Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
431/17.7T8AGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
ACTIVIDADE CONTRATADA
INVARIABILIDADE DA PRESTAÇÃO
POLIVALÊNCIA FUNCIONAL
MOBILIDADE FUNCIONAL
CARÁCTER TEMPORÁRIO
RETRIBUIÇÃO
IRREDUTIBILIDADE
TRABALHO POR TURNOS
Nº do Documento: RP20180411431/17.7T8AGD.P1
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º273, FLS.269-280)
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 118.º, n.º 1 do Código do Trabalho consagra o princípio da invariabilidade da prestação, com referência à actividade contratada.
II - As funções afins ou funcionalmente ligadas à atividade nuclear que correspondam a outras atividades compreendidas “no mesmo grupo ou carreira profissional do trabalhador”, para que o trabalhador tenha qualificação e que não impliquem a sua desvalorização profissional, podem ser exercidas acessoriamente a esta e integram a “atividade contratada em sentido amplo”, (artigo 118.º, n.ºs 2 e 3).
III - Não preenche os requisitos da polivalência funcional, a determinação que implique que o trabalhador deixe de desempenhar a essência das funções da categoria profissional contratada e passe a exercer outras “ex novo” e de modo exclusivo.
IV - O trabalhador pode ser chamado a desempenhar temporariamente funções não compreendidas na função que lhe foi atribuída, nas situações da mobilidade funcional reguladas no artigo 120.º do mesmo Código.
V - Não preenche os requisitos da mobilidade funcional a determinação que implique uma substancial modificação da categoria profissional do trabalhador, sem a indicação da duração previsível que permita entender como “temporária” a ordem de alteração de funções transmitida.
VI - A retribuição representa a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efetuada pelo trabalhador.
VII - O princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado no artigo 129º, alínea d) Código do Trabalho, incide sobre a retribuição estrita, não abrangendo, nomeadamente, as parcelas correspondentes à prestação de trabalho em condições mais penosas (em quantidade ou esforço) ou a situações de desempenho específicas, como é o caso do trabalho por turnos, cujo pagamento não esteja previamente assegurado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 431/17.7T8AGD.P1
4ª Secção
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo de Águeda
Relatora: Teresa Sá Lopes
1ª Adjunta: Desembargadora Fernanda Soares
2º Adjunto: Desembargador Domingos Morais
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório:
1.1. B…, divorciado, residente na Rua …, Bloco …, …, em Anadia instaurou a presente acção declarativa com forma de processo comum contra a C…, SA, com sede na Zona Industrial de …, apartado …, …, pedindo que seja condenada:
- a reconhecer a ilicitude da alteração funcional e do local de trabalho com início a 28.11.2016 por inexistência de interesse legítimo da Ré, ordenando-se a reposição da situação em que se encontrava, sendo-lhe cometido o exercício das funções de operador de enforma e desenforma que até então desempenhara;
- a reconhecer que da alteração funcional e do local de trabalho lhe adveio modificação substancial da posição ao nível interno e diminuição de retribuição, enquadrando-se a categoria de rebarbador no grupo 9 da tabela salarial;
- que a alteração funcional e do local de trabalho imposta consubstancia a aplicação de sanção disciplinar ilícita por não ter sido precedida do respectivo procedimento e considerá-la abusiva nos termos do artigo 331º do Código do Trabalho;
- a pagar-lhe, a título de retribuição perdida, o subsídio de turno de Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017, no montante global de €246,00 e os subsídios de turno mensais que se vierem a vencer até efectiva e integral reposição da situação;
- a pagar, a título de sanção abusiva, a quantia de €2.460,00 por retribuição perdida;
- bem como €2.300,00 a título de danos não patrimoniais;
- e juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, ter sido admitido ao serviço da Ré em 22.07.1991 a fim de, sob as suas ordens e direcção, exercer a sua actividade mediante o recebimento, em contrapartida, de uma quantia monetária, estando categorizado como operador de enforma e desenforma, e há vários anos a executar as funções de transporte de loiça nos carros de transporte da vidragem para os fornos para cozedura.
Fazia-o num regime de turnos rotativos desde há vinte anos, com folga ao Sábado e ao Domingo.
No dia 28.11.2016 recebeu uma ordem da Ré para passar a trabalhar nos fornos, rebarbar placas refractárias de suporte à loiça de cozer, sendo-lhe indicada a cabine mais destacada das outras, mais fria, mais poluente, sem que a Ré justificasse urgência ou necessidade nessa alteração funcional, procurando isolá-lo e tendo funcionado como uma sanção disciplinar por ser dirigente sindical e ter procurado questionar o director internacional da Ré relativamente ao teor de um comunicado sindical, o que não foi do agrado da empresa.
Ao ser despromovido de operador de enforna e desenforna para rebarbador e traduzindo-se a medida numa sanção abusiva, advieram-lhe prejuízos patrimoniais e danos não patrimoniais de que pretende ver-se ressarcido e compensado.
Em sede de audiência de partes, não foi lograda a conciliação.
Notificada para o efeito a Ré, na contestação, pugnou pela improcedência da acção, sustentando que o local de trabalho se manteve o mesmo, sendo a tarefa de rebarbar afim ou funcionalmente ligada à enforna e desenforna, não tendo sido aplicada qualquer forma de sanção disciplinar.
Mais defendeu não ser devido o pagamento de qualquer subsídio de turno, pois que desde 28.11.2016 o Autor não trabalha por turnos.
Pediu ainda a condenação do Autor como litigante de má-fé, uma vez que tem particulares responsabilidades no mundo laboral e não pode ignorar a falta de fundamento da sua pretensão.
Foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância e se dispensou a seleção da matéria de facto assente e a fixação da base instrutória.
Foi admitida a ampliação do pedido formulada pelo Autor, de condenação da Ré no pagamento da quantia acrescida de €25,98 (fls. 46v. e 47).
Oportunamente realizou-se a audiência de julgamento com observância de todo o formalismo legal.
Em 28.06.2017, o Mm.ª Juiz a quo proferiu sentença, a qual terminou com o seguinte dispositivo:
“Em face de todo o exposto:
julga-se a presente acção improcedente, sendo a Ré C…, SA absolvida dos pedidos contra a mesma formulados pelo Autor B…;
julga-se improcedente o pedido incidental de condenação do Autor B… como litigante de má-fé.
*
Sem custas da acção, atenta a isenção de que beneficia o Autor (n.os 1 e 2 do art. 527º do Código de Processo Civil, aplicável por força da al. a) do nº 2 do art. 1º do Código de Processo do Trabalho e al. h) do nº 1 do art. 4º do Regulamento das Custas Processuais), mas sem prejuízo do disposto no nº 7 do art. 4º do Regulamento das Custas Processuais.
*
Custas do incidente de litigância de má-fé a cargo da Ré C…, SA (nº 4 do art. 7º do Regulamento das Custas Processuais).”.

1.2. Inconformado com esta decisão, o Autor apresentou recurso, defendendo a revogação da sentença, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
“1 – O trabalhador recorrente passou de funções caracterizadas pelo seu exercício em trânsito, em movimento, no transporte de louças de um lado para o outro, para funções estáticas, nos fornos, a rebarbar.
2 – A actividade de “transporte de louça nos respectivos carros de transporte, da vidragem para os fornos, a fim de desta ali ser cozida”, nada tem a ver com a actividade de “rebarbar placas e vigas refractárias de suporte a louça a cozer”. Nem mesmo as ferramentas, utensílios ou máquinas empregues nas respectivas tarefas ou actividade, nada têm a ver uma com a outra, como não tem com a de enforna e desenforna. São pois actividades bem distintas.
3 - Não curou de conhecer a douta sentença de “aquilatar se o rebarbar de placas refractárias se reconduz ao exercício de funções afins ou acessórias das compreendidas” na categoria profissional de “rebarbador prevista no contrato colectivo de trabalho aplicável”, fazendo-o à de “operador de enforna e desenforna”.
4 - As funções que efectivamente passaram a ser exercidas pelo recorrente foram as de rebarbar placas refractárias, que não são afins ou acessórias das compreendidas na categoria profissional do Autor, e antes na categoria de “rebarbador prevista no contrato colectivo de trabalho aplicável”.
5 – A Ré empregadora não pode baixar a categoria do trabalhador recorrente. Tal, traduz um meio de protecção da profissionalidade como valor inerente à sua pessoa de trabalhador, pelo que, deve pô-lo a executar as tarefas inerentes a essa categoria, sendo ela a actividade delimitada pelo objecto fixado no contrato de trabalho.
6 – É á entidade patronal a quem cabe o ónus de alegar e provar a verificação dos requisitos de que depende o exercício legítimo do poder de ordenar novas funções, de que elas se inserem na mesma fase do processo produtivo, que são compatíveis com as funções antes exercidas, que não as coloca em causa, como não causa nenhum prejuízo em termos de progressão profissional e sobre isto nada foi provado, pese embora a sentença assim conclua.
7 - Não existe afinidade alguma entre as funções que efectivamente o recorrente vinha exercendo (nem isso se provou) e as que passou a exercer de “rebarbar placas e vigas refractárias de suporte a louça a cozer”, como ainda não foi ministrada para o efeito e para tanto qualquer formação profissional, pelo que não se pode concluir como fez a douta sentença recorrida, pela aplicação ao caso dos autos do regime de mobilidade funcional, nos termos em que o fez.
8 - A douta sentença recorrida viola pois, para além do princípio da mobilidade funcional, entre outros, o disposto no art.º 342º do Código Civil, o artº 118º do Código do Trabalho, como ainda o artº 607º, nº 3 e 4 do CPC.
9 - A douta sentença recorrida desconsiderou e afasta, que funções concretamente exercidas há já mais de um ano, nada têm a ver com a função de “rebarbar placas refractárias” e estas, por sua vez com as de “operador de enforna e desenforna”, com a simples fundamentação de que “isto, note-se, pese embora o Autor estivesse afecto ao sector da vidragem, pois que o próprio não colocou em causa que as funções em concreto exercidas se reconduzissem a essa mesma categoria profissional”.
10 - O Autor executava as funções de transporte de louça nos respectivos carros de transporte, da vidragem para os fornos, a fim de desta ali ser cozida, e não se provou que esta actividade tem algo a ver com a actividade de rebarbar mesmo como vem definida pela douta sentença do “…acto de tirar, mediante uma raspagem ou desgaste, as aparas, arestas ou rebarbas (saliências, proeminências ou asperezas) de determinado objecto” e que uma e outra são afins ou estão ligadas funcionalmente, pelo que há que concluir pela violação dos aludidos princípios da mobilidade, flexibilidade e polivalência.
11 - A categoria de “operador de enforna e desenforna” e a de “rebarbador” estão hierarquizadas na organização técnico-laboral da Ré recorrida em “Grupos” diferentes, o que tem relevância para o seu enquadramento salarial no âmbito do CCT. Assim, a categoria de “Operador de enforna e desenforna” está enquadrada no “Grupo 7” e a de “Rebarbabor” no “Grupo 9”.
12 - Constitui dever da Ré recorrida proporcionar ao Autor recorrente boas condições de trabalho, quer do ponto de vista físico, quer moral, bem como lhe atribuir a função, mais adequada às suas aptidões e preparação profissional. Tendo agido como agiu a Ré atentou gravemente contra a sua dignidade laboral e social, violando direitos legal e constitucionalmente protegidos (artº 59, al. b) e c) da CRP) e artº 118º e 120º do Código de Trabalho.
13 - A recorrida, valendo-se da constância do vínculo laboral prejudicou o Autor, fazendo-o perder experiência profissional, lesando-o na sua capacidade criativa, assumindo uma conduta inspirada pela má-fé, ao fazê-lo exercer funções – rebarbador – para ele desprestigiantes por corresponder a categoria inferior, mantendo-o afastado e desocupado do núcleo essencial das funções para que foi contratado e não lhe dando a executar as funções da sua categoria profissional, e com isso o desgastando psicologicamente, violando a Ré o princípio da boa-fé no cumprimento do contrato.
14 – Ao recorrente foram ordenadas funções que nunca tinha executado, as da actividade de rebarbar e obviamente a sua produtividade tem de diminuir, pois que nisso era absolutamente inexperiente, sem formação profissional e daí que, “sofreu um corte, tendo recebido tratamento na Clinica D…”.
15 – Em consequência o seu prémio de produtividade que “12.”…teve de acordo com o regulamento interno uma produtividade de 80( 401 horas) e recebeu um incentivo de €36,44”, passou para 0,89€, como se vê do documento ora junto (artº 425 do CPC).
16 - O Autor é dirigente sindical, o que é do conhecimento da Ré desde 07.01.2016 e em consequência disso, tem direito a cinco dias para exercício dessa sua actividade e faltar ao serviço, não pode dar “garantia de não faltar ao serviço, de fazer o trabalho bem feito e de alguém que conhecesse o processo”, pois não tem experiência, o que contraria a justificação da ordem dada para mudar de funções, pelo que a douta sentença viola por aqui e igualmente, o princípio da boa-fé subjacente no cumprimento das normas de direito do trabalho, como também o disposto no artº 120º do Código do Trabalho.
17 – Os requisitos da alteração funcional previstos no artº 120º do Cód. Trabalho têm de ser apreciados de forma objectiva e determinados pelo interesse da empresa, seja da necessidade de garantir a realização dos seus objectivos de produção, proibindo a lei o uso de tal medida por motivos de capricho ou de represália, isto é, têm de estar ligados a ocorrências ou situações de natureza transitória e não a meras conveniências pessoais da recorrida, sendo que aquelas necessidades hão de também de ser esporádicas e não duradoura e sobre isto nada vem provado.
18 – Revogando-se a douta sentença e declarando ilegítima a alteração funcional deve a recorrida pagar ao Autor os montantes de subsidio de turno que deixou de receber por tal motivo.
19 – A douta sentença viola entre outros os princípios da mobilidade, flexibilização ou polivalência funcional, da boa-fé no cumprimento do contrato de trabalho, do artº 59º, nº 1 al., a) e b) da CRP, dos artºs 118º e 120º do Cod. Trabalho, artº 342º do C. Civil, artº 607º, nº 3 e 4 do CPC e cláusula 7ª al. e) do CCT, entre outros.
Termos em que deve ser revogada a sentença recorrida, julgando-se procedente o presente recurso, por ser de INTEIRA JUSTIÇA! “ (sublinhado e realce nossos).
1.3. A Ré, apresentou contra-alegações, sintetizando-as nas conclusões seguintes:
“I. O Recorrente, até 28-11-2016, executava “funções de transporte de louça nos respetivos carros de transporte, da vidragem para os fornos, a fim de esta ali ser cozida”, o que integra a essencialidade funcional da categoria profissional de operador de enforna e desenforna, sendo como tal qualificado e auferindo a correspondente retribuição.
II. Tal facto foi confirmado pela sentença recorrida e, curiosamente, contestado pelo Recorrente nas respetivas alegações, sem que o tivesse feito anteriormente no processo.
III. Entende o Recorrente que aquelas funções não correspondem àquela categoria profissional, o que, assim sendo – e diga-se já que não é –, não se percebe então com que fundamento vem alegar a suposta mudança para categoria inferior.
IV. Perante as funções de “preparação de placas refratárias mediante o seu rebarbar” que o trabalhador passou a executar a partir de 28-11-2016, entendeu o douto tribunal recorrido que estas integravam não a categoria de Rebarbador mas o conjunto de funções acessórias da categoria de operador de enforna e desenforna,
V. não se verificando qualquer mudança de categoria,
VI. o que não foi aceite pelo Recorrente, que alegou a violação dos princípios da mobilidade, flexibilização ou polivalência funcional, argumentando que as funções nada tinham a ver uma com a outra pelo facto de terem uma dinâmica diferente e serem utilizadas ferramentas, utensílios e máquinas diferentes.
VII. Na verdade, as novas funções do trabalhador integram o leque de funções periféricas da categoria profissional de operador de enforna e desenforna – e, como tal, exigíveis pelo empregador ao trabalhador mediante o exercício do seu poder determinativo da função – por se observar um nexo de ligação funcional no âmbito do mesmo processo produtivo, na ótica do critério da contiguidade ou proximidade lógico-funcional, de modo que não há violação do referido princípio e não assiste qualquer razão ao Recorrente.
VIII. Veio, também, o Recorrente reclamar o pagamento do subsídio de turno que deixou de receber a partir do momento em que passou a exercer as novas funções.
IX. Ora, tendo deixado de laborar em regime de turnos com essas funções, não há violação do princípio da irredutibilidade salarial, porquanto este só é devido enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento – ou seja, enquanto perdurar o regime de trabalho por turnos – podendo a entidade patronal suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
X. Por tudo quanto supra exposto, a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo fez a melhor apreciação dos factos e a adequada aplicação do Direito nos presentes autos, não apresentando a Apelante nas suas alegações qualquer razão válida, de facto ou de direito, que sustente a sua pretensão.”, (sublinhado nosso).
1.4. O recurso foi admitido por despacho proferido em 09.10.2017.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procurador – Geral Adjunto emitiu o parecer que parcialmente se transcreve:
“O Objecto do recurso consiste em saber se as funções a que alude a matéria de facto inserta nos factos provados sob o nº11 se enquadram na categoria que exerce ao serviço da Ré desde 22.7.1991, como operador de enforma e desenforma.
Como foi ponderado pela RL, em acórdão de 11.07.2013, recurso 667/12.9TTLSB.L1 4:
“A posição do trabalhador na organização em que se integra define-se a partir daquilo que lhe cabe fazer, isto é, pelo conjunto de serviços e tarefas que formam o objecto da prestação de trabalho, determinando-se este a partir da atividade contratada com o empregador (arL 111º n° 1/CT 2003 e art. 115º 1, do CT/2009).
A definição da actividade contratada, isto é daquele conjunto de tarefas e serviços que formam o objecto do contrato de trabalho, pode ser feita por remissão para a categoria constante de regulamentação colectiva aplicável ou de regulamento interno da empresa (art. 111° n°2, CT/2003; e art. 115° n°2, do CT/2009).
Neste caso, a categoria representa o objecto da prestação de trabalho. O género de tarefas e serviços a prestar pelo trabalhador são identificados com referência á qualificação de funções de um profissional - tipo.
(...).
Pelas palavras de António Monteiro Fernandes , “A categoria exprime, assim, um «género» de actividades contratadas. Há-de caber nesse género, pelo menos na sua parte essencial ou característica, a função principal que ao trabalhador está atribuída na organização (art. 118.), e que é já uma aplicação ou concretização da «actividade contratada».
Mas como elucida Maria do Rosário Palma Ramalho, “A situação jurídica do trabalhador no contrato de trabalho envolve também uma componente vertical, que tem a ver com a posição que ele ocupa no seio da organização do empregador. (..) Por força da componente organizacional do contrato de trabalho, o trabalhador integra-se necessariamente na organização do trabalhador e essa integração tem efeitos na sua situação juslaboral” — cf. Direito do trabalho, Partee II — Situações Laborais Individuais, 3.” Edição, Almedina, Coimbra, pp. 459].
Em suma, consideradas essas diferentes vertentes, pode dizer-se, pelas palavras de Monteiro Fernandes, que “A categoria constitui um fundamental meio de delimitação de direitos e garantias do trabalhador — ou, noutros termos, de caracterização do seu estatuto profissional na empresa. É ela que define o posicionamento do trabalhador na hierarquia salarial, é ela que o situa no sistema de carreiras profissionais, é também ela que funciona como referencia para se saber o que pode e o que não pode a entidade empregadora exigir ao trabalhador”.
(…).
Por outras palavras, escreveu-se no acórdão de 12-03-2008, do Supremo Tribunal de Justiça, “Ç..) a categoria profissional deve corresponder ao núcleo essencial das funções a que o trabalhador se vinculou legal ou contratualmente, não sendo necessário que exerça todas as funções que a essa categoria correspondem. O apelo ao “núcleo essencial” ou à “actividade predominante” constitui o parâmetro atendível quando o trabalhador exerça diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais. Ademais, em caso de dúvida, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efetivamente exercidas.
Para o enquadramento do trabalhador em determinada categoria profissional tem de se fazer apelo à essencialidade das funções exercidas, no sentido de que não se toma imperioso que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria — tal como ela decorre da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva—, mas apenas que nela se enquadre o núcleo essencial das funções efectivamente desempenhadas.
“A categoria profissional, por exprimir a posição contratual do trabalhador, é objecto de protecção legal — e também convencional — que se evidencia, sobretudo, a três níveis:
(1) na actividade a desenvolver;
(ii) na remuneração devida;
(iii) na hierarquização do trabalhador no seio da empresa.
No caso em apreço, o A desde a sua admissão, 22.7.1991, estava categorizado como operador de enforma e desenforma e nessa categoria executava as funções de transporte de louça nos respectivos carros de transporte, do sector de vidragem para o sector dos fornos, afim de esta ser cozida.(factos provados sob os n°s 5 e 7).
A partir de 28.11.2016 a entidade patronal ordenou ao trabalhador que executasse novas funções no sector dos fornos que consistiam em rebarbar placas refractárias, funções que tal como refere as doutas alegações do recorrente, correspondem à categoria de rebarbador, categoria que face ao CCT está enquadrada no grupo 9, inferior à categoria para que foi contratado. (grupo 7-operador de enforma e desenforma).
Por isso, afigura-se-nos ter razão o recorrente.
Efectivamente a entidade empregadora violou o disposto nos art°s 118° e 120 do CT.
Pois, não existe qualquer afinidade entre as funções que lhe foram atribuídas de rebarbador, com as anteriores, como bem descreve o recorrente, remetendo para as suas doutas alegações de recurso.
E conforme jurisprudência que segue a categoria profissional é objecto de protecção legal:
Conforme ac STJ de 15.11.1995 proferido no processo n°004237
I - A posição do trabalhador na organização da empresa em que presta a sua actividade define-se através do conjunto de serviços e tarefas que formam o objecto da prestação laboral, a qual traduz o “status” do trabalhador.
II - A categoria corresponde ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou pelo contrato de trabalho ou pelas alterações decorrentes da sua dinâmica. E o que se chama categoria contratual ou categoria dinâmica.
111 - Mas também a nível legal e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho se disciplina a matéria da categoria do trabalhador. E o que se chama de categoria normativa ou categoria-estatuto.
IV - O empregador não pode baixar a categoria do trabalhador.
V - O trabalhador tem direito a exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado.
VI - A empresa tem direito a reestruturar os seus serviços de harmonia com o fim a que se propõe em vista à obtenção de melhores resultados na sua exploração.
VII - Não o pode fazer, porém, à custa da alteração, para menos, das categorias dos trabalhadores que nela exercem a sua actividade, devendo ser colocados em cargos equivalentes aos que vinham exercendo, não sendo permitida a sua despromoção.
VIII - A entidade patronal, ao retirar aos Autores as funções de direcção e orientação, coordenação técnica e disciplinar que exerciam, igualando-os àqueles trabalhadores que estavam sob a sua orientação disciplinar, levou a cabo uma efectiva e real despromoção dos Autores, desrespeitando, assim o direito que lhes assistia, nos termos do artigo 59 da Constituição da República e dos artigos 19, 21, 22, 23,24, e 43 da LCT.”
ACSTJ de 18-03-1998
Categoria profissional Carreira profissional
- A categoria profissional corresponde ao essencial das funções desempenhadas pelo trabalhador, e que o mesmo se obrigou a efectuar pelo contrato de trabalho, ou pelas alterações decorrentes da sua dinâmica, podendo revestir a acepção de categoria-função e categoria-estatuto.
II - Categoria-função resulta do contrato de trabalho e deve corresponder às funções efectivamente delineadas, devendo ser respeitada pela entidade patronal.
III - Categoria-estatuto resulta da categoria-função, isto é, de um juízo de integração do trabalhador numa categoria. Se existirem áreas de indefinição vale, então, para a classificação numa das várias categorias, o núcleo essencial das funções exercidas.
IV - A categoria-função na parte em que tenha sido contratualmente acordada é intangível. A categoria-estatuto não pode baixar.
V - Em termos de categoria-função terão de ser observados determinados princípios; Efectividade - na categoria função importam as funções substancialmente pré - figuradas e não as designações exteriores; irreversibilidade - alcançada determinada categoria (categoria-estatuto) o trabalhador não pode dela ser retirado ou despromovido, já que a categoria é objecto de protecção legal, e convencional, pelo que atribuída ao trabalhador, deve a entidade patronal colocar o trabalhador a desempenhar as tarefas inerentes a essa categoria; Reconhecimento - através da classificação efectuada a categoria-estatuto deve corresponder à categoria-função, assentando aquela nas funções efectivamente desempenhadas.
VI - Carreira profissional pode ser definida como uma categoria ou conjunto ordenado de categorias, referentes a uma actividade especial. A carreira pode ser normativa ou descritiva. VIl- A carreira normativa induz uma sequência a observar em termos de dever - ser, permite a definição da actividade subjacente e faculta o apuramento das regras relativas à promoção dos trabalhadores, envolvendo a promoção a uma nova classificação. VIII- A carreira descritiva exprime uma descrição feita nas fontes com qualquer outro objectivo.
IX - A progressão salarial corresponde à passagem de um trabalhador para nível superior dentro da mesma categoria, nela se incluindo as carreiras horizontais, nas quais são desempenhadas sempre as mesmas funções, criando-se tal progressão como forma de incentivar o trabalhador. 18-03-98 Revista n.° 232/97 - 411 Secção Relator: Conselheiro Almeida Devesa Tribunal do trabalho Competência material 1 – A competência do tribunal deve aferir-se tendo em conta os termos em que a acção foi proposta, atendendo ao direito a que o autor se arroga e que pretende ver judicialmente protegido.
11 - Invocando o autor um contrato de trabalho de natureza privada, e pretendendo extrair as consequências do incumprimento desse contrato que atribui à ré, é a jurisdição laboral a competente para conhecer da causa, nos termos do art.º 64, b), da LOTJ.
Agravo n.° 234/97 - 411 Secção Relator: Conselheiro Matos Canas
Termos em que, em conclusão, propugnamos que a sentença deve ser revogada, procedendo o recurso.”, (sublinhado e realce nosso).
1.6. A Ré pronunciou-se quanto ao parecer do Ministério Público, referindo em suma:
- não é verdade que as funções que a Recorrida ordenou ao trabalhador, ora Recorrente, que executasse, correspondam à categoria de rebarbador.
Dispõe o CCT aplicável in casu quanta às categorias profissionais em crise:
a) “Rebarbador - É o trabalhador que tira a rebarba das peças em cru ou cozidas”;
b) “Operador de enforma e desenforma: É o trabalhador que, fora ou dentro dos fornos, coloca ou retira os produtos a cozer ou cozidos (encaixados ou não) nas vagonetas, prateleiras, placas ou cestos”.
- As funções de um trabalhador com a categoria profissional de rebarbador consubstanciam-se em retirar a rebarba das peças (em cru ou cozidas), peças essas que são o produto fabricado com a finalidade de ser comercializado e não se confundem com placas refractárias (que não são peças), que servem de suporte à cozedura das peças e não entram em qualquer outra fase produtiva que não a cozedura das mesmas.
- A operação de rebarba das placas refractárias faz parte da preparação da enforma, porquanto se trata de “preparar o local onde as peças assentam para ir ao forno”.
- Estas funções, de rebarba das placas refractárias, não poderiam ser conferidas a outro trabalhador que não o operário que coloca os produtos a cozer dentro dos fornos, porquanto é sobre ele que impende o ónus de bem acondicionar as peças no forno, acondicionamento este, para o qual se socorre das referidas placas.
- Não está, por isso, nem nunca esteve, em causa, qualquer alteração de categoria ou de funções, não tendo ocorrido qualquer violação do disposto nos artigos 118.° ou 120.° do Código do Trabalho.”, (sublinhado nosso).
Foi cumprido o disposto na primeira parte do nº2 do artigo 657º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06., aplicável “ex vi” artigo 87º, do Código de Processo do Trabalho.
2. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2.1. Na primeira instância foi proferida a seguinte decisão de facto:
“Estão provados os seguintes factos:
1. O Autor B… foi admitido ao serviço da Ré C…, SA em 22.07.1991 para prestar a sua actividade sob as ordens e direcção desta última no estabelecimento sito na Zona Industrial de …;
2. A Ré exerce a actividade cerâmica de fabrico de produtos próprios e seus sucedâneos;
3. O Autor sempre esteve inscrito no Sinticavs1 – Sindicato Nacional dos Trabalhadores Industriais de Cerâmica, Cimentos, Abrasivos, Vidro, Similares, Construção Civil e Obras Públicas, subscritora do Contrato Colectivo de Trabalho para a Indústria Cerâmica outorgado entre a Associação Portuguesa da Indústria Cerâmica - APICER e a Federação dos Trabalhadores das Indústrias Cerâmicas, Vidreira, Extractiva, Energia e Química - FETICEQ;
4. A Ré está inscrita na APICER, associação representativa dos industriais para o sector da cerâmica;
5. O Autor está categorizado como operador de enforna e desenforna;
6. Esteve afecto ao sector de vidragem, tendo auferido, em Outubro de 2016, a retribuição-base de €624,80 mensais, a que acrescem €123,00 de subsídio de turno, €116,40 de diuturnidades, €21,00 de prémio de assiduidade e €88,82 de incentivo – cfr. doc. de fls. 9v., que se dá por integralmente reproduzido;
7. Há mais de um ano e até 28.11.2016, o Autor executava as funções de transporte de louça nos respectivos carros de transporte, da vidragem para os fornos, a fim de desta ali ser cozida;
8. O Autor teve horário de dois turnos rotativos, das 08h00 às 16h002 e das 16h00 às 24h00, efectuando a sua actividade em regime de turnos, com folga fixa ao Sábado e ao Domingo;
9. No dia 28.11.2016, pelas 10h00, o Eng. E… deu ao Autor ordem para que deixasse o trabalho que estava a fazer e, a partir desse dia, trabalhar nos fornos;
10. Chegado aos fornos, F…, encarregado dos fornos, disse-lhe ter ordens de G… para que fosse rebarbar placas e vigas refractárias de suporte à louça a cozer;
11. Por email datado de 22.12.2016 foi enviada ao Autor uma carta datada de 19.12.2016, em que a Ré declarou ao Autor que “…V. Exa. tem a categoria de Operador de Enforma e Desenforma, ou seja, é o trabalhador que, fora ou dentro dos fornos, coloca ou retira produtos a cozer ou cozidos (encaixados ou não) na vagonetas, prateleiras, placas ou cestos.
Associados a estas funções nucleares, estão também as de rebarbar placas, fazer montagens, aspirar peças. Trata-se, pois, de funções funcionalmente afins a que um trabalhador com aquela categoria poderá estar obrigado a desempenhar.
(…)
… com o aumento de complexidade das peças e diversificação do número de modelos a necessidade de utilização de refractário aumentou, a C… necessita de alguém com experiência e que desse garantia de não faltar ao serviço, de fazer o trabalho bem feito e de alguém que conhecesse o processo. Esta necessidade foi assinalada pelo Sr. Eng. G…, Chefe de Fornos e Escolha, e ao analisar este pedido com o Sr. H…, Chefe de Vidragem e Olaria, surgiu o seu nome, por se entender que preenche os requisitos necessários.
O cumprimento desta função terá uma duração indeterminada, considerando que será necessária enquanto se mantiver a situação e necessidade actual de refractário” – cfr. doc. de fls. 11 e 12 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido;
12. O Autor, em Dezembro de 2016, teve, de acordo com o regulamento interno, uma produtividade de 80 (40 horas) e recebeu um incentivo de €36,44;
13. O Autor é dirigente sindical, o que é do conhecimento da Ré desde 07.01.2016;
14. No início foi indicada ao Autor a cabine que se encontra num canto da saída para o exterior;
15. Uma segunda cabine encontra-se entre os fornos de requeima e é mais quente que a cabine principal;
16. A cabine referida em 14. é a mais utilizada e para placas de refractário de maiores dimensões e a segunda cabine é utilizada para rebarbar peças de menores dimensões;
17. O Autor, até à data, não tinha prestado a actividade de rebarbar;
18. O Autor, em data posterior a 28.11.2016, sofreu um corte, tendo recebido tratamento na Clínica D…;
19. Sem que fosse substituído;
20. Em função da alteração efectuada, o Autor deixou de receber o subsídio de turno desde Dezembro de 2016;
21. A cabine referida em 14. situa - se nas instalações do estabelecimento referidos em 1.;
22. A actividade de rebarbar placas refractárias tem em vista preparar o local onde as peças assentam para ir ao forno.”.
“Factos não provados:
a) O Autor sempre fez horários de turnos;
a) Existem mais do que duas cabines para rebarbagem;
b) A segunda cabine está destinada a retoques;
c) A cabine referida em 14. é mais poluente que a segunda cabine;
d) Durante a ausência do Autor, a cabine referida em 14. ficou vazia e inoperacional;
e) A alteração das funções do Autor deveu-se ao facto de ter questionado e dado a conhecer ao director geral da Ré, I…, o teor do comunicado do Sindicatos – Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Indústrias de Cerâmica, Cimentos, Abrasivos, Vidro, Similares, Construção Civil e Obras Públicas e a razão da sua existência, o que desagradou a Manuel Oliveira, representante da Administração da Ré;
f) De modo a isolar o Autor e impedir o contacto com os colegas;
g) Em consequência da conduta da Ré os sócios do sindicato e candidatos a sócios ficaram intimidados.”.
2.2. O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, (artigo 635º, nº4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 87º, nº1, do Código de Processo do Trabalho), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, consubstancia-se nas seguintes questões:
- saber se se mostram verificados os requisitos da polivalência funcional ou da mobilidade funcional, enunciados, respectivamente, no artigo 118º, nº2 e no artigo 120º, ambos do Código do Trabalho;
- Não sendo esse o caso, saber se o Autor tem direito a título de retribuição perdida, ao subsídio de turno de Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017, no montante global de €246,00 e aos subsídios de turno mensais que se vierem a vencer até efetiva e integral reposição da respectiva situação.
2.2.1. Fundamentação de direito:
Na sentença o Mmº. Juiz a quo concluiu:
“(…), as funções de preparação das placas refractárias mediante o seu rebarbar, na medida em que tem em vista preparar o local onde as peças assentam para ir ao forno, não se confunde com o acto de rebarbar as peças ainda em cru, que se encontra a montante, empreendido, antes de as peças serem transportadas para os fornos.
Aquelas não se reconduzem, assim, à categoria de rebarbador prevista no contrato colectivo de trabalho aplicável, que tem por objecto uma actuação directa sobre as peças e não sobre placas refractárias.
Chegados a este ponto, cumpre aquilatar se o rebarbar de placas refractárias se reconduz ao exercício de funções afins ou acessórias das compreendidas na categoria profissional do Autor, operador de enforna e desenforna (face ao regime previsto no art. 118º do Código do Trabalho).
E a resposta não pode deixar de ser afirmativa.
Se o operador de enforna e desenforna é quem, dentro ou fora dos fornos, coloca ou retira os produtos a cozer ou cozidos (encaixados ou não) nas vagonetas, prateleiras, placas ou cestos, a actividade de preparação das placas refractárias, onde os produtos são colocados a fim de serem cozidos nos fornos e de onde depois retirados, dentro da área dos fornos, encontra-se perfeitamente inserida na mesma fase do processo produtivo.
Trata-se de uma tarefa acessória, localizada no âmbito da enforma e da desenforna e ligada a essa mesma actividade, numa linearidade lógica da actuação una, dentro do mesmo processo produtivo, em que se prepara o material onde as peças são assentes, pressupondo-se que pautada pela ideia de aproveitamento de espaço e mais fácil potenciação da cozedura, que é perfeitamente compatível com a categoria do Autor.
Isto, note-se, pese embora o Autor estivesse afecto ao sector da vidragem, pois que o próprio não colocou em causa que as funções em concreto exercidas se reconduzissem e essa mesma categoria profissional.
De igual jeito, não resultou uma que o exercício dessa actividade fosse desadequado – mesmo não o tendo feito antes – ao Autor ou lhe implicasse uma qualquer desvalorização em termos de progressão profissional.
Temos assim a concluir que à Ré, nos termos do nº 2 do art. 118º do Código do Trabalho, assistia o direito de exigir do Autor a realização das funções de rebarbagem de placas refractárias, por acessórias das funções correspondentes à categoria de operador de enforna e desenforma, não sendo a ordem dada, por esse facto, ilícita (face ao previsto na al. e) da cláusula 7ª do contrato colectivo de trabalho aplicável e al. e) do nº 1 do art. 129º do Código do Trabalho).
(…)”, (sublinhado e realce nossos).
O Autor discorda, afirmando que as funções que efectivamente passaram a ser exercidas por si foram as de rebarbar placas refratárias, que não são afins ou acessórias das compreendidas na respectiva categoria profissional de “operador de enforna e desenforna” e antes na categoria de “rebarbador prevista no contrato colectivo de trabalho aplicável”.
Concluiu referindo que a sentença viola os princípios da mobilidade, flexibilização ou polivalência funcional e da boa-fé no cumprimento do contrato de trabalho, do artigo 59º, nº 1 alínea a) e b) da Constituição da República Portuguesa, dos artigos 118º e 120º do Código do Trabalho, artigo 342º do Código Civil, artigo 607º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Civil e cláusula 7ª al. e) do Contrato Coletivo de Trabalho.
Por seu turno, a Ré considera que as novas funções do Autor integram o leque de funções periféricas da categoria profissional de operador de enforna e desenforna por se observar um nexo de ligação funcional no âmbito do mesmo processo produtivo, na ótica do critério da contiguidade ou proximidade lógico-funcional.
Finalmente, o Ministério Público observa que as novas funções que a Ré ordenou ao Autor executasse no sector dos fornos e que consistiam em rebarbar placas refratárias, correspondem à categoria de rebarbador, categoria que face ao CCT está enquadrada no grupo 9, inferior à categoria para que foi contratado.
Vejamos:
Como se lê na sentença, “(…) a Ré dedica-se à actividade cerâmica de fabrico de produtos próprios e seus sucedâneos.
À data dos factos o Autor tinha a categoria profissional de operador de enforna e desenforna e por funções concretas, adstrito à secção de vidragem, o transporte da loiça nos respectivos carros de transporte da vidragem para os fornos, a fim de aí ser cozida.
Tendo recebido da Ré uma ordem para passar para a área dos fornos e a executar tarefas de rebarbagem de placas refractárias, (…)”.
O artigo 118º, nº1 do Código de Trabalho de 2009, (aplicável por o Autor situar a sua pretensão desde 28.11.2016), sob a epígrafe “Funções desempenhadas pelo trabalhador” determina:
1 - O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida actividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.
2 - A actividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional.
3 - Para efeitos do número anterior e sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional.
(…)”, (sublinhado nosso).
Acompanhando muito de perto o acórdão desta secção de 30.06.2014 (relatora Maria José Costa Pinto), in www.dgsi.pt, “O princípio da invariabilidade da prestação mostra-se consagrado no artigo 118.º, n.º 1, também com referência à actividade contratada.
As funções afins ou funcionalmente ligadas à actividade nuclear que correspondam a outras actividades compreendidas “no mesmo grupo ou carreira profissional do trabalhador”, para que o trabalhador tenha qualificação e que não impliquem a sua desvalorização profissional, podem ser exercidas acessoriamente a esta (artigo 118.º, n.ºs 2 e 3) e integram a “actividade contratada em sentido amplo”, não conferindo o direito de reclassificação.
E pode também o trabalhador ser chamado a desempenhar temporariamente funções não compreendidas na função que lhe foi atribuída nas situações limitadas da mobilidade funcional reguladas no artigo 120.º do mesmo Código.”.
Na verdade, prevê o artigo 120º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Mobilidade funcional”:
1- O empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar o trabalhador de exercer temporariamente funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador.
2 - As partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida no número anterior, mediante acordo que caduca ao fim de dois anos se não tiver sido aplicado.
3 - A ordem de alteração deve ser justificada, mencionando se for caso disso o acordo a que se refere o número anterior, e indicar a duração previsível da mesma, que não deve ultrapassar dois anos.
4 - O disposto no n.º 1 não pode implicar diminuição da retribuição, tendo o trabalhador direito às condições de trabalho mais favoráveis que sejam inerentes às funções exercidas”, (sublinhado nosso).
Acompanhamos nesta parte a fundamentação da sentença do tribunal a quo, “Estamos em face do jus variandi (direito de variação), por força do qual o empregador pode exigir ao trabalhador a realização de tarefas não compreendidas no género da actividade definido no contrato e nas funções acessórias a que se refere o nº 2 do art. 118º do Código do Trabalho.
Trata-se de uma forma (excepcional) de conjugar a necessidade de responder às novas necessidades das empresas em termos de maior flexibilidade e adaptabilidade com a tutela da profissionalidade dos trabalhadores.
A entidade patronal, para fazer face a problemas ocasionais de gestão do seu pessoal e para cuja resolução não se justifica a contratação de novos elementos, pode encarregar o trabalhador de desempenhar actividades que não se incluem no género de actividade definido no contrato e não podem ser qualificadas como acessórias à actividade contratada.
Tem como condições a verificação de um interesse da empresa; o carácter temporário da afectação às novas tarefas; e a inexistência de modificação substancial da posição do trabalhador.
O interesse da empresa prende-se com a verificação de circunstâncias supervenientes de funcionamento da organização da sua actividade que envolvem necessidades de gestão racional e objectivamente aferíveis, justificativas da variação de funções.
Tem de ter uma limitação no tempo, tando assim que a comunicação tem de ser acompanhada da indicação da sua duração previsível (nº 3 do art. 120º do Código do Trabalho), termos em que, por se tratar de uma solução anormal, excepcional, há uma violação desta condição quando o desempenho dessas funções adquira estabilidade e se identifique com o modo de operação normal da empresa.
Por fim, não pode haver uma modificação substancial do trabalhador, um prejuízo sério, o que se radica no princípio da boa-fé no cumprimento dos contratos, nos deveres de colaboração que dele promanam e no próprio carácter duradouro do vínculo laboral. Aqui relevam factores como a intensidade ou a penosidade do trabalho, o posicionamento hierárquico, a imagem perante os demais trabalhadores e interlocutores do trabalhador, a profissionalidade ou os parâmetros da execução da prestação e os termos em que são afectados em termos que representem um sacrifício que não pode ser razoavelmente exigido.
Esta figura não pode, ainda, implicar uma diminuição da retribuição.”
Em concreto, considerando que a Ré exerce a atividade cerâmica de produtos próprios e seus sucedâneos, está inscrita na APICER, associação representativa dos industriais para o sector e que o Autor sempre esteve inscrito no Sinticavs1 – Sindicato Nacional dos Trabalhadores Industriais de Cerâmica, Cimentos, Abrasivos, Vidro, Similares, Construção Civil e Obras Públicas, subscritora do Contrato Colectivo de Trabalho para a Indústria Cerâmica outorgado entre a Associação Portuguesa da Indústria Cerâmica - APICER e a Federação dos Trabalhadores das Indústrias Cerâmicas, Vidreira, Extractiva, Energia e Química – FETICEQ, conclui-se que a relação jurídico-laboral entre as partes é regulada pelo Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a Associação Portuguesa da Indústria de Cerâmica – APICER e a Federação dos Trabalhadores das Indústrias Cerâmica, Vidreira, Extractiva, Energia e Química – FETICEQ, aplicável ao sector, como se anota na sentença, publicado no BTE nº 32 de 29.08.2007, nº 31 de 22.08.2008, aplicável por força da Portaria nº 551/2008 de 27 de Junho e Regulamento de Extensão, publicado no BTE nº 8 de 28.02.2009 (artigos 2º e 514º do Código do Trabalho).
Voltando a seguir o citado acórdão de 30.06.2014, “Como é jurisprudência uniforme, estando uma categoria institucionalizada (isto é, prevista na lei ou instrumento de regulamentação colectiva), o empregador está obrigado a observar essa institucionalização (…).”
Para conhecer da primeira questão objeto do presente recurso, importa aferir se o exercício da função de rebarbar placas refractárias, na área dos fornos, pode ser considerado uma tarefa afim ou funcionalmente ligada à de operador de enforna e desenforna.
Como é referido na sentença do tribunal a quoPor rebarbar entende-se o acto de tirar, mediante uma raspagem ou desgaste, as aparas, arestas ou rebarbas (saliências, proeminências ou asperezas) de determinado objecto.
As placas refractárias são feitas de um material que mantém a sua consistência a elevadas temperaturas, conservando as suas propriedades físico-químicas, nomeadamente a baixa condutividade térmica e eléctrica, sendo habitualmente utilizadas em fornos industriais.
Da conjugação destes dois conceitos temos a concluir que a actividade de rebarbar placas refractárias se prende com a preparação do material refractário onde assentam as peças em material cerâmico cru (não cozido), uma vez vidrado, de molde a poderem ir ao forno e serem cozidas, assim ganhando a necessária resistência do produto final.”, (sublinhado nosso).
Considerando o CCT aplicável, (Anexo II-A), as funções correspondentes à categoria de “Operador de enforna e desenforna”, na qual o Autor se encontra categorizado pela Ré (item 5 da factualidade provada), é definida nos seguintes termos “o trabalhador que, dentro ou fora dos fornos, coloca ou retira os produtos a cozer ou cozidos (encaixados ou não) nas vagonetas, prateleiras, placas ou cestos”, (sublinhado nosso).
Por seu turno, o conteúdo funcional do “Rebarbador” é descrito como “O trabalhador que retira as rebarbas das peças em cru ou cozidas”, (sublinhado nosso).
Ora, perante os factos provados e fazendo a comparação entre as funções descritas no CCT aplicável, concluímos que a função de rebarbar placas refratárias, é uma função inegavelmente diferenciada e como tal distinta da função de “Operador de enforna e desenforna”, uma vez que o núcleo desta última reside em pousar e recolher produtos, onde não se inclui o rebarbar do que quer que seja.
Tal diversidade de funções é ainda manifesta se atentarmos ao que efetivamente sucedeu com o Autor já que resultou provado que há mais de um ano e até 28.11.2016, o Autor executava as funções de transporte de louça nos respectivos carros de transporte, da vidragem para os fornos, a fim desta ali ser cozida, (item 7 da factualidade assente como provada).
Na verdade, também o transporte de louça nada tem a ver com o rebarbar de placas e vigas refratárias de suporte à loiça a cozer que lhe foi determinada, naquela última data (itens 9 e 10 da factualidade considerada provada).
Discordámos assim da perspetiva expressa na sentença de que a preparação das placas refratárias por se encontrar inserida na mesma fase do processo produtivo, se trata de uma “tarefa acessória, localizada no âmbito da enforma e da desenforna e ligada a essa mesma actividade, numa linearidade lógica da actuação una, dentro do mesmo processo produtivo, em que se prepara o material onde as peças são assentes, pressupondo-se que pautada pela ideia de aproveitamento de espaço e mais fácil potenciação da cozedura, que é perfeitamente compatível com a categoria do Autor”, ou seja, incluída na actividade contratada, conforme previsto no artigo 118º, nº2 do Código do Trabalho, (sublinhado nosso).
Ao invés, entendemos que não pode considerar-se que assim seja.
Estabelece aquele último preceito legal que a actividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional.
Para este efeito, como decorre do nº3 do mesmo artigo, consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional.
Ora, a categoria de “operador de enforna e desenforna” e a de “rebarbador” estão enquadradas em grupos diferentes no âmbito do CCT. Assim, a categoria de “Operador de enforna e desenforna” está enquadrada no “Grupo 7” e a de “Rebarbabor” no “Grupo 9”.
De resto, e aproveitando aqui as considerações e referencia doutrinal efetuadas no citado acórdão de 30.06.2014, a alteração de funções não observa os pressupostos da designada polivalência funcional já que o trabalhador iria deixar pura e simplesmente de desempenhar as funções de “Operador de enforma e desenforma” de que estava incumbido e passaria a exercer “ex novo”, e de modo exclusivo, as tarefas de rebarbar placas, fazer montagens e aspirar peças, (item 11º da factualidade assente como provada), deixando assim de colocar ou retirar os produtos a cozer ou cozidos o que constitui, como ficou já exposto, a essência das funções de “Operador de enforma e desenforma”.
“Ora, como refere Maria do Rosário Palma Ramalho (…), as funções afins devem ser exercidas a título acessório da actividade nuclear do trabalhador e não a título substitutivo daquela actividade. Sob pena de se desvirtuar a tutela dos direitos à actividade contratada (art. 151º, nº 1) e ao exercício das funções correspondentes à categoria profissional, não pode o empregador, a título definitivo, alterar as funções do trabalhador, privando-o do exercício das funções que constituem o núcleo essencial dessa actividade e da correspondente categoria, cometendo-lhe, por exemplo, tão-só a execução de determinadas funções apenas acessórias ou funcionalmente ligadas, mas sem que correspondam ao seu núcleo essencial.”, (in “Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, sublinhado nosso).
Em conformidade, constata-se que a Ré violou o disposto no nº 1 do citado artigo 118º do Código do Trabalho, uma vez que atribuiu ao Autor funções distintas e não meramente afins ou funcionalmente ligadas às que correspondem à categoria profissional para que foi contratado, sem o consenso do Autor.
Nas palavras de Jorge Leite, “a mudança de categoria que não corresponda a uma normal progressão ou promoção na carreira equivale a uma modificação substancial do contrato, modificação que só pode produzir efeitos se for aceite pelo trabalhador”, (in “Direito do Trabalho, vol II, Coimbra, 1999, página 150”).
Trata-se do princípio – “inerente à proteção da categoria profissional” - da “proibição da mudança unilateral e definitiva de categoria”, “como resulta dos princípios gerais dos contratos (a pacta sunt servanda - artigo 406.º, n.º 1 do Código Civil)”.
Vejamos agora se se verificam os requisitos da mobilidade funcional.
Nos termos do já transcrito artigo 120º, nº1 do Código do Trabalho, o empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar o trabalhador de exercer temporariamente funções não compreendidas na atividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador.
A ordem de alteração deve ser justificada e indicar a duração previsível da mesma, que não deve ultrapassar dois anos (nº3).
Em concreto, o cumprimento da função de rebarbar placas, fazer montagens e aspirar peças, foi determinado por tempo indefinido, (item 11º da factualidade assente como provada).
Assim, desde logo, o requisito da duração previsível não foi indicado e nada ficou demonstrado que permita entender-se como “temporária” a ordem de alteração de funções transmitida ao Autor.
Por outro lado e conforme resulta do que ficou já referido, não pode deixar de considerar-se que se tratou de uma substancial modificação da categoria profissional do Autor.
Tal conclusão não é beliscada pela circunstância de as funções de “Operador de enforma e desenforma” e as inerentes às tarefas de rebarbar placas, fazer montagens e aspirar peças possam ter uma ligação funcional e até coincidir quanto à fase do processo produtivo e em termos logísticos, como ficou referido na sentença, pois isso não significa ficar salvaguardada a essência das funções contratadas.
Como ficou já dito, quanto ao núcleo fundamental das funções de “Operador de enforma e desenforma”, o mesmo deixou de ser a actividade do Autor, a partir do momento em que lhe foi determinado trabalhar nos fornos, (item 9º da factualidade provada).
Em nada revela aqui outrossim que não tivesse ficado demonstrado que o exercício da atividade de rebarbador de placas refratárias fosse desadequado para o Autor ou que lhe implicasse uma qualquer desvalorização em termos de progressão profissional.
Afere-se assim que não se mostram verificados os requisitos quer da polivalência funcional quer da mobilidade funcional, enunciados, respectivamente, no artigo 118º, nº2 e no artigo 120º, ambos do Código do Trabalho.
Em conformidade, conclui-se que foi ilícita a determinação unilateral efetuada pela Ré no sentido da alteração das funções do Autor, nos termos que resultaram demonstrados.
Sendo ilícita tal ordem, a primeira consequência que se impõe extrair é a de dever ser reposta a situação em que o Autor se encontrava, sendo-lhe cometido o exercício das funções de “Operador de enforma e desenforma” que vinha desempenhando até 28.11.2016.
Será apenas essa a única consequência?
Aqui entramos na segunda questão objeto do presente recurso.
2.2.1. O Autor pretende que lhe seja pago, a título de retribuição perdida, o subsídio de turno de Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017, no montante global de €246,00 e os subsídios de turno mensais que se vencerem posteriormente até efetiva e integral reposição da respectiva situação.
Na sentença ficou referido que “Compulsada a matéria factual dada como provada, o Autor não demonstrou, conforme lhe competia (nº 1 do art. 342º do Código Civil), que o subsídio de turno recebido tivesse as características de regularidade e periodicidade.
Mas, ainda que assim tivesse, o certo é que, na medida em que auferiu esse subsídio quando exercia as suas funções anteriores de transporte de loiça e que deixou de receber tal subsídio quando passou para a rebarbagem de placas refractárias, tudo é revelador que tal complemento estava directamente ligado às condições do exercício do trabalho, elidindo a presunção decorrente do nº 3 do art. 258º do Código do Trabalho.
Ora, estatui o nº 3 da cláusula 23ª do contrato colectivo de trabalho aplicável que “as retribuições especiais devidas por trabalho prestado em regime de turnos ou de isenção de horário de trabalho são devidos enquanto o trabalhador prestar a sua actividade nessas condições e integram o pagamento da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal”.
Como tal, na medida em que o subsídio em causa não integrava a retribuição, fica excluída a possibilidade de a conduta da Ré afectar o direito do trabalhador à sua remuneração, termos em que, também nesta parte, improcede a argumentação do Autor e, como tal, o pedido de pagamento do subsídio de turno de Dezembro de 2016 e seguintes.2.
Entende o Autor que sendo declarada ilegítima a ordem de alteração de funções, de enforna e desenforna, para passar a serem exercidas as funções de rebarbador, de uma categoria de Grupo maior, para uma de Grupo inferior, tem o mesmo direito ás remunerações inerentes ao exercício das suas funções e ao subsidio de turno, que deixou de auferir, e no qual assim, deve Ré ser condenada a pagar.
Vejamos:
O artigo 258º, nºs 1, 2 e 3 do Código do Trabalho, estipula:
«1- Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2- A retribuição compreende a retribuição de base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
3- Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
(…).», (sublinhado e realce nossos).

Dispõe o artigo 129º, nº1, alínea d) do Código do Trabalho:
«1 – É proibido ao empregador:
(…)
d) Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;».
Seguindo agora de perto, o Acórdão do S.T.J. de 18.12.2013, in www.dgsi.pt «a retribuição representa, assim, a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efetuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exige regularidade (no sentido de constância) e periodicidade (no sentido de ser satisfeita em períodos aproximadamente certos) no seu pagamento, o que tem um duplo sentido: por um lado apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador; por outro lado assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo relevância à íntima conexão existente entre a retribuição e a satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador».
Como ficou referido na sentença do tribunal a quo, “A periodicidade prende-se, por um lado, com o facto de o contrato de trabalho ser um contrato de execução continuada, em que a actividade se protela no tempo, vencendo-se em momentos certos no tempo; e, por outro, com a sua natureza sinalagmática.
A regularidade liga-se com o princípio da inalterabilidade do vencimento: a retribuição deve ser não arbitrária, mas permanente e constante, devendo o trabalhador ter direito a uma prestação certa (pelo menos a retribuição-base, sendo que outras há, flutuantes), por motivos, essencialmente, de previsibilidade de rendimentos.”.
A este respeito, a cláusula 23ª, nºs 1 e 3 do CCT aplicável estipula:
«1 - Considera-se retribuição tudo aquilo a que os trabalhadores têm direito, regular e periodicamente, como contrapartida do seu trabalho.
(…)
3 - As retribuições especiais devidas por trabalho prestado em regime de turnos ou de isenção de horário de trabalho são devidos enquanto o trabalhador prestar a sua actividade nessas condições e integram o pagamento da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
(…)».
Também de acordo com a alínea d) da cláusula 7ª do CCT aplicável:
«É proibido ao empregador:
(…)
d) Diminuir a retribuição do trabalhador, salvo nos casos previstos na lei e neste IRCT;».
Em concreto, resultou apenas provado que o Autor auferiu, em Outubro de 2016, a retribuição-base de €624,80 mensais, a que acrescem €123,00 de subsídio de turno, €116,40 de diuturnidades, €1,00 de prémio de assiduidade e €88,82 de incentivo, (item 6º da factualidade provada).
Ainda que há mais de um ano e até 28.11.2016, o Autor executava as funções de transporte de louça nos respetivos carros de transporte, da vidragem para os fornos, a fim de desta ali ser cozida, (item 7º da factualidade provada).
Finalmente que o Autor teve horário de dois turnos rotativos, das 08h00 às 16h002 e das 16h00 às 24h00, efetuando a sua actividade em regime de turnos, com folga fixa ao Sábado e ao Domingo, (item 8º da factualidade provada).
De tal factualidade resulta não resulta que o Autor continuou a trabalhar por turnos, desde que passou a trabalhar nos fornos, a partir de 28.11.2016.
Assim sendo, o subsídio em causa não pode considerar-se devido desde então, independentemente da conclusão a que se chegou no sentido de ser ilícita a determinação efetuada pela Ré no sentido da alteração das funções do Autor.
É que o subsíduo de turno, como resulta expressamente do nº3 da cláusula 23ª do CCT aplicável, é uma retribuição especial sendo apenas devida enquanto o trabalhador prestar a sua atividade nessa condição, ou seja, por turnos.
Ou seja, o subsíduo de turno destina-se a compensar a penosidade do trabalho em regime de turno.
Neste sentido, refere Pedro Romano Martinez, “(…) os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “toxicidade”, de “trabalho nocturno”, de “turnos”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se verifique modificações ou a supressão dos mencionados condicionalismos externos do serviço prestado. O princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução da prestação laboral. Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhes serve de fundamento.”, (in Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, página 595).
Retomando o Autor as funções de “Operador de enforma e desenforma” que vinha desempenhando até 28.11.2016 e efetuando essa atividade em regime de turnos, deve a partir de aí sim, voltar a auferir o subsíduo de turno.
Como tal, a pretensão do Autor nesta parte improcede.
3. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso parcialmente procedente e em consequência:
- declarar que foi ilícita a determinação unilateral efetuada pela Ré no sentido da alteração das funções do Autor, nos termos que resultaram demonstrados nos autos;
- condenar a Ré a repor a situação em que o Autor se encontrava, sendo-lhe cometido o exercício das funções de “Operador de enforma e desenforma” que vinha desempenhando até 28.11.2016.
Custas da ação na proporção de 1/3 para a Ré e 2/3 para o Autor.
Custas da apelação na proporção de 1/2 para a Ré e 1/2 para o Autor.

Porto, 11 de Abril de 2018.
Teresa Sá Lopes
Fernanda Soares
Domingos Morais