Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
155/04.5TTSTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MACHADO DA SILVA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL DOS TRIBUNAIS DO TRABALHO
Nº do Documento: RP20120604155/04.5TTSTS-A.P1
Data do Acordão: 06/04/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Os tribunais de trabalho têm competência para conhecer as questões decorrentes dos acidentes de trabalho, incluindo as questões de natureza cível relacionadas com aqueles que prestam apoio ou reparação aos sinistrados de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. nº 1672.
Proc. nº 155/04.5TTSTS.-A.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. A Companhia de Seguros B…, SA, por apenso ao Proc. nº 155/04.5TTSTS, intentou a presente ação, com processo especial, para efetivação de direito de terceiros conexos com acidente de trabalho, contra C…, Lda., pedindo o pagamento da quantia de € 1.609,68, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento,
Para tanto, alegou, em síntese, que, por sentença transitada em julgado, proferida nos autos principais supra identificados, foi condenada a pagar a D… (Autor e sinistrado) as seguintes quantias:
a. o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 458,26, correspondente à sua responsabilidade de 56,49%, da pensão de € 811,22, com efeitos desde 08/03/2004; e
b. a quantia de € 16,30 a título de despesas de transporte que o sinistrado havia dispendido com deslocações ao Tribunal.
Por sua vez, a ora Demandada foi condenada a pagar ao mesmo sinistrado:
- o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 458,26, correspondente à sua responsabilidade de 43,51%, da pensão de € 811,22, com efeitos desde 08/03/2004;
- a quantia de € 1.127,29, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária.
Os montantes referidos foram assim repartidos, tendo em conta o montante de salário que o sinistrado efetivamente auferia e o montante que havia sido transferido para a Autora, enquanto seguradora do ramo de acidentes de trabalho para a qual a ora Ré havia transferido a responsabilidade infortunística laboral dos seus trabalhadores, incluído o sinistrado; uma vez que, à data do acidente que deu origem ao já mencionado processo, o sinistrado auferia salário anual superior ao efetivamente transferido para a ora Autora, por contrato de seguro.
A Ré, na qualidade de entidade patronal do sinistrado, foi condenada a proceder ao pagamento do capital de remissão da pensão correspondente à proporção de salário que não se encontrava transferida – 43,51% do salário real.
Ora, a Autora, no âmbito do acidente de trabalho dos autos, no tratamento do sinistrado, até à data em que teve alta clínica – 07.03.2004 –, suportou todos os custos relacionados com despesas clínicas e hospitalares, deslocação de/e para os tratamentos, honorários médicos, despesas medicamentosas e despesas judiciais, assim discriminadas:
Despesas judiciais - € 1.622, 46;
Despesas com deslocações e hospedagem - € 155,75;
Despesas com deslocações/alimentação - € 44,00;
Despesas hospitalares - € 429,88;
Despesas com honorários médicos - € 635,00; e,
Despesas com clínicas - € 776,88;
Despesas com medicamentos - € 35,61.
Despesas que perfazem o total de € 3.699,58, de acordo com o quadro discriminativo que foi enviado ao Réu, na carta de interpelação para pagamento – doc.1 que se junta e se dá por reproduzido, cabendo à demandada suportar 43,51% desse montante – € 1.609,68.
A Autora, sem sucesso, interpelou a Ré para proceder ao pagamento da quantia de € 1.609,68 – pelo que, para além do montante de € 1.609,68, estão ainda em mora juros vencidos sobre essa quantia, desde a data de interpelação – 16.03.2009 –, e vincendos até efetivo e integral pagamento, juros que ascendem, nesta data, a € 31,75.
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A Ré foi citada editalmente, e, cumprido o art. 15º, nº 1, do CPC, contestou o Mº Pº, em defesa da ausente, arguindo a exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria, considerando que a presente ação não se enquadra no art. 85.º, als. c) e o), da LOFT, sendo que esta última exige um nexo de acessoriedade, complementariedade ou dependência e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja diretamente competente, o que não sucede com o pedido da Autora.
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Respondeu a A., refutando a exceção deduzida.
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Findos os articulados, a M.ma Juíza proferiu saneador, declarando a competência do tribunal para conhecer do pedido.
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Inconformado com esta decisão, dela recorreu o Mº Pº, formulando as seguintes conclusões:
1. A presente ação nada tem a ver com a alínea d), do artigo 85°, da LOFTJ;
2. Trata-se, antes, de uma ação em que a seguradora demanda a Ré empregadora/segurada, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 1.609,68, acrescida de juros de mora desde a citação, com fundamento em contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, em acidente sofrido pelo sinistrado D…, nas despesas suportadas por via daquele acidente no montante de € 3.699,58, no excesso de retribuição paga em relação ao declarado para efeito de seguro e no seu consequente direito de regresso contra a Ré com base no artigo 37°, n° 3, da Lei n° 100/97, de 13/7;
3. Ora, este tribunal do trabalho não tem competência material para conhecer da presente causa, a qual não se enquadrando nas alíneas c) e o), do artigo 85° da LOFTJ, muito menos se enquadra na invocada alínea d), daquele normativo;
4. O tribunal competente para conhecer a presente causa é o tribunal de competência cível, exclusiva ou não;
5. O Tribunal "a quo" ao declarar-se competente em razão da matéria para conhecer da presente causa fez errada interpretação do disposto no artigo 85º, alínea d), da LOFTJ, bem como dos artigos 18º, nºs 1 e 2, 64º, nº 2, 77º, nº 1, alínea a), e 78º, alínea d), todos da mesma lei;
6. Deve, assim, o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, consequentemente, declarar-se verificada a exceção dilatória da incompetência material deste Tribunal do trabalho, com a consequente absolvição da Ré da instância, nos termos dos artigos 288º, nº 1, alínea a), 493º, nº 2, e 494º, alínea a), todos do Código do Processo Civil.
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Contra-alegou a Autora, pedindo a confirmação do decidido.
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Cumpre decidir.
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2. Factos provados:
Os interessantes à decisão do recurso mostram-se supra referidos.
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3. Do mérito.
A decisão recorrida, com a discordância do Recorrente, afirmou a competência do tribunal do trabalho para conhecer da presente ação.
Para tanto, discorreu da seguinte forma:
«É com base no pedido formulado pelo autor que se deve aferir da competência material do tribunal, mesmo que a ação tenha sido deduzida incorretamente, quer do ponto de vista adjetivo, quer do ponto de vista substantivo. Ou seja, o tribunal tem de atender ao pedido tal como ele é apresentado – neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/12/1999, in Boletim do Ministério da Justiça, 492, páginas 370 e seguintes.
Através da estrutura do objeto da ação constituída pela causa de pedir e pedido é aferida a competência em razão da matéria.
Ora, no caso presente, a Autora invoca como causa de pedir as despesas (judiciais, deslocações e hospedagem, alimentação, hospitalares, honorários médicos, clínicas e medicamentos) no valor global de € 3.699,58, cabendo à Ré, na qualidade de empregadora, e de acordo com a sentença proferida nos autos apensos de acidente de trabalho, suportar 43,51 % desse montante. Pretende, assim, ser reembolsada do valor que pagou a mais uma vez que a responsabilidade por essas despesas é repartida entre a Seguradora e a Ré.
Os tribunais do trabalho são tribunais de competência especializada, e só têm competência para conhecer de determinadas matérias.
A competência cível dos tribunais de trabalho está prevista no artigo 85.° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFT).
A alínea c) desse artigo refere-se às questões emergentes de acidente de trabalho e doenças profissionais, pelo que está afastada a sua aplicação à presente ação.
A alínea o) prevê as "questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementariedade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja diretamente competente."
Como bem salienta o Digno Magistrado do Ministério Público, a Ré é sujeito de uma relação jurídica laboral e a Autora é terceiro no âmbito de uma outra relação jurídica de seguro conexa com a primeira ação em que ambos são sujeitos.
Porém, o pedido formulado na presente ação não é cumulado com qualquer outro para o qual este tribunal tem competência.
Resta apreciar o fundamento invocado pela Autora – alínea d) do citado artigo 85º.
Segundo esta disposição, compete aos tribunais de trabalho conhecer "das questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes de prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em beneficio de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais."
O pedido que a Autora pretende fazer valer nesta ação, em virtude do pagamento das mencionadas despesas que efetuou a mais, é completamente distinto da grande parte das questões que se enquadram nesta alínea.
Com efeito, não está diretamente em causa a discussão de questões de enfermagem ou hospitalares, o fornecimento de medicamentos, aparelhos de prótese ou ortopedia ou de quaisquer outros serviços efetuados.
Pese embora a ligação do objeto da ação com a ação emergente de acidente de trabalho apensa, o que a Autora pretende é tão só exigir da Ré Empregadora o reembolso do que despendeu com a assistência ao sinistrado, com fundamento no contrato de seguro celebrado entre as partes e na quota de responsabilidade desta por ter declarado um salário inferior ao efetivamente recebido pelo trabalhador.
Perante este pedido e respetivos fundamentos, afigura-se-me que esta ação se enquadra na parte final da referida alínea d) – prestações pagas em benefício das vítimas de acidente de trabalho».
Concorda-se, no essencial, com a fundamentação da decisão.
Na verdade, a lei prescreve – cf. arts. 85º, alíneas c) e d), da LOFTJ, aprovada pela Lei nº 3/99, de 13/1, na redação dada pela Lei nº 105/2003, de 10/12 e 118º, alíneas a) e o), da mesma LOFTJ, aprovada pela Lei nº 52/2008, de 28/8 – competir aos tribunais do trabalho conhecer, por um lado, das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, e, por outro, questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuadas ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho.
O pedido deduzido pela ora Recorrida, como supra exposto, está diretamente ligado ao acidente de trabalho sobre o qual os autos versam – no qual a ora Recorrida, como seguradora do trabalho, reparou o acidente ao sinistrado – prestando-lhe ou custeando a assistência hospitalar, médica, medicamentosa e outras (transportes e alimentação).
Fê-lo por imposição legal – cf. arts. 10º, 13º e 15º da Lei nº 100/97, de 13.09 – e independentemente de se saber, a esse momento, se a responsabilidade pela reparação era dela seguradora, ou repartida com a entidade patronal do sinistrado; e,
Em sede de acidentes de trabalho, e do especial dever de assistência que recai sobre terceiros, concretamente os que prestam cuidados de saúde e apoio aos sinistrados do trabalho – como é o caso dos estabelecimentos hospitalares, os médicos e as seguradoras – facilmente se compreende o objetivo do legislador, ao assumir que os tribunais de trabalho tenham competência para as questões decorrentes dos acidentes de trabalho, incluindo também as questões de natureza cível relacionadas com aqueles que prestam apoio ou reparação aos sinistrados de trabalho, e atribui-lhes a natureza de processo urgentes.
Na verdade, e como bem alega a recorrida, não faria qualquer sentido que aqueles que prestam assistência aos sinistrados do trabalho – na maioria das vezes carecidos desse apoio e sem recursos próprios para suportar o custo desses tratamentos – não pudessem utilizar um processo de natureza especial criado pelo legislador, com o propósito e o objetivo de ordem pública de permitir a satisfação do interesse público de reparação dos acidentes de trabalho, quer na sua vertente de atribuição de remunerações substitutivas, quer na vertente de prestação da assistência médica, medicamentosa e hospitalar.
Desse processo especial trata o art. 154º do CPT, integrado na Secção III – Processo para efetivação de direitos de terceiros conexos com acidente de trabalho, nele se prevendo que tal processo, segue os termos do processo comum, por apenso ao processo resultante do acidente, certamente com o objetivo de tornar menos moroso e mais simplificado o conhecimento de tais direitos conexos de terceiros.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso.
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4. Atento o exposto, e decidindo:
Acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas, por dela estar isento o Recorrente.
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Porto, 04-06-12
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa