecimento das restantes questões versadas no recurso apresentado.
Não parece que se possa entender assim, contudo. A questão da caducidade dos direitos da autora foi suscitada pela ré na contestação com fundamento na obrigação de a autora prestar determinado conjunto de informações e no facto de a autora não ter cumprido essa obrigação e de ter decorrido o prazo de seis meses previsto no n.º 2 do artigo 11.º da condições gerais do contrato. Neste contexto, a questão da caducidade está dependente da demonstração de que aquela obrigação existe, que tem os contornos que a ré lhe atribui e que a autora não a cumpriu. Ora não é necessário grande esforço interpretativo para constatar que ao longo das suas alegações de recurso e das respectivas conclusões, a autora questiona o alegado incumprimento das suas obrigações que a ré lhe imputa e mais especificamente que não tivesse prestado à ré as informações necessárias e suficientes para que esta pudesse e devesse regularizar o sinistro. Nessa medida, é para nós claro que a questão da caducidade do direito da autora de forma alguma transitou em julgado e/ou inutilizou a apreciação do recurso.
Entremos, pois, na sua análise e julgamento.
As partes celebraram aquilo que a apólice designa por contrato de seguro de crédito. Tendo sido celebrado já em 2009, o contrato de seguro de crédito rege-se pelas disposições do Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de Maio (na redacção dada pelos Decretos-lei n.os 127/91, de 22 de Março, 214/99, de 15 de Junho, 51/2006, de 14 de Março, e 31/2007 de 14 de Fevereiro), e pelas disposições aplicáveis do regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, que revogou os artigos 425.º a 462.º do Código Comercial (artigo 6.º) e entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009 (artigo 7.º).
Como modalidade da espécie de seguro de coisas, ao seguro de crédito são aplicáveis os artigos 161.º a 165.º daquele regime jurídico e bem assim as disposições constantes da parte geral desse regime que não sejam incompatíveis com a sua natureza (artigos 2.º e 166.º).
O contrato de seguro é um contrato aleatório por via da qual uma das partes, a seguradora, se obriga, mediante o recebimento de um prémio, a suportar um risco, liquidando o sinistro que venha a ocorrer (cf. Pedro Romano Martinez, in Direito dos Seguros, 2006, pág. 51). Na formulação mais ampla de Margarida Lima Rego, in Contrato de seguro e terceiros, 2010, pág. 66, trata-se do “contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, suporta um risco económico da outra parte ou de terceiro, obrigando-se a dotar a contraparte ou o terceiro dos meios adequados à supressão ou atenuação das consequências negativas reais ou potenciais da verificação de um determinado facto”.
Esta formulação doutrinária encontra hoje cobertura no artigo 1.º do regime jurídico do contrato de seguro, segundo o qual “por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”.
Conforme previsto no artigo 123.º do aludido regime jurídico o seguro de danos pode respeitar a coisas, bens imateriais, créditos e quaisquer outros direitos patrimoniais. O seguro de crédito é o que tem por objecto créditos. O risco seguro é o risco de crédito, melhor dizendo, risco da não satisfação do crédito do segurado e tomador do seguro sobre um seu cliente. Embora não seja o único risco passível de ser segurado, como resulta do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de Maio, normalmente o seguro de crédito cobre o risco de falta ou atraso no pagamento dos montantes devidos ao credor.
No contrato em apreço o artigo 1.º das respectivas condições gerais estabelece que através do contrato a ré se obriga a indemnizar a autora dos prejuízos sofridos em consequência da verificação do risco de crédito, por ocorrência de um dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, relativamente aos créditos decorrentes da actividade indicada nas condições particulares da apólice, abrangidos pelo seguro.
Por sua vez o artigo 2.º define as situações em que se considera verificado o risco de crédito, ou seja, um sinistro para afeitos do contrato, e que são, relevando a que ocorra em primeiro lugar, as seguintes: a) mora do cliente, que subsista por prazo superior ao prazo constitutivo do sinistro definido nas condições particulares da apólice (no caso: 120 dias); b) a insolvência do cliente, comprovada por decisão judicial transitada em julgado; c) concordata, moratória ou outra medida de efeitos equivalentes celebrada com o cliente e homologada no âmbito de processo judicial, oponível ao segurado; d) a insuficiência de meios de pagamento do cliente comprovada judicialmente ou reconhecida pela ré, nomeadamente, quando se verifique a cessação de actividade e a inexistência de património penhorável do cliente.
Quanto aos créditos seguros, ou seja, os créditos cuja não satisfação representa um risco coberto pelo contrato, o artigo 3.º das condições gerais define-os como sendo os créditos sobre clientes estabelecidos nos mercados previstos nas condições particulares (no caso venda de produtos alimentares e bebidas no mercado interno), até aos limites de crédito fixados ou aceites pela ré para cada cliente, que se constituam durante a vigência da apólice e desde que os correspondentes sinistros sejam participados até ao final do ano seguinte ao termo do período de vigência ou mesmo depois deste prazo, mas nesse caso apenas se não tiverem decorrido mais de seis meses sobre a data de verificação do respectivo sinistro, sendo que a constituição do crédito ocorre com a entrega dos bens ao adquirente. O n.º 5 desta cláusula considera excluídos do seguro designadamente os créditos constituídos sobre clientes sem limite de crédito em vigor e os créditos não declarados ao seguro.
Perante esta configuração do contrato em apreço, designadamente no tocante aos riscos cobertos e à definição de sinistro, parece não haver dúvidas de que os créditos da autora sobre o seu cliente cuja ameaça de sinistro foi participada à ré estão abrangidos pela cobertura do seguro e de que ocorreu um sinistro relevante para efeitos da apólice.
Tais créditos provêm da actividade comercial a que respeitam os créditos garantidos e estão compreendidos dentro do limite de crédito fixado pela ré para o concreto devedor, tendo decorrido já sobre o início da mora o prazo constitutivo do sinistro e sobrevindo mesmo outro facto gerador do sinistro para além da mora, mais concretamente a declaração do estado de insolvência do devedor.
A ré não questionou, aliás, nenhum desses aspectos, tal como não alegou a verificação de qualquer das circunstâncias que, nos termos do n.º 5 do artigo 3.º das condições gerais, permitiriam excluir do seguro estes créditos. Os únicos meios de defesa que a ré invocou para, apesar de o risco estar compreendido no objecto do contrato e se ter verificado um sinistro, não pagar à autora o valor fixado contratualmente são, por um lado, o incumprimento por parte da autora dos deveres de informação relativos à participação do sinistro que a seu ver incumbiam à autora e, como consequência dessa infracção, a caducidade do direito da autora à indemnização pelo decurso do prazo de seis meses sem o fornecimento das informações que a ré considera indispensáveis à regularização do sinistro.
Sem o dizer expressamente, a ré opôs assim à pretensão da autora duas excepções materiais: a excepção de não cumprimento consubstanciada na recusa do cumprimento da sua prestação (pagamento à autora) enquanto subsistir o incumprimento da autora (da prestação de informações); a excepção da caducidade concretizada na defesa de que o contrato prevê um prazo de caducidade para o exercício do direito da autora.
Vejamos então se a autora incumpriu alguma obrigação contratual dando azo ao exercício da excepção de não cumprimento da ré.
Sustenta a ré que a autora tinha de a informar da totalidade dos créditos sobre o cliente que se mostravam vencidos e em mora e não apenas dos créditos nessa situação referidos na participação (designada por “comunicação da ameaça de sinistro”), que tinha de lhe fornecer o elenco dos títulos de crédito emitidos pelo credor, que tinha de especificar as facturas para cujo pagamento se destinavam esses títulos, que tinha de fornecer o histórico da evolução da dívida titulada pelos títulos de crédito e, finalmente, fornecer a informação das datas de emissão e de vencimento de todas as facturas compreendidas nos pontos anteriores.
Refira-se que a ré crisma a actuação da autora como sendo de prestação de falsas informações, qualificativo que é de todo injustificado. Na verdade, a informação que a autora prestou à ré de que o seu cliente não lhe pagou o preço das mercadorias que lhe forneceu discriminadas nas facturas mencionadas na participação no valor total de €100.254,65 é verdadeira ou, pelo menos, não só não se apurou que seja falsa como a própria ré a aceitou.
A circunstância de a autora ter participado à ré créditos em dívida no montante de cerca de €100.000 e ter reclamado no processo de insolvência do devedor créditos de cerca de €200.00, não torna aquela informação falsa, torna-a somente incorrecta ou parcial. A própria autora, aliás, informou depois a ré do valor dos créditos que reclamou no processo de insolvência e que motivou a aludida divergência de valores, pelo que se alguma informação incorrecta foi prestada num primeiro momento essa incorrecção foi em devido tempo sanada pela autora.
Finalmente, não tendo a alegada falsidade recaído sobre os elementos ou circunstâncias que presidiram à negociação e celebração do contrato, nunca a mesma poderia ter como efeito a invalidade do contrato e a consequente desoneração da ré do dever de pagar à autora a indemnização prevista no contrato, independentemente da eventual responsabilidade em que a autora pudesse incorrer perante a ré se acaso tivesse reclamado e dela obtido indemnização por um prejuízo superior ao risco verificado ou por um risco não verificado.
O n.º 3 do artigo 11.º das condições gerais prevê que nos casos em que seja negado à ré o direito de acesso à informação delimitado no n.º 1 ou em que por qualquer omissão, dissimulação ou falsas declarações da autora, a ré seja induzida em erro sobre a situação dos clientes ou dos créditos seguros, a ré poderá resolver o contrato. A resolução do contrato pressupõe, no entanto, a formulação de uma decisão nesse sentido e a sua comunicação à contraparte. A ré não invocou na acção que tivesse em momento algum resolvido o contrato e comunicado a resolução do mesmo à autora, pelo que permanece obviamente vinculada às obrigações decorrentes do mesmo.
Tanto quanto vemos, o único artigo das condições gerais do contrato que menciona quais os elementos que a autora deve remeter com a comunicação da ameaça do sinistro é o artigo 5.º, em cujo ponto III, n.º 1, se estabelece que deve enviar com essa comunicação o segurado deve “enviar todos os documentos que titulem o crédito”.
A interpretação que fazemos desta cláusula é que o segurado está obrigado a enviar os documentos que comprovem os créditos objecto da própria comunicação, leia-se, os créditos em relação aos quais se verificou o risco segurado, melhor ainda, os créditos em relação aos quais o segurado pretende ser indemnizado. Não resulta da cláusula que o segurado deva enviar a documentação que titule todos os demais créditos, designadamente os não participados, aqueles em relação aos quais o segurado não reclama qualquer indemnização.
A ré sustenta, no entanto, que o contrato abrange todos os créditos que se constituam na vigência da apólice e, como tal, tem o direito a ser informada de todos os créditos. Ora esta afirmação não é totalmente correcta.
É verdade que uma vez celebrado o contrato de seguro de crédito, passarão a estar abrangidos pelo mesmo os créditos dos fornecimentos feitos a clientes para os quais a seguradora aprovou limites de crédito e compreendidos no mercado abrangido pelo seguro. Para efeitos de celebração do contrato, o segurado apresenta apenas uma estimativa do valor dos fornecimentos que prevê efectuar no período para o qual pretende o seguro, mas naturalmente não fica impedido de em resultado do desenvolvimento da actividade comercial com um determinado cliente lhe fornecer mercadorias em valor superior ao projectado aquando da celebração do contrato. Por essa razão é que o prémio de seguro não é fixado à cabeça, de modo firme, antes depende do volume de fornecimento que o segurado venha a fazer e do montante dos créditos de que por força disso venha a ser titular (artigo 9.º das condições gerais). Só nessa medida se pode sustentar que estão abrangidos pelo contrato todos os créditos, se com isso quisermos dizer que o contrato possibilita que venham a estar abrangidos pelo mesmo quaisquer créditos do segurado sobre os clientes com limites de crédito aprovados e compreendidos no mercado abrangido pelo seguro.
Todavia, como resulta já da formulação acabada de fazer, não são mesmo todos os créditos do segurado que estão cobertos. Não estão cobertos, nos termos do n.º 5 do artigo 3.º das condições gerais, os créditos sobre clientes de outros mercados, sobre clientes que não tenham limites de créditos aprovados ou que deixem de os ter por decisão da seguradora, os créditos não declarados ao seguro, os créditos constituídos sobre clientes que já se encontrem em situação de ameaça de sinistro, os créditos cuja cobrança não seja efectuada nos termos estabelecidos nas condições gerais, os créditos contestados ou impugnados pelos clientes relativamente aos quais não tenha sido feita prova, por decisão judicial ou por outro meio com igual relevância jurídica, da sua existência e exigibilidade, os créditos titulados em moeda estrangeira não convertível e, finalmente, os créditos de juros, comissões, custos de negociação ou devolução de cheques, letras e livranças ou outros efeitos comerciais, multas, penalidades, taxas e impostos.
O segurado pode, portanto, não obstante a celebração do seguro de crédito, decidir não declarar ao seguro créditos de que seja titular mesmo relativamente a clientes com limites de créditos aprovados, designadamente por entender que os negócios constitutivos desse crédito não geram um risco de incumprimento tal que justifique a sua cobertura pelo seguro e o pagamento do prémio de seguro também por esse crédito.
Por outro lado, o regime jurídico do contrato de seguro de crédito subordina este contrato ao regime do chamado descoberto obrigatório, que tem por objectivo fazer com que recaia sobre o segurado parte do risco e dessa forma evitar que este se possa desinteressar pelo destino do crédito, como sucederia se tivesse assegurado que de qualquer forma receberia a totalidade do crédito. Segundo o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de Maio, a cobertura do contrato é limitada a uma percentagem do crédito seguro, a estabelecer pela seguradora, sendo o valor da indemnização calculado com aplicação aos prejuízos apurados, dentro dos limites do crédito seguro e da percentagem de cobertura estabelecida, e podendo ainda a seguradora na apólice fixar limites para os montantes indemnizáveis.
Para efeitos do contrato, podem assim distinguir-se entre todos os créditos de que é titular o segurado, aqueles que estão efectivamente abrangidos pelo seguro e que são apenas uma parte daqueles já que para o estar é necessário que o segurado o tenha declarado ao seguro e o respectivo devedor tenha limite de crédito aprovado. E sobre esta parte é ainda possível fazer a distinção (cf. n.º 7 do artigo 3.º das condições gerais) entre a parte indemnizável e a parte não indemnizável do crédito, sendo que esta é aquela que excede a percentagem que no caso foi fixada em 80% e/ou o limite máximo de indemnização que no caso é referido como sendo “factor 25” (cf. condições particulares).
Não resulta do contrato que o segurado tenha a obrigação de comunicar à seguradora para efeitos de inclusão na respectiva cobertura todos os créditos que se tenham constituído. Pelo, contrário, no ponto III.4. do artigo 5.º das condições gerais do contrato está expressamente previsto que perante um sinistro se o crédito sobre o cliente for superior ao crédito seguro, os pagamentos efectuados depois da constituição do cliente em situação de ameaça de sinistro serão imputados às partes segura e não segura na respectiva proporção, numa demonstração inequívoca de que sobre o mesmo cliente, ainda que este se inclua no mercado abrangido e tenha limites de crédito aprovados, o segurado pode ter créditos não abrangidos pelo seguro.
Neste contexto parece que devemos concluir que aquando da comunicação de um sinistro o segurado não está obrigado a prestar informações relativamente a todos os créditos de que seja ou haja sido titular sobre o cliente ainda que esses créditos não estejam incluídos na comunicação da ameaça de sinistro. Em princípio, o segurado apenas tem de fornecer informações relativas aos créditos objecto da ameaça de sinistro. Para efeitos de preenchimento dos elementos constitutivos do seu direito à indemnização, relevam as condições que rodeiam estes créditos, não de outros eventuais créditos.
Contudo, nos termos do n.º 1 do artigo 11.º das condições gerais, precisamente com a epígrafe “acesso à informação”, o segurado reconhece à seguradora o direito de confirmar a exactidão das suas declarações e, em geral, o cumprimento das obrigações decorrentes da apólice, obrigando-se, para tanto, a facultar todas as informações e a permitir o acesso, por parte de representantes autorizados da seguradora, à escrita e toda a documentação relativa às operações objecto do seguro.
É precisamente esta cláusula que confere à ré o direito de obter a informação (não apenas a consultá-la mas também a que a autora lha forneça) relativa aos demais créditos cobertos pelo seguro e que a legitimava de facto a reclamar da autora que a informasse dos fornecimentos geradores dos créditos para cujo pagamento foram emitidas as letras (e o cheque) com base nas quais a autora reclamou créditos na insolvência e das vicissitudes desses créditos.
Trata-se de uma cláusula que prevê deveres de informação amplos na vigência do contrato e, portanto, não tem por objecto informação com relevo para a celebração do contrato, mas toda e qualquer informação com relevo designadamente para verificação do sinistro e das condições e termos da indemnização a pagar pela seguradora.
Não se trata, obviamente, de uma cláusula que permita à seguradora solicitar e obter toda e qualquer informação que desejar, que lhe permita bisbilhotar a seu bel-prazer a vida comercial e a escrita do segurado. Essa cláusula apenas lhe confere o acesso à informação que na prática se mostre ou se anteveja como contratualmente relevante, passível de permitir apurar ou despistar situações que na economia do contrato possam interferir com a actuação, os direitos e os deveres das partes.
Ora, no caso, a informação que a seguradora pretendia e que reconhecidamente a autora não lhe forneceu (descriminação das datas de emissão e vencimento das facturas cujo valor estava compreendido nos títulos de crédito emitidos antes das facturas comunicadas) tem interesse para escrutinar a possibilidade de verificação da situação prevista na alínea d) do n.º 5 do artigo 3.º das condições gerais do contrato, ou seja, de os créditos mencionados na comunicação da ameaça de sinistro terem sido constituídos sobre clientes que já se encontravam em situação de ameaça de sinistro, ao arrepio do estabelecido no contrato.
Na verdade, a existência de letras de câmbio emitidas pelo devedor com datas de emissão e de vencimento, total ou parcialmente, anteriores aos fornecimentos cujo não pagamento foi objecto da comunicação da ameaça de sinistro, indicia que a autora pode ter continuado a fornecer mercadorias a este cliente quando este já se encontrava em situação de ameaça de sinistro, isto é, por conjugação dos prazos previstos nas condições particulares do contrato, em situação de mora no pagamento de fornecimentos há mais de 150 dias (90 dias de prazo de vencimento da factura + 60 dias de prazo de moratória de pagamento passível de ser concedida ao cliente sem prévia autorização da seguradora). Nessa medida, a informação pedida pela ré tinha manifesto interesse contratual e, por isso, pode dizer-se que o pedido da mesma estava perfeitamente legitimado pelo artigo 11.º, nº 1, das condições gerais.
Poderia sustentar-se que é apenas essa a violação que a ré imputa à autora, a violação do dever de prestação de informação. A ré não invoca a verificação de qualquer circunstância que nos termos das condições do contrato de seguro exclua da cobertura do seguro os créditos pelos fornecimentos cujo não pagamento foi comunicado, designadamente as circunstâncias referidas no n.º 5 do artigo 3.º das condições gerais. Tais circunstâncias assumem a natureza de verdadeiras causas de impedimento do direito do segurado e, nessa medida, de verdadeira excepção de direito material, cuja alegação e demonstração constitui ónus da seguradora para afastar o direito do segurado à indemnização.
Todavia, a invocação da violação pelo segurado do dever de prestação da informação relevante para efeitos de regularização do sinistro constitui ela mesma, a nosso ver, uma excepção, a excepção de não cumprimento do contrato. Ao invocá-la sem afirmar concomitantemente que se verifica qualquer circunstância que exclua em definitivo o direito da autora, o que a ré pretende é neutralizar o exercício desse direito se e enquanto a informação em falta não lhe for prestada pois só quando tiver conhecimento dessa informação estarão reunidas as condições para (dever) tomar posição definitiva sobre o dever de indemnizar ou a verificação de alguma excepção impeditiva do direito à indemnização.
Neutralizado por essa via e nesses termos o exercício do direito, o obstáculo que este passa a enfrentar é o da eventual caducidade do direito de acção para o seu exercício ou da prescrição do direito à indemnização. Foi com esse objectivo que a ré chamou à colação o disposto no n.º 2 do mesmo artigo 11.º das condições gerais do contrato, pretendendo que por aplicação do mesmo caducou o direito da autora de reclamar a indemnização prevista no contrato.
Já se mostrou que o n.º 3 do mesmo artigo faculta à seguradora, em caso de violação do dever de informação, a faculdade de resolver o contrato e que como essa faculdade não foi exercida, o contrato subsiste, como subsistem as obrigações que dele emergem para ambas as partes.
O n.º 2 prevê outra consequência. Segundo a cláusula, a falta de comunicação ou envio dos elementos necessários à identificação do crédito seguro, à comprovação da ocorrência do risco ou da verificação do sinistro, que se mantenha pelo prazo de seis meses, contados sobre a data em que a seguradora notificou o segurado para fornecer essas informações, permite à seguradora encerrar o processo aberto para regularização do sinistro sem admitir nem regular o sinistro nem processar qualquer indemnização.
A nosso ver, nem a previsão da referida cláusula acolhe a situação ocorrida nesta situação concreta, nem a mesma prevê de facto qualquer prazo de caducidade para o exercício do direito do segurado. Expliquemos porquê.
A redacção dos três números referidos do artigo 11.º não é inteiramente coincidente e apresenta divergências significativas que não podem ser desprezadas. O n.º 1 refere-se a toda a informação (contratualmente relevante, como já explicámos dever entender-se) que a seguradora pode reclamar do segurado. O n.º 3, que consagra o direito à resolução do contrato, tem igual amplitude, já que inclusivamente remete na sua previsão para o conteúdo do n.º 1 (“quando lhe seja negado o exercício do direito previsto no n.º 1 deste artigo”). Todavia, a redacção do n.º 2 não só não remete para a previsão do n.º 1, como possui uma redacção própria menos ampla que a do n.º 1 (e, por remissão, a do n.º 3). A previsão do n.º 2 não compreende o não fornecimento de “todas as informações”, como o n.º 1, mas somente a falta de comunicação ou envio dos elementos necessários à identificação do crédito seguro, à comprovação da ocorrência do risco ou da verificação do sinistro.
Ora na situação que nos ocupa a informação em falta não se insere em qualquer destas situações especificadas no n.º 2 do artigo. A informação prestada pela autora é absolutamente suficiente para a seguradora ter por identificado o crédito seguro (a ré não invocou que os créditos relativos às facturas especificadas na comunicação não tivessem sido declarados ao seguro pelo segurado), ter por comprovada a ocorrência do risco (o devedor foi declarado insolvente por decisão judicial transitada em julgado) e ter por verificado o sinistro (a autora reclamou créditos no processo de insolvência e estes foram reconhecidos, sendo que mesmo as letras de câmbio emitidas estão em poder da autora pelo que não podem ter sido pagas pelo devedor).
A informação que a seguradora exigiu não se prendia com essas situações, mas com a necessidade que a seguradora sentiu, vendo que havia outros créditos por pagar relativos a fornecimentos anteriores, de despistar a eventualidade de os créditos referidos na ameaça de sinistro terem sido constituídos quando o cliente já se encontrava em situação de ameaça de sinistro e, portanto, se verificar em relação a eles e por essa razão, uma situação superveniente de exclusão do seguro ex vi n.º 5 do artigo 3.º das condições gerais. Por conseguinte, em rigor, não estava verificada nenhuma das situações previstas no n.º 2 do artigo 11.º
Por outro lado, tanto quanto entendemos da leitura da cláusula, o que a mesma prevê é somente a faculdade de a seguradora encerrar a via extra-judicial de regularização do sinistro sem incorrer em mora no cumprimento da sua obrigação de indemnização e não a caducidade do exercício do direito do segurado.
Com efeito, nos termos do ponto III.1. do artigo 7.º das condições gerais do contrato, a seguradora está obrigada a pagar ao segurado a indemnização no prazo de 30 dias a contar da recepção pela seguradora da participação do sinistro, acompanhada de todos os elementos necessários à confirmação da verificação do sinistro e ao cálculo da indemnização. O contrato vincula, portanto, a seguradora a deveres de actuação no sentido de regularizar extrajudicialmente o sinistro e fixa-lhe um prazo para o efeito, pelo que a ultrapassagem desse prazo a faria incorrer em mora no cumprimento da sua prestação e no consequente dever de indemnizar o segurado agora já também dos danos decorrentes dessa mora.
O que o n.º 2 do artigo 11.º consagra é a liberação da seguradora desse dever de actuação no sentido da regularização extrajudicial do sinistro e o afastamento da mora no cumprimento da prestação. Onde se encontra mesmo prevista uma situação de caducidade do direito do segurado a exigir a indemnização é no ponto III.3. do artigo 5.º das mesmas condições gerais onde ficou consagrado que a seguradora fica exonerada da obrigação de indemnizar prejuízos relativos a quaisquer créditos do segurado sobre cliente em situação de ameaça de sinistro, se a mesma não tiver sido comunicada à seguradora nos seis meses seguintes à sua constituição.
Feito este percurso interpretativo das condições gerais do contrato e argumentativo quanto às implicações das mesmas para as partes no tocante ao concreto sinistro a que se reportam os autos, podemos assim concluir que:
i) a autora não forneceu toda a informação que lhe foi pedida pela ré e que era podia pedir que lhe fosse fornecida;
ii) a informação em falta era contratualmente relevante e a sua obtenção permitiria satisfazer um interesse legítimo da ré relativamente ao cumprimento da obrigação contratual exigida;
iii) a falta de informação não fez caducar o direito do segurado de exigir a indemnização mas apenas desonerou a seguradora da obrigação de regularizar extrajudicialmente o sinistro e pagar a indemnização no prazo previsto no contrato sob pena de incorrer em mora;
iv) em função dessa falta a ré podia recusar o cumprimento da obrigação de indemnização do sinistro mas essa recusa tem como causa jurídica a falta de informação e não a falta de qualquer dos elementos constitutivos do direito à indemnização, pelo que não assume a natureza de excepção material que impeça em definitivo o direito, extinguindo-o, mas de mera excepção de não cumprimento, ou seja de “mecanismo potestativo que num contrato bilateral permite a qualquer das partes suspender a sua prestação enquanto a outra não realizar também a sua ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo (cf. João Abrantes, in A Excepção de Não Cumprimento do Contrato, Almedina, 1986, pág. 39 e seguintes).
Desse modo, a questão que se deve discutir é a das consequências da verificação dos pressupostos dessa excepção que fica aquém do defendido pela ré para impedir a satisfação do direito à indemnização. A excepção, como sabemos, é um mecanismo legal posto à disposição do contraente para obrigar o outro contraente a cumprir pontualmente a sua obrigação e, portanto, um mecanismo de coerção destinado a exercer sobre o contraente inadimplente alguma coação destinada a levá-lo a cumprir a sua obrigação nos precisos termos em que se vinculou a fazê-lo, ou seja, a assegurar que o sinalagma contratual é respeitado.
São configuráveis duas soluções quanto ao desfecho da acção destinada a exercer o direito ao qual o demandado opõe eficazmente a excepção de não cumprimento: a improcedência da acção ou a condenação do demandado a pagar quando for eliminada a causa da excepção. A doutrina e a jurisprudência dividem-se na defesa de ambas as soluções.
A primeira solução encontra apoio em Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, 4ª edição – reimpressão, Coimbra 1985, Volume III, pág. 80, e Miguel Mesquita, in Reconvenção e Excepção no Processo Civil, Almedina 2009, pág. 95, e na jurisprudência nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.03.2006 e de 31.01.2007, e da Relação do Porto de 05.05.2014, in www.dgsi.pt. Sustentam a segunda posição, na doutrina, Vaz Serra in A excepção de não cumprimento do contrato, Boletim do Ministério da Justiça nº 67, páginas 33 e seg., Cunha Gonçalves, in Tratado de Direito Civil, Coimbra Editora, 1931, Volume IV, pág. 525, José João Abrantes, in A excepção de não cumprimento, Almedina, 1986, pág. 154, Nuno Manuel Pinto Oliveira, in Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, 2011, pág. 804 e Calvão da Silva, in Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, Coimbra 1987, pág. 335, e na jurisprudência os Acórdãos da Relação de Coimbra de 27.09.2005, da Relação de Lisboa de 26.06.2008, da Relação do Porto de 29.06.2010, e do Supremo Tribunal de Justiça de 28.04.2009 e de 26.10.2010, in www.dgsi.pt.
São meritórios os argumentos de uma e de outra das posições e admitimos que a finalidade da exceptio de suspender apenas a exigibilidade da prestação até que a contraprestação seja cumprida ou oferecida em simultâneo, aponta no sentido de consentir a condenação do devedor a cumprir quando essa condição se verificar. Para justificar essa solução invoca-se normalmente o disposto no artigo 662º do antigo Código de Processo Civil, a que corresponde o artigo 610º do novo Código de Processo Civil, “aplicável directamente, por identidade de razão, ou por analogia”.
A esse respeito acompanhamos inteiramente o citado Acórdão da Relação do Porto de 05.05.2014, proferido no processo n.º 17113/12.9YIPRT.P1 e relatado por Carlos Gil, onde se pode ler o seguinte: Embora o normativo se refira à inexigibilidade da obrigação, uma leitura atenta do mesmo permite-nos verificar que a situação contemplada respeita à inexigibilidade decorrente da falta de vencimento da obrigação. Assim, está em causa o decurso do tempo que é algo de verificável objectivamente, ao contrário da inexigibilidade decorrente da invocação da excepção de não cumprimento por força de um cumprimento defeituoso. A fase de eliminação dos defeitos invocados é ela própria uma fase potencialmente litigiosa, pelo que não se apresenta com a certeza inerente ao decurso do tempo ou à interpelação e que justificam o regime excepcional do artigo 662º do Código de Processo Civil, actualmente, artigo 610º do Código de Processo Civil. Pela nossa parte, …, afigura-se-nos que o artigo 610º do Código de Processo Civil não é aplicável, nem sequer por analogia, pelas razões acima enunciadas, pelo que a procedência da excepção de não cumprimento do contrato conduz a uma absolvição do pedido, embora essa absolvição tenha uma projecção restrita, na medida em que superado o obstáculo que determinou a procedência da excepção, poderá o titular do crédito cujo exercício foi paralisado obter a satisfação do mesmo, se necessário, por via coerciva, usando para tanto os meios declarativos.”
Na verdade, o artigo 662º do antigo Código de Processo Civil tinha de ser lido em conjugação com o artigo 673.º do mesmo diploma, tal como o artigo 610º do novo Código de Processo Civil tem de ser lido em conjugação com o artigo 621.º do mesmo diploma. Nos termos do artigo 673.º/621.º a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga e se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique. Esta previsão compreende perfeitamente a situação que nos ocupa. Ao ler o artigo 662.º/610.º como lê, o Acórdão citado faz uma concatenação de ambos os preceitos que se nos afigura inteiramente correcta e feliz.
Por esse motivo, afigura-se-nos que a solução não deve ser dada em abstracto mas apenas em função das características do caso concreto.
Com efeito, condenar a seguradora a cumprir apenas quando lhe for fornecida a informação pedida seria proferir uma sentença condicional, cuja eficácia dependerá da verificação de uma condição incerta. E isso não apenas não resolve definitivamente o problema, já que a discussão da verificação da condição pode dar origem a uma nova acção, como, sobretudo, afasta a característica da segurança, definitividade e exigibilidade que deve caracterizar uma decisão judicial.
Por outro lado, no caso concreto que nos ocupa, não se pode escamotear a possibilidade de em resultado da informação que venha a ser prestada se vir a concluir que os créditos participados estão afinal excluídos do seguro. Nessa hipótese, como condenar a ré a realizar uma prestação tendo de se admitir que a autora possa não ter direito a ela?
A admitir-se a condenação condicional, teríamos então de acrescentar à condição da prestação das informações solicitadas a condição de não ser necessária mais nenhuma informação e de a informação prestada não permitir excluir do seguro os créditos comunicados, o que elevaria o carácter condicional da decisão a um ponto inaceitável. Acresce que também se pode dar a circunstância de apenas parte desses créditos estar excluída da cobertura do seguro. Nessa eventualidade, com que fundamento se pode condenar a ré a pagar uma indemnização quando pode ser outra a indemnização a pagar?
Concluímos assim que no caso concreto e atentas as suas especificidades, a solução final deve ser mesmo a da absolvição da ré do pedido já que isso não obsta a que a autora, caso tenha prestado ou venha (se ainda a tempo) a prestar a informação necessária, demande novamente a ré para obter o pagamento da indemnização demonstrando então a satisfação dessa condição de prestação de toda a informação.
Improcede, deste modo, o recurso.

VI. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, embora com fundamentação algo diferente, confirmam, com o sentido e nos termos assinalados, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
*
Porto, 26 de Março de 2015.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto192)
José Amaral
Teles de Menezes