Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
63/15.4GBOBR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: HONORÁRIOS
DEFENSOR OFICIOSO
SESSÕES DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RP2017062163/15.4GBOBR-A.P1
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº35/2017, FLS 239-244)
Área Temática: .
Sumário: Na fixação de honorários devidos ao defensor oficioso devem ser consideradas duas sessões a sua intervenção num julgamento que decorre na parte da manha e tarde do mesmo dia com interrupção para almoço.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 63/15.4GBOBR-A.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
1. No autos de Processo Comum (Singular) nº 63/15.4GBOBR (a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro – Juiz 2, e que originaram o presente recurso em separado), recorreu o ilustre advogado Dr. B... do despacho proferido pelo Sr. Juiz no dia 24.02.2017 que, entre outras, indeferiu a sua reclamação da fixação dos honorários devidos pela sua intervenção processual como defensor oficioso.
Da respectiva motivação recursiva, o recorrente retirou as seguintes conclusões (transcrição):
a) O objecto e delimitação do recurso: colocar em crise o douto Despacho Judicial, datado de 24 de Fevereiro de 2017 que indeferiu a reclamação do Defensor Oficioso, interposta nos termos do artigo 157.° n.° 5 do CPC, para efeitos fixação do direito aos honorários do Defensor Oficioso, indeferindo o número de sessões Audiência de Julgamento decorridas no dia 12 de Dezembro de 2016, uma vez que foi realizada uma sessão julgamento nesse dia de manhã, tendo sido interrompida para almoço, para posteriormente continuar durante a tarde nesse mesmo dia, ao abrigo do artigo 328° n.° 2 do Código de Processo Penal.
b) O Recorrente discorda do entendimento do Tribunal a quo apresentando a sua análise da Lei e da Jurisprudência fundamentada que corrobora a sua posição;
c) Os diplomas legais que regulamentam a matéria de pagamento de honorários aos Defensores/Patronos Oficiosos têm sofrido constantes alterações, resultando em diferentes entendimentos e procedimentos díspares, inclusive na própria Jurisprudência;
d) Análise da Portaria n.° 10/2008 de 03 de Janeiro, Regulamento da Lei do Acesso ao Direito que determina o pagamento dos profissionais forenses, no âmbito da prestação de patrocínio forense no sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, regido pela Lei n.° 34/2004 de 29 de Julho, o seu conteúdo e alterações legislativas no decorrer do tempo.
e) Referência ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 02 de Julho de 2014, Processo n.° 47/03.5IDAVR.P1 A, relatado por José Piedade, que fundamenta os argumentos do Tribunal a quo e da sua decisão;
f) Posição do Tribunal a quo quanto à repristinação da Portaria n.° 1386/2004, de 10 de Novembro, e simultânea revogação da sua Nota 1, no sentido de contabilizar uma única sessão de julgamento por cada dia, independentemente da mesma ter ocorrido no período da manhã e da tarde;
g) Posição assumida pelo Recorrente, sustentada na análise e interpretação da legislação aplicável e correspondente atribuição de suplemento remuneratório;
h) Análise do artigo 328.° n.° 1 e n.° 2 do Código de Processo Penal, relativamente à regra da continuidade da audiência de julgamento e sua excepção para interrupções;
i) A Nota 1 da Portaria n° 1386/2004, de 10 de Novembro visou fixar o critério da interrupção da diligência para determinar o seu número, nomeadamente, afastar da contabilização as interrupções verificadas no mesmo período, da manhã ou da tarde;
j) Caso contrário, não faz sentido a Portaria n.° 1386/2004, de 10 de Novembro distinguir o período da manhã e o período da tarde do mesmo dia, como sucede com o seu artigo 5.° n° 1 ou com o n.° 10 da sua Tabela anexa ou manter o n.° 9 dessa mesma Tabela;
k) Enunciação do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 12.10.2016, Processo n.° 107/13.4TND-B.C1, que teve como Relator Vasques Osório, que corrobora a fundamentação do Recorrente;
I) Normas violadas foram o n.° 9 da Tabela de honorários para a protecção jurídica, anexa à Portaria n.° 1386/2004, de 10 de Novembro, o artigo 328.° n.° 1 e n.° 2 do Código de Processo Penal, artigo 21.° n.° 7 e 25.° n.° 1 ambos do Regulamento da Lei de Acesso ao Direito, aprovado pela Portaria n.° 10/2008 de 03 de Janeiro, o artigo 20.°, 59.° n.° 1 alínea a) e 208.° todos da Constituição da República Portuguesa.
NESTES TERMOS E DEMAIS DE DIREITO, deve o presente Recurso ser declarado procedente e, como corolário, ser revogado o Despacho Judicial de que se recorre, determinando a sua substituição por outro que ordene a contabilização de sessões, para efeitos de pagamento de honorários devidos a profissional do foro, tendo o Defensor Oficioso direito a ser pago por duas sessões referentes à Audiência de Julgamento decorrida no dia 12 de Dezembro de 2016, uma vez que foi realizada uma sessão Julgamento nesse dia de manhã, tendo sido interrompida para almoço, para posteriormente continuar pelo período da tarde nesse mesmo dia, ao abrigo do artigo 328.° n.° 2 do Código de Processo Penal, em conjugação com o n.° 9 da Tabela de honorários para a protecção jurídica, anexa à Portaria n.° 1386/2004, de 10 de Novembro, fazendo-se assim a ACLAMADA JUSTIÇAI”

2. O recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo, por despacho proferido no dia 17.03.2017.
3. O magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância (a fls. 35 a 38) respondeu ao recurso, concluindo que ao mesmo deve ser negado provimento e mantido o despacho recorrido.
4. Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto (a fls. 82) emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
5. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (arts 403º e 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito.
No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, a questão essencial consiste em saber se, à luz da legislação vigente, na fixação de honorários devidos a defensor oficioso, deverá ser considerada intervenção em uma ou duas sessões a intervenção desse defensor num julgamento que decorre na manhã e tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço.

2. Decisão recorrida
Definida a questão a tratar, vejamos desde já o teor do despacho recorrido (transcrição integral, não obstante do mesmo despacho resultar que, na mesma altura também foram apreciadas reclamações de mais outros dois defensores oficiosos, além do ora recorrente):
“(…)
Por requerimentos aos autos dirigidos, vieram os I.D. nomeados aos arguidos C... (I.A. Dr.ª D...), E... (I.A. Dr. B...) e F... (I.A. Dr. G...), requerer a fixação de honorários, invocando que, para efeitos de pagamento de honorários contabilizaram três sessões de julgamento, considerando que, no dia 12 de Dezembro de 2016 se realizaram duas sessões, uma iniciada às 09 horas e 48 minutos interrompida às 13 horas e 27 minutos e outra iniciada às 14 horas e 45 minutos interrompida às 15 horas e 25 minutos, tendo a terceira sessão ocorrido a 20 de Dezembro de 2016, com início às 10 horas e 07 minutos e terminus às 10 horas e 17 minutos.
Mais invocam que, estando em causa diligência aberta de manhã que tenha sido interrompida e venha a prolongar-se pelo período da tarde, deverão ser contabilizadas duas sessões, a tal não obstando o facto de a Nota 1 da Tabela anexa à Portaria n.º1385/2004 de 10 de Novembro ter sido revogada pela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro, uma vez que se mantém em vigor o ponto 10 da Tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004 de 10 de Novembro, ao fixar 3 UR´s por cada presença, período da manhã ou da tarde, no âmbito das escalas de urgência, desde que não tenha sido efectuada qualquer diligência, sendo que tal entendimento escora-se ainda no artigo 21.º, n.º7 do Regulamento da Lei de Acesso ao Direito, aprovado pela Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro, na sua mais recente versão.
Concluem os I.D. propugnando por que se determine que sejam contabilizadas três sessões de audiência de julgamento, para efeitos de pagamento de honorários das mesmas.
O Ministério Público exarou promoção propugnando pelo indeferimento do requerido, pela interpretação da segunda parte do nº 2 do art. 328º do CPP afigurando-se que uma sessão de julgamento compreende aquela que se inicia e termina no próprio dia, em que todos os sujeitos processuais se mostram convocados e sujeitos a ter disponibilidade para a contingência da produção de prova, sobretudo se o agendamento já prever o dia completo. Nesse contexto, o Defensor só se tem de deslocar uma vez a Tribunal e preparar o julgamento também por uma só vez, sendo incompreensível que cada interrupção por força de motivos de descanso, ou de alimentação, no mesmo dia, equivalha em cada uma das várias vezes em que tal possa ocorrer, a um igual conexo número de sessões.
Apreciando.
Em matéria de remuneração dos profissionais forenses pelos serviços prestados no âmbito da protecção jurídica, bem como o reembolso das respectivas despesas, a Lei n.º34/2004, de 29 de Julho é regulamentada pela Portaria n.º 10/2008, de 03 de Janeiro (que revogou a Portaria n.º1386/2004, de 10 de Novembro).
A Portaria n.º 10/2008, de 03 de Janeiro veio a ser alterada parcialmente pela Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro, pela Portaria n.º 654/2010, de 11 de Agosto (revendo a regulamentação do sistema de acesso ao Direito e republicando, em anexo, a Portaria nº 10/2008) e pela Portaria n.º 319/2011, de 30 de Dezembro.
A Portaria n.º1386/2004, de 10 de Novembro previa, no ponto 1 das Notas à Tabela Anexa de honorários para a protecção jurídica, que se considerava “haver lugar a nova sessão sempre que o acto ou diligência sejam interrompidos, excepto se tal interrupção ocorrer no mesmo período da manhã ou da tarde”.
Por via da Portaria n.º 10/2008, tendo sido revogada na íntegra a Portaria n.º1386/2004, de 10 de Novembro – conforme resulta expresso do artigo 36.º da Portaria n.º 10/2008 – incluindo pois a Tabela Anexa de honorários para a protecção jurídica, sendo que tal matéria passou a constar nos artigo 25.º, 26.º e 27.º da Portaria n.º 10/2008, aí se prevendo a tabela de compensações pelas nomeações para processos, tabela de compensações pelas designações para escalas de prevenção e tabela de compensação da consulta jurídica.
A Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro, por seu turno e no que ora releva, alterou a Portaria n.º 10/2008, no que concerne à tabela de compensações pelas nomeações para processos, prevista no artigo 25.º, passando a prever-se que: «1 – Os valores das compensações devidas aos profissionais forenses pela inscrição em lotes de processos ou pela nomeação isolada para processo são os estabelecidos na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro».
Resultando claro do previsto na Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro ter sido intenção do legislador repristinar a tabela de compensações para nomeação para processos prevista na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, procurando reconstruir o pensamento do legislador, não podemos deixar de atentar no demais conteúdo da Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro, sendo que, conforme resulta expresso do disposto no artigo 9.º do Código Civil, não devendo a interpretação cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, não só não pode o intérprete considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (ainda que imperfeitamente expresso), como na fixação do sentido e alcance da lei, sempre terá o intérprete que presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Ora, de uma análise integral da Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro resulta claro que o legislador não se limitou a repristinar o previsto na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, quanto aos valores das compensações devidas, antes tendo cuidado, de forma expressa, de deixar claro que, por via do que passou a estar previsto no n.º1 do artigo 25.º da Portaria n.º 10/2008, não estava em causa uma repristinação total da Tabela Anexa à Portaria n.º 1386/2004 e notas a esta referentes.
Com efeito, fazendo apelo aos cânones interpretativos previstos no citado artigo 9.º do Código Civil, a ser intenção do legislador manter, na íntegra, o que constava da Tabela Anexa à Portaria n.º 1386/2004 e notas a esta referentes e não teria cuidado, como fez, de, prever no artigo 2.º da Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro uma norma revogatória não se elencam, de forma taxativa, as disposições da Portaria n.º 1386/2004 que são revogadas e aí se incluem, para além dos pontos 11 e 12 da Tabela, as notas 1 e 3 a esta referentes.
Dizer-se que, por via da repristinação do regime previsto na Portaria n.º 1386/2004 referente aos valores das compensações devidas aos profissionais forenses pela inscrição em lotes de processos ou pela nomeação isolada para processo, não foi intenção do legislador alterar o aí previsto no que concerne à forma como contabilizar o número de sessões de julgamento é fazer letra morta do disposto no citado artigo 2.º da Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro, no qual, de forma expressa, o legislador revogou as notas 1 e 3 da Tabela Anexa à Portaria n.º 1386/2004 e era precisamente na nota 1 que se previa que «considera-se haver lugar a nova sessão sempre que o acto ou diligência sejam interrompidos, excepto se tal interrupção ocorrer no mesmo período da manhã ou da tarde».
Importa ainda notar, considerando a unidade do sistema jurídico, que é o próprio legislador quem, de forma expressa, cuida num diploma tão relevante como é o Código de Processo Penal, de prever com clareza que, se considera estar perante uma única audiência, quando os trabalhos sejam interrompidos por motivos estritamente necessários - em especial para alimentação e repouso dos participantes – estatuindo-se no n.º2 do artigo 328.º do Código de Processo Penal que «são admissíveis, na mesma audiência, as interrupções estritamente necessárias, em especial para alimentação e repouso dos participantes. (…)» (sublinhado nosso); sendo que também do disposto no artigo 606.º do Novo Código de Processo Civil ressalta que se considera que apenas há lugar a efectiva suspensão da audiência quando não seja possível conclui-la “num dia”.
Atente-se ainda que o regime previsto na Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro – conforme resulta da análise do respectivo preâmbulo – resultou do entendimento alcançado entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados, sobre as condições da prestação das defesas oficiosas por advogados em matéria de acesso ao direito e, conforme aí igualmente de consagra, as alterações aprovadas visaram conciliar vários factores, entre estes a sustentabilidade financeira do sistema de acesso ao direito, bem se compreendendo – considerando as circunstâncias em que a lei foi elaborada, no quadro de uma alteração profunda da regulamentação da remuneração dos profissionais forenses pelos serviços prestados no âmbito da protecção jurídica, bem como o reembolso das respectivas despesas, aumentando a transparência e a fiscalização das contraprestações pagas – pois que o legislador, no quadro em questão, tenha procurado alterar não só a forma como as contraprestações são pagas, mas também os próprios valores destas, nesta matéria passando-se portanto a prever que, estando em causa um mesmo julgamento, que se prolonga por todo o dia – com interrupção para almoço – apenas sejam contabilizada e paga uma sessão.
Ora, havendo o intérprete que reconstituir o pensamento legislativo tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada e presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, não podemos deixar de concluir que o legislador, de forma expressa, quis afastar a interpretação de que, decorrendo uma audiência de julgamento durante todo o dia, com interrupção para almoço, deveriam ser contabilizadas duas sessões, uma de manhã e outra de tarde.
Propugnando por idêntica interpretação, decidiu já o Tribunal da Relação do Porto, por via do Acórdão datado de 2 de Julho de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Em face do exposto e com os fundamentos supra, indefere-se a pretensão dos I.D. nomeados nos autos aos arguidos C... (I.A. Dr.ª D...), E... (I.A. Dr. B...) e F... (I.A. Dr. G...), tendo os mesmos direito à fixação de honorários, contabilizando-se, para efeitos de pagamento de honorários, duas sessões (a realizada no dia 12 de Dezembro de 2016, nos períodos da manhã e tarde e a realizada a 20 de Dezembro de 2016)
Notifique.”

3. Apreciando
A questão suscitada pelo recorrente (saber se, na fixação de honorários devidos a defensor oficioso, deverá ser considerada intervenção em uma ou duas sessões a intervenção desse defensor num julgamento que decorre na manhã e tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço) já foi objecto de deliberações contraditórias de Tribunais da Relação:
a) no sentido da guarida do despacho recorrido encontrámos os acórdãos desta Relação do Porto de 02.07.2014 (Proc. 47/03.5IDAVR-A.P1, relator José Piedade) e de 22.03.2017 (proc. 52/10.SGAPNF-A.P1, relatora Airisa Caldinho), ambos acessíveis em www.dgsi.pt);
b) no sentido da guarida da pretensão recursiva encontrámos o acórdão da Relação de Coimbra de 12.10.2016 (Proc. 107/13.4TND-B.C1, relator Vasques Osório) e o, muito recente, acórdão desta Relação do Porto de 10.05.2017 (Proc. 1074/15.5PIPRT-B.P1, relator Pedro Vaz Pato), também ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
sendo que o despacho recorrido, desde logo tendo em conta a data em que foi proferido, segue a argumentação evidenciada naquele primeiro acórdão desta Relação do Porto de 02.07.2014 e a motivação de recurso, também tendo em conta a data em que foi apresentada, segue de perto a argumentação evidenciada no supra mencionado acórdão da Relação de Coimbra de 12.10.2016.
Pela leitura de todos aqueles acórdãos, o antagonismo da versões é revelador de que a questão não é líquida, após ter sido revogada a Portaria nº 1386/2004, revogação essa que não chegou a operar em toda a sua extensão por ter sido parcialmente repristinada tal Portaria antes daquela revogação produzir efeitos, e sem que o legislador tivesse tomado uma posição expressa e clarividente quanto ao número de sessões que se podem contabilizar num dia de julgamento quando esse julgamento, iniciado na parte da manhã, continua na parte da tarde do mesmo dia, depois de ter sido interrompido para almoço dos seus participantes.
Tal como referido no já mencionado Ac da Relação de Coimbra de 12.10.2016 (o qual faz um apurada abordagem da sucessão das várias Portarias atinentes ao apoio judiciário e que foram surgindo após a entrada em vigor da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho): “versando as portarias supra identificadas matéria sensível para parte muito significativa dos operadores do universo judiciário, a falta de clareza das opções do legislador em nada contribuem para a sua perfeita e completa compreensão, na prática diária dos tribunais, dando origem a questões, como a versada nos autos, perfeitamente evitáveis, se uma linha tivesse sido escrita sobre a “revogação” da nota 1 da tabela anexa da Portaria n° 1386, de 10 de Novembro, tanto mais que bulia directamente com a remuneração dos profissionais do foro.”(sublinhado nosso).
Por nos revermos na argumentação explanada no mais recente acórdão desta Relação do Porto de 10.05.2017 que se debruçou sobre a questão que aqui também nos ocupa (acórdão esse que, aliás, de bem perto seguiu também a argumentação explanada no já referido acórdão da Relação de Coimbra, acórdão este que esteve na base da petição recursiva), passaremos a transcrever parte do que ali é dito:
Está em questão o alcance da revogação da nota 1 da tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de janeiro. Esta Portaria, que havia sido revogada pela Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, foi repristinada pela Portaria n.º 210/2008, de 29 de fevereiro. No entanto, esta repristinação não foi integral: o artigo 2.º, a), desta última Portaria revogou expressamente a referida nota 1 da tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de janeiro.
Essa nota era do seguinte teor: «Considera-se haver lugar a nova sessão sempre que o acto ou diligência sejam interrompidos, excepto se tal interrupção ocorrer no mesmo período de manhã ou de tarde». Ora, se a interrupção não ocorresse no mesmo período de manhã ou de tarde, se ocorresse para almoço, ou de um dia para o outro, estaríamos perante mais do que uma sessão.
A tese a que adere o douto despacho recorrido (na esteira do referido acórdão desta Relação de 2 de julho de 2014) considera que foi intenção do legislador, com a revogação dessa nota, alterar a regra de que se considera a existência de duas sessões quando o ato ou diligência é interrompido para almoço.
A tese invocada pelo recorrente (na esteira do referido acórdão da Relação de Coimbra de 12 de outubro de 2016) considera que com tal revogação se criou um vazio legislativo, pois deixou de haver qualquer regra relativa à contabilização de sessões de um mesmo ato ou diligência.
Na verdade, e como se sustenta no referido acórdão da Relação de Coimbra, com a revogação da referida nota, não deixaria de vigorar apenas a regra de que se considera a existência de duas sessões quando o ato ou diligência é interrompido para almoço. Também deixaria de vigorar a regra de que se considera a existência de duas sessões quando o ato ou diligência é interrompido de um dia para outro, e independentemente do número de interrupções (solução manifestamente irrazoável). E - acrescentamos nós – também a regra de que não se considera a existência de duas sessões quando o ato ou diligência é interrompido no mesmo período da manhã ou de tarde (o que também não será razoável).
Assim, a revogação da referida nota 1 não nos conduz, por si só, a uma solução unívoca quanto à real intenção do legislador. Estamos, na verdade, perante um vazio legislativo, perante uma lacuna.
O douto despacho recorrido considera, no entanto, que haverá que recorrer, no que se refere à audiência de julgamento em processo penal, ao disposto no artigo 328.º do Código de Processo Penal, de onde decorrerá que se consideram tantas sessões de julgamento quantos os dias em que este possa decorrer. Ou seja, que só se consideram que dão origem a nova sessão as interrupções de julgamento de um dia para o outro.
No entanto, não vislumbramos que desse artigo 328.º do Código de Processo Penal decorra tal consequência. Na verdade, e como bem se afirma no referido acórdão da Relação de Coimbra, tal artigo não distingue entre interrupções no mesmo dia, ou de um dia para o outro. O seu n.º 2 estatui: «Se a audiência não puder ser concluída no dia em que se tiver iniciado, é interrompida para continuar no dia útil imediatamente posterior». Mas também estatui: «São admissíveis, na mesma audiência, as interrupções estritamente necessárias, em especial para alimentação e repouso dos participantes» (ou seja, também se consideram interrupções as que ocorrem no mesmo dia).
Portanto, o recurso ao artigo 328.º do Código de Processo Penal não nos permite suprir a lacuna em questão.
De acordo com o artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil, as lacunas deverão ser integradas com a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
A este respeito, invoca o recorrente, na esteira do referido acórdão da Relação de Coimbra, o princípio da igualdade: não se justifica que se considere estarmos perante duas sessões quando uma audiência ocupe a manhã ou a tarde de um dia e a manhã ou a tarde de outro dia e já se considere estarmos perante uma única sessão quando uma audiência ocupa a manhã e a tarde de um mesmo dia.
É certo que poderá dizer-se que no primeiro caso as intervenções em causa implicam duas deslocações ao tribunal, com as despesas e tempo inerentes, e no segundo caso implicam apenas uma deslocação. Mas, para este efeito, não é decisivamente relevante essa diferença, relevante é o trabalho efetuado (é ele que justifica a retribuição) e, na verdade, esse trabalho será igual num caso e noutro. Um critério de razoabilidade e igualdade aponta no sentido da tese invocada pelo recorrente, na esteira do referido acórdão da Relação de Coimbra.
Assim, de acordo com a regra do artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil, justifica-se que se considere, para efeitos de cálculo dos honorários devidos a defensor oficioso, intervenção em duas sessões a intervenção desse defensor não só num julgamento que é interrompido de um dia para o outro, mas também a que decorre na manhã e tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço. Já assim não será se a interrupção ocorrer no mesmo período da manhã ou da tarde.”
Por concordarmos com o que acabamos de citar, tudo o que pudéssemos acrescentar não passaria de mera redundância.
Apenas nos limitaremos com a simples achega de que estando em causa a remuneração dos honorários no âmbito da defesa oficiosa, tal remuneração deve adequada e justa. Não faria sentido remunerar com o mesmo montante de honorários um defensor que intervém num julgamento que ocupa a manhã de um dia e a manhã de um outro dia e um outro defensor que intervém num julgamento que, num dia, ocupa a parte da manhã e a parte da tarde (depois de uma interrupção para almoço) e que também ocupa a manhã de um outro dia.
Perante a constatada lacuna legislativa deixada por aquela revogação da nota 1 que estava anexa à Portaria nº 1386/2004, remunerar do mesmo modo o imprescindível desempenho da prestada defesa oficiosa nestas duas diversas situações criaria manifestas desigualdades.
Por isso, a solução por que enfileiramos é a que se nos afigura mais razoável e justa e capaz de sanar os inconvenientes decorrentes das desigualdades apontadas, tanto mais que, conforme referido no já mencionado acórdão da Relação de Coimbra de 12.10.2016 “a Constituição da República Portuguesa qualifica o patrocínio forense – onde se inclui o acesso ao direito e aos tribunais por via, além do mais, da protecção jurídica, de que o apoio judiciário é modalidade – de elemento essencial à administração da justiça, o que só será alcançável com a prestação de serviços de qualidade que, naturalmente, pressupõem a justa e adequada remuneração
Merece, pois, provimento o recurso.
Nessa decorrência impõe-se a revogação do despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro a determinar que, na fixação de honorários ao recorrente, seja considerada a sua intervenção em duas sessões de julgamento quando, no dia 12.12.2016, este foi interrompido para almoço.

III. DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em, concedendo provimento ao recurso interposto pelo ilustre advogado Dr. B..., revogar o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro a determinar que, na fixação de honorários ao recorrente, seja considerada a sua intervenção em duas sessões de julgamento quando, no dia 12.12.2016, este foi interrompido para almoço.
Sem custas.
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(Elaborado em computador e revisto pelo relator, 1º signatário - art. 94º nº 2 do Código de Processo Penal)
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Porto, 21 de Junho de 2017
Luís Coimbra
Maria Ermelinda Carneiro