Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
722/13.6TTMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: DESPEDIMENTO ILÍCITO
INDEMNIZAÇÃO
SUBSÍDIO DE DOENÇA
Nº do Documento: RP20150105722/13.6TTMAI.P1
Data do Acordão: 01/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Face ao disposto no n.º 1 do artigo 390.º do Código do Trabalho, em caso de despedimento ilícito, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
II - Porém, se nesse período, ou em parte desse período, ainda que se mantivesse o contrato de trabalho, por motivo de doença o trabalhador não podia exercer a actividade, tal significa que em relação ao período em causa o não cumprimento da obrigação por parte do trabalhador não é imputável à empregador.
III - Verificando-se que em relação a tal período de incapacidade o trabalhador se encontra a receber da Segurança Social subsídio de doença, o qual não é cumulável com a retribuição, tal significa que nesse período o empregador não tem que suportar esta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 722/13.6TTMAI.P1
Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B… (NIF ………, residente na Rua …, n.º …, ….-… …) intentou, através da apresentação do formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo do Trabalho, acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra C…, Lda. (NIPC ………, com sede na Rua …, n.º.., ….-… …), declarando a sua oposição ao despedimento, promovido por esta, e requerendo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

Designada e realizada a audiência de partes, na mesma não se logrou obter o acordo destas.
Após, veio a empregadora, nos termos previstos nos artigos 98.º-I, n.º 4, alínea a) e 98.º-J, n.º 1, ambos do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT), apresentar articulado a motivar o despedimento.
Para o efeito alegou, em suma, que o trabalhador foi admitido ao seu serviço em 6 de Abril de 2000, para desempenhar as funções de “polidor manual”, e que no exercício das mesmas contactava com fornecedores da Ré, com quem agendou encontros fora das instalações desta.
Em tais encontros sugeriu aos fornecedores da Ré que aumentassem o preço dos bens a fornecer a esta, de modo a que a margem de lucro excedente lhe fosse (ao Autor) entregue para seu benefício próprio; caso o fornecedor não procedesse de acordo com as referidas instruções do Autor, este dava indicações à Ré de que os produtos desse fornecedor eram de fraca qualidade, sugerindo outros fornecedores para a Ré.
E, de modo a fundamentar e convencer da fraca qualidade dos produtos fornecidos pelas empresas que não aceitavam o “conluio”, o trabalhador/Autor manuseava-os de forma deficiente e danificava-os propositadamente, retirando-lhes qualidade e provocando prejuízos à Ré: de seguida dava instruções ao departamento de encomendas da Ré para ser utilizado outro fornecedor devido à perda de qualidade dos materiais que haviam sido fornecidos por empresas que não haviam aceite as propostas do Autor.
Acrescenta a Ré que dada a confiança que tinha no Autor, na sequência das instruções deste procurava outros fornecedores dos produtos necessários, não fazendo mais nenhuma encomenda ao fornecedor com os produtos de “má qualidade”, concluindo que por essa via o Autor obteve para si um enriquecimento ilícito e causou prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, não só à Ré como aos seus fornecedores, incorrendo em infracções graves, provocando a falta de confiança no mesmo e a existência de justa causa para o despedimento.

Respondeu o trabalhador/Autor, por excepção e por impugnação: (i) por excepção, sustentando a invalidade do procedimento disciplinar, uma vez que a nota de culpa não contêm uma descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados; por impugnação, a negar a prática dos factos que lhe foram imputados.
Em reconvenção, pediu a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização pela ilicitude do despedimento, a fixar entre 15 e 45 dias da retribuição completa por cada ano ou fracção, no pagamento das retribuições desde o despedimento ata à data do trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do mesmo e ainda uma indemnização de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Termina concluindo:
a) que se julgue procedente a excepção de invalidade do procedimento disciplinar, e ilícito o despedimento;
b) caso assim se não entenda, que se julgue não provada e improcedente a justa causa invocada pela Ré para o despedimento;
c) em qualquer dos casos, que se condene a Ré no pagamento de uma indemnização de antiguidade, nas retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declarou o mesmo ilícito, e ainda numa indemnização de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Respondeu a Ré, a afirmar a validade do procedimento disciplinar, por a nota de culpa se encontrar suficientemente circunstanciada, e a pugnar pela improcedência da reconvenção, concluindo, pois, tal como no articulado inicial que apresentou, pela licitude do despedimento.

Seguidamente foi admitido o pedido reconvencional e proferido saneador-sentença que, com fundamento na invalidade do procedimento disciplinar – por a nota de culpa não conter uma descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador –, declarou ilícito o despedimento do trabalhador/Autor, tendo os autos prosseguido para apreciação dos demais pedidos formulados na reconvenção.

Inconformada com a referida decisão que declarou ilícito o despedimento, a Ré dela interpôs recurso para este tribunal, recurso que foi admitido na 1.ª instância como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
No mesmo despacho foi fixado valor à causa (€ 25.468,87).

Entretanto, tendo os autos prosseguido para apreciação dos restantes pedidos formulados pelo Autor, procedeu-se a audiência de julgamento em 04-06-2014, no âmbito da qual a Ré requereu que se oficiasse à Segurança Social a fim de se apurar da situação contributiva do Autor, no que respeita a atribuição ou não de subsídio de desemprego, ou outro subsídio, após a cessação do contrato de trabalho e até ao trânsito em julgado da decisão.
Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho:
«Não obstante existir jurisprudência em sentido contrário, entendo que o desconto das quantias recebidas pelo trabalhador após o despedimento, nomeadamente a título de subsídios pagos pela Segurança Social, pode ser oficiosamente conhecida, pelo que o tribunal a final ordenará tais descontos, devendo as partes liquidar tais quantias após o trânsito em julgado.
Assim, por neste momento considerar não ser indispensável para a decisão a proferir, defiro o requerido quanto à notificação, muito embora determine que se conclua de imediato a audiência, sendo depois proferida a sentença.».

Em 12-06-2014 foi junto aos autos um documento remetido pelo Centro Distrital do Porto da Segurança Social, notificado às partes, do qual consta a seguinte informação:
«O beneficiário B…, requereu, Subsídio de Doença por Internamento desde 2013-09-22 A 2013-10-03.
A partir de 2013-10-04, até à presente data o beneficiário encontra-se com Subsídio de Doença.».

Em 17-06-2014 foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:
«Nestes termos e pelo exposto:
a) julgo a reconvenção parcialmente procedente por provada e condeno a entidade empregadora C…, Lda. a pagar a B…:
i. as retribuições que este deixou de auferir entre a data do despedimento (20/12/2013) e o trânsito em julgado da presente sentença, à razão de 813,07€ (oitocentos e treze euros e sete cêntimos) mensais, acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento de cada retribuição até integral pagamento, descontado do valor correspondente ao montante das retribuições que tenha obtido com a cessação do contrato e não obteria sem esta e dos montantes eventualmente recebidos a título de subsídio de desemprego (art.º 390.º do Código do Trabalho), tudo a liquidar posteriormente nos termos do disposto no art.º 358.º, n.º 2 do Código de Processo Civil;
ii. uma indemnização em substituição da reintegração, no valor de 8.372,27€ (oito mil, trezentos e setenta e dois euros e vinte e sete cêntimos), a que acrescerá a quantia diária de 1,60€ (um euro e sessenta cêntimos) até ao trânsito em julgado desta sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data desta sentença até integral pagamento;
iii. a quantia de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data desta sentença até integral pagamento;
b) nos termos do disposto no art.º 98.º-N, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, determino que o pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário de fls. 2 (deduzidos os períodos referidos no art.º 98.º-O do Código de Processo do Trabalho) – caso a decisão final deste processo não transite antes de tal data – seja efetuado pela entidade competente da área da Segurança Social.».

Inconformada com a sentença, a Ré dela interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
«I - O Digníssimo Tribunal a quo condenou a Recorrente no pagamento de retribuições intercalares, sem, no entanto, fazer reflectir nessa condenação a matéria de facto que conheceu oficiosamente e não levou à lista da matéria dada como provada.
II - Com efeito, antes do encerramento da audiência de discussão e julgamento, foi oficiosamente requerido pelo Tribunal a quo que fosse oficiada a Segurança Social para informar os autos das prestações auferidas pelo Recorrido entre 20-12-2013 – data do despedimento do Requerido – até ao presente.
III - Todavia, não foram os factos constantes do referido documento, tal como se impunha, levados pelo Ilustre Tribunal a quo à lista dos factos provados e, por conseguinte, considerados na decisão proferida sobre a causa, o que impõe para uma melhor aplicação do direito.
IV - Com efeito, o Tribunal a quo estava obrigado, seja por força do princípio do inquisitório, seja por força do princípio da aquisição processual, a fazer reflectir na sentença os factos que conheceu em virtude da sua iniciativa oficiosa.
V - Na verdade, conforme dispõe o número 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil “Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultam da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”
VI - E, por força do disposto no artigo 413.º do Código de Processo Civil “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado”.
VII - Ora, no caso em apreço nos autos, o Recorrido arrogou-se e alegou a existência de um direito – o pagamento das retribuições intercalares – que através da actividade investigatória do tribunal se verificou pela existência de factos que negam a existência do direito.
VIII - Factos que, por serem instrumentais, o Tribunal a quo deveria ter feito reflectir na sentença e não fez.
IX - E nenhuma dúvida subsiste quanto à classificação dos factos constantes do documento supra referido como instrumentais.
X - Veja-se a esse propósito o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Setembro de 2003, proferido no processo n.º 03B1987, o qual, inequivocamente, corrobora o antedito: II - O juiz tem, no modelo processual vigente, a possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, e de considerar na decisão, os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
III - E, ao contrário do que sucede quanto aos factos essenciais - em relação aos quais funciona o princípio da auto-responsabilidade das partes – relativamente aos factos instrumentais o tribunal não está sujeito à alegação das partes, podendo oficiosamente carreá-los para o processo e sujeitá-los a prova.
IV - Factos instrumentais são os que interessam indirectamente à solução do pleito, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes; não pertencem à norma fundamentadora do direito e são-lhe, em si, indiferentes, servindo apenas para, da sua existência, se concluir pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção (…).
XI – Ora, por serem factos instrumentais deve ser adi[tado] à matéria assente o seguinte:
a) “O autor requereu subsídio de doença por internamento desde 2013-09-22 a 2013-10-03”. b) “A partir de 2013-10-03 até, pelo menos, 2014-06-12, o autor encontrou-se com subsídio por doença”.
XII - Somente a sua adição à sentença permite uma decisão consentânea com a verdade material, na medida em é necessário retirar consequências jurídicas desses factos, nomeadamente, não condenar a Recorrente no pagamento das retribuições intercalares no período em que o Recorrido se encontrava a receber subsídio por doença.
XIII – Se é certo que, por força da lei, sendo o despedimento declarado ilícito o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, mas é menos certo que, ainda que não tivesse existido acto imputável ao empregador o trabalhador não executaria a sua prestação laboral por facto que não é imputável nem ao credor nem ao devedor, designadamente na situação em que o trabalhador se encontra incapaz para o trabalho por motivo de doença e, nestes casos, determina o número 1 do artigo 795.º do Código Civil o credor/empregador fica desobrigado da contraprestação.
XIV - É este o sentido da jurisprudência nacional, v. g. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 14-11-2011 (processo n.º 398/10.2TTVNF.P1) e 19-05-2014 (processo n.º 816/09.2TTVNF.P3) e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-05-2002 (processo n.º 1659/01) e de 06-03-2002 (processo n.º 337/02) todos disponível em www.dgsi.pt.
XV - Todavia, não tendo tais factos – “O autor requereu subsídio de doença por internamento desde 2013-09-22 a 2013-10-03”.“A partir de 2013-10-03 até, pelo menos, 2014-06-12, o autor encontrou-se com subsídio por doença” – sido levados à matéria assente, violou o douto Tribunal a quo o disposto nos artigos 413.º e 5.º, número 2 do Código de Processo Civil.
XVI - Por outro lado, da inserção dos factos em apreço na matéria assente está o Tribunal a quo vinculado a deles tirar consequências, sendo certo que a consequência imediata é a não condenação da Recorrente no pagamento de retribuições intercalares no período em que o Recorrido auferiu subsídio por doença.
Nestes termos, e nos mais de direito que Vas. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, mui doutamente suprirão, deverá ser aditada à matéria assente os dois factos mencionados em 24.º e, em consequência, ser a sentença revogada na parte em que condenou a Recorrente a pagar ao Recorrido a compensação prevista no artigo 390.º do Código do Trabalho no período em que o Recorrido recebeu subsídio por doença, assim se fazendo inteira e sã Justiça.».

Não tendo sido apresentadas contra-alegações, foi o recurso admitido na 1.ª instância, como de apelação, a subir de imediato, nos autos, e com efeito meramente devolutivo.

Recebidos os autos neste tribunal, aqui o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, não objecto de resposta, no sentido de que «(…) o acórdão a prolatar deve contemplar o deferimento da pretensão, procedendo o recurso”.

Preparada a deliberação, remetido projecto de acórdão aos Exmos. Desembargadores Adjuntos e colhidos os vistos legais, cabe agora decidir.

II. Objecto do recurso
Como é sabido, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).
Com efeito, como resulta do referido n.º 1 do artigo 639.º do CPC, o recorrente deve concluir a sua alegação indicando os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão; e de acordo com o n.º 4 do artigo 635.º, na conclusão da alegação pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso.
Ora, no requerimento de interposição do recurso, a Ré expressamente afirma que não se conforma com a sentença, na parte referente à “condenação da Ré a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir entre a data do despedimento (20/12/2013) e o trânsito em julgado da presente sentença, à razão de €813,07 (oitocentos e treze euros e sete cêntimos) mensais, acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento de cada retribuição até integral pagamento, descontado do valor correspondente ao montante das retribuições que tenha obtido com a cessação do contrato e não obteria sem esta e dos montantes eventualmente recebidos a título de subsídio de desemprego, tudo a liquidar posteriormente nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (…)”.
E das conclusões das alegações de recurso extrai-se, ao fim e ao resto, que a recorrente sustenta que não poderá ser condenada no pagamento ao recorrido das retribuições intercalares em relação ao período em que este recebeu subsídio por doença, devendo com referência a esse período proceder-se a aditamento à matéria de facto.
Assim, são duas as questões suscitadas e a decidir:
- saber se existe fundamento para proceder ao aditamento à matéria de facto;
- saber se são ou não devidas retribuições intercalares no período em que o trabalhador/recorrido recebeu subsídio de doença.

III. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
A) Através de um “Auto de Ocorrência” datado de 10/09/2013, a entidade empregadora decidiu instaurar um processo disciplinar ao trabalhador, tendo nomeado o instrutor de tal processo (documento junto a fls. 4 do processo disciplinar apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido);
B) Na sequência de tal nomeação, o instrutor do processo procedeu à realização das seguintes diligências:
a. No dia 10/09/2013, inquirição das testemunhas D…, E… e F… (autos juntos a fls. 6, 8 e 11 do processo disciplinar apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos);
b. No dia 23/10/2013, inquirição das testemunhas G… e H… (autos juntos a fls. 15 e 17 do processo disciplinar apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos);
C) Por carta enviada em 08/11/2013 e recebida pelo trabalhador em 11/11/2013, a entidade empregadora enviou a este a nota de culpa elaborada, concedendo-lhe o prazo de dez dias úteis para apresentar a sua defesa, tendo a nota de culpa o seguinte teor:
“NOTA DE CULPA
Em processo disciplinar elaboro NOTA DE CULPA, contra B…, residente na Rua …, …, …, Maia, nos termos e com os seguintes FUNDAMENTOS:
1º O arguido foi admitido ao serviço da sociedade comercial “C…, LDA”, com domicílio na Rua …, n.º .., …, Maia, com início em 6 de Abril de 2000, mediante contrato de trabalho verbal.
2º Acordaram as partes que o local de trabalho do arguido seria o domicílio da entidade patronal.
3º O arguido foi admitido ao serviço para desempenhar as funções de polidor manual.
4º O horário de trabalho do arguido é em regime de tempo integral a fixar pela entidade patronal nos termos da lei, estipulado consoante as necessidades da entidade empregadora.
5º O arguido tem como função, entre outras, a de escolher os materiais e avaliar a qualidade e eficácia dos mesmos, para a sua secção de polimento, prestando essa informação ao departamento de encomendas da empresa.
6º Em virtude das suas funções, o arguido contacta com os fornecedores da empresa, agendado encontros fora das instalações da entidade patronal e sugere-lhes que o seguinte conluio:
A empresa fornecedora aumenta o preço dos bens a fornecer e a margem de lucro excedente entrega ao arguido para seu benefício próprio. Caso o fornecedor assim não proceda, o arguido dá indicações na C… de que os produtos desse fornecedor são de fraca qualidade e sugere outros fornecedores para a empresa.
7º De modo a fundamentar e convencer a C… da fraca qualidade dos produtos fornecidos pelas empresas que não aceitam o conluio, o arguido manuseia-os de forma deficiente e danifica-os propositadamente, retirando-lhes qualidades, nomeadamente na utilização de força excessiva no acto do polimento.
8º Danificando, de forma propositada, bens da empresa, causando-lhe prejuízo.
9º De seguida dá instruções ao departamento de encomendas para ser utilizado outro fornecedor devido à perda de qualidade dos materiais que haviam sido fornecidos por empresas que não aceitavam a proposta do trabalhador arguido.
10º Atenta a manifesta confiança que a C… depositava no arguido, mediante as suas instruções, a C… procurava outros fornecedores dos produtos necessários, não fazendo mais nenhuma encomenda ao fornecedor com os produtos “de má qualidade”.
11º Com esta actuação, o arguido, de forma injustificada, obtém um enriquecimento ilegítimo, causa prejuízo patrimonial e moral à C… e aos seus fornecedores.
12º Tanto quanto a C… logrou apurar, a actuação do arguido foi levada a cabo com os fornecedores, “I…”, “J…”, “K…, S.A”, “L…, Lda”, “M…, Lda”, durante os anos de 2012 e 2013.
13º Estes fornecedores, aquando da tomada dos seus depoimentos, revelaram-se chocados com o comportamento desleal para com a entidade patronal do trabalhador arguido, que não olhava a meios para atingir os seus intentos de obter um enriquecimento ilegítimo.
FACE AO EXPOSTO,
14º A postura do arguido é incompatível com as qualidades pessoais exigidas pela entidade patronal para os seus trabalhadores, qualidades donde se podem destacar a confiança, honestidade, idoneidade, boa fé, espírito de equipa.
15º Perante estes factos e a gravidade que os mesmos assumem, a relação de confiança cessou entre a entidade patronal e o arguido, pelo que é manifestamente impossível a subsistência da relação laboral.
16º O arguido agiu de forma voluntária e consciente.
17º O arguido violou assim, o dever de respeito para com a entidade patronal, e as pessoas que se relacionam com a empresa, dever esse previsto no art.º 128, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho (CT).
18º O arguido não realiza o trabalho com zelo e diligência, atenta a actuação em danificar produtos de forma propositada, dever esse previsto no art.º 128, n.º 1, alínea c) do Código do Trabalho (CT).
19º A actuação do arguido viola o dever de lealdade a que está obrigado para com a empresa, previsto no artigo 128.º, n.º 1, alínea f) do C.T.
20º O arguido, ao danificar os materiais adquiridos pela empresa, viola o seu dever de conservar e velar pela boa utilização dos equipamentos que lhe são fornecidos pela entidade patronal, conforme o disposto no artigo 128.º, n.º 1, alínea g), do C.T.
21º Violou de igual modo, o dever de promover e executar actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, dever esse previsto no artigo 128, n.º 1, alínea h) do Código do Trabalho.
22º O comportamento do arguido é notoriamente grave, ao sugerir conluios aos fornecedores da C…, de modo a estes aumentarem os preços dos materiais e entregarem a margem de lucro excedente ao arguido, sob pena de o arguido, utilizando a técnica de danificar os materiais e produtos destes fornecedores de forma inadequada, danificando-os propositadamente, convencer a C… da má qualidade destes com a consequente mudança de fornecedor.
23º Além da notória relevância disciplinar da prática dos factos retro alegados da autoria do arguido, tais comportamentos indiciam a prática dos crimes de dano, burla e infidelidade, previstos e puníveis pelo Código Penal.
Assim, contra o arguido elaboro a presente nota de culpa, à qual poderá responder se o desejar, no prazo legal de 10 dias úteis (art.º 355º do CT) para sede da entidade patronal.
Porto, 7 de Novembro de 2013.
Os Instrutores,
(N…)
(O…)”
(documentos juntos a fls. 20 a 30 do processo disciplinar apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos);
D) O trabalhador não apresentou resposta à nota de culpa, tendo apenas junto ao processo disciplinar procuração forense outorgada a favor do Exmo. Advogado que o patrocina nestes autos (documento junto a fls. 31 do processo disciplinar apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido);
E) Por carta enviada em 18/12/2013 e recebida pelo trabalhador em 20/12/2013, a entidade empregadora enviou a este a decisão final proferida, na qual lhe aplicou a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação (documentos juntos a fls. 32 a 39 do processo disciplinar apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos);
F) O autor foi admitido ao serviço da ré em 01 de Fevereiro de 2000, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer as funções, inicialmente, de “serralheiro” e, posteriormente, de “polidor manual”;
G) O autor auferia como retribuição do seu trabalho as seguintes quantias:
a) salário-base - 584,00€ (quinhentos e oitenta e quatro euros);
b) prémio de pontualidade - 20,00€ (vinte euros);
c) prémio de qualidade - 82,57€ (oitenta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos);
d) prémio de produtividade - 50,00€ (cinquenta euros);
e) subsídio de alimentação, no valor diário de 5,75€ (cinco euros e setenta e cinco cêntimos);
H) A ré pagou ao autor as quantias constantes do recibo junto a fls. 44v., relativas às parcelas ali discriminadas;
I) Com o despedimento, o trabalhador ficou privado dos seus salários, através dos quais, além de outros rendimentos, satisfazia as necessidades alimentícias inerentes ao seu agregado familiar;
J) A quebra no nível de vida proporcionado com o recebimento do valor salarial em causa acarretou para o trabalhador um sentimento de desconsideração pessoal e social, para além de preocupações, angústia, mágoa e incómodos.

IV. Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de analisar, de per se, cada uma delas.

1. Do aditamento à matéria de facto
Como se deixou referido, a sentença recorrida, tendo por base a ilicitude do despedimento, condenou a Ré/recorrente, entre o mais, a pagar ao Autor/recorrido as retribuições que este deixou de auferir entre a data do despedimento (20-12-2013) e o trânsito em julgado da decisão, descontado do valor correspondente ao montante das retribuições que o trabalhador tenha obtido com a cessação do contrato e que não obteria sem esta e dos montantes eventualmente recebidos a título de subsídio de desemprego.
E remeteu o apuramento de tais quantias para liquidação posterior, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 2, do CPC.
Da fundamentação da sentença nada mais de relevante se extrai sobre a matéria, para além do que consta da referida decisão.
Todavia, na sequência do requerimento apresentado pela Ré na audiência de julgamento – no sentido de se oficiar à Segurança Social para apurar se desde o despedimento e até ao trânsito da decisão o Autor auferiu subsídio de desemprego ou outro subsídio –, o tribunal a quo, no despacho que proferiu, logo anunciou que tal informação não era indispensável para a decisão a proferir, uma vez que entendia ser de conhecer oficiosamente das quantias recebidas pelo trabalhador após o despedimento, nomeadamente a título de subsídios pagos pela Segurança Social, mas que tal conhecimento devia ser efectuado em liquidação posterior, após o trânsito da sentença.
Certamente só por isso o tribunal a quo não consignou na matéria de facto a inerente à “doença” do trabalhador após o despedimento.
Todavia, não vislumbramos fundamento para o tribunal não ter conhecido logo na sentença de eventuais retribuições não devidas ou até deduções a fazer nessas retribuições desde que se encontrassem provadas e quantificadas, em vez de remeter tal conhecimento para posterior liquidação.

Refira-se, em breve parêntesis, que a interpretação conjugada do despacho proferido na audiência de julgamento com a parte decisória da sentença é susceptível de permitir a conclusão que o tribunal ordenou que nas retribuições intercalares devidas ao trabalhador fossem descontadas as importâncias por ele auferidas a título de subsídio de doença, embora relegando esse apuramento para momento posterior, pelo que, nessa perspectiva, a Ré não teria ficado vencida quanto a esta matéria, e assim não seria admissível o recurso (cfr. artigo 631.º, n.º 1, do CPC).
Com efeito, logo no despacho referido o tribunal afirmou entender ser de deduzir nas retribuições intercalares os subsídios recebidos pelo trabalhador da Segurança Social, mas que tal seria feito em posterior liquidação: e a formulação condenatória usada na sentença – pagamento das retribuições intercalares, “descontado o valor correspondente ao montante das retribuições que tenha obtido com a cessação do contrato e não obteria sem esta e dos montantes eventualmente recebidos a título de subsídio de desemprego (art.º 390.º do Código do Trabalho)” –, embora demasiado genérica, tendo em conta a referência ao normativo legal invocado poderia abarcar o subsídio de doença.
Cremos, contudo, que uma tal interpretação e solução não se apresenta inequívoca, até porque o que tribunal a quo determinou na sentença foi o desconto do valor correspondente ao montante das retribuições que o trabalhador obteve com a cessação do contrato, assim como do eventual subsídio de desemprego, e no caso do subsídio de doença, segundo se entende, e como melhor se analisará infra, não se trata em rigor de um desconto nas retribuições auferidas, mas sim de não auferimento das retribuições em relação ao período de doença, por o contrato se encontrar suspenso.
Assim, e fazendo a respectiva subsunção jurídica, o que está em causa é saber se o trabalhador tem direito a auferir as retribuições desde o despedimento até ao trânsito da decisão que declarou este ilícito – situação prevista no n.º 1 do artigo 390.º do Código do Trabalho –, e não se há lugar às deduções previstas no n.º 2 do mesmo artigo.
Por isso, tendo em conta que, como se extrai do disposto no artigo 295.º do Código Civil, na interpretação das decisões judiciais, como actos jurídicos que são, deve observar-se a disciplina legal à interpretação e integração das declarações negociais, nomeadamente a que se encontra prevista nos artigos 236.º a 238.º do Código Civil, e que, como se disse, não resulta inequívoco se na sentença recorrida se encontra abrangido o não pagamento da retribuição em relação ao período de doença, entende-se conhecer do objecto do recurso.

Fechado o parêntesis, avancemos.
Resulta do documento de fls. 100 dos autos, emitido pelo Instituto de Segurança Social, e não impugnado pelas partes, que o Autor requereu subsídio de internamento desde 22-09-2013 a 03-10-2013, período ainda anterior ao despedimento, e que a partir de 04-10-2013 até pelo menos 12-06-2014 (data da informação prestada pela Segurança Social) recebeu subsídio de doença.
Como tem sido maioritariamente afirmado pela jurisprudência, o despedimento ilícito é facto constitutivo do direito do trabalhador às retribuições intercalares (n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil), sendo a dedução de rendimentos do trabalho por actividades iniciadas posteriormente ao despedimento facto extintivo desse direito (n.º 2, do mesmo artigo; neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 10-07-2008 e de 25-03-2010, Proc. n.ºs 457/08 e 690/03.2TTAVR-B.C1.S1, respectivamente, disponíveis em www.dgsi.pt).
E tem igualmente a jurisprudência entendido, de modo maioritário, que em relação aos rendimentos auferidos desde o despedimento até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento da acção declarativa a alegação e prova deverá ser feita nessa acção, e quanto aos eventuais rendimentos auferidos após o encerramento da discussão da audiência de julgamento, uma vez que a entidade empregadora não teve oportunidade de na acção declarativa alegar e provar os mesmos (artigo 663.º, n.º 1, do anterior CPC e artigo 611.º do actual CPC), pode tal alegação e prova ser efectuada posteriormente (neste sentido, por todos, o acórdão do STJ de 10-07-2008, supra referido e ainda o acórdão do mesmo tribunal de 12-07-2007, Proc. n.º 4280/06, disponível em www.dgsi.pt).
Por isso, tendo a empregadora alegado que o trabalhador eventualmente auferiu subsídios da Segurança Social após o despedimento, e prestada tal informação por esta entidade, não se detecta fundamento para o tribunal afirmar que tal não se apresenta indispensável na decisão a proferir e que poderá oportunamente ser atendido, após o trânsito da sentença, na liquidação a efectuar.
Nesta sequência, tendo em atenção o pretendido aditamento à matéria de facto, que observa os requisitos previstos no artigo 640.º do CPC, o documento de fls. 100 (informação da Segurança Social), que não se mostra impugnado, e não perdendo de vista os poderes inquisitórios emergentes do artigo 72.º do CPT, que permitem ao juiz atender aos factos essenciais ou instrumentais que resultam da discussão da causa, aditam-se à matéria de facto os seguintes factos:
“K) O Autor requereu subsídio de doença por internamento desde 22-09-2013 a 03-10-2013;
L) A partir de 04-10-2013 até, pelo menos, 12-06-2014, o Autor encontrou-se com subsídio de doença”.
Procedem, por consequência, nesta parte as conclusões das alegações de recurso.

2. Quanto a saber se são ou não devidas retribuições intercalares no período em que o trabalhador/recorrido recebeu subsídio de doença
Resulta da análise supra efectuada que a sentença recorrida, considerando, nessa fase, desnecessária a concreta apreciação de quaisquer eventuais subsídios auferidos pelo trabalhador, condenou, diremos genericamente, a empregadora no pagamento das retribuições intercalares entre o despedimento e decisão transitada em julgado que declare o mesmo ilícito, a que deverão ser deduzidos os montantes das retribuições que o Autor tenha auferido com a cessação do contrato, e que não obteria sem esta, e do subsídio de desemprego.
Por sua vez, a recorrente sustenta, ao fim e ao resto, que em relação ao período em que o Autor recebeu subsídio de doença não são devidas retribuições intercalares.
Vejamos.

Como resulta dos autos o Autor foi despedido pela Ré em 20-12-2013 (data em que recebeu a respectiva comunicação da Ré – artigo 224.º, n.º 1 do Código Civil), intentou a acção de impugnação do despedimento em 23-12-2013 e encontra-se a receber subsídio de doença desde 04-10-2013 até, pelo menos, 12-06-2014.
A propósito das consequências da situação de doença do trabalhador no período, ainda que parcial, que decorre desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declarou este ilícito, escreveu-se no acórdão deste tribunal de 19-05-2014 (Proc. n.º 816/09.2TTVNF.P3, disponível em www.dgsi.pt), em que foi relator o também aqui relator e em que intervieram como adjuntos os mesmos dos presentes autos.
“O artigo 390.º, do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Compensação em caso de despedimento ilícito”, prescreve:
1 – Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
2 – Às retribuições referidas no número anterior deduzem-se:
a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento;
c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social”.
Assim, e desde logo, de acordo com o n.º 1 do referido artigo, o trabalhador tem direito às retribuições intercalares desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.
Como assinala Joana Vasconcelos (Despedimento ilícito, salários intercalares e deduções, RDES, n.º 1 a 4, 1990, pág. 192), “o pagamento dos salários intercalares pelo empregador reconduz-se (…) à realização, à posteriori, da prestação retributiva a que estava obrigado por efeito do contrato de trabalho e que, indevidamente, não cumpriu durante o espaço de tempo que decorreu entre a cessação irregular de tal contrato e o acto que, decretando a invalidade desta, reafirmou simultaneamente a continuidade, no plano jurídico, do vínculo contratual”.
Ou, como escreve Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia, 2012, págs. 437-438), “[a] execução da prestação laboral foi impossibilitada pelo empregador que, ao afastar o trabalhador da empresa, o impediu de prestar o trabalho. Este impedimento, mercê da natureza da prestação em causa, gerou a impossibilidade (definitiva) da prestação, com a consequente exoneração do devedor-trabalhador (…).
Mas a exoneração do trabalhador não significa que ele deixe de ter direito à contraprestação (…). Verifica-se uma situação de impossibilidade imputável ao credor e, como estamos perante um contrato bilateral, segue-se a regra do artigo 795.º do Código Civil, nos termos da qual o credor não fica desobrigado da contraprestação. No fundo, o problema em análise é uma questão de responsabilidade pela contraprestação: tornada a prestação impossível por um ato de iniciativa do credor, não fica este desobrigado de cumprir a sua prestação”.
Assim, tem-se por pacífico o entendimento que conclui tendo o trabalhador ficado impossibilitado de prestar a actividade por facto imputável ao empregador, designadamente por despedimento ilícito, este não fica desobrigado de cumprir a sua prestação, ou seja, de pagar a retribuição.

A questão coloca-se, porém, nas situações em que mesmo que não tivesse existido o acto imputável ao empregador – seja porque não tinha havido despedimento ilícito, seja porque tinha reintegrado o trabalhador –, o trabalhador não exerceria a actividade por se encontrar incapaz para o trabalho por motivo de doença, como se verificou no caso em apreciação, em que o trabalhador esteve nessa situação de baixa médica no período de 26-09-2011 a 21-12-2012.
Na situação em causa, por força do que prescreve o n.º 1 do artigo 795.º do Código Civil, o credor/empregador fica desobrigado da contraprestação.
Assim, se o trabalhador não tivesse sido despedido, tudo se passaria como se ele estivesse ao serviço efectivo da empregadora; mas então, naquele período de 26-09-2011 a 21-12-2012, não podia exercer a actividade, por doença, pelo que não havia lugar ao pagamento de retribuição [cfr. artigos 248.º, n.º 1, 249.º, n.ºs 1 e 2, alínea d) e 295.º, n.º 1, do Código do Trabalho], estando, inclusive, o contrato de trabalho suspenso [cfr. artigo 296.º, n.º 1, do Código do Trabalho].
Daí que, como decorrência lógica, não pode afirmar-se que o não cumprimento da obrigação por parte do trabalhador foi devido a acto imputável à empregadora (sendo certo que também não resulta dos autos que a doença tenha sido provocada pelo despedimento efectuado pela Ré), e, por consequência, que esta deverá suportar a sua contraprestação.”.
As transcritas considerações são transponíveis para o caso dos autos.
Com efeito, mesmo que o trabalhador não tivesse sido despedido, o certo é que desde 04-10-2013 e até, pelo menos, à data de 12-06-2014, ele esteve a receber subsídio de doença, o que significa que não podia prestar a actividade para a empregadora: atente-se que o subsídio de doença se apresenta como uma prestação da segurança social substitutiva da retribuição [cfr. artigo 255.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho e artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 04-02).
Por isso, encontrando-se o Autor incapaz para o trabalho pelo menos no período em causa e não podendo exercer a actividade, é quanto basta para concluir que ficou a Ré desobrigada do pagamento das retribuição, pelo que, tendo presente o disposto no citado n.º 1 do artigo 390.º do Código do Trabalho, nesse período não são devidas retribuições intercalares.
Este entendimento mostra-se conforme ao expresso, entre outros, no citado acórdão deste tribunal, nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06-03-2002 (Proc. n.º 337/02) e de 22-05-2002 (Processo n.º 1659/01), disponíveis em www.dgsi.pt), bem como no acórdão deste tribunal de 14-11-2011 (Proc. n.º 398/10.2TTVNF.P1, disponível em www.dgsi.pt) e ainda no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-05-2012 (Proc. n.º 5312/07.0TTLSB.L1-4, disponível em www.dgsi.pt.).
Nesta sequência, não obstante a declaração de ilicitude do despedimento, enquanto o trabalhador se encontrar a auferir subsídio de doença, não é devida pela empregadora ao trabalhador a respectiva retribuição.
Procedem, por isso, as conclusões das alegações de recurso, pelo que deve alterar-se a condenação a que se reporta i. da alínea a) da parte decisória da sentença recorrida, no sentido de se condenar a Ré a pagar ao trabalhador as retribuições que deixou de auferir, não desde a data do despedimento (em 20-12-2013), mas sim desde a data da cessação da incapacidade por doença até à data do trânsito da decisão que declarou ilícito o despedimento, mantendo-se em tudo o mais a sentença recorrida.

As custas do recurso serão suportadas pelo Autor, uma vez que ficou vencido, sendo na 1.ª instância suportadas por ambas as partes, na proporção na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º do Código de Processo Civil).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
1. aditar à matéria de facto os seguintes factos:
“K) O Autor requereu subsídio de doença por internamento desde 22-09-2013 a 03-10-2013;
L) A partir de 04-10-2013 até, pelo menos, 12-06-2014, o Autor encontrou-se com subsídio de doença”;
2. julgar procedente o recurso interposto pela Ré C…, S.A., e, em consequência, revogar a sentença recorrida, na parte que consta de a) i., que condenou aquela a pagar ao Autor B… “as retribuições que este deixou de auferir entre a data do despedimento (20/12/2013) e o trânsito em julgado da presente sentença, à razão de 813,07€ (oitocentos e treze euros e sete cêntimos) mensais, acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento de cada retribuição até integral pagamento, descontado do valor correspondente ao montante das retribuições que tenha obtido com a cessação do contrato e não obteria sem esta e dos montantes eventualmente recebidos a título de subsídio de desemprego (art.º 390.º do Código do Trabalho), tudo a liquidar posteriormente nos termos do disposto no art.º 358.º, n.º 2 do Código de Processo Civil”, que se substitui pela condenação da mesma Ré a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data da cessação da sua incapacidade por doença, até à data do trânsito da decisão que declarou ilícito o despedimento, mantendo-se em tudo o mais a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo Autor e na 1.ª instância por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.
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Porto, 05 de Janeiro de 2015
João Nunes
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
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Sumário elaborado pelo relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
i) face ao disposto no n.º 1 do artigo 390.º do Código do Trabalho, em caso de despedimento ilícito, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento;
ii) porém, se nesse período, ou em parte desse período, ainda que se mantivesse o contrato de trabalho, por motivo de doença o trabalhador não podia exercer a actividade, tal significa que em relação ao período em causa o não cumprimento da obrigação por parte do trabalhador não é imputável à empregador;
iii) verificando-se que em relação a tal período de incapacidade o trabalhador se encontra a receber da Segurança Social subsídio de doença, o qual não é cumulável com a retribuição, tal significa que nesse período o empregador não tem que suportar esta.

João Nunes