Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
596/14.0T8VFR.10.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: REVISÃO DE PENSÃO
LEI APLICÁVEL
IPATH
SUBSIDIO POR SITUAÇÃO E ELEVADO GRAU DE INCAPACIDADE
CÁLCULO DA PENSÃO
PENSÃO ANTERIORMENTE
Nº do Documento: RP20181011596/14.0T8VFR.10.P1
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º283, FLS.306-315)
Área Temática: .
Sumário: I - O regime de reparação de acidentes de trabalho constante da Lei 100/97 apenas é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos a partir de 01.01.2000 [data da sua entrada em vigor], sendo que aos acidentes ocorridos em data anterior será aplicável a Lei 2127, regulamentada pelo Dec. 360/71, sendo esta, também, a aplicável à revisão da pensão decorrente de acidente de trabalho ocorrido em data anterior a 01.01.2000, ainda que a revisão seja determinada por alteração do estado clínico do sinistrado (proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria) ocorrida em data posterior à entrada em vigor da Lei 100/97, o mesmo se dizendo relativamente à Lei 98/2009, que é apenas aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos em data posterior à sua entrada em vigor.
II - Em consequência do referido em I, o subsídio por situação de elevada incapacidade, que apenas foi instituído com a Lei 100/97 (art. 23º), não é devido a sinistrado cujo acidente de trabalho tenha ocorrido em data anterior à sua entrada em vigor, ainda que a revisão da pensão, determinante da IPATH, seja posterior.
III - Ao cálculo da pensão por acidente de trabalho ocorrido no âmbito da Lei 2127, mas cuja revisão haja ocorrido no âmbito do regime de reparação posterior àquela, é, nos termos do referido em I, aplicável o disposto no art. 50º do Dec. 360/71.
IV - Como se diz no Acórdão desta Relação de 07.03.2005, in www.dgsi.pt, Proc. 0416936, se a «pensão revista» deve ser calculada, como deve, do mesmo modo que a pensão inicial, então a sua actualização deve ser feita como se a «nova pensão» estivesse a ser fixada desde o início, não obstante a mesma só ser devida desde a data da sua alteração.
V - Tendo sido atribuída ao sinistrado uma pensão obrigatoriamente remível que venha, no âmbito de incidente de revisão, a ser aumentada, a pensão devida ao sinistrado deve corresponder à diferença entre o valor da pensão correspondente à incapacidade que resulta da revisão e o valor da pensão inicial remível.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 596/14.0T8VFR.10.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1078)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
Na presente ação emergente de acidente de trabalho, em que é A. B…, com mandatária judicial constituída, e Ré, C… – Companhia de Seguros, SA, participado, aos 25.08.2000, acidente de trabalho por aquele sofrido aos 09.03.1999, frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo e realizado exame por junta médica, por sentença proferida aos 26.01.2001, transitada em julgado, foi àquele fixada Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH) com uma IPP de 25,92% para o exercício de outra profissão e a pensão anual e vitalícia, actualizável, de 569.882$00, devida desde 11.08.2000 [conforme sentença de fls. 30/30 vº], pensão essa que foi posteriormente actualizada [para os montantes anuais de: €3.061,81, com efeitos desde 01.12.2001, Portaria 1323-B/2001, de 30.11- fls. 39; €3.123,04, com efeitos desde 01.12.2002, Portaria 1514/2002, de 17.12- fls. 41; €3.201,12, com efeitos desde 01.12.2003, Portaria 1362/2003, de 15.12 - fls. 44; €3.274,75, com efeitos desde 01.12.2004, Portaria 1475/2004, 21.12 - fls. 48; €3.350,07, com efeitos desde 01.12.2005, Portaria 1316/2005, de 22.12 - fls. 53; €3.453,92, com efeitos desde 01.12.2006, Portaria 1357-A/2006, de 30.11- fls. 57; €3.536,82, com efeitos desde 01.01.2008, Portaria 74/2008, 24.01- fls. 62; €3.639,38, com efeitos desde 01.01.2009, Portaria 166/2009, de 16.02 - fls. 66; €3.684,87, com efeitos desde 01.01.2010- fls. 69; €3.729,09, com efeitos desde 01.01.2011, Portaria 115/2011, 24.03 – fls. 99; €3.863,34, com efeitos desde 01.01.2012, Portaria 122/2012, 03.05- fls. 133].

Na sequência de incidente de revisão requerido pelo sinistrado aos 18.10.2010 (fls. 72), foi, por decisão de 27.02.2014 (fls. 193/193 vº), fixada ao A. a IPP de 29,105%, sem IPATH, e condenada a Ré a pagar ao A., com efeitos a partir de 18.10.2010, o capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia de €1.138,18.
A Ré Seguradora requereu a rectificação do cálculo da mencionada pensão por ao acidente ser aplicável a Lei 2127 e não a Lei 100/97 (fls. 194/195) e o A. recorreu da mencionada decisão por não atribuição da IPATH (fls. 197 e segs). Por decisão desta Relação de 20.10.2014 (cfr. fls. 236 e 247) foi entendido que a forma de recurso adequada era o agravo, sendo de 10 dias o prazo para a sua interposição, e, assim, ser o recurso interposto pelo A. extemporâneo, pelo que não foi o mesmo admitido.

Aos 20.07.2015 o A., alegando ter sofrido, após a data da alta médica, novo acidente de trabalho, do qual tem vindo a ser tratado pela Ré que, entretanto, lhe deu alta médica, veio requerer que “seja reaberto o processo nos termos dos Arts. 147º e 145º do CPT” (fls. 283).
A Ré pronunciou-se no sentido de que o A, por recaída, recebeu os necessários tratamentos, tendo-lhe sido atribuídos os períodos de incapacidades temporárias e juntando documentos comprovativos dos pagamentos das indemnizações correspondentes a tais incapacidades.
Notificado o A. para se pronunciar, veio o mesmo referir não por em causa o tratamento prestado, apenas pretendendo “uma nova avaliação do seu estado e da sua incapacidade” entendendo ter havido agravamento do seu estado clínico.
Realizado exame singular e requerido exame por junta médica, entendeu a junta médica que o sinistrado se encontra afectado de IPATH com a IPP de 35,62% para o exercício de outra profissão (fls. 395/396), na sequência do que, aos 21.03.2018, foi proferida a seguinte decisão:
“(…)
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Assim sendo, levando em conta os factos em que as partes acordaram na tentativa de conciliação, o estatuído nos artigos 1º, 2º, 6º, 10º, 17º, nº 1, al. b), 23º e 26º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, 41º, nº 1, 43º, nº 1, 51º, nº 1 e 2 do DL nº 143/99, de 30/4 e nº 2 do artigo 138º do Código de Processo do Trabalho, decide-se que o autor se encontra, por efeito do acidente dos autos, afectado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, com I.P.P. de 35,62%, e condena-se a Ré a pagar-lhe, para além da quantia de 30 euros relativa a despesas de transporte:
1. A quantia de €4.890,75, a título de subsídio por situação de elevada incapacidade, com início de vencimento em 20/07/2015, dia de apresentação do pedido de revisão, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde aquela data, até efectivo e integral pagamento.
2. A pensão anual e vitalícia de €3.198,72, devida desde 20/07/2015 (data do pedido da revisão), deduzida dos valores entretanto pagos pela R. Seguradora.
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Inconformada, veio a Ré apelar da referida decisão
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O Recorrido contra-alegou
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O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que assiste razão à Recorrente “pois tendo o acidente ocorrido antes da entrada em vigor da Lei 100/97 a sua reparação obedece ao disposto na Lei 2127 e decreto 360/70, o mesmo acontecendo com a reparação decorrente do agravamento da incapacidade”, parecer sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.
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Admitido, pela ora relatora, o recurso (com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo – arts. 84º, nº 1, al. g) e 83º, nº 4, do CPT/2000 - despacho de fls. 436) e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Matéria de facto assente
1. Tem-se como assente o que consta do precedente relatório e, bem assim, o seguinte:
2. O A. foi vítima de acidente de trabalho ocorrido aos 09.03.1999.
3. À data do referido acidente o A. auferia a retribuição anual de 1.120.000$00.
4. Na sentença de fls. 30/31vº, proferida aos 26.01.2001 consta, para além do mais, o seguinte:
“(…)
O sinistrado tem, pois, direito a ser indemnizado dos danos emergentes do acidente que sofreu – Bases I, II e V da Lei 2127, de 2/3/65 -, isto é, tem direito às prestações referidas nas Bases IX e XIV dessa Lei.
A pensão deve ser calculada nos termos das Bases XVI, XXIII, XXIV e arts. 49º, 50 e 51 do Decreto 360/71, de 21/8.
Para além disso tem-se ainda em consideração que “deve ser fixada nos termos da al. b) e não da alínea c) do nº 1 da Base XVI, a pensão devida a um trabalhador que, em consequência de acidente de trabalho, sofreu uma desvalorização de 0.525, mas para a sua profissão ficou permanente e absolutamente incapacitado (ac. do STA de 2/12/75, AD 169/121, citado por Cruz de Carvalho, Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais, Petrony, 2ª edição, 1983, pág. 97, no mesmo sentido veja-se ainda Vítor Ribeiro, acidentes de Trabalho, Rei dos Livros, Jan 84, págs. 317/318).
Pelo que a pensão deve ser fixada entre: ½ e 2/3 da retribuição base, isto é: 1.049.120$ (1.120.000$ - 765.600= x 80% + 765.600).
Ou seja, entre 524.560$ e 699.413$.
Tendo em conta a desvalorização para os outros tipos de trabalho e a idade do sinistrado, entendo que a pensão deve ser fixada em 569.882$.
(…)”
5. O A. nasceu aos 21.05.1969.
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III. Do Direito
1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
São as seguintes as questões suscitadas pela Recorrente:
- Se não é devido o subsídio por situação de elevada incapacidade;
- Do erro no cálculo da pensão.
2. Se não é devido o subsídio por situação de elevada incapacidade
No âmbito do incidente de revisão requerido pelo A. aos 20.07.2015 e ora em apreço no presente recurso, foi fixada ao A. IPATH com uma IPP de 35,62% para o exercício de outra profissão, em consequência do que a Mmª Juíza, apelando ao art. 23º da Lei 100/97 (e fazendo também referência ao art. 67º da actual Lei 98/09) condenou a Ré a pagar-lhe o subsídio por situação de elevada incapacidade aí previsto, no montante de €4.890,75.
De tal decisão discorda a Recorrente por entender que, ao caso e tendo em conta que o acidente de trabalho ocorreu em data anterior à da entrada em vigor da Lei 100/97, esta não é a aplicável, mas sim a Lei 2127, de 03.08.65 e Dec. 360/71, de 21.08, que não atribuem tal subsídio.
2.1. Desde já se dirá que assiste razão à Recorrente.
O art. 23º da Lei 100/97, de 13.09, sob a epígrafe Subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, dispõe que: “A incapacidade permanente absoluta ou a incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70%, confere o direito a um subsídio igual a 12 vezes a remuneração mínima nacional garantida à data do acidente, ponderado pelo grau de incapacidade fixado, sendo pago de uma só vez aos sinistrados nessas situações.”. E o direito a tal prestação foi mantido no art. 67º da Lei 98/2009, de 04.09.
Acontece que, à data em que ocorreu o acidente de trabalho em causa nos autos – 09.03.1999 – encontrava-se em vigor o regime de reparação de acidentes de trabalho constante da Lei 2127, de 03.08.65 e do Dec. 360/71, de 21.08, diplomas estes que não previam a atribuição do subsídio por situação de elevada incapacidade, o qual veio a ser instituído, apenas, com o regime de reparação constante da Lei 100/97 (art. 23º) e do DL143/99, de 30.04, que a regulamentou, e mantido na actual Lei 98/2009 (a Lei 100/97 e o DL 143/99 revogaram a Lei 2127 e o Dec. 360/71 e, por sua vez, a Lei 98/2009 revogou a Lei 100/97 e o DL 143/99).
Ora, dispõe o art. 41º, nº 1, al. a), da Lei 100/97 que “1.Esta lei produz efeitos à data da entrada em vigor do decreto-lei que a regulamentar e será aplicável: a) aos acidentes de trabalho que ocorrerem após aquela entrada em vigor;”. E, como referido, tal lei foi regulamentada pelo DL 143/99, de 30.04, cuja entrada em vigor ocorreu aos 01.01.2000, conforme DL 382-A/99, de 22.09.
Ou seja, o regime constante da Lei 100/97 apenas será aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos a partir de 01.01.2000, sendo que aos acidentes ocorridos em data anterior será aplicável a Lei 2127.
E, por outro lado, é também este – o da Lei 2127- o regime aplicável à revisão de incapacidades (cfr. Base XXII da Lei 2127 e arts. 25º da Lei 100/97 e 70º da Lei 98/2009) decorrentes de acidentes de trabalho ocorridos em data anterior a 01.01.2000, ainda que a revisão seja determinada por alteração do estado clínico do sinistrado (proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria) ocorrida em data posterior à entrada em vigor da Lei 100/97. Com efeito, a Lei 100/97 prevê a sua aplicabilidade, apenas, aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor, não prevendo essa aplicabilidade à revisão da pensão, decorrente de acidentes anteriores, mas posterior a essa entrada em vigor.
E, ao caso, não é também aplicável o regime de reparação de acidentes de trabalho previsto na Lei 98/2009, de 04.09, pois que, como decorre do seu art. 187º, nº 1, o regime dela constante aplica-se aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor, entrada em vigor esta que ocorreu aos 01.01.2010 (art. 188º). Ou seja, pelas razões acima apontadas, a Lei 98/2009 não é, também aplicável à revisão da incapacidade posterior à sua entrada em vigor, mas relativa a acidentes de trabalho ocorridos anteriormente.
Ou seja, e em conclusão, tendo, no caso, o acidente de trabalho de que o A. foi vítima ocorrido aos 09.03.1999, isto é, em data anterior à entrada em vigor da Lei 100/97, à revisão da incapacidade e da pensão, ainda que com efeitos a partir de 20.07.2015, decorrente da alteração (agravamento) da sua situação clínica, é aplicável o regime de reparação constante da Lei 2127 e não já o regime constante da Lei 100/97 ou da Lei 98/2009.
Deste modo, e não prevendo tal regime a atribuição do subsídio por situação de elevada incapacidade, não tem o A. direito ao mesmo.
2.2. Diga-se que não procede a argumentação do Recorrido, no sentido de que, porque os factos determinantes desse agravamento teriam ocorrido aos 14.11.2014, seria aplicável “a Lei 100/97 de 13/09, actual Lei 98/09”.
Como referido, o factor, segundo a lei, determinante da sua aplicação no tempo é a data da ocorrência do acidente de trabalho e não a data da ocorrência de facto determinante do agravamento justificativo da revisão da incapacidade e, por consequência, da pensão. É, pois, irrelevante que o facto determinante da revisão tenha ocorrido em data posterior à Lei 100/97 e à Lei 98/2009.
É também irrelevante a alegação do Recorrido de que ao “trabalhar na colocação de blocos numa obra a passar de um andaime para outro torceu o pé”. Desde logo, trata-se de facto novo, não constante da decisão recorrida, para além de que, seja o que for que tenha determinado a alteração da situação clinica do sinistrado, tal alteração foi tratada pela 1ª instância, em todo o processado subsequente ao requerimento do A. de 20.07.2015, no âmbito de um incidente de revisão decorrente do agravamento da sua situação clínica anterior.
E também não procede a invocação dos princípios constitucionais da justa reparação dos acidentes de trabalho e da igualdade (arts. 59º, nº 1, al. f), e 13º da CRP).
O Tribunal Constitucional, designadamente a propósito da Base XXII, nº 2, da Lei 2127 e do art. 25º, nº 2, da Lei 100/97 (que se prevê um prazo para formulação de pedido de revisão) em contraponto com o regime do art. 70º da Lei 98/2009 (que não prevê qualquer prazo) e da consequente caducidade, naqueles, do direito à revisão da pensão quando formulado para além dos 10 anos, tem emitido pronúncia no sentido da constitucionalidade daquelas normas (se entre a fixação da pensão e a do pedido de revisão tiverem decorrido, sem alterações intercalares, mais de 10 anos), donde se conclui ser aceite, por tal jurisprudência, a existência de diferentes regimes aplicáveis consoante a data do acidente de trabalho, não sendo relevados os princípios invocados pelo Recorrido – cfr., designadamente, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº219/2012, de 26.04.2012 (DR, 2ªsérie, nº102, de 25.05.2012), 136/2014, 205/2014 e 583/2014, in www. http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, todos proferidos em data posterior à da entrada em vigor da Lei 98/2009 e, estes três últimos, sobre acórdãos desta Relação do Porto (e em que, nestes, havia sido decidido no sentido da inconstitucionalidade seja do nº 2 da Base XXII da Lei 2127, seja do nº 2 do art. 25º da 100/97, com fundamento, para além do mais, no diferente regime constante da Lei 98/2009 e nos citados princípios da justa reparação e da igualdade).
E, a propósito dessa mesma questão, no sentido da constitucionalidade da diferença de regimes e, bem assim, de que aplicação do regime do art. 70º da Lei 98/2009 (que, como referido, não prevê qualquer prazo para o pedido de revisão) violaria os princípios da certeza e da segurança jurídicas decorrentes do art. 2º da CRP, cfr. Acórdãos de 22.05.2013, Proc. 201/1995.2.L1.S1 e de 05.11.2013, Proc. 858/1997.2.P1.S1, ambos publicados im www.dgsi.pt.
Ou seja, serve o referido para concluir que os princípios da justa reparação dos acidentes de trabalho e da igualdade não são incompatíveis com a aplicabilidade de diferentes regimes de reparação de acidentes de trabalho determinada em função da data da ocorrência do acidente e, por consequência, não são incompatíveis, no caso, com a aplicabilidade do regime constante da Lei 2127 e com a inaplicabilidade seja da Lei 100/97, seja da Lei 98/2009.
2.3. Assim sendo, procede, nesta parte, o recurso, sendo de revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Recorrente a pagar ao Recorrido o subsídio por situação de elevada incapacidade previsto nos arts. 23º da Lei 100/97 e 67º da Lei 98/2009.
3. Do erro no cálculo da pensão
A decisão recorrida, em consequência de agravamento da incapacidade (IPATH e IPP de 35,62% para o exercício de outra profissão) fixou ao A. a pensão anual e vitalícia de €3.198,72, com efeitos a partir de 20.07.2015 (dia da apresentação do pedido de revisão). E, para o referido cálculo, referiu o seguinte:
“Em relação à pensão anual e vitalícia, dir-se-á que tendo em conta a idade do sinistrado, o salário que auferia, a pensão não deve ser fixada em menos de 57,12% da retribuição, fixa-se a pensão em €3.198,72, devida desde 20/07/2015 (data do pedido da revisão), deduzida dos valores entretanto pagos pela R. Seguradora.”. Diga-se que na decisão recorrida nada mais se explicita quanto ao cálculo da pensão revista. E também não concretiza “os valores entretanto pagos pela R. Seguradora” cuja dedução determina.
Do assim decidido discorda a Recorrente alegando que:
“Da mesma sorte, também o cálculo da pensão devida ao sinistrado também se encontra mal efectuado, na medida em que lançou mão de critérios constantes em legislação que, reitera-se, não tem aplicabilidade ao caso em apreço.
Isto porque as regras que deviam ter sido atendidas para o cálculo da pensão devida ao sinistrado constam do Decreto 360/71, de 21 de Agosto, em concreto os arts.49o, 50o e 51º do referido diploma – cfr. decisão proferida no processo principal – aplicáveis ex vi das bases XXIII e XXIV da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965.
Nos termos das normas vindas de invocar, resulta que a pensão anual devida ao sinistrado, considerando a IPP de 35,62% e a incapacidade absoluta para o trabalho habitual, é de 2.927,17€ (dois mil novecentos e vinte e sete euros e dezassete cêntimos), com os cálculos assim descriminados:
Salário anual: 5.586,56€
Salário mínimo nacional à data da alta: 3.828,80€
IPP de 35,62%
5.586,56€ - 3.818,80€ = 1.767,76€
1.767,76€ x 80% = 1.414,21€
1.414,21€ + 3.818,80€ = 5.233,01€
5.233,01€ / 2 = 2.616,51€
5.233,01 x 2/3 = 3.488,67€
3.488,67€ - 2.616,51€ = 872,16€
872,16€ x 35,62% = 310,66€
2.616,51€ + 310,66€ = 2.927,17€
3.1. Como acima referido, ao caso é aplicável o regime de reparação de acidentes de trabalho constante da Lei 2127 e do Dec. 360/71, o que é extensivo, também, ao cálculo da pensão devida em consequência do agravamento da incapacidade (a Base XXII, nº 1, da citada Lei, dispõe que “1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, (…), as prestações poderão ser revistas e, aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.”.)
Assim sendo, assiste razão à Recorrente quando entende que, nos termos do art. 50º do Dec. 360/71, haverá que se atender, apenas, a 80% da parte excedente a 1/30 do salário mínimo nacional, preceito esse que dispõe, no seu nº 2, que “2. Em relação às pensões devidas por incapacidade permanentes iguais ou superiores a 50%, ou por morte, na retribuição-base diária apenas se atenderá a 80% da parte excedente a 1/30 do salário mínimo nacional”.
Deste modo:
O A., à data do acidente, auferia a retribuição anual de 1.120.000$00 (5.586,54€) e, à data da alta definitiva, aos 10.08.2000 (a pensão inicial havia sido fixada com efeitos a partir de 11.08.2000), o salário mínimo nacional em vigor era o de €318,23 mensais/ 3.818,80 anuais (DL 573/99, de 30.12), pelo que a retribuição-base anual a atender, nos termos do citado art. 50º, nº 2, é a de €5.233,01 (5586,54 – 3.818,80 x 80% + 3.818,80).
Conforme se refere no Acórdão desta Relação de 07.03.2005, in www.dgsi.pt, Proc. 0416936, «Tem sido entendido que o incidente de revisão de incapacidade - a revisão da pensão só é possível se houver revisão da incapacidade - não gera uma nova pensão mas uma alteração do montante da pensão já fixada, pelo que «no cálculo de uma pensão consequente de alteração de incapacidade deve usar-se a mesma fórmula que se usou para o cálculo da pensão inicial» - ac. da Relação de Coimbra de 5.1.84 na C. J. ano 1984, tomo 1, p.86. No mesmo sentido os acórdãos da R. de Lisboa de 3.7.83 na C. J. ano 1983, tomo 4, p.194, da R. do Porto de 8.6.98 na C.J. ano 1998, tomo 3, p.255, do STJ de 17.6.83 no BMJ 328 p.458 e do STJ de 25.3.83 no BMJ 325 p.499.». No mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos desta Relação de 12.12.2005 e de 05.11.2007, em Acidentes de Trabalho, Jurisprudência, 2000-2007, páginas 294 e 320.
Considerando que o A., por virtude do agravamento da sua incapacidade permanente (conforme decisão do primeiro incidente de revisão, de 27.02.2014, de fls. 1937193vº, havia-lhe sido fixada, com efeitos a partir de 18.10.2010, a IPP de 29,105%, sem IPATH), ficou afectado de uma IPATH com uma IPP de 35,62% para o exercício de outra profissão, a pensão, se inicialmente fixada e tendo em conta a forma de cálculo considerada na sentença de 26.01.2001 Tendo a pensão sido fixada em 569.882$00, verifica-se que tal valor se alcança:
1.049.120$00 [retribuição atendida em tal sentença]: 2= 524.560$00;
524.560$00 x 2/3= 699.413$33;
699.413$33 – 524.560= 174.853$00 x 25,92%+524.560= 569.882$00., seria, como diz a Recorrente, de 2.927,17€, assim calculada:
€5.233,01: 2=2.616,51
€5.233,01 x 2/3= 3.488,67
3.488,67- 2.616,51=872,16
872,16 x 35,62%= 310,66
2.616,51+ 310,66= 2.927,17
Porém, tal não significa que essa deva ser a pensão pois que, como se diz no já citado acórdão desta Relação de 07.03.2005 “(…) há que referir que uma coisa é a alteração do montante da pensão por força da revisão da incapacidade do sinistrado, e outra coisa é a actualização da pensão. Esta tem por fundamento a inflação ou a desvalorização da moeda e aquela a melhoria ou o agravamento das lesões ocorridas por força do acidente.
A lei de acidentes de trabalho não nos diz como se deve proceder à actualização de pensão que foi objecto de revisão, e cujo cálculo - resultante do incidente de revisão - deve obedecer ao efectuado na data da sua fixação inicial.
E na falta de elementos, e em homenagem ao princípio da unidade do sistema jurídico, se a «pensão revista» deve ser calculada do mesmo modo que a pensão inicial, então a sua actualização deve ser feita como se a «nova pensão» estivesse a ser fixada desde o início, não obstante a mesma só ser devida desde a data da sua alteração.”.
Ora, assim sendo, a mencionada pensão de €2.927,17 é actualizável desde 01.12.2001, embora o valor actualizado seja devido, apenas, desde 20.07.2015, data do requerimento de revisão.
Aliás, veja-se que, se assim não fosse, a pensão, devida a partir de 10.07.2015, seja a pretendida pela Recorrente (€2.927,17), seja até a fixada na decisão recorrida ( de €3.198,72), seriam inferiores à pensão inicial que, por força das actualizações, era a devida em 2010, esta no montante de €3.684,87 (cfr. fls. 69). E, isto, não obstante a incapacidade decorrente da presente revisão (IPATH com IPP de 35,62%) ser superior à considerada na sentença de 26.01.2001 (IPATH com IPP de 25.92%). O que seria um absurdo jurídico.
Deste modo, a pensão anual e vitalícia de €2.927,17 seria atualizável nos seguintes termos:
- em 01.12.2001, para €3.012,06, nos termos da Port. 1323-B/2001 (2.927,17 x 2,9% + 2.927,17);
- em 01.12.2002, para €3.072,30, nos termos da Port. 1514/2002 (3.012,06 x 2% + 3012,06);
- em 01.12.2003, para €3.149,11 nos termos da Port. 1362/2003 (3.072,30 x 2,5%+3.972,30);
- em 01.12.2004, para €3.221,54, nos termos da Port. 1475/2005 (3.149,11 x 2,3%+3.149,11);
- em 01.12.2005, para €3.295,64, nos termos da Port. 1316/2005 (3.221,54 x2,3%+3.221,54);
- em 01.12.2006, para €3.374,74, nos termos da Port. 1357-A/2006 (3.295,64 x 2,4% + 3.295,64);
- em 01.01.2008, para €3.455,73, nos termos da Port. 74/2008 (€3.374,74 x 2,4%+€3.374,74);
- em 01.01.2009, para €3.555,95, nos termos da Port. 166/2009 (3.455,73 x 2,9% +3.455,73);
- em 01.01.2010, para €3.600,40, nos termos da Port. 47/2010 (3.555,95 x 1,25% + 3.555,95);
- em 01.01.2011, para €3.643,60, nos termos da Port. 115/2011 (€3.600,40 x 1,2% + €3.600,40);
- em 01.01.2012, para €3.774,77, nos termos da Port. 122/2012 (3.643,60 x 3,6% + 3.643,60);
- em 01.01.2013, para €3.884,24, nos termos da Port. 338/2013 (3.774,77 x 2,9% + 3.774,77);
- em 01.01.2014, para €3.923,08, nos termos da Port. 108/2014 (3.884,24 x 1% + 3.884,24);
- no ano de 2015 não houve actualização das pensões por acidente de trabalho conforme Port. 107/2015.
Ou seja, a pensão que seria devida ao A., por virtude do agravamento da sua situação clínica no âmbito do incidente de revisão ora em apreço no recurso, seria, com efeitos a partir de 20.07.2015, a de €3.923,08.
Acontece porém que, como decorre do relatório do presente acórdão, por decisão de 27.02.2014 (fls. 193/193vº), proferida pela 1ª instância na sequência de anterior incidente de revisão da pensão (que havia atribuído ao A. a IPP de 29.105% sem IPATH), foi fixado, com efeitos a partir de 18.10.2010, um capital de remição correspondente à pensão anual referida em tal decisão, de €1.138,18.
Como se diz no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17.01.2013, publicado em www.dgsi.pt e cujo sumário se transcreve: “A remição da pensão e entrega do correspondente capital extingue o direito à pensão devida para reparar a incapacidade laboral com base na qual foi calculada. II – No caso em que, tendo sido atribuída ao sinistrado uma pensão obrigatoriamente remível e tendo sido pago o capital da remição, seja depois aumentado o valor da pensão no quadro de um incidente de revisão, a pensão devida deve corresponder à diferença entre o valor inicial da pensão remida e o valor da pensão correspondente à incapacidade que resulta da revisão, sem qualquer limite temporal, nomeadamente o que seria necessário para esgotar o valor entregue do capital da remição caso fosse devido o segundo valor da pensão”.
Ora, assim sendo, à pensão anual e vitalícia que seria devida ao A. desde 20.07.2015 haverá que descontar a pensão anual devida no âmbito do anterior incidente de revisão. E a isso não obsta que (tanto quanto podemos constatar dos autos) não tenha sido entregue o correspondente capital de remição, uma vez que, ainda que o não tenha sido, sempre o deverá vir a ser.
Impõe-se, todavia, para fazer o seguinte esclarecimento: tendo embora, sobre essa decisão de 27.02.2014 (fls. 193/193 vº), incidido recurso interposto pelo A. e não tendo o mesmo sido admitido por decisão desta Relação, constata-se, todavia, que essa decisão foi ainda objecto do pedido de “rectificação” por parte da Seguradora que consta de fls. 194/195, sobre qual, compulsados os autos e tanto quanto nos é dado ver, não foi objecto de apreciação pela 1ª instância. Independentemente da bondade, ou não de tal pedido, cuja apreciação não compete a esta Relação, mas sim à 1ª instância, serve todavia o referido apenas para deixar aqui esclarecida a razão por que, agora no presente acórdão, se determinará, apenas, que à pensão devida ao A., com efeitos a partir de 20.07.2015 (no âmbito do incidente de revisão em apreço no presente recurso), seja descontada a pensão anual com base na qual será calculado o capital de remição a que se reporta a decisão de 27.02.2014,de fls. 193/193vº (sendo que caberá à 1ª instância, após conhecimento do requerimento de fls. 194/195, concretizar, em conformidade com o que venha a ser decidido, o montante a descontar).
É, também, de referir que aos montantes devidos ao A. a partir de 20.07.2015, haverá que descontar as quantias que, porventura, hajam sido pagas pela Ré ao A. após 20.07.2015 a título de pensão devida desde essa data (tendo em conta que, tanto quanto se vê dos autos, por não se ter ainda procedido à entrega do capital de remição a que se reporta a decisão de 27.02.2014, é, por consequência, de supor que lhe terá continuado a ser paga uma pensão anual. E, por outro lado, o que também se deixa esclarecido, não compete a esta Relação decidir de eventuais descontos, ao capital de remição que seja devido por virtude da decisão de fls. 193/193 vº, de pensões que, porventura, hajam sido pagas no período de 18.10.2010 a 20.07.2015, uma vez que, ainda que tal possa ter sucedido, consubstancia questão que extravasa o âmbito do presente recurso, devendo, oportunamente e se for o caso, ser objecto de decisão por parte da 1ª instância).
Cabe, por fim, referir que quer a determinação do montante da pensão que seria devida ao A. (sem o referido desconto), embora superior ao fixado na decisão recorrida (que, nessa parte, não foi objecto de recurso por parte do A.), quer o desconto acima determinado (que não foi objecto do recurso interposto pela Ré), não só se inserem na fixação da reparação devida em matéria de acidentes de trabalho que, dada a sua natureza obrigatória e indisponível, é de conhecimento oficioso, tanto mais tendo em conta o disposto no art. 74º do CPT, como também resulta da conformidade da fixação, por esta Relação, da pensão com os elementos constantes dos autos.
***
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que se decide:
A. Revogar a decisão recorrida na parte em que condenou a Ré, C… – Companhia de Seguros, SA, a pagar ao A., B…, o subsídio por situação de elevada incapacidade, no montante de €4.890,75.
B. Revogar a decisão recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar ao A. “a pensão anual e vitalícia de €3.198,72, deduzida dos valores entretanto pagos pela R. Seguradora”, a qual é substituída pelo presente acórdão em que se decide condenar a Ré a pagar ao A., com efeitos a partir de 20.07.2015, a pensão anual e vitalícia de €3.923,08, à qual, porém, deverá ser descontado o valor da pensão anual correspondente ao capital de remição devido por virtude da anterior revisão da pensão a que se reporta a decisão de 27.02.2014 (de fls. 193/193 vº), bem como as quantias que, porventura, hajam sido pagas pela Ré ao A. após 20.07.2015 a título de pensão devida desde essa data.
C. No mais não impugnado, confirma-se a decisão recorrida.

Custas da acção pela Ré, mas tendo em conta, para tal efeito, o valor em que a mesma decaiu em conformidade com o presente acórdão [a condenação, na 1ª instância, no pagamento do subsidio por situação de elevada incapacidade não resultou de pedido formulado pelo A., antes tendo sido decidida oficiosamente por aquela, pelo que se entende, nessa parte, não serem também devidas custas, em 1ª instância, pelo A].
Custas do recurso por ambas as partes na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que o A./recorrido beneficie [tendo em conta que, no recurso, o A/Recorrido contra - alegou, defendendo o direito ao subsídio de elevada incapacidade, no que decaiu].

Porto, 11.10.2018
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas