Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1347/07.0TAPFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MOTA RIBEIRO
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA
CONDIÇÃO
SITUAÇÃO ECONÓMICA
VIOLAÇÃO GROSSEIRA
Nº do Documento: RP201806271347/07.0TAPFR-A.P1
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 764, FLS 240-247)
Área Temática: .
Sumário: Se alega insuficiência económica, mas o arguido mantém oculta capciosamente uma situação económica que lhe permite satisfazer a condição imposta de pagar a indemnização ao ofendido, deve ser revogada a suspensão da pena, por violação grosseira de tal dever.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1347/07.0TAPFR-A.P1 – 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO
O arguido B..., após realização da audiência de julgamento, no Proc.º nº 1347/07.0TAPFR, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Paredes, Círculo Judicial, atualmente Juízo Central Criminal de Penafiel, Juiz 2, Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, foi condenado, por acórdão de 25/11/2010:
- Pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma consumada, previsto à data da prática dos factos no disposto no art.º 256º, nº 1, al. a) e c), e atualmente previsto e punido pelo art.º 256º, nº 1, al. c) e e), do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; - Pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma consumada, previsto à data da prática dos factos no disposto no art.º 256º, nº 1, al. a) e c), e nº 3, atualmente previsto e punido pelo art.º 256º, nº 1, al. c) e e), e nº 3, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão;
- Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi o mesmo arguido condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão;
- Determinando-se ainda a suspensão da execução da pena de prisão aplicada pelo período igual ao da respetiva duração (2 anos e 6 meses), subordinando-se tal suspensão à obrigação de o arguido, no prazo de seis meses, pagar ao demandante cível, C.... o valor de € 807,23, a título de danos patrimoniais sofridos, acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento, assim como o valor de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do acórdão até integral pagamento.
1.2. Por decisão proferida a 09/02/2018, ao abrigo do disposto no art.º 56º, nº 1, al. a) e b), e nº 2, do Código Penal, foi revogada a suspensão da execução da pena de 2 anos e 6 meses de prisão aplicada ao arguido e determinado o seu cumprimento.
1.3. Desta decisão interpôs o arguido recurso, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões:
“1. O Arguido vinha acusado pela prática, em autoria material, de dois crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo art.º 256º, nº 1, alíneas c), d) e e), do Código Penal.
2. Efetuada com regularidade a Audiência de Discussão e Julgamento, foi julgada procedente por provada a acusação e, em consequência, foi o aqui Recorrente, condenado pela prática de dois crimes de falsificação de documento, vertida em cúmulo jurídico, na pena de 2 anos e 6 meses de pena de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, subordinada à obrigação do Arguido, no prazo de seis meses, proceder ao pagamento ao Demandante Civil do montante indemnizatório a que fora condenado.
3. Posteriormente, a fls... veio o Demandante Civil alegar que o Recorrente não havia pago a indemnização, pelo que, "deveria cumprir a pena a que foi condenado".
4. Em Requerimento junto a fls. o Arguido exprimiu a sua total surpresa por tal alegação, e sustentou que havia pago ao Demandante Civil, seu "meio-irmão", a quantia de 1.200,00€, tendo o restante (607,23€) sido perdoado pelo segundo.
5. Ouvido o Arguido, o Demandante Civil e a Testemunha arrolada pelo primeiro, foi considerado pelo Tribunal a quo, em despacho proferido a fls..., que o Arguido cumpriu a obrigação de entregar 1.200,00€ ao Demandante Civil, mas não a quantia remanescente, no valor de 607,23€,
6. Pelo que, no prazo de 7 meses, deveria entregar o citado montante "sob pena de se considerar incumprido condição, com a inerente ponderação de cumprimento de pena de prisão efetiva."
7. Sem prejuízo de sempre defender que o Demandante Civil lhe não havia exigido o pagamento da quantia remanescente, por lho ter perdoado, em Requerimento junto aos autos a fls..., o decorrente alegou a sua incapacidade económica para não ter cumprido o mencionado remanescente da condição de suspensão, e pugnou para que fosse considerado não culposo o incumprimento da mesma.
CONTUDO,
8. O Tribunal a quo no despacho em crise, defende que o Recorrente "confrontado com a impossibilidade de viver apenas com 40,00€, "tanto mais que apresenta encargos fixos mensais com gastos domésticos e medicação, não presta qualquer informação que ajude no esclarecimento da sua real situação financeira."
9. Mais, é mencionado que "sabemos que o arguido circula num carro de marca Mercedes de matrícula espanhola e numa carrinha Skoda".
10. Considerando, ainda, que o Recorrente 'foi julgado e condenado por factos praticados após o trânsito em julgado da decisão proferida nos presentes autos, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão e pela prática de um crime de detenção de arma proibida"
PELO QUE,
11.O Tribunal a quo concluiu encontrarem-se preenchidos, no caso em concreto, todos os requisitos impostos legalmente para que se proceda à revogação da suspensão da execução da pena de prisão imposta ao Recorrente, o que veio a decidir.
12. Devendo, em consequência o Recorrente cumprir a pena de 2 anos e 6 meses de pena de prisão a que foi condenado.
13. Ora, salvo melhor opinião, somos a considerar, desde logo, que a circunstância do Recorrente, eventualmente, circular com um veículo automóvel seja factualidade a ponderar para retirar as consequências legais aqui em crise.
14. Ou seja, que o circular com um qualquer veículo seja considerada conduta culposa do Recorrente, seja pela natureza (violação grosseira) seja pela reiteração (atitude geral de descuido e leviandade prolongada no tempo).
15. Igual se defende quanto ao que o Tribunal a quo considera que o Recorrente "não presta qualquer informação que ajude no esclarecimento da sua real situação financeira."
16. De facto, o Recorrente prestou esclarecimentos, em sede de inquirição e para efeitos de elaboração do Relatório Social, no sentido de que as despesas que tem são suportadas por si, numa exímia parte, e o restante através de ajudas de familiares.
17. O Recorrente mantêm uma interação social ajustada.
18. Ficou provado que o Recorrente, designadamente, pelo constante no Relatório junto a fls. 1182 e sgts., vive com o seu cônjuge, ambos doentes, numa moradia unifamiliar que construiu e que, decorrente de problemas económico-financeiros que enfrentou a partir de 2007, foi aquele imóvel alvo de penhora e comprado por um dos seus filhos.
19. Vive com a sua mulher, a título de empréstimo, no dito imóvel, no entanto, em breve irá ter de o abandonar, uma vez correm inúmeros processos de execução contra o seu filho (atual proprietário), face a avultadas dívidas, com penhora do dito prédio.
20. Não possui quaisquer bens.
21. O Recorrente declarou quando ouvido em Tribunal e confirmado com o descrito no Relatório Social descrito, ter como único rendimento o valor de 40,00€.
22. Não obstante o Recorrente sempre defender que o Demandante Civil lhe perdoou o pagamento do remanescente acima referido, até à presente data, o Recorrente tudo tem feito para cumprir a obrigação imposta.
23. No entanto, não conseguiu entregar ao Demandante a quantia supra referida, face à situação de incapacidade económica em que se encontra.
24. O Recorrente sobrevive com as parcas ajudas de amigos, os quais o vão acudindo nas necessidades imediatas de sobrevivência do seu agregado familiar.
25. A acrescer à sua frágil situação económica, tem o Recorrente graves problemas de saúde, mormente, coluna e cardíacos, os quais o limitam na vida quotidiana, designadamente, o impedem de exercer uma atividade profissional.
26. A agravar ao quadro clínico supra, a 15 de agosto de 2016, o Recorrente sofreu um grave acidente de viação, que lhe causou lesões profundas, as quais pioraram os seus problemas de coluna, tornando a sua qualidade de vida quase inexistente, com fortes dores constantes.
27. O Recorrente apenas se consegue movimentar com muita dificuldade e é-lhe, extremamente, penoso, não conseguindo estar muito tempo numa mesma posição.
28. Sem prejuízo da já avançada idade do Recorrente, foi-lhe diagnosticada, recentemente, doença de Alzheimer.
29. A sua mulher tem, igualmente, uma saúde muito débil, com artrose, diabetes, problemas de coluna e outras doenças, tendo, inclusivamente, sido submetida a uma intervenção cirúrgica em junho de 2016, a fim de lhe serem retirados quistos das mãos.
30. O Recorrente pretende cumprir a condição imposta e tudo tem feito para a concretizar, no entanto, não tem quaisquer meios económicos ou outros a que se socorrer.
Reitera-se que o incumprimento da condição imposta para suspensão da execução da pena de prisão é resultado da incapacidade económica do Recorrente (ausência de rendimentos) -, não de comportamento culposo do daquele, ou seja, de que não cumpriu porque não quis.
Pelo que, não se encontram preenchidos os requisitos para, in casu, ser declarada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Recorrente.”
1.4 – O recurso foi admitido por despacho de 21/03/2018.
1.5. – O Ministério Público respondeu ao recurso, de fls. 213 a 222 destes autos (fls. 1215 a 1224 dos autos principais), concluindo pela sua improcedência, nos seguintes termos:
“1. O arguido foi condenado numa pena de prisão, suspensa na sua execução, com a condição de pagar uma indemnização ao demandante cível.
2. Considerada cumprida uma parte da condição de suspensão, permaneceu esta subordinada ao pagamento da quantia remanescente de € 607,00 ao demandante cível.
3. No período de suspensão da execução da pena o arguido tem registado em seu favor um veículo que foi vendido por € 700,00.
4. O arguido não logrou afastar a presunção iuris tantum de propriedade do veículo, que o seu registo comporta, nos termos do art.º 7º do Código do Registo Predial, aplicável ex vi art.º 29° do DL n.° 54/75, de 12 de fevereiro, ainda para mais face à confessada posse do mesmo.
5. Pelo menos até 12 de setembro de 2016 o arguido dispôs de quantia suficiente para o pagamento do remanescente da indemnização a que sabia estar obrigado, e que sabia que o seu não cumprimento poderia determinar a revogação da suspensão. Optou por não o fazer, canalizando recursos para fim diverso.
6. O arguido não prestou qualquer informação, que ajude no esclarecimento da sua situação financeira, escudando-se numa vaga "ajuda de amigos", que não identifica e cujos valores não menciona.
7. O arguido foi visto circular num automóvel de marca Mercedes, de matrícula espanhola e numa carrinha Skoda, sendo que não logrou esclarecer de que forma suportaria os encargos e custos inerentes à circulação de tais veículos, com um rendimento declarado de € 40,00 mensais.
8. O arguido foi alvo de uma condenação penal por factos praticados no decurso do período de suspensão da execução da pena dos presentes autos.
9. Foi o arguido condenado pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, cujo objeto se aproxima do bem jurídico tutelado pelo crime de falsificação, pelo qual foi condenado nos presentes autos.
10. Em ambos os crimes o agente cria um estado de engano - sobre determinados factos constantes de documentos (como no caso ou dos autos), ou sobre a suficiência de saldo ou regularidade do saque.
11. O arguido não logrou infirmar o juízo de que o incumprimento não se deveu a uma alegada insuficiência económica, mas antes a uma atitude voluntária de não querer cumprir.
12. A situação de saúde do arguido bem como da sua esposa (apesar de não demonstrada, por qualquer forma, nos autos), não é de molde a justificar nem o incumprimento, culposo, da condição de suspensão, nem, tão pouco o crime pelo qual foi condenado no decurso do período de suspensão, que, concluímos, pelas razões expostas demonstram cabalmente que as finalidades inerentes à suspensão não foram atingidas.”
1.6. A Sra. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu o parecer de fls. 227 e 228, concluindo pela improcedência do recurso.
1.7. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
1.8. Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo arguido e os poderes de cognição deste tribunal, a questão a decidir consiste fundamentalmente em apurar se no caso dos autos ocorrem ou não os requisitos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Factos a considerar
2.1.1. Nos presentes autos, por acórdão proferido a 25/11/2010, transitado em julgado a 10/01/2011, foi o recorrente condenado, pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma consumada, previsto e punido à data da prática dos factos pelo art.º 256º, nº 1, al. a) e c), atualmente previsto e punido pelo art.º 256º, nº 1, al. c) e e), do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão;
2.1.2. Na mesma decisão foi ainda condenado, pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma consumada, previsto à data da prática dos factos pelo art.º 256º, nº 1, al. a) e c), e nº 3, atualmente previsto e punido pelo art.º 256º, nº 1, al. c) e e), e nº 3, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão;
2.1.3. Em cúmulo jurídico, foi o mesmo arguido condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 6 meses, na condição de, no prazo de seis meses, pagar ao demandante cível, C... o valor de € 807,23, a título de danos patrimoniais sofridos, acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento, assim como o valor de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do acórdão até integral pagamento;
2.1.4. Em tal decisão, para sustentar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, foi considerado o seguinte:
Todavia, atendendo à data da prática dos factos, ao valor do prejuízo causado e à sua condição económica e pessoal, o Tribunal acredita que a simples censura do facto ínsita no presente acórdão e a sua ameaça da pena de prisão são suficientes para que o arguido se consciencialize e interiorize a antijuridicidade da sua conduta e a necessidade de se abster da prática de condutas do mesmo tipo para o futuro, assim realizando de forma adequada e suficiente as finalidade da punição – art.º 50º, nºs 1 e 4 do CP.
Nos termos do art.º 50º, nº 5, atual redação, do Código Penal, o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.
Opta-se, então, por suspender a execução da pena de dois anos e seis meses de prisão aplicada ao arguido por igual período.
Em conformidade com o disposto nos art.ºs 50º, nº 2, e 51º, nº 1, al. a), do C. Penal, subordina-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido à obrigação de o mesmo, no prazo de seis meses, pagar ao lesado, o montante indemnizatório a que foi condenado nos presentes autos.”
2.1.5. Do relatório social junto aos autos resulta o seguinte: “não mostra preocupação com as consequências inerentes à sua situação jurídico-penal, que não antecipou durante o período de suspensão, referindo-nos que pagou ao lesado – seu irmão – a quantia de € 1.200,00 e que o restante lhe foi perdoado pelo mesmo.
Perante a situação atual, refere estar disponível para negociar com o irmão uma forma de pagamento, como forma de evitar o cumprimento da pena de prisão.
B..., tanto quanto conseguimos apurar já sofreu de dezanove condenações, algumas delas em pena de multa, que apresentou dificuldades em pagar, recorrendo à substituição por trabalho a favor da comunidade, tendo no presente duas em curso neste Serviço.”
2.1.5. Após audição pessoal do recorrente foram realizadas várias diligências, no sentido de apurar a sua situação sócio-económica.
2.1.6. Na decisão recorrida, no tocante à factualidade indiciada nos autos, de relevante para a decisão do mérito do recurso, foi considerado o seguinte:
“Da análise dos autos resulta que, pelo menos a 09.12.2016 se encontrava registado em nome do arguido um veículo automóvel de marca Renault com a matrícula ..-..-LG (cfr. fls. 1108). Confrontado com essa realidade, o arguido refere que foi o seu filho quem o comprou, pedindo-lhe que ficasse em seu nome, embora esclareça que, quando tal aconteceu, o carro foi direto para sua casa (do arguido) e foi o mesmo quem andou com ele até o motor "rebentar", poucos dias depois.
Do relatório junto a fls. 1182 e seguintes, resulta que o arguido vive com o seu cônjuge, ambos doentes, numa moradia unifamiliar que construiu e que, decorrente dos problemas económico-financeiros que enfrentou a partir de 2007, foi alvo de penhora e comprada por um dos seus filhos.
O arguido, ouvido em tribunal e de acordo com o descrito no relatório social, tem como único rendimento o valor de € 40,00. Confrontado com a impossibilidade de viver apenas com este montante, tanto mais que apresenta encargos fixos mensais com gastos domésticos e medicação, não presta qualquer informação que ajude no esclarecimento da sua real situação financeira. Mais sabemos que o arguido circula num carro de marca Mercedes de matrícula espanhola e numa carrinha Skoda.
Importa ainda realçar os vastíssimos antecedentes criminais do arguido, maioritariamente por crimes de emissão de cheques sem provisão, mas igualmente por desobediência, descaminho, subtração de documento, corrupção, ameaça, injurias, burla (CRC de fls. 1153 a 1179 verso), bem como o facto de o arguido ter sido julgado e condenado por factos praticados após o trânsito em julgado da decisão proferida nos presentes autos, nomeadamente pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão (por factos datados de 26.12.2014 - processo 19/15.7GDAVR) e pela prática de um crime de detenção de arma proibida (por factos datados de 29.09.2015 - processo 467/15.2GEGMR).”
2.2.2. Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos
Nos termos do disposto no art.º 56º, nº 1, al. a) e b), do CP, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, bem como ainda se cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Comecemos desde já por considerar que a hipótese normativa, bem clara na lei, no tocante ao período relevante para o cometimento do novo crime, enquanto fundamento da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, resulta reforçado pela norma do art.º 495º, nº 3, do CPP, ao dizer que “A condenação pela prática de qualquer crime cometido durante o período de suspensão é imediatamente comunicada ao tribunal competente para a execução.”
Ou seja, relevante para efeitos de sabermos se há ou não um novo crime que possa servir de fundamento à revogação da suspensão da execução da pena de prisão, é antes de mais apurar se, havendo-o, o mesmo foi cometido no período de suspensão da execução da pena de prisão.
Ora, no caso dos autos, compulsado o certificado do registo criminal, junto de fls. 161 a 187, somos levados a concluir que nenhum dos crimes aí referidos foi cometido no período de duração da suspensão da execução da pena de prisão, isto é, e tendo o acórdão condenatório transitado em julgado a 10/01/2011, sendo o período de suspensão de 2 anos e 6 meses, o crime-fundamento da revogação teria de ter sido cometido entre aquela data e a data de 10/07/2013. O que não aconteceu no caso dos autos, sendo que os crimes posteriormente cometidos, objeto dos processos referidos na decisão recorrida (processos nº 19/15.7GDAVR e nº 467/15.2GEGMR) foram praticados, respetivamente, a 26.12.2014 e a 29.09.2015. Sendo certo ainda que nos presentes autos não foi em algum momento prorrogado o período de suspensão da execução da pena de prisão inicialmente determinado, como seria possível à luz do art.º 55º, al. d), do CP.
Assim sendo, iremos centrar agora a nossa atenção na possibilidade de revogação da pena de prisão aplicada com fundamento no incumprimento da obrigação fixada como condição de tal suspensão.
Recordemos, naquilo que interessa, que o art.º 56º, nº 1, al. a), do CP, determina que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.
Violação grosseira será toda e qualquer violação que possa evidenciar-se como qualificada, qualitativamente denotativa da dimensão do incumprimento do dever ou obrigação impostos, no sentido de se considerar que tal violação se assume como grave na própria amplitude e determinação com que, na sua essência, deixou de ser cumprida a obrigação imposta, e não, portanto, quando se traduz num mero incumprimento parcial de uma tal obrigação ou, tratando-se de uma obrigação de execução continuada, que tal incumprimento se verificou apenas em algumas vezes contadas, em comparação com outras em que a mesma foi sendo cumprida.
No caso dos autos, o arguido viu suspensa a execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, de 2 anos e 6 meses de prisão, pelo período de 2 anos e 6 meses, na condição de pagar ao demandante cível o montante indemnizatório fixado na sentença, no valor global de € 1.807,23, no prazo de 6 meses, sendo que tal sentença condenatória transitou em julgado a 10/01/2011. Razão por que a indemnização deveria ter sido paga até 10 de julho de 2011.
Após dissenso entre o demandante cível e o arguido, quanto ao que este havia ou não já pago ao primeiro, o Tribunal a quo, por decisão de 01 de fevereiro de 2016, declarou cumprida parte da obrigação, no montante de € 1.200,00, considerando em dívida o valor de € 607,23, aí se determinando ainda que o arguido, no prazo de sete meses, juntasse aos autos comprovativo, assinado pelo ofendido, da entrega daquele valor, sob pena de se considerar incumprida a condição, com a inerente ponderação do cumprimento de pena de prisão efetiva.
Decorrido tal prazo, o arguido não procedeu ao pagamento do valor em falta, alegando a sua incapacidade económica para o fazer.
Recordemos os factos que o Tribunal recorrido assinalou na decisão agora posta em crise:
- Pelo menos a 09.12.2016 encontrava-se registado em nome do arguido um veículo automóvel de marca Renault com a matrícula ..-..-LG;
- Confrontado com essa realidade, o arguido refere que foi o seu filho quem o comprou, pedindo-lhe que ficasse em seu nome, embora esclareça que, quando tal aconteceu, o carro foi direto para sua casa (do arguido) e foi o mesmo quem andou com ele até o motor "rebentar", poucos dias depois.
- Do relatório junto a fls. 1182 e seguintes, resulta que o arguido vive com o seu cônjuge, ambos doentes, numa moradia unifamiliar que construiu e que, decorrente dos problemas económico-financeiros que enfrentou a partir de 2007, foi alvo de penhora e comprada por um dos seus filhos.
- O arguido, ouvido em tribunal e de acordo com o descrito no relatório social, tem como único rendimento o valor de € 40,00.
- Confrontado com a impossibilidade de viver apenas com este montante, tanto mais que apresenta encargos fixos mensais com gastos domésticos e medicação, não presta qualquer informação que ajude no esclarecimento da sua real situação financeira.
- Mais sabemos que o arguido circula num carro de marca Mercedes de matrícula espanhola e numa carrinha Skoda.
Parece claro que dos factos enunciados supra se pode concluir da inverosimilhança da situação sócio-económica do recorrente, nos termos em que a quis fazer transmitir ao Tribunal. Note-se o que resulta sublinhado no relatório social, junto aos autos, e em especial a fls. 189 (1183 dos autos principais), isto é, que a referência ao único rendimento mensal no valor de € 40,00 é feita pelo próprio recorrente, sendo que confrontado com a impossibilidade de viver apenas com este montante, tanto mais que apresenta encargos fixos mensais com os gastos domésticos e medicação, não presta qualquer informação que ajude no esclarecimento da sua real situação financeira. Além disso, transmite sinais exteriores contraditórios com essa alegada situação financeira deficitária ou de inatividade, nomeadamente circular num carro de marca mercedes de matrícula espanhola e numa carrinha skoda. A tais factos acresce a circunstância de se ter declarado aberto para negociar com o demandante cível uma forma de pagamento, tendo em vista evitar o cumprimento da pena de prisão, como resulta do relatório social, com data de 29/01/2018, mas sem que seriamente o tivesse feito. Aliás, o facto de resultar do relatório social que o arguido se encontra “formalmente” inativo desde 2007, mas mesmo assim tem mantido com relativa regularidade atividade na compra e transporte de madeira entre Portugal e Espanha, ramo de negócio a que se dedicava e ainda dedica o seu filho, a par de condenações já ocorridas por emissão de cheques sem provisão, por factos praticados em 02/3/2008, 14/03/2008 e 26/12/2014, para não falar da panóplia de condenações anteriores, nomeadamente durante o ano de 2007, pela prática do mesmo crime, como meridianamente resulta do certificado de registo criminal junto aos autos, a par dos factos já acima enunciados, cabendo realçar a implausível justificação que deu para o facto de o veículo Renault se encontrar registado em seu nome, a 12/09/2016 (doc. de fls. 139), mas afinal ser tal veículo de seu filho, ademais a circunstância de os vizinhos só recentemente não o terem visto a conduzir um camião[1], desconhecendo os mesmos vizinhos qual o estilo de vida do recorrente, dado este não manter no local de residência (como é sublinhado no relatório social junto aos autos) relações de proximidade, somos levados a concluir que o arguido mantém capciosamente oculta uma situação económico-financeira, no interesse próprio, e designadamente para assim persistir numa aparente justificação tendo em vista o não pagamento do montante em dívida ao demandante cível, sendo certo que, fosse verdadeira a situação financeira que pretende aparentar, não vemos como, mesmo assim, houvesse procedido ao pagamento da quantia de € 1.200,00 ao demandante cível, em data anterior a 05 de junho de 2014 (data em que veio ao processo declarar que havia entregue esse montante), e não pudesse pagar uma quantia inferior a essa, ainda que em prestações que denotassem a intenção de a pagar.
Razão por que se nos afigura que o incumprimento foi deliberado, reiterado e grosseiramente culposo, nos termos e para os efeitos do 56º, nº 1, al. a), do CP.
Pelo que deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
2.3. Responsabilidade pelo pagamento de custas
Uma vez que o recorrente decaiu totalmente no recurso que interpôs é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua atividade deu lugar (artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal).
Nos termos do disposto nos art.º 8º, nº 9, Regulamento das Custas Processuais e a Tabela III a ele anexa, a taxa de justiça varia entre 3 a 6 UC, devendo ser fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela iii.
Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 4 ½ UC.
3. DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª secção deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente B....
b) Condenar o recorrente no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 4 ½ UC.
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Porto, 27/06/2018
Francisco Mota Ribeiro
Elsa Paixão
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[1] Note-se, como resulta de fls. 99 dos autos (1016 dos autos principais), que a testemunha D..., quando ouvida pelo Tribunal (audição que resulta de fls. 41 ter ocorrido a 18/06/2015), declarou “conhecer o arguido por ser pai do seu patrão e que de vez em quando, quando não havia trabalho, fazia uns trabalhos de motorista para ele, que tinha um camião, à parte do filho, a pedido do arguido, entregando lenhas” e ainda que “na altura o arguido trabalhava e que ainda tinha um camião, que até se encontrava no estaleiro do filho (a fazer manutenção, talvez).”