Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2040/20.4T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: AUTO DE EXAME MÉDICO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RP202304172040/20.4T8VLG.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre se existe falta absoluta de motivação.
II - A falta de fundamentação do auto de exame médico, quando exista e seja susceptível de “influir no exame ou na decisão da causa”, consubstanciará uma nulidade processual secundária (art.º 195.º 1 do CPC).
III - Se o recorrente entende que o auto de exame médico por junta médica é “ambíguo, vago e obscuro, tendo respondido negativamente à questão acerca da existência de sequelas, sem expressar qualquer fundamentação”, o que poderá estar em causa é uma nulidade processual secundária, nos termos estabelecidos no art.º 195.º 1 do CPC, e não uma nulidade da sentença, que só se verifica, como causa invalidante típica, nas diversas hipóteses taxativamente contempladas no n.º 1 do art.º 615º do CPC.
IV - O exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação relativamente a factos para os quais o Juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos. São os peritos médicos que dispõem desse conhecimento especializado, por isso cabendo-lhe emitirem “o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto
APELAÇÃO n.º 2040/20.4T8VLG.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado AA e são entidades responsáveis A...-Companhia de Seguros, SA e “B... Lda” realizada a tentativa de conciliação a que alude o art.º 108.º do CPT, tendo todas as partes acordado na existência e caracterização do acidente como de trabalho, bem como na relação de causalidade entre o acidente e as lesões, na retribuição, nas despesas de deslocações a este Tribunal e ao INML do Porto e no pagamento ao sinistrado da verba por ele reclamada de 150,42€ atinente às indemnizações pelos vinte e quatro (24) dias de ITA de 2/06/2020 até à data da alta definitiva no que concerne às diferenças relativamente ao subsidio de alimentação e ajudas de custo não transferidos de 4,77€ x 22d x 11 meses 192,37€ x 11 meses, a mesma frustrou-se em virtude da discordância quanto ao coeficiente da incapacidade arbitrado que foi fixado ao sinistrado pelo INML do Porto – IPP de 3%, desde a data da alta fixável em 25/06/202 -, manifestada pela seguradora e pela entidade empregadora.
A seguradora requereu exame por junta médica, tendo apresentado quesitos para o efeito, dando-se assim início à fase litigiosa.
Foi designado dia para o exame por junta médica.
Previamente à realização desse acto, o sinistrado requereu a junção aos autos de um documento emitido a 17/01/2022, outorgado pela Médica de Família do trabalhador-sinistrado, designado como Carta de Acompanhamento – Declaração Médica, e onde consta que: “(...) não existe patologia do joelho esquerdo com data anterior ao dia 01/06/2020.”
Realizou-se o exame por junta médica, cujo resultado foi notificado às partes.
Pelo Tribunal a quo foi proferido despacho nos termos do disposto no artº 139º, nºs 6 e 7 do CPT, determinando a continuação da junta médica da especialidade de ortopedia para serem dadas respostas pelos senhores peritos aos quesitos que foram oficiosamente formulados.
Realizada a continuação do exame por junta médica e tendo os Senhores peritos respondido aos quesitos, o respectivo auto foi notificado às partes, as quais nada disseram ou requereram.
I.2 Subsequentemente, o tribunal a quo proferiu sentença nos termos do art.º 140.º n.º 1, do CPT, concluída com o dispositivo seguinte:
Pelo exposto , aplicando os citados normativos à matéria de facto apurada, nos termos do disposto no art.140º, nº1, do C.P.T., observando-se o disposto no nº3 do artigo 73º do mesmo Código, julgo a ação procedente e em consequência :
A) Que o sinistrado AA, no dia 1 de Junho de 2020, sofreu um acidente de trabalho, do qual se encontra sem qualquer incapacidade permanente para o trabalho decorrente desse acidente.
B) Condeno a responsável “B... Lda”, a pagar ao sinistrado a quantia de 150,42€ atinente às indemnizações pelos vinte e quatro (24) dias de ITA de 2/06/2020 até à data da alta definitiva no que concerne às diferenças relativamente ao subsidio de alimentação e ajudas de custo não transferidos de 4,77€ x 22d x 11 meses +192,37€ x 11 meses, acrescida dos juros de mora á taxa legal desde o seu vencimento até efectivo e integral pagamento.
C) Condeno a responsável “A... - Companhia Seguros, S.A.” a pagar ao sinistrado a quantia de €30,00, a título de despesas com deslocações ao INML Porto e ao Tribunal, acrescida de juros de mora á taxa legal desde 17 de novembro de 2020 até integral e efectivo pagamento.
D) Absolver a seguradora “A... - Companhia Seguros, S.A.” e a responsável “B... Lda”, do demais peticionado.
*
Fixo como valor à presente causa €180,42, (cfr. artigo 120º do Código do Processo do Trabalho).
*
Custas pelas entidades responsáveis, na proporção da respectiva responsabilidade (respectivamente, de 77,40 % quanto á Seguradora “A...” e de 22,60% quanto à responsável “B…”) -artigo 527º do CPC ex vi do artº1º, nº2, al.a) do CPT e artigo 17º,
Nº8, do RCP.
[..]».
I.3 Inconformado com esta decisão o sinistrado apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1. A sentença ora recorrida considerou o sinistrado como curado, sem qualquer incapacidade.
2. E apoiou-se, para tal, no relatório pericial realizado por junta médica, que foi ambíguo, vago e obscuro.
3. Tendo-se somente limitado a responder negativamente à questão acerca da existência de sequelas, sem expressar qualquer fundamentação.
4. O que se revela em total contradição com os fundamentos legais e jurisprudenciais.
5. O Julgador a quo demonstrou sérias dúvidas quanto ao primeiro relatório de junta médica, motivo pelo qual ordenou a sua continuidade na especialidade, formalizando quesitos oficiosamente, que não foram respondidos no relatório final da junta médica pela maioria dos Peritos.
6. Ainda assim, o Tribunal a quo aderiu à posição maioritária (ainda que infundada) e acolheu a decisão vertida no aludido relatório, bem sabendo que em perícia realizada anteriormente pelo INML foi atribuída uma IPP de 3% ao sinistrado.
7. O sinistrado tão pouco foi examinado no decorrer da última Junta Médica, tendo o perito por si nomeado (ainda que vencido na sua posição minoritária) respondido fundamentadamente e alicerçado em documentos médicos juntos aos autos aos quesitos formulados pelo julgador, concluindo no sentido da não consolidação médica das lesões sofridas, e pela existência de incapacidade temporária e permanente atual, comprovando a inexistência de doença natural ou prévia ao acidente de trabalho.
8. Ao 4º quesito formulado pelo julgador a quo “Qual a doença natural ou prévia de onde decorrem as sequelas que se objectivam nos autos e se objectivaram no exame médico já realizado ao sinistrado?” a posição maioritária dos Peritos respondeu, sem qualquer fundamentação, “Lesão condral cuja etiologia desconhecemos”, enquanto que a posição minoritária dos Peritos, após fundamentação expressa, respondeu “Não há nenhum dado clínico que aponte para a existência de patologia prévia ao evento em apreço, situação comprovada através de declaração da sua médica de família.”
9. As conclusões do laudo pericial não vinculam o Julgador a quo, dado estarem sujeitas ao princípio da livre apreciação julgador, pelo que se impunha aderir à posição mais fundamentada e lógica, sustentada em prova documental variada e de pareceres de especialistas, ainda que minoritária, em detrimento da que optou, a maioritária, não fundamentada, obscura e até contraditória com as anteriores conclusões de iguais perícias.
10. Existem nos autos quatro relatórios médicos de especialistas (e outros documentos clínicos) que fundamentam posição contrária à decidida pelo Tribunal a quo.
11. Ora, face à existência de resultados tão díspares entre si, impunha-se um dever acrescido de fundamentação da opção por um relatório pericial em detrimento de outro, ou de adesão a uma posição pericial em detrimento doutra.
12. E mais ainda, impendia sobre o julgador a quo um dever acrescido de providenciar por esclarecimentos e de se fazer informar, solicitando relatórios médicos, ordenando nova perícia, ou fazendo uso de qualquer outro meio ao seu dispor.
13. Pois como bem se sabe, ambas as perícias têm idêntico valor e estão sujeitas à livre apreciação do legislador.
14. E tais perícias não vinculam o Tribunal a quo, mas antes deverão permitir, com segurança, ao julgador, que não é técnico de medicina, analisar e ponderar o enquadramento das lesões e o respetivo grau de incapacidade a atribuir.
15. E não é concebível, à luz das regras da experiência comum, que o julgador possa firmar a sua conclusão tendo por base um relatório médico que não é devidamente fundamentado e que apresenta um resultado tão diferente do anterior.
16. Assim, impõe-se ao Tribunal a quo um dever de fundamentação da sentença que permitisse concluir quais as razões que levaram o julgador a considerar o sinistrado como curado.
17. E esse dever de fundamentação acresce face à existência de vários relatórios com igual valor probatório e conclusões tão opostas, porquanto o julgador deve justificar as razões pelas quais se afasta de um determinado juízo técnico.
18. A sentença recorrida padece de nulidade, nos termos dos artigos 607.º n.º 3 e 4 e 615.º n.º 1 al. b) e c) do CPC, porquanto o Tribunal a quo não discriminou fundamentadamente os factos que considerou provados e não provados, não analisou criticamente as provas e muito menos indicou as ilações tiradas acerca das mesmas.
19. Impõe-se uma alteração da decisão recorrida, que adira às únicas conclusões que se encontram fundamentadas no Relatório da Junta Médica e alicerçadas nos demais documentos clínicos juntos aos autos, ainda que representem uma posição minoritária da Junta Médica constituída, e que defende a não consolidação médico legal das lesões, com consequente fixação de IPP, quando muito, se assim se entender necessário, ordenar por nova Perícia que corrija as obscuridades do laudo e que responda fundamentadamente aos quesitos formulados oficiosamente.
PELO EXPOSTO E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, ANULANDO A SENTENÇA ORA RECORRIDA E ORDENANDO A REPETIÇÃO DE EXAME PERICIAL POR JUNTA MÉDICA, COM VISTA À OBTENÇÃO DE UM PARECER FUNDAMENTADO QUE PERMITA AVERIGUAR A IPP DO SINISTRADO.
I.4 A Ré Seguradora apresentou contra-alegações, mas não as sintetizou em conclusões.
No essencial, defende que estando o auto de exame médico devidamente fundamentado, não padece o mesmo da apontada nulidade. Assim como não padece, a sentença recorrida de qualquer deficiência ou falta de fundamentação, pois contém todos os elementos de facto necessários à decisão da questão da determinação do grau de incapacidade.
Conclui, alegando que não existindo elementos de prova técnico-científicos que permitam divergir do laudo maioritário dos Senhores Peritos Médicos que compuseram a Junta Médica, o qual não padece de qualquer ambiguidade, obscuridade ou contradição que imponha o esclarecimento a solicitar aos Senhores Peritos Médicos e não se verificando qualquer situação que impossibilite a correcta reapreciação da matéria de facto e subsequente decisão de direito, inexiste qualquer erro de julgamento que implique a revogação da decisão proferida pelo tribunal recorrido.
I.5 O Digno magistrado do Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º 3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, na consideração, no essencial do seguinte:
2. O exame por junta médica tem em vista a perceção ou apreciação relativamente a factos para os quais o Juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos.
São os peritos médicos que dispõem desse conhecimento especializado, por isso cabendo-lhes emitir “o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem” - Ac. da RP, proc. 1523/19.3 T8MAI.P1.
Tratando-se de um meio de prova pericial estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova - art. 389.º do Código Civil e arts. 489.º e 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
Porém, como se refere no Ac. da RP de 28.11.2022 (processo n.º 4251/19.6T8OAZ.P1), a livre apreciação da prova não significa que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, antes lhe impondo um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global, o qual deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferidos segundo regras da experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.
O resultado desse processo deve ter respaldo na prova produzida e tal deve decorrer, em termos suficientemente claros e objectivos, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Da leitura da sentença, vê-se que esta se encontra suficientemente fundamentada, considerando e apreciando todos os elementos de prova disponíveis.
E, assim, entende-se que não merece censura a douta sentença em recurso».
I.6 Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 657.º n.º2, CPC e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigo 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] a questão colocada para apreciação consiste em saber se “A sentença recorrida padece de nulidade, nos termos dos artigos 607.º n.º 3 e 4 e 615.º n.º 1 al. b) e c) do CPC, porquanto o Tribunal a quo não discriminou fundamentadamente os factos que considerou provados e não provados, não analisou criticamente as provas e muito menos indicou as ilações tiradas acerca das mesmas” [conclusão 18].
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo pronunciou-se quanto à matéria de facto nos termos seguintes:
«Com relevo para a decisão da presente causa, pelos documentos juntos aos autos e por acordo das partes expresso no auto de tentativa de conciliação, mostram-se provados os
seguintes factos:
1-O sinistrado nasceu em .../.../1984.
2-No dia 1 de Junho de 2020, cerca das 17:00 horas, em Cascais, o sinistrado sofreu
um acidente de trabalho, quando exercia as funções de carpinteiro de 1ª sob as ordem direcção e fiscalização de entidade patronal B..., Lda, com sede na Ava ..., ..., ... ... Paredes.
3-O acidente ocorreu quando numa obra de remodelação de uma habitação na Rua ... em Cascais em que intervinha a sua entidade patronal, ao levantar uma porta em conjunto com um colega de trabalho sentiu uma dor muito forte no joelho esquerdo, do que lhe resultaram as lesões constantes do auto de exame médico do INML do Porto de fls. 50 a 55.
4-O sinistrado auferia o salário anual de 800,00€ x 14 meses, acrescido de 4,77€ x 22d
x 11 meses de subsídio de alimentação e ainda 192,37 x 11 meses de ajudas de custo, (total anual de €14.470,41).
5- A responsabilidade infortunística-laboral encontrava-se parcialmente transferida para a seguradora “A... - Companhia Seguros, S.A.”, mediante contrato de seguro titulado pela apólice dos autos, quanto ao trabalhador aqui sinistrado, sendo que a retribuição transferida era apenas de 800,00€ x 14 meses.
6- O sinistrado teve alta em 25/06/2020.
7- Não lhe foram pagas todas as indemnizações e demais despesas acessórias que lhe eram devidas até à data da alta, designadamente a verba de 150,42€ por parte da Entidade patronal atinente às indemnizações pelos vinte e quatro (24) dias de ITA de 2/06/2020 até à data da alta definitiva no que concerne às diferenças relativamente ao subsidio de alimentação de 4,77€ x 22d x 11 meses e ajudas de custo de 192,37€ não transferidos para a Seguradora.
8-O sinistrado despendeu a quantia de €30,00 em deslocações obrigatórias para comparecer neste Tribunal e ao INML do Porto.
II.2 Nulidade da sentença
Alega o recorrente que “A sentença recorrida padece de nulidade, nos termos dos artigos 607.º n.º 3 e 4 e 615.º n.º 1 al. b) e c) do CPC, porquanto o Tribunal a quo não discriminou fundamentadamente os factos que considerou provados e não provados, não analisou criticamente as provas e muito menos indicou as ilações tiradas acerca das mesmas” [conclusão 18].
Defende que a sentença apoiou-se no relatório pericial realizado por junta médica, que foi ambíguo, vago e obscuro, tendo respondido negativamente à questão acerca da existência de sequelas, sem expressar qualquer fundamentação. Ainda assim, o Tribunal aderiu à posição maioritária (ainda que infundada) e acolheu a decisão vertida no aludido relatório, bem sabendo que em perícia realizada anteriormente pelo INML foi atribuída uma IPP de 3% ao sinistrado.
Refere, que ao 4º quesito formulado pelo julgador a quo, a posição maioritária dos Peritos respondeu, sem qualquer fundamentação, “Lesão condral cuja etiologia desconhecemos”, enquanto que a posição minoritária dos Peritos, após fundamentação expressa, respondeu “Não há nenhum dado clínico que aponte para a existência de patologia prévia ao evento em apreço, situação comprovada através de declaração da sua médica de família.” Existem nos autos quatro relatórios médicos de especialistas (e outros documentos clínicos) que fundamentam posição contrária à decidida pelo Tribunal a quo, pelo que impunha-se um dever acrescido de fundamentação da opção por um relatório pericial em detrimento de outro, ou de adesão a uma posição pericial em detrimento doutra e, ainda, um dever acrescido de providenciar por esclarecimentos e de se fazer informar, solicitando relatórios médicos, ordenando nova perícia, ou fazendo uso de qualquer outro meio ao seu dispor.
Conclui, defendendo impor-se “uma alteração da decisão recorrida, que adira às únicas conclusões que se encontram fundamentadas no Relatório da Junta Médica e alicerçadas nos demais documentos clínicos juntos aos autos, ainda que representem uma posição minoritária da Junta Médica constituída, e que defende a não consolidação médico legal das lesões, com consequente fixação de IPP, quando muito, se assim se entender necessário, ordenar por nova Perícia que corrija as obscuridades do laudo e que responda fundamentadamente aos quesitos formulados oficiosamente”.
Contrapões a recorrida seguradora, no essencial, que a “apontada nulidade, na perspectiva da eventual violação do dever de fundamentação do laudo de junta médica, por falta de observação das instruções gerais da TNI aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23/10 [..] na medida em que possa influir no exame e decisão da causa, poderá constituir nulidade processual a arguir perante a 1a instância, onde foi cometida (cfr. artigo 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil”, a ser arguida no prazo de dez dias. Não tendo sido requerido pelo Autor, “é extemporânea a arguição da nulidade do auto de junta médica por falta de fundamentação e consequente nulidade da sentença”.
Mais alega que “o Senhor Perito do Sinistrado, teceu comentários sobre os exames complementares de diagnóstico realizados – RM [..] sem qualquer objectividade, sobre a suposta incapacidade permanente parcial, que valorou em 3%, por analogia, que terá ficado a padecer o trabalhador. Após a notificação deste exame, [..], nenhum outro esclarecimento foi requerido pelas partes, designadamente pelo trabalhador”. [..] a perícia colegial complementada com tais esclarecimentos não padece de falta de fundamentação, [..]. Sendo certo, que identificaram a doença prévia – lesão condral, cuja etiologia, contudo, não conseguiram apurar”.
No sentido do entendimento maioritário da perícia médica e em contraposição ao alegado pelo recorrente, invoca o, «o teor do relatório de perícia médico-legal de 17.03.2021 (especialidade de ortopedia), designadamente as conclusões aí vertidas: [..]». Mais refere que “na perícia médica da fase conciliatória igualmente se concluiu que a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25.06.2020”.
Conclui, defendendo que estando o auto de exame médico devidamente fundamentado, não padece o mesmo da apontada nulidade. Assim como não padece, a sentença recorrida de qualquer deficiência ou falta de fundamentação, pois contém todos os elementos de facto necessários à decisão da questão da determinação do grau de incapacidade.

O Tribunal a quo, em cumprimento do disposto no art.º 641.º n.º 1, do CPC, pronunciou-se sobre a arguida nulidade da sentença nos termos que seguem:
Na sua alegação de recorrente, o Autor vem arguir a nulidade da sentença por si recorrida, invocando para tanto, em síntese, que “a sentença recorrida padece de nulidade, nos termos dos artigos 607.º n.º 3 e 4 e 615.º n.º 1 al. b) e c) do CPC, porquanto o Tribunal a quo não discriminou fundamentadamente os factos que considerou provados e não provados, não analisou criticamente as provas e muito menos indicou as ilações tiradas acerca das mesmas”, (sic), “levando a uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito”, (sic).
Cumpre apreciar e decidir (cfr. artº617º, nº1, do CPC).
*
Como é sabido, as causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615º do CPC,
Tendo em conta as nulidades arguidas pelo recorrente, estatui-se naquele artigo que:
“1-É nula a sentença quando:
a) (...)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
d) (....)
e) (...).
2-(...)
3-(...)
4-(..).”
Como podemos verificar, o Autor começa por arguir a nulidade da sentença, alegando que padece de falta de fundamentação, uma vez que não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - vício previsto no citado artigo, n.º 1 b).
Ora, numa leitura minimamente atenta da sentença em causa, pode-se constatar inequivocamente que não se verifica tal vício, uma vez que foi tomada posição sobre todas as questões que se colocaram ao tribunal e que a mesma se encontra fundamentada de facto e de direito.
E assim, “não ocorre a nulidade da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo.
Esta supõe o total silenciar dos fundamentos de facto e de direito da questão “sub judicio”.
Uma fundamentação mais sucinta, ou aligeirada (o que, note-se, nem sequer é o caso), menos exaustiva ou não eivada de argumentos eruditos não basta para integrar o vício de limite em apreço, desde que as questões postas sejam abordadas e decididas. (cfr., v.g., o Acórdão do STJ de 29 de Junho de 2010 – 46/10.0YFLSB – com este Relator e 1.º Adjunto)”, (Ac. STJ, de 16/02/2016; www.dgsi.jstj.pt-processo 17099/98.0TVLSB.L1.S1.).
Com efeito, concorde-se ou não com a fundamentação apresentada esta existe, e tanto é assim que o Autor vem ainda arguir a nulidade prevista na al.c) do nº1 do aludido normativo, precisamente por a sentença recorrida se mostrar fundamentada, pois tal nulidade pressupõe que os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível.
Com efeito, “a nulidade da primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil traduz-se num vício de construção da sentença caracterizada por os fundamentos invocados conduzirem logicamente não ao resultado expresso mas ao oposto”, (Ac. STJ, de 16/02/2016; www.dgsi.jstj.pt-processo 17099/98.0TVLSB.L1.S1.).
Não é o caso da sentença dos presentes autos : nem os fundamentos conduzem logicamente à decisão oposta da que foi proferida, não havendo assim qualquer oposição lógica entre aqueles e esta, mostrando-se a decisão em consonância lógica e silogística com os fundamentos que a pressupõem, nem a decisão proferida se mostra ininteligível, não se vislumbrando qualquer ambiguidade ou obscuridade na mesma.
Tanto é assim que o autor leu a sentença e a compreendeu, e discordando da mesma, recorreu, o que certamente não seria possível se a decisão fosse, porventura, ininteligível.
Em face do exposto, e sem necessidade de ulteriores considerações, indefiro a arguição de nulidades da sentença recorrida, por as mesmas não se verificarem».
Como já referido, no parecer a que alude o art.º 87.º 3, do CPT, O Digno Magistrado do Ministério Público junto desta Relação pronunciou-se pela improcedência do recurso, na consideração, para além do mais, de que “Da leitura da sentença, vê-se que esta se encontra suficientemente fundamentada, considerando e apreciando todos os elementos de prova disponíveis”.
II.2.1 A fundamentação da sentença, na parte objecto das arguidas nulidades, é a seguinte:
-«[…]
Requerido o competente exame médico por junta médica, veio o mesmo a realizar-se com observância das formalidades legais.
O respectivo resultado foi notificado às partes, tendo o sinistrado requerido a junção aos autos de um documento emitido a 17/01/2022 (antes da realização da Junta Médica) e outorgado pela Médica de Família do trabalhador-sinistrado, designado como Carta de Acompanhamento – Declaração Médica, e onde consta que: “(...) não existe patologia do joelho esquerdo com data anterior ao dia 01/06/2020.”
Foi então determinada a continuação da junta médica da especialidade de ortopedia a fim de poderem ser dadas respostas pelos senhores peritos aos quatro quesitos que foram oficiosamente formulados e notificadas do respectivo auto, as partes nada disseram ou requereram.
Cumpre decidir, nos termos previstos no artigo 140º, nº1, do C.P.T., observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.o do mesmo Código.
[..]
Com relevo para a decisão da presente causa, pelos documentos juntos aos autos e por acordo das partes expresso no auto de tentativa de conciliação, mostram-se provados os seguintes factos:
[a matéria de facto especificada acima no ponto II.1]
Apreciando e decidindo.
Falta decidir a questão da determinação do grau de incapacidade que afeta o sinistrado. Os Srs. Peritos médicos, que realizaram a junta médica da especialidade de ortopedia em 01-02-2022 e em 06-09-2022, concluíram, por maioria, que as sequelas causadas ao sinistrado pelo acidente dos presentes autos foram um agravamento transitório de patologia prévia pelo que as sequelas implicaram uma incapacidade temporária, que as sequelas resultantes do presente acidente atingiram a sua consolidação médico-legal, que se verificou a cura clínica a 25-06-2020 e que neste momento as sequelas objetivadas não poderão ser atribuídas ao acidente em apreço, sendo decorrentes de doença natural ou prévia, tratando-se de uma lesão condral cuja etiologia os senhores peritos desconhecem.
Assim, consideraram os senhores peritos, por maioria, que não resultaram sequelas permanentes do evento em análise e que o sinistrado se encontra sem IPP decorrente do acidente de trabalho em referência nestes autos, não sendo fixável IPP.
Como dispõe o artigo 388º do Código Civil “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devem ser objecto de inspecção judicial”.
No acidente de trabalho, visto estar em causa a perceção das lesões sofridas pelo sinistrado em consequência do acidente e o apuramento do grau de incapacidade que essas lesões e respectivas sequelas lhe acarretam, a lei prevê a realização obrigatória de exames médicos (cfr. artigos 101º, 105º, 117º, 138º e 139ºo, todos do Código de Processo do Trabalho).
Ou seja, a lei determina que o tribunal recorra a peritos, dado que a perceção das lesões sofridas pelo sinistrado e a incapacidade delas decorrente pressupõe conhecimentos médicos que o julgador não possui.
O exame por junta médica dos autos mostra-se fundamentado e alicerçado na Tabela Nacional de Incapacidades.
Como já se referiu, no caso dos autos, os Srs. Peritos médicos, na junta médica realizada em 01-02-2022 e em 06-09-2022 concluíram, por maioria, que não resultaram sequelas permanentes do evento em análise, não sendo fixável IPP.
Assim, tendo em conta as informações clínicas constantes dos autos sobre a natureza das lesões, a gravidade destas, o estado geral, a idade e a profissão do sinistrado, sendo certo que inexiste fundamento que permita um entendimento diverso do expendido por maioria pelos Srs. Peritos médicos que constituíram a junta médica que antecede, nos termos do disposto no artigo 140º, nº1 do Código do Processo do Trabalho, observando-se o disposto no nº3 do artigo 73º do mesmo Código, considero que o sinistrado em consequência do acidente de trabalho a que se reportam os presentes autos, encontra-se sem qualquer incapacidade permanente para o trabalho, não tendo consequentemente direito a receber qualquer pensão.
[..]»

Diremos, desde já, concordarmos com o Tribunal a quo, o que vale por dizer que não se reconhece fundamento ao recorrente para arguir as nulidades da sentença previstas no art.º 615.º n.º1, alíneas b) e c), do CPC.
Adiante passamos a justificar esta asserção.
II.2.2 Começamos por deixar algumas notas essenciais para melhor compreensão do percurso a seguir na apreciação da questão.
O processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, regulado nos artigos 99.º a 150.º do CPT, compreende duas fases distintas: uma primeira, chamada fase conciliatória, de realização obrigatória e sob a direcção do Ministério Público; e, uma segunda, a fase contenciosa, de realização eventual e sob a direcção do Juiz.
Através da primeira, como a sua própria denominação o indica, procura-se alcançar a satisfação dos direitos emergentes do acidente de trabalho para o sinistrado através da composição amigável, embora necessariamente sujeita a regras legais imperativas (direitos indisponíveis), atendendo aos interesses de ordem pública envolvidos. Para possibilitar aquele objectivo, a tramitação desta fase compreende, por sua vez, três fases, uma primeira, de instrução, que tem em vista a recolha e fixação de todos os elementos essenciais à definição do litígio, de modo a indagar sobre a“(..) veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes”, habilitando o Ministério Público a promover um acordo susceptível de ser homologado (art.ºs 104.º 1, 109.º e 114.º); uma segunda, que consiste na realização do exame médico singular, devendo este no relatório “deve indicar o resultado da sua observação clínica, incluindo o relato do evento fornecido pelo sinistrado e a apreciação circunstanciada dos elementos constantes do processo, a natureza das lesões sofridas, a data de cura ou consolidação, as sequelas e as incapacidades correspondentes, ainda que sob reserva de confirmação ou alteração do seu parecer após obtenção de outros elementos clínicos ou auxiliares de diagnóstico” (art.ºs 105.º e 106.º); e, finalmente, a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público, com a finalidade primordial de obtenção de acordo susceptível de ser homologado pelo Juiz (art.º 109.º) [Cfr. João Monteiro, Fase conciliatória do processo para a efectivação do direito resultante de acidente de trabalho – enquadramento e tramitação, Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 87, CEJ, Coimbra Editora, pp. 135 e sgts.].
Conforme estabelece o art.º 112.º 1, do CPT, não se obtendo o acordo, no auto da tentativa “(..) são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”.
E, como decorre do art.º 117.º, do CPT, o início da fase contenciosa depende da apresentação de petição inicial ou o requerimento a que se refere o n.º2, do art.º 138.º do CPT.
A apresentação de requerimento é o meio processual próprio quando o interessado “se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação da incapacidade para o trabalho” [art.º 138.º2 do CPT], o qual deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos [art.º 117.º n.º2, CPT], a fim de serem respondidos pelos senhores peritos médicos no exame por junta médica previsto no art.º 139.º/1 do CPT, perícia que é de realização obrigatória.
É justamente o caso, uma vez que apenas está em causa a discordância quanto à incapacidade, expressa quer pela Seguradora quer pela entidade empregadora na tentativa de conciliação. Declaram, respectivamente, “[..] Contudo NÃO ACEITA CONCILIAR-SE, com o sinistrado, pelo facto de não concordar com o resultado do exame médico efectuado pelo INML do Porto, nomeadamente o grau de desvalorização atribuída, uma vez que os Serviços Clínicos da sua representada, consideram o sinistrado curado sem desvalorização pelo que a sua representada não aceita pagar a pensão por ele reclamada”; e, “Contudo não aceita conciliar-se com o sinistrado por não aceitar a IPP de 3% que lhe foi fixada pelo INML do Porto uma vez que a sua representada acompanha na íntegra a posição da Seguradora”.
Nestas situações, em que apenas está em causa determinar a incapacidade, o processo segue uma tramitação simplificada que apenas prevê a realização da perícia por junta médica - e eventuais diligências relacionadas com a finalidade deste acto, tendo em vista obter elementos complementares para a emissão do laudo -, a que se seguirá a decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º, por remissão do art.º 140.º n.º 1 do CPT, dispondo o seguinte:
- [1] “Se a fixação da incapacidade tiver lugar no processo principal, o juiz profere decisão sobre o mérito, realizadas as perícias referidas no artigo anterior, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º”.
Aplicando-se o n.º3, do art.º 73º, tal significa que “(..) a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da sucinta fundamentação de facto e de direito do julgado”.
Vale isto por dizer, que as exigências de fundamentação da sentença que decide a fixação da incapacidade, a proferir após a realização do exame por junta médica, são reduzidas ao essencial, quer de facto quer de direito.
É certo que o facto de apenas se exigir uma fundamentação sucinta, não pode ser interpretado de tal modo que ponha em causa o dever de fundamentação da sentença, imposto pelo art.º 154º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º n.º2. al. a) do CPC., onde se dispõe o seguinte:
1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.
Para se aferir o âmbito da exigência de fundamentação cumprirá atender depois ao art.º 615.º, onde estão previstas as causas de nulidade da sentença, entre elas contando-se a falta de fundamentação, que se verifica quando “[N]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” [al. b)] do n.º1].
Num parêntesis, em consonância com o entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, assinala-se, desde já, que as causas de nulidade constantes do elenco do n.º1, do art.º 615.º, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição revista e Actualizada, Coimbra Editora, Almedina, 1985, pp. 686].
A falta de fundamentação é uma das causas de nulidade substancial ou de conteúdo da decisão e verifica-se quando o tribunal julgar procedente ou improcedente um pedido e não especifique quais os fundamentos de facto ou de direito com base nos quais formou essa convicção e decidiu.
A nulidade decorre da violação do dever de motivação ou fundamentação de decisões judiciais (art.º 208.º n.º1 da CRP e 154.º n.º1 e 607.º n.ºs 3 e 4 do CPC).
Porém, essa nulidade só ocorre se existe falta absoluta de motivação. A não ser assim, a existência de motivação ainda que deficiente, medíocre ou errada é o suficiente para excluir a nulidade, apenas ficando a sentença sujeita ao risco de revogação ou alteração em sede de apreciação de recurso.
A propósito do sentido e alcance desta norma, provinda do CPC de 1939 e mantendo o mesmo conteúdo, o Professor Alberto dos Reis, elucidava “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto” [Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Reimpressão, 1984, pp. 140].
A falta de fundamentação pode referir-se só aos fundamentos de direito ou só aos fundamentos de facto.
No caso, é esta última vertente que o recorrente põe em causa, alegando o recorrente que “o Tribunal a quo não discriminou fundamentadamente os factos que considerou provados e não provados, não analisou criticamente as provas e muito menos indicou as ilações tiradas acerca das mesmas”.
Os n.º3 e 4, do art.º 607.º do CPC, impõe ao juiz o dever de na fundamentação da sentença tomar em conta os factos que devam considerar-se provados, bem como os que julga não provados, fazendo o exame crítico das respectivas provas.
Contudo, como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “(..) não é a falta de tal exame que basta para preencher a nulidade prevista na alínea b) do art.º 668.º. Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão” [op. cit., pp. 688].
No caso vertente, retira-se da sentença que o Tribunal a quo fixou a matéria provada e fundamentou a sua decisão com suficiência bastante para se perceberem as razões que levaram a acolher o laudo maioritário dos senhores peritos médicos que “na junta médica realizada em 01-02-2022 e em 06-09-2022 concluíram, por maioria, que não resultaram sequelas permanentes do evento em análise, não sendo fixável IPP”, ao referir que ”tendo em conta as informações clínicas constantes dos autos sobre a natureza das lesões, a gravidade destas, o estado geral, a idade e a profissão do sinistrado, sendo certo que inexiste fundamento que permita um entendimento diverso do expendido por maioria pelos Srs. Peritos médicos que constituíram a junta médica que antecede, nos termos do disposto no artigo 140º, nº1 do Código do Processo do Trabalho, observando-se o disposto no n.º3 do artigo 73.º do mesmo Código, considero que o sinistrado em consequência do acidente de trabalho a que se reportam os presentes autos, encontra-se sem qualquer incapacidade permanente para o trabalho [..]”.
Não foram fixados factos não provados, mas também não se vê quais seriam, pois por decorrência lógica do que se considerou demonstrado e acolheu, ficou afastada a hipótese de ser fixada qualquer IPP, designadamente a reclamada pelo sinistrado na tentativa de conciliação, aceitando a atribuída no exame médico singular (IPP de 3%). Não é despiciendo deixar esclarecido que o sinistrado não apresentou quesitos para serem submetidos à apreciação da junta médica no exame pericial a que foi submetido. Portanto, no rigor das coisas não havia factos não provados que devessem ter sido elencados.
Em suma, há fundamentação bastante, nomeadamente factual, para justificar a decisão recorrida. Mas ainda que assim não se entendesse, como ficou elucidado, a nulidade só ocorreria se existe falta absoluta de motivação, o que vale por dizer da fixação dos factos essenciais para suportarem a decisão.
Concluindo, improcede a arguida nulidade da sentença por alegada falta de fundamentação de facto.
II.2.3 O recorrente vem ainda arguir a nulidade da sentença prevista na al. c), do n.º1 daquele artigo, de onde decorre que a sentença é nula quando (n.º1): “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Ocorre a nulidade da sentença por contradição, “quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, não se verificando quando a solução jurídica decorreu de interpretação dos factos, diversa da pretendida pelo arguente” [Ac. STJ de 09-02-2017, Proc.º 2913/14.3TTLSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso, disponível em www.dgsi.pt].
Nesse sentido, observa Lebre de Freitas: “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença” [A Acção Declarativa Comum, Coimbra Editora, 3ª edição, 2013, p. 333].
O mesmo autor elucida, ainda, sobre a nulidade da sentença por ininteligibilidade, que tal ocorre “Quando não seja perceptível qualquer sentido da parte decisória (obscuridade) ou ela encerre um duplo sentido (ambiguidade), sendo ininteligível para um declaratário normal” [ibidem]”.
Percorrendo as conclusões, e atendendo também às alegações, não resulta clara a concretização do fundamento do recorrente para justificar a afirmação conclusiva que faz na conclusão 18, no sentido de existir a nulidade da sentença por violação da al. c), do n.º1, do art.º 615.º do CPC. Mas se bem interpretamos a sua posição, na sua perspectiva a sentença enfermará desta nulidade por se ter apoiado no relatório pericial realizado pela junta médica, “que foi ambíguo, vago e obscuro, tendo respondido negativamente à questão acerca da existência de sequelas, sem expressar qualquer fundamentação” [conclusões 1 a 4].
O exame por junta médica, que será sempre de realização obrigatória quando a questão da incapacidade esteja em discussão, quer seja a única ou uma das questões controvertidas, inscreve-se no âmbito da denominada prova pericial, regendo-se para além do disposto naquela norma, também pelas que no Código de Processo Civil disciplinam este meio de prova (artigos 467.º e seguintes do CPC).
A prova pericial tem por objecto, conforme estatuído no art.º 388.º do CC “(..) a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuem” ou quando os factos “relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Recorrendo à lição do Professor Alberto dos Reis, elucida este que “O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem” [Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pp. 171].
A sua função é a de “auxiliar do tribunal no julgamento da causa, facilitando a aplicação do direito aos factos”, não impedindo tal que seja “um agente de prova e que a perícia constitua um verdadeiro meio de prova” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 578].
Por conseguinte, as respostas aos quesitos dadas pelos senhores peritos médicos e a respectiva fundamentação, são a expressão necessária da sua intervenção nesse meio de prova, isto é, o resultado da avaliação feita com base nos seus especiais conhecimentos médico-científicos, exigindo-se, para que cumpram o seu propósito, que sejam claras, suficientes e lógicas. Justamente por isso, importa não esquecer, o n.º8, do Anexo I, da TNI, estabelece o seguinte: “O resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões”.
Pese embora a função preponderante deste meio de prova, tal não significa que o julgador esteja vinculado ao parecer dos senhores peritos, já que o princípio da livre apreciação da prova permite-lhe que se desvie do parecer daqueles, seja ele maioritário ou unânime. Como a esse propósito elucida o Professor Alberto dos Reis, “(..) É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas. Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo (..); mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar, também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.” [Op. cit. pp. 185/186].
Porém, quer adira ou quer se desvie, precisamente por caber ao Juiz decidir na sua livre convicção, é sempre necessário que conte com um resultado do exame pericial devidamente fundamentado, pois é a partir daí que se desenvolverá toda a apreciação com vista à formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador. Por outras palavras, o laudo, seja ele obtido por unanimidade dos peritos ou apenas por maioria, deve convencer pela sua fundamentação, pois só assim cumpre o propósito de facultar ao juiz os elementos necessários para fixar a natureza e o grau de incapacidade.
Importa é que em face das questões que se colocam em cada caso concreto, o resultado do exame por junta médica se apresente perante o Juiz com a clareza necessária para o habilitar a decidir.
Mas se assim não acontecer, a lei processual proporciona meios para as partes reagirem. O primeiro deles consiste na faculdade que assiste às partes de reclamarem do relatório pericial, se “entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas” [art.º 485.º 1 e 2, CPC]. O segundo respeita ao direito de arguirem a nulidade do exame médico por falta de fundamentação do resultado, que se verificará quando tal se verifique e seja susceptível de “influir no exame ou na decisão da causa” (art.º 195.º 1 do CPC).
Para além disso, cabe também ter presente que igualmente é atribuído ao Juiz, quando se aperceba que não encontra no relatório do exame médico o apoio suficiente e necessário para proferir a sentença, o poder de fazer uso do disposto no n.º4, do artigo 485.º d CPC, que lhe permite “mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores”, isto é, quando exista “(..) qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas».
Por outro lado, não deve também esquecer-se que nos termos do art.º 139.º do CPT, o juiz não só pode formular quesitos se a dificuldade ou a complexidade da perícia o justificarem [n.º6], como para além disso, “(..) se o considerar necessário, pode determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos” [n.º7].
Revertendo ao caso, a falta de fundamentação do auto de exame médico, quando exista e seja susceptível de “influir no exame ou na decisão da causa”, consubstanciará uma nulidade processual secundária (art.º 195.º 1 do CPC).
Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, as nulidades processuais consistem sempre num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido nos autos, traduzindo-se esse vício de carácter formal, num dos três tipos: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 387].
A lei distingue entre duas modalidades distintas de nulidades processuais: na terminologia da doutrina, as nulidades principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas) e as nulidades secundárias (ou, de 2.º grau, atípicas ou inominadas).
As nulidades principais são aquelas que a lei entende serem as mais graves pelas suas consequências, constando especificamente previstas na lei e podendo o Tribunal delas conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC, que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º).
Quanto às nulidades secundárias, de que só pode conhecer-se mediante arguição ou reclamação dos interessados, reporta-se o art.º 195.º do CPC, sendo todas aquelas que caibam na fórmula genérica do n.º1 daquele artigo: “Fora dos casos previstos nos artigos, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Nas palavras daqueles mesmos autores, “todos os demais casos de desvio na prática (ou omissão) do acto processual constituirão nulidades secundárias, desde que relevantes. Serão relevantes, segundo o critério estabelecido, quando a lei especialmente o declare ou quando possam influir no exame ou na decisão da causa” [Op. cit., pp. 391].
Portanto, se o recorrente entende que o auto de exame médico por junta médica é “ambíguo, vago e obscuro, tendo respondido negativamente à questão acerca da existência de sequelas, sem expressar qualquer fundamentação”, o que poderá estar em causa é uma nulidade processual secundária, nos termos estabelecidos no art.º 195.º 1 do CPC, e não uma nulidade da sentença, que só se verificam, como causa invalidante típica, nas diversas hipóteses taxativamente contempladas no n.º 1 do art.º 615º do CPC.
Assim, se o recorrente entende que o auto de exame médico enferma dos vícios que lhe aponta, então deveria ter procedido à arguição tempestiva da nulidade processual, ou seja, no prazo geral de dez dias [art.º 149.º /1, do CPC], contado a partir da notificação que lhe foi feita do auto de exame médico [art.º 199.º 1, do CPC].
Acontece que assim não procedeu, pelo que a invocação no recurso é extemporânea. Se porventura ocorre tal nulidade, a mesma tem-se por sanada, dado que o seu conhecimento estava dependente de arguição, posto que o tribunal só pode conhecer oficiosamente de nulidades principais (art.ºs 196.º e 197.º n.º1, do CPC).
Como referimos, a nulidade do exame por junta médica, quando exista, não se integra em qualquer uma das causa de nulidade da sentença tipificadas no art.º 615.º /1, do CPC. Como observa o Acórdão desta Relação de 15-11-2021 [proc.º 985/20.0T8VNG.P1, relatado pelo aqui 1.º adjunto, com intervenção da também aqui 2.ª adjunta, disponível em ww.dgsi.p], nesse sentido pronuncia-se o acórdão do STJ de 24 de Março de 2021, afirmando que “A nulidade da junta médica arguida pela recorrente não configura nem se integra em qualquer das nulidades da sentença aí contempladas”, mais se acrescentando, de seguida, que “Tal nulidade situa-se em momento anterior à decisão, a montante desta, não constituindo um vício (intrínseco) da sentença impugnada, mas uma nulidade secundária, sujeita à disciplina do artigo 195º do Código de Processo Civil, com as respectivas consequências. Deveria, assim, a recorrente ter observado o prescrito no artigo 199º, nº 1, do Código de Processo Civil (…)”.
Assim, resta concluir que igualmente improcede a arguida nulidade da sentença por violação da al. c), do n.º1, do art.º 615.º do CPC.
II.3 Questão diversa, será a de saber se o Tribunal a quo errou o julgamento, ao ter concluído “que o sinistrado em consequência do acidente de trabalho a que se reportam os presentes autos, encontra-se sem qualquer incapacidade permanente para o trabalho”, admitindo-se suscitada a discordância do recorrente ao defender a “alteração da decisão recorrida”, para se acolher a posição sustentada pelo perito médico por si nomeado, “com consequente fixação de IPP” [conclusão 19], tendo por base o argumento da conclusão 10, onde refere existirem “nos autos quatro relatórios médicos de especialistas (e outros documentos clínicos) que fundamentam posição contrária à decidida pelo Tribunal a quo”.
Recorrendo às alegações, retira-se que o recorrente está a referir-se ao seguinte:
i) «primeiro, a perícia realizada pelo INML, a 22/03/2021, [.], com IPP fixada em 3%, [..]»;
ii) “o segundo, datado de 11/06/2021, realizado por Médico Especialista de Medicina Legal que acompanha o sinistrado, junto aos autos aquando da primeira perícia por junta médica, do qual se conclui que “as lesões ainda não atingiram a consolidação médico legal”;
iii) «o terceiro, o já aludido relatório realizado a 01/02/2022 por junta médica, [..], que sugere um afastamento do nexo causal já consolidado, ao considerar que as lesões “são decorrentes de doença natural ou prévia”, suscitando dúvidas ao julgador a quo, face à escassa fundamentação, e que determinou a continuação da perícia»; e,
iv) «o quarto, o [..] relatório realizado a 06/09/2022 por continuação da junta médica da especialidade, [..], que considera o sinistrado curado a 25-06-2020, mas que não apresenta qualquer justificação para tal conclusão, outrossim, afirmam desconhecer a etiologia da lesão condral sofrida (com o sinistro).
Contrapõe a recorrida seguradora que “o Senhor Perito do Sinistrado, teceu comentários sobre os exames complementares de diagnóstico realizados – RM – mas sem atender aos concretos pormenores desses exames e anotações sobre os mesmos já tecidas em fase conciliatória. E, após, teceu considerações, sem qualquer objectividade, sobre a suposta incapacidade permanente parcial, que valorou em 3%, por analogia, que terá ficado a padecer o trabalhador. Após a notificação deste exame, [..], nenhum outro esclarecimento foi requerido pelas partes, designadamente pelo trabalhador”. [..] do laudo pericial resulta inequívoco que os Senhores Peritos Médicos responderam aos quesitos após a realização de exame objectivo ao sinistrado e análise de todos os exames complementares realizados pelo sinistrado, de todos os documentos médicos e informações clínicas que constam dos autos. Sendo certo, que identificaram a doença prévia – lesão condral, cuja etiologia, contudo, não conseguiram apurar”.
Invoca, ainda, «o teor do relatório de perícia médico-legal de 17.03.2021 (especialidade de ortopedia), designadamente as conclusões aí vertidas» e refere que na perícia médica da fase conciliatória igualmente se concluiu que a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25.06.2020.
Vejamos então.
Quanto ao primeiro – o relatório do EXAME MÉDICO SINGULAR [22/03/2021] – no que aqui releva, dele consta o seguinte:
-«[..]
B. DADOS DOCUMENTAIS
Da documentação clínica que nos foi facultada consta cópia de registos do(a) facultado por Serviços clínicos de seguradora - SU Hospital ... e Serviços clínicos da Seguradora; Facultado em mão pelo examinado - registo de CE em CH 1... (15/09/2020) da qual se extraiu o seguinte:
AT em 01/06/2020.
Admissão em Hospital ... em 01/06/2020 - Prioridade: Urgente Queixa: Utente recorre por dor no joelho esquerdo após torsão do mesmo há 5horas: Fluxograma: 044
- Problemas nos membros: Discriminador: Dor moderada; Destino; Balcão Ortopedia entorse joelho esquerdo com bloqueio em flexão dor interlinha externa – aparente rotura menisco ext asa cesto?
Serviços clínicos de seguradora - 2020-06-05 14:43 - 35 anos, carpinteiro AT 01/06: ao pegar em porta, rodou sobre o pé esquerdo, dando mau jeito ao joelho esquerdo. Refere ter conseguido terminar o dia de trabalho, apesar das queixas. Agravamento da dor no final do dia. Recorreu ao SU do Hospital ... no mesmo dia e foi medicado.
Observado a 02/06 no AP, foi pedida RMN do joelho - Refere gonalgia esquerda mais intensa com a mobilização do joelho (++ extensão) e com a carga. Marcha com canadianas, em descarga do membro inferior esquerdo. Edema do joelho esquerdo. Choque da rótula não testado por incapacidade do doente em fazer extensão completa do joelho. Dor à palpação do Côndilo femoral interno Sem dor ou instabilidade varo/valgo. Lachman negativo. McMurray não testado.
- doente muito queixoso.
Consulta em 25/06/2020 - Sem derrame articular, Sem Instabilidade, Sem clinica evidente de lesão meniscal, Sem outras queixas, RM sem imagem evidente de lesão AO aguda, Forneço cópia RM e envio SNS RMN (04/06/2020): O menisco interno apresenta ligeiro hipersinal intersticial da periferia do arco posterior, mas sem critérios de laceracao aparente. Os ligamentos cruzados são definidos no trajeto habitual com normal espessura. Derrame articular de pequeno volume distendendo o recesso subquadricipital, mas sem evidente espessamento da sinovial, ou seja, sem critérios de sinovite ou plica suprapatelar.
Evidencia de lesão osteocondral da zona de carga do condilo femoral interno, com uma
extensão de 9mm de eixo transversal e anteroposterior pericentimetrico, associado a discreta alteracao do padrao de sinal medular osseo. Discreto espessamento do ligamento lateral interno, indiciador de sequelas de entorse de aspeto nao recente.
Normalidade imagiologica do complexo ligamentar externo, bem como do aparelho extensor do joelho, nomeadamente do tendão rotuliano e do quadricipite e a gordura de Hoffa esta mantida. Na vertente interna do cavado popliteo observamos formação quistica sob baixa tensão na topografia correspondente a bolsa sinovial gastrocnemia/semimembranosa com edema adjacente ao referido espaço anatómico, no contexto de provável quisto de Baker com e fração parietal associada. Ausência de outras significativas alterações estruturais. Portanto, lesão osteocondral na zona de carga do côndilo femoral interno.
ITA 02/06/2020 a 25/06/2020
Em mão o examinado apresentou diário clínico de CE de ortopedia em CH 1... (15/09/2020) e Relatório de RMN a Joelho esquerdo realizada em 10/08/2020 (ambos estes doc clínicos irão ser inseridos em aplicação de gestão documental Edoc .
C. ANTECEDENTES
1. Pessoais
Não refere antecedentes patológicos e/ou traumáticos relevantes para a situação em apreço.
[..]
ESTADO ATUAL
A. QUEIXAS
Nesta data, o(a) examinando(a) refere as queixas que a seguir se descrevem:
1. A nível funcional, compreendendo este nível as alterações das capacidades físicas ou mentais (voluntárias ou involuntárias), [..], refere:
− Postura, deslocamentos e transferências: claudicação na marcha por dificuldade em carga em joelho esquerdo tendo necessidade de utilizar apoio externa na marcha - uma canadiana;
[…]
− Fenómenos dolorosos: gonalgia à esquerda - em face medial de joelho e em região gemelar - está a tomar cálcio e a usa joelheira elástica à esquerda;
− Outras queixas a nível funcional: sem alterações
2. A nível situacional, compreendendo este nível a dificuldade ou impossibilidade de uma pessoa efetuar certos gestos necessários à sua participação na vida em sociedade, em consequência das sequelas orgânicas e funcionais e de fatores pessoais e do meio, refere:
− Atos da vida diária: sem alterações
− Vida afetiva, social e familiar: sem alterações;
− Vida profissional ou de formação: em situação de incapacidade temporária que continua a ser emitida pela médica de família e por indicação para continuação de baixa pelo SVIP
B. EXAME OBJECTIVO
1. Estado geral
[..]
O(a) Examinando(a) é dextro(a) e apresenta marcha claudicante, com recurso a ajudas técnicas - uma canadiana que usa à direita
2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento
O(A) examinando(a) apresenta as seguintes sequelas
[..]
− Membro inferior esquerdo: Joelho - à inspeção observa-se posição antálgica em flexo no joelho; dor ao toque em face medial (terço superior) em joelho com reflexo de fuga e ainda referência a irradiação da dor para a fossa poplítea e face posterior de terço superior de perna. Flexão possível até 90º - restante exame físico prejudicado pelas queixas intensas de dor referidas pelo examinado (a verificar em Perícia de especialidade de ortopedia que solicito).
[..]
C. EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO
Efectuaram-se os seguintes exames complementares de diagnóstico: Perícia de especialidade de Ortopedia que irá ser realizada nesta Delegação do Norte do INMLCF (17/03/2021) - (...) - O examinando terá sofrido uma entorse do joelho esquerdo em 1/6/2020, de que resultou gonalgia, encontrando-se mencionado no episódio de SU, fenómeno de bloqueio do joelho.
- O estudo imagiológico subsequente, é inicialmente sugestivo de osteocondrite dissecante do côndilo interno, em zona de carga, e ainda sinais de lesão aguda, com hipersinal, e edema, que deixam de ser patentes em RM de 27/10/2020.
- A osteocondrite dissecante é uma lesão, de origem desconhecida, habitualmente não associada a lesões de natureza traumática.
- Não há sinais evidentes de outras lesões, passíveis de deixar sequelas, nomeadamente meniscais ou ligamentares.
- Assim, entendemos como plausível, que do acidente mencionado, possa ter sido desencadeado a libertação de fragmento condral do côndilo femoral esquerdo, causando bloqueio articular, e o quadro subsequente, que no momento se afigura estabilizado.
- O seu estado atual, pode ser considerado análogo ao de sequelas de meniscectomia, e valorado com IPP de 3% (Cap. I 12.1.3 a)
DISCUSSÃO
1. Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal.
2. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25/06/2020, tendo em conta os seguintes aspetos: a data da alta clínica, o tipo de lesões resultantes e o tipo de tratamentos efectuados.
3. No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes:
− Os períodos da incapacidade temporária absoluta são os atribuídos pela companhia seguradora.
− A incapacidade permanente parcial resultante de acidente(s) anterior(es) é de 0.
4. A incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual, tendo em conta as sequelas atrás descritas e a consulta da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I, Dec. Lei no 352/07 de 23 de Outubro), é de 3%. A taxa atribuída tem em conta o(s) artigo(s) da Tabela referido(s) no quadro abaixo indicado.
[..]
CONCLUSÕES
− A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25/06/2020.
− Concorda com os períodos de ITA atribuídos.
−Incapacidade permanente parcial fixável em 3%.».
Não tendo havido acordo na tentativa de conciliação, em razão da Seguradora e a entidade empregadora discordarem da atribuição da IPP de 3%, por considerarem que o sinistrado se encontrava durado das lesões provocadas pelo acidente de trabalho, veio aquela primeira requerer exame por junta médica, juntando 3 quesitos.
É irrelevante trazer aqui o relatório de 11/06/2021, a que o sinistrado faz apelo, o qual foi elaborado pelo “Médico Especialista de Medicina Legal que acompanha o sinistrado, junto aos autos aquando da primeira perícia por junta médica”, dado que este participou em ambos os exames por junta médica e deixou expressa a sua posição nas respostas aos quesitos.
Nesse primeiro exame por junta médica, os Senhores peritos pronunciaram-se por maioria, ficando em minoria o Senhor perito médico indicado pelo sinistrado. Os quesitos e as respectivas respostas, são as que seguem:
-«1. Quais as sequelas que o sinistrado apresenta e que são consequência do acidente dos autos?
R. Neste momento as sequelas objetivadas não poderão ser atribuídas ao acidente em apreço. São decorrentes de doença natural ou prévia.
2. Originam tais sequelas alguma incapacidade permanente?
R. Respondido na questão anterior
3. Em caso de resposta afirmativa ao quesito anterior qual a I.P.P. a atribuir face à T.N.I?
R. Respondida na questão anterior
Por parte do médico do sinistrado, em resposta aos quesitos refere:
1. O sinistrado ainda se encontra em seguimento pelo Serviço de Ortopedia do CH 1... pela lesão condral resultante do acidente de 01/06/2020, ainda estando de baixa médica que teve início na data de alta da companhia de seguros. Se se considerasse a situação atual como permanente, teríamos dor no joelho, com limitação da mobilização do joelho a 110º, com atrofia da coxa de 2,5 cm.
2. É de esperar que resultem sequelas do presente acidente, mas ainda não se atingiu a consolidação médico-legal.
3. Seria de atribuir uma IPP de 6% pelo Cap. I 12.1.3 b), por analogia, se se considerasse a situação ao dia de hoje como permanente.».
Na sequência de requerimento apresentado pelo sinistrado, o Tribunal a quo proferiu a decisão seguinte:
Atenta a pertinência e o teor do requerimento do sinistrado que antecede e dos documentos aí juntos e perante o teor do auto da junta médica da especialidade de ortopedia realizada, onde não foi indicada pelos senhores peritos maioritários qual a doença natural ou prévia de onde decorreram as sequelas objetivadas nos autos e onde o senhor perito do sinistrado referiu que o mesmo ainda se encontra em seguimento pelo Serviço de Ortopedia do CH 1... pela lesão condral resultante do acidente de 01/06/2020, ainda estando de baixa médica que teve início na data de alta da companhia de seguros manifestando-se do exame objetivo realizados ao sinistrado a limitação da mobilização do seu joelho a 110.º, com atrofia da coxa de 2,5 cm, afigura-se relevante determinar a continuação da junta médica da especialidade de ortopedia a fim de poderem ser dadas respostas pelos senhores peritos aos quatro quesitos que se seguem, agora aditados pelo tribunal nos termos do disposto no art.º139º, nos 6 e 7 do CPT.
Assim sendo, nos termos do disposto no artº 139º, nos 6 e 7 do CPT determino continuação da junta médica da especialidade de Ortopedia, [..] a fim de os senhores peritos médicos responderem aos quatro quesitos seguintes, que nos termos dos já invocados normativos,
formulo oficiosamente:
[a seguir indicados com as respostas]».
Realizada a continuação do exame por junta médica, os Senhores peritos médicos responderam aos quesitos – que se transcrevem agora – nos termos seguintes:
-«[..]
1.º Quais foram as sequelas causadas ao sinistrado pelo acidente dos presentes autos? Tais sequelas apenas implicaram uma incapacidade temporária ou também uma IPP?
R. Admitimos agravamento transitório de patologia prévia pelo que as sequelas implicaram uma incapacidade temporária.
2.º As sequelas resultantes do presente acidente ainda não atingiram a sua consolidação médico-legal?
R. Já atingiram.
3.º Qual a data de consolidação médico legal de tais sequelas ou verificou-se a cura clínica de tais sequelas? Em que data?
R. Verificou-se a cura clínica a 25-06-2020.
4.º Qual a doença natural ou prévia de onde decorrem as sequelas que se objectivam nos autos e se objectivaram no exame médico já realizado ao sinistrado?
R. Lesão condral cuja etiologia desconhecemos.
Pelo Perito Médico do sinistrado foi escrito:
Apresenta um evento bem definido no tempo, com atendimento em serviço de urgência, com descrição de edema no joelho, com limitação na amplitude articular, conforme registo clínico do dia do acidente. A RM de 04/06/2020 demonstra a existência de edema medular ósseo na região subjacente à lesão condral, indicativo de lesão aguda, conforme descrito no UpToDate - “Focal subchondral edema is commonly associated with full thickness articular cartilage defect and is a marker of cartilage injury”.
A lesão apresenta-se na transição do terço médio para o terço posterior da superfície de carga do côndilo femoral interno (RM 27/10/2020). Também descrita resolução de edema na vertente posterior do côndilo femoral medial, mais provavelmente de natureza pós-contusional, indo novamente de encontro a origem traumática.
Na RM de 04/06/2020 não há registo de geodes, havendo descrição de esboço de geodes na RM de 27/10/2020, o que, mais uma vez, vai a favor de um evento agudo e não de patologia pré-existente. Inclusive, na RM de 20/10/2021, após a cirurgia realizada, está descrita a diminuição de formações quísticas subcondrais.
A hipótese diagnóstica de osteocondrite dissecante surgiu no relatório complementar de ortopedia do INMLCF, nunca aparecendo descrita nos registos clínicos do Hospital 1..., onde o sinistrado tem sido acompanhado desde a data de alta dos serviços clínicos da seguradora, nem nos serviços clínicos da seguradora nem nos relatórios de imagem. Nos registos das consultas do Hospital 1... está registado “Lesão osteocondral côndilo femoral interno”, o mesmo sucedendo-se no registo da seguradora de dia 05/06/2020 “Lesão osteocondral na zona de carga do côndilo femoral interno”.
Osteocondrite dissecante é tipicamente na face externa, intercondiliana, do côndilo femoral interno, com evolução insidiosa e prolongada no tempo, afetando, principalmente, adolescentes. Não havia queixas anteriormente ao acidente, como comprovado por relatório do médico de família.
Os dados etiológicos e epidemiológicos, nomeadamente a história de trauma, a ausência de queixas anteriormente ao evento e a idade do sinistrado, não apontam para a hipótese de osteocondrite dissecante, indo a favor de um traumatismo, do qual resultou uma lesão osteocondral aguda, conforme diagnosticado pelos serviços clínicos da seguradora e pelos ortopedistas do Hospital 1.... Assim, tem de ser admitido nexo de causalidade médico-legal entre o evento ocorrido a 01/06/2020 e o estado atual do joelho esquerdo do sinistrado.
Os restantes colegas consideram a pré-existência de dano, admitindo a existência de um “período de agravamento transitória” após um “entorse do joelho esquerdo”, ainda que após o acidente o sinistrado tenha necessitado de fisioterapia e cirurgia.
Em resposta aos quesitos:
1. Do acidente que ocorreu a 01/06/2020 resultou lesão osteocondral aguda no côndilo femoral interno, justificando incapacidade temporária e também permanente, face ao estado atual do examinando.
2. O sinistrado ainda continua a ser acompanhado em consultas de Ortopedia do Hospital 1... e a realizar tratamentos de fisioterapia, pelo que ainda não atingiu a consolidação médico-legal.
3. A data de consolidação médico-legal pode ser fixável a 22/11/2020, considerando os 18 meses desde a data do acidente, devendo considerar-se como permanente o seu estado atual, que é fixável em 3% pelo Cap. I 12.1.2 a), por analogia, devendo ser reavaliado após os tratamentos que ainda está a realizar.
4. Não há nenhum dado clínico que aponte para a existência de patologia prévia ao evento em apreço, situação comprovada através de declaração da sua médica de família».
Como se começou por referir, reportando-se a estes relatórios o recorrente argumenta que existem “nos autos quatro relatórios médicos de especialistas (e outros documentos clínicos) que fundamentam posição contrária à decidida pelo Tribunal a quo”. Ou seja, tal como expressa o argumento, sugere que todos estes relatórios apontarão em sentido diverso ao decidido pelo Tribunal a quo.
Pois bem, com o devido respeito, não é isso que decorre destes relatórios.
A divergência entre o exame pericial singular e a maioria dos peritos no exame por junta médica, verifica-se quanto à existência de IPP. No primeiro, foi entendido que o sinistrado ficou afectado por uma “Incapacidade permanente parcial fixável em 3%”; nos exames por junta médica, mormente no último, os Senhores peritos do Tribunal e da seguradora, diferentemente, referiram “Admitimos agravamento transitório de patologia prévia pelo que as sequelas implicaram uma incapacidade temporária”, pronunciando-se ainda no sentido das sequelas resultantes do acidente terem atingido a sua consolidação médico-legal – “Já atingiram”.
Em comum, quer no exame médico singular quer os senhores peritos maioritários que intervieram no exame por junta médica, entenderam que a cura clínica verificou-se a 25-06-2020.
O laudo singular acolheu, no essencial, o parecer da perícia médica da especialidade de ortopedia realizada em 17-03-2021, que é referida e transcrito no relatório. Refira-se, porém, que aquele parecer não afirma a data da cura clínica, apenas mencionando que “O estudo imagiológico subsequente, é inicialmente sugestivo de osteocondrite dissecante do côndilo interno, em zona de carga, e ainda sinais de lesão aguada, com hipersinal, e edema, que deixam de ser patentes em RM de 27/20/2020”.
De assinalar, ainda, que confrontando o laudo maioritário da junta médica e aquele exame pericial de ortopedia, constata-se que há pontos de convergência, designadamente quando neste se entendeu que as lesões inicialmente verificadas deixaram de se verificar, inexistindo sinais evidentes de outras leões, passíveis de deixar sequelas e, ainda, quanto à origem desconhecida da lesão verificada e de habitualmente não estar associada a lesões de natureza traumática.
A divergência mais ampla parte do Senhor Perito médico do sinistrado.
Salvo o devido respeito, deve assinalar-se que na continuação do exame por junta médico este Senhor perito extravasou claramente o que lhe foi solicitado. Cumpria-lhe tão só responder aos quesitos formulados pelo Senhor Juiz e fundamentar essas respostas, não se enquadrando nesse âmbito o que entendeu escrever, como se estivesse a fazer o seu relatório pessoal. Diga-se, porém, que esse “relatório” não tem o relevo que eventualmente considerou ter, ao qual faz agora apelo o recorrente.
Dito isto, que se impunha para repor o rigor das coisas, é indiscutível que a posição assumida pelo Senhor perito do Sinistrado nas respostas aos quesitos merece todo o respeito. Note-se, porém, que o seu laudo apenas converge com o exame médico singular, bem como com a perícia médica da especialidade de ortopedia que foi realizada no âmbito daquele, no que concerne à atribuição de uma IPP de 3%, e isto já na continuação da junta médica, pois na primeira pronunciou-se por uma IPP de 6%.
Sucede, que em contraponto temos uma posição maioritária e, contrariamente ao que veio defender o sinistrado, clara, objectiva e suficientemente fundamentada. De resto, foi justamente com o propósito de ficar habilitado a decidir que o Senhor Juiz entendeu, e bem, fazer uso do poder /dever afirmado no art.º 139.º n.º6, do CPT, formulando quesitos complementares e determinando que o exame por junta médica prosseguisse para resposta aos mesmos.
Mais, não é despiciendo sublinhar que o Senhor Juiz antes de formular os quesitos cuidou de deixar bem explicadas as razões que o levaram a assim proceder. Significa isto, que os senhores peritos estavam bem cientes da questão fulcral que se colocava e explicava a formulação daqueles quesitos.
Remetendo-se para o que deixámos enunciado, o exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação relativamente a factos para os quais o Juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos. São os peritos médicos que dispõem desse conhecimento especializado, por isso cabendo-lhe emitirem “o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”.
Cremos que o laudo maioritário, mormente a partir das respostas aos quesitos formuladas oficiosamente pelo Senhor Juiz, é claro, objectivo e está suficientemente fundamentado, reunindo as condições necessárias para habilitar o Senhor Juiz a decidir na sua livre convicção, em matéria com natureza eminentemente do campo da ciência médica.
Não vimos, pois, que haja fundamento para o recorrente sustentar que o Senhor Juiz deveria ter desconsiderado o laudo maioritário, para dar primazia ao laudo do seu perito médico.
Concluindo, improcede o recurso.
III. DECISÃO
- Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando-se a sentença.
- Custas do recurso a cargo do recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).

Porto, 17 de Abril de 2023
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes