Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16275/16.0T9PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOANA GRÁCIO
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
REGIME LEGAL
NATUREZA URGENTE DO INCIDENTE
PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: RP2020040116275/16.0T9PRT-B.P1
Data do Acordão: 04/01/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO REQUERENTE, MANTENDO NOS SEUS PRECISOS TERMOS A DECISÃO SUMÁRIA PROFERIDA
Indicações Eventuais: 1ªSECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O art. 10.º, n.º 4, da Lei 5/2002, de 11-01, determina que em tudo o que não contrariar o disposto nessa mesma lei é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no CPPenal.
II - As questões relativas à tempestividade, ou não, do recurso não encontram qualquer resposta naquela lei, pelo que se impõe a sua apreciação à luz do regime do arresto preventivo previsto no art. 228.º do CPPenal.
III - De acordo com o n.º 1 deste referido preceito, o juiz decreta o arresto nos termos da lei do processo civil.
IV - Nos termos do disposto no art. 363.º, n.º 1, do CPCivil «Os procedimentos cautelares revestem sempre caráter urgente».
V - Esta natureza mantém-se mesmo na fase de recurso, pois a lei não a excepciona e o uso do advérbio sempre leva a concluir que perdura em qualquer fase do processo, devendo os autos, por tal razão, ser tramitados em férias, independentemente da fase processual em que se encontrem, de acordo com a regra da continuidade absoluta dos prazos nos processos urgentes (art. 138.º, n.º 1, do CPCivil).
VI – De resto, as querelas outrora existentes nesta matéria vieram a ser resolvidas através da jurisprudência fixada no acórdão do STJ n.º 9/2009, de 31-033, no sentido de que «Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente mesmo na fase de recurso», a qual se mantém perfeitamente actual em face do novo código de processo civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 16275/16.0T9PRT-B.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 3
I. Relatório
No âmbito do Inquérito n.º 16275/16.0T9PRT, a correr termos no DIAP do Porto – 12.ª Secção, o Ministério Público requereu, nos termos do art. 10.º, n.º 1, da Lei 5/2002, de 11-01, o arresto de bens e valores do arguido B…, com vista a assegurar o pagamento do valor de €2.045.771,59, que, na sua perspectiva, terá constituído vantagem de actividade criminosa.
Foi criado apenso de arresto, que foi tramitado no Juízo de Instrução Criminal do Porto, Juiz 3, tendo aí, por decisão de 26-04-2019 (fls. 96 a 103), sido decretado o arresto preventivo dos bens e valores identificados no requerimento apresentado, em montante suficiente para garantir o pagamento do valor indicado, quantia que se entendeu susceptível de vir a ser declarada perdida a favor do Estado, por corresponder ao valor do património incongruente com o rendimento lícito declarado pelo arguido à A.T..
Por requerimento entrado em juízo em 17-06-2019, veio o arguido, nos termos dos arts. 228.º do CPPenal e 372.º e 391.º e seguintes do CPCivil, deduzir oposição ao arresto preventivo de bens decretado por decisão de 26-04-2019, pedindo que, a final, fosse declarada a nulidade ou irregularidade do processo e ordenado o levantamento do arresto ou, caso assim não se entendesse, a respectiva redução.
Por decisão de 05-07-2019 (fls. 208 a 223), o Senhor Juiz de Instrução decidiu:
● Julgar improcedente a invocada nulidade ou irregularidade do arresto; e
● Julgar improcedente a oposição apresentada e, em consequência, manter o arresto decretado nos seus precisos termos.
Dessa decisão foi notificado o Ilustre Mandatário do arguido por ofício remetido a 08-07-2019 (226).
*
Inconformado, o arguido por requerimento entrado em juízo, via fax, a 30-09-2019, veio recorrer da decisão de 05-07-2019, solicitando a respectiva revogação, apresentando, nesse sentido, as seguintes conclusões (transcrição):
«1 - O presente recurso tem por objeto a douto despacho proferido em que se decidiu:
“1) Julgar improcedente a invocada nulidade ou irregularidade do arresto por suposto obstáculo do acesso do arguido ao inquérito, ao seu exame e obtenção das peças processuais necessárias à sua defesa;
2) Julgar improcedente a presente oposição e, em consequência, manter o arresto decretado nos seus precisos termos;
3) Condenar o arguido nas custas, fixando em 4 UC a taxa de justiça - cfr. art. 7.º, n.º 4 e Tabela II anexa ao R.C.P”
2 - Contudo, o Recorrente não se conforma, nem pode conformar, com a sentença proferida.
Sigamos a sequência das respostas do douto despacho de que ora se recorre aos pontos abordados pelo Arguido em sede de oposição ao arresto,
A. Da “nulidade ou pelo menos irregularidade do arresto decretado por entender que lhe foi coartado o exercício efetivo do contraditório”
3 - Refere o Tribunal a quo que o arguido teve ao seu dispor a totalidade do inquérito, bem como a possibilidade de o consultar e requerer cópia dos elementos necessários para deduzir oposição ao arresto.
4 - No entanto, na prática, o acesso ao inquérito mostrou-se bem dificultado e, em consequência, obstaculizado o exercício do contraditório por parte do Arguido.
5 - Estamos a falar de um processo extremamente complexo, seja pelo tipo de crimes em causa, pelo número de arguidos acusados ou pelo número de documentos constantes dos autos.
6 - Atendendo a isto, procurou o Arguido requerer a prorrogação do curto prazo processual para deduzir oposição ao arresto, bem como o exame dos autos fora da secretaria.
7 - No entanto, apenas lhe foi concedido, no caso ao seu mandatário, a consulta dos autos na secretaria dos serviços do Ministério Público.
8 - Isto apesar dos mais de 90 volumes que compõem o processo.
9 - Só mais tarde, por despacho de 18 de Junho de 2019, foi permitido ao Arguido obter as pretendidas cópias dos autos.
10 - Já não em tempo útil de o Arguido apresentar a oposição ao arresto na posse dos elementos mais básicos que lhe permitissem aquilatar dos indícios da prática do crime e da solidez dos mesmos.
11 - Exerceu, pois, o Arguido o seu direito, uma vez inconformado com o arresto de bens que lhe foi decretado, não o tendo, contudo, podido fazer de uma forma cabal e plena.
12 - Cita o Tribunal recorrido P. Pinto de Albuquerque “O Tribunal Constitucional (...) julgou não ser inconstitucional a proibição do acesso aos autos fora da secretaria no decurso do prazo para requerer a abertura de instrução, antes esta regra se impondo, pois «a disponibilidade do processo nessa fase não é total e não pode abdicar da necessidade de compatibilizar os vários interesses em jogo, nomeadamente a organização da defesa quando há pluralidade de arguidos, com eventual sobreposição de prazos»”
13 - Não está, no entanto, aqui em causa sindicar a decisão do Ministério Público de deduzir acusação, mas sim o arresto preventivo decretado, que desde logo produziu efeitos, e cujo prazo para o arguido se lhe opor é mais curto que o existente para requerer a abertura de instrução.
14 - Motivo pelo qual, jamais se poderia lançar mão de tal fundamentação.
15 - Resulta, assim, claro que foi neste caso coartado o exercício efetivo do contraditório.
16 - Impunha-se, pois, decisão que declarasse a nulidade do processo, por violação dos princípios do contraditório e da publicidade.
Sem prescindir,
B. Da nulidade do arresto por ter decidido sem a prévia audição do Arguido
17 - Dispõe o n.º 4 do artigo 194.º do Código do Processo Penal que a aplicação de medidas de coação “é precedida de audição do arguido”, salvo os fundamentados casos de impossibilidade.
18 - No entanto, o Tribunal a quo fundamenta a desnecessidade de audiência prévia do Arguido com a interpretação da lei do processo civil por remissão dos artigos 228.º, n.º 1 do Código do Processo Penal e 10.º, n.º 4 da Lei n.º 5/2002.
19 - No âmbito do n.º 1 do artigo 393.º do Código do Processo Civil, “examinadas ao provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais”.
20 - Requisitos estes que são a existência de um crédito e o receio de perder a garantia patrimonial do mesmo.
21 - Ora, da interpretação conjunta destes artigos, resultam duas interpretações possíveis,
22 - Uma primeira que exige a audição do Arguido antes do decretar do arresto preventivo,
23 - E uma outra que dispensa tal audição, desde que se alegue o prove o fundado receio de que faltem ou diminuam de forma substancial as garantias para pagamento do valor liquidado.
24 - Certo é que, no caso em concreto, e perante a ausência quer de audiência prévia (ou fundamentação da impossibilidade da sua realização), quer do fundado receio de perda da garantia patrimonial, a decisão do Tribunal recorrido, perante um condicionalismo mais a que ficou votado o Arguido no exercício do contraditório, não poderia ser outra, senão a declaração de nulidade da decisão que decretou o arresto.
Sem prescindir,
C. Da inadmissibilidade legal do arresto sem a prévia condenação do Arguido pela prática do crime
25 - O artigo 10.º da Lei n.º 5/2002 prevê, no seu n.º 1, a possibilidade de o arresto de bens do arguido ser decretado para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º.
26 - Ora, no referido preceito, invocado e transcrito na decisão de que ora se recorre, é possível ler-se que “em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito”.
27 - Resulta indubitável a exigência de condenação.
28 - Aliás, na esteira do entendimento levado a cabo pelo Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão de 08/10/2014, Relatora Adelina Barradas de Oliveira.
29 - No caso em concreto, encontra-se o processo em fase prévia.
30 - Inexistindo qualquer condenação.
31 - Além disso, há que atentar no preceituado nos restantes números do artigo 10.º.
32 - No n.º 2 lê-se quo o Ministério Público tem a faculdade de requerer, a todo o tempo, o arresto de bens do arguido, desde que se verifiquem os requisitos cumulativos da existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e fortes indícios da prática do crime.
33 - Ora, como refere o Tribunal da Relação de Lisboa no referido Acórdão, este termo “a todo o tempo” terá que ser interpretado “cum grano salis”, em ordem à exigência plasmada no artigo 7.º de existência de condenação e ao princípio de que todo o arguido se presume inocente até trânsito em julgado da sentença de condenação, artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
34 - Não pode ser de outra forma, mais ainda quando se verifica que o arresto, de acordo com o n.º 3 do artigo 10.º, poderá ser decretado pelo juiz sem haver a necessidade de o MP demonstrar a existência de “periculum in mora", bastando para tal a exigência de fortes indícios da prática do crime.
35 - Esta lei choca de frente com alguns dos direitos processuais dos arguidos.
36 - Não se pode aceitar que seja vedado ao Arguido o direito a um processo justo, com a possibilidade dc se pronunciar e impugnar provas,
37 - Isto sob pena de se arruinarem, de forma irremediável, as estruturas básicas do direito penal, bem como princípios constitucionais, com o da presunção de inocência à cabeça.
38 - Assim, na falta de condenação transitada em julgado, jamais poderia tal arresto ser decretado.
39 - No entanto, ainda que se concedesse uma interpretação literal daqueles preceitos desgarrada de tais princípios, sempre se teria que referir que ficou por comprovar a exigida força dos indícios da prática do crime.
40 - Uma vez que, como teve oportunidade o Arguido de referir em requerimento de abertura de instrução, o Ministério Público deduziu uma acusação demasiado genérica para que se possam considerar fortes os indícios da prática do crime.
41 - Não logrou, pois, o Tribunal recorrido fundamentar a sua decisão, limitando-se tão só a fazer a transcrição da lei e a referir que o Arguido carece de razão.
42 - Dada a clareza da lei e a patente dificuldade em fundamentar o despacho, não pode o Arguido conformar-se com uma decisão que não seja o de levantar imediatamente o arresto decretado.
Sem prescindir,
D. Da inadmissibilidade do arresto do património adquirido pelo arguido em data anterior à da alegada prática do crime
43 - Refere o Tribunal recorrido que a Lei n.º 5/2002 prevê um regime especial de arresto para efeitos de perda alargada que atinge o património incongruente do Arguido, aqueles bens que o Ministério Público não consegue relacionar com um qualquer crime em concreto.
44 - O artigo 7º, nº 1 e nº 2, alínea c) da mencionada lei estabelece a presunção - ilidível - de que é “vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito”,
45 - Considerando-se, para tal e para além do mais, os bens “Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino”.
46 - Tal presunção retroativa não pode operar sem mais, sendo feita tábua rasa das restantes normas que regem o direito penal e processual penal.
47 - Assim, há que atentar, designadamente, no artigo 110º do Código Penal, que dispõe que “1 - São declarados perdidos a favor do Estado:
a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e
b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.” - sublinhado nosso.
48 - Este normativo, que é a base a partir da qual é erigida a fundamentação da decisão que decreta o arresto, estabelece que os bens quo podem ser declarados perdidos a favor do Estado são aqueles que resultam da prática do ilícito.
49 - Isto porque nenhum arguido obtêm ou pode obter qualquer vantagem com o ato criminoso se ainda nem sequer o praticou.
50 - A norma constante do artigo 7º, tem, pois, obrigatoriamente, que estar limitada pela data da prática do crime - data a partir da qual se pode verificar qualquer “vantagem de atividade criminosa”.
51 - A primeira data apontada para a alegada prática dos factos é o dia 29 de Setembro de 2019,
52 - Qualquer negócio ou património adquirido pelo ora recorrente anteriormente a esse período não podia ser considerado para efeitos de perda a favor do Estado nem podia, por conseguinte, ser objeto de arresto nos termos do artigo 10º da Lei 5/2002.
53 - Imputar vantagens ao Arguido referente a período anterior à prática dos crimes de que é acusado representa ainda uma agressão intolerável ao princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa,
54 - Pois, como se verifica no caso dos autos, o Tribunal pressupõe com este comportamento que o arguido é criminoso, sem, contudo, lhe imputar a prática de qualquer crime.
55 - A decisão do Tribunal a quo convoca um novo princípio, nos antípodas dos mais antigos e basilares princípios do processo penal, e que esperamos não faça escola, o princípio da presunção da culpabilidade.
56 - Face ao exposto, entende o ora recorrente que todos e quaisquer bens do seu património que tenham integrado esse património em data anterior a 29/09/2014 não poderiam ter sido arrestados.
57 - O arresto dos bens suprarreferidos não é legal, tendo em conta as disposições conjugadas dos artigos 32.º da Constituição da República Portuguesa 7º, nº e nº 2, alínea b) e 10º da Lei 5/2002 e 110º, nº 1 do Código Penal.
58 - Motivo pelo qual esteve mal o Tribunal recorrido ao fazer a interpretação isolada da Lei n.º 5/2002 e, consequentemente, ao manter o arresto decretado.
Sem prescindir,
E. Da redução do quantum aos bens do arguido suscetíveis de satisfazer o valor das alegadas vantagens obtidas
59 - Ainda que por hipótese meramente académica, se admitisse que aquelas 13 viaturas teriam sido objeto de crime perpetrado pelo Arguido - o que não se concede - sempre seria a partir destas que se calcularia o quantum das alegadas vantagens retiradas da alegada prática do ilícito típico, em ordem à já citada alínea b) do n.º 1 do artigo 110.º do Código Penal.
60 - Valor a que o MP teria a obrigação de chegar quando procedeu à liquidação.
61 - Ainda que o Tribunal não decidisse pelo levantamento do arresto, o que apenas se concede por mera cautela de patrocínio, aquele deveria ater-se aos bens do arguido suscetíveis de satisfazer o valor das alegadas vantagens económicas obtidas.
62 - Caso contrário, estar-se-ia a violar de forma grosseira e inadmissível um princípio mais, neste caso, o da proporcionalidade.
63 - Razões pelas quais considera o Arguido que deveria ter-se apurado o quantum das vantagens económicas alegadamente resultantes do facto ilícito típico em ordem ao supramencionado.
64 - Sendo, em consequência, reduzido esse referido quantum.
Nestes termos, revogando o douto despacho recorrido, na parte em que: a) julga improcedente a invocada nulidade ou irregularidade do arresto por alegado obstáculo do acesso do arguido ao inquérito, ao seu exame e obtenção das peças processuais necessárias à sua defesa; b) julga improcedente a presente oposição e, em consequência, mantem o arresto decretado nos seus precisos termos; e condena o arqui.do nas custas;
farão Vas Exas a costumada JUSTIÇA
*
O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, invocando a questão prévia da extemporaneidade do recurso e da sua rejeição com tal fundamento e, caso assim não se entendesse, pugnou pela sua improcedência, sintetizando a sua posição nas seguintes conclusões (transcrição):
«1.
Tendo sido notificado em 11-7-2019 (cfr. fls. 226 do apenso B) da decisão que julgou improcedente a oposição ao arresto, constante de fls. 208 e ss, e apresentado recurso da mesma apenas 30-9-2019, o recurso é, nos termos do art. 411º, nº 1, al. a), do CPP, extemporâneo, pelo que deverá ser rejeitado.
2.
O arresto para garantia da perda alargada depende da verificação de fortes indícios da prática do crime de catálogo e da desconformidade do património do arguido com os seus rendimentos lícitos, e não da prévia condenação por esse crime, nem demanda a sua prévia audição, nos termos dos arts. 10º, nºs 3 e 4, 393º, nº 1, do CPC, este último ex vi art. 4º do CPP.
3.
Foram respeitados, na decisão que decretou o arresto, os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, bem como, no que se refere à oposição ao arresto, o princípio do contraditório.
4.
À luz dos normativos aplicáveis, e conforme a interpretação correcta dos mecanismos de garantia da perda alargada, mormente o art. 7º, nº 1, 10º, nº 1 e 12º, nº 1, todos da Lei 5/2002, de 11-1, é possível o arresto de bens ainda que tenham sido adquiridos há mais de 5 anos contados da constituição de arguido ou mesmo antes da data da prática dos factos.
5.
Uma vez que não foi demonstrado pelo ora recorrente, em sede de oposição, que o valor suscetível de perda é menor do que o apurado e liquidado pelo Ministério Público, não deve o mesmo ser reduzido nos termos do art. 11º, nº 2, da Lei 5/2002, de 11-1.»
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Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser rejeitado por intempestivo ou, assim não se entendendo, de que deve ser julgado improcedente.
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Notificado nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, o recorrente nada disse.
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Por decisão sumária, datada de 04-02-2020, proferida ao abrigo do art. 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. a), ambos do CPPenal, foi rejeitado, por extemporâneo, o recurso interposto pelo arguido B… e este condenado em 3UC de taxa de justiça e em igual montante a título de sanção prevista no n.º 3 do art. 420.º do CPPenal.
Desta decisão reclamou o recorrente para a conferência alegando, em síntese, que o recurso é tempestivo, pois o prazo de recurso é o que reculta do CPPenal, ou seja, é de 30, e o mesmo não corre em férias, já que não se encontra contemplado no art. 104.º, n.º 2, do CPPenal.
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II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
As questões que o recorrente suscita no seu recurso são:
- Nulidade ou irregularidade do arresto decretado por ter sido coarctado ao recorrente o exercício efectivo do contraditório;
- Nulidade do arresto por ter sido decretado sem a prévia audição do arguido;
- Inadmissibilidade legal do arresto sem a prévia condenação do arguido pela prática do crime;
- Inadmissibilidade do arresto do património adquirido pelo arguido em data anterior à da alegada prática do crime;
- Redução do quantum aos valores dos bens do arguido susceptíveis de satisfazer o valor das alegadas vantagens obtidas.
*
Questão prévia.
Previamente à análise das matérias suscitadas pelo recorrente no seu recurso, importa apreciar a questão que foi objecto da decisão sumária de que reclamou o recorrente, isto é, se o recurso foi apresentado no prazo legal ou se, pelo contrário, há muito já havia decorrido o seu termo, como alegam o Ministério Público junto do Tribunal recorrido e também nesta Relação do Porto.
Conforme resulta da decisão inicial que decretou o arresto preventivo (fls. 96 a 103), o mesmo foi decidido nos termos dos arts. 391.º, 392.º, 768.º e 780.º do CPCivil, 228.º do CPPenal e 1.º, n.ºs 1, al. r) e 2, 7.º, n.ºs 1 e 2, e 10.º, estes da Lei 5/2002 de 11-01.
O art. 10.º, n.º 4, da Lei 5/2002, de 11-01, determina que em tudo o que não contrariar o disposto nessa mesma lei é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no CPPenal.
Ora, as questões relativas à tempestividade, ou não, do recurso não encontram qualquer resposta no referido diploma (Lei 5/2002, de 11-01), razão pela qual se impõe a sua apreciação à luz do regime do arresto preventivo previsto no art. 228.º do CPPenal.
E de acordo com o n.º 1 do referido preceito, o juiz decreta o arresto nos termos da lei do processo civil.
Entre outras particularidades que não relevam agora para a decisão a proferir, nos termos do disposto no art. 363.º, n.º 1, do CPCivil «Os procedimentos cautelares revestem sempre caráter urgente».
Esta natureza, entendemos, mantém-se mesmo na fase de recurso, pois a lei não a excepciona e o uso do advérbio sempre leva a concluir que perdura em qualquer fase do processo, devendo os autos, por tal razão, ser tramitados em férias, independentemente da fase processual em que se encontrem, de acordo com a regra da continuidade absoluta dos prazos nos processos urgentes (art. 138.º, n.º 1, do CPCivil).
Veja-se neste sentido, ainda à luz da redacção constante do velho CPCivil (art. 382.º), o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30-01-2003[2], onde se apresentaram os seguintes argumentos, que perfilhamos integramente:
«3. 2. 4. - Assente que os procedimentos cautelares são processos de natureza urgente em que os actos relativos à respectiva tramitação devem praticar-se mesmo durante férias judiciais, sob pena de se produzirem os correspondentes efeitos preclusivos, resta tomar posição sobre a questão de saber se o preceituado no art. 382º-1 deve ser objecto de interpretação restritiva, no sentido de se entender que a “urgência” se esgota com a decisão da 1ª instância, ou se deve entender-se que a mesma se estende à fase de recurso, até à decisão final definitiva.
Temos como certo este segundo entendimento.
Desde logo, o argumento literal parece não deixar outro sentido: “Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente, (...)”. O advérbio sempre acarretará com certeza para o texto legal a significação de que os procedimentos têm em todos os momentos e de modo constante, contínuo ou repetido carácter urgente. Vale dizer, a urgência respeita a toda a tramitação dos processos, incluindo a fase de recursos (cfr. “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea”, Verbo, 3377; Ac. STJ, 28/9/99, in BMJ 489º-277).
Depois, as razões de celeridade que estão na origem da consagração da «urgência», não só não se esbatem, como ainda podem revelar-se mais prementes e relevantes com o decurso do tempo, quer as providências pedidas tenham obtido provimento, quer não: - No primeiro caso, é o requerido que, discordando da decisão, e gozando do direito a vê-la reapreciada, pretende ver removidos ou minorados prejuízos que a execução imediata da medida decretada lhe possa estar a causar; na segunda situação, é evidente a manutenção dos pressupostos que, na 1ª instância justificaram a invocação do periculum in mora, donde que a razão de ser da celeridade continue a ser a mesma (vd. Ac. cit., 278; e ABRANTES GERALDES, “Temas da Reforma, III, 5-117)».

Aliás, alguma divergência que surgiu na jurisprudência sobre esta questão, ainda na vigência do velho CPCivil mas com inteira justificação em face do novo código, pois as normas mantêm a mesma redacção, foi resolvida através do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2009, de 31-03[3], que fixou jurisprudência nos seguintes termos:
«Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente mesmo na fase de recurso.»

Assim, de acordo com esta natureza inegável do arresto preventivo, os recursos respectivos devem correr em férias judiciais.
E no âmbito do processo civil o prazo de recurso no caso em apreço é de 15 (quinze) dias – art. 638.º do CPCivil.
A especificidade deste incidente de natureza urgente, que deve ser decretado de acordo com as normas processuais civis (art. 228.º do CPPenal), não é compatível com cindibilidade da tramitação processual, não prevista na lei, consoante estejamos antes ou depois da fase de recurso e muito menos com a transmutação da sua natureza urgente para não urgente em fase de recurso consoante estejamos no âmbito de um processo cível ou de um processo penal, sem fundamento atendível e sem previsão legal.
Não perfilhamos, por isso, a posição de que em fase de recurso as regras aplicáveis à tramitação do incidente são as do processo penal e, muito menos, a de que o incidente perde a sua natureza urgente.
Mas mesmo para aqueles que entendem que nesta fase de recurso já não se aplicam as regras do processo civil, logo a manutenção do carácter urgente do incidente por essa via – no que discordamos, como referido, pois a lei não cindiu a respectiva tramitação nem a natureza do arresto preventivo em face de qualquer momento processual –, o recurso continua a ser extemporâneo.
Segundo as regras do CPPenal o prazo de recurso seria de 30 dias mas isso não invalida que continua a existir obrigação de tramitar o recurso do incidente, que tem natureza urgente, no período de férias judiciais, como no caso concreto ocorreu, por respeitar a acto processual indispensável à garantia da liberdade das pessoas, conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 103.º, n.º 2, al. a), 104.º, n.º 2, e 191.º, n.º 1, do CPPenal.
Neste sentido, cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição, anotação ao art. 103.º, págs. 271 a 274, que considera incluídos nos actos processuais indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas os actos relativos a quaisquer medidas de coacção e de garantia patrimonial, os quais funcionam como excepção ope legis à regra do n.º 1.
Considerando a natureza urgente do incidente que aqui tratamos e a gravidade das consequências que do mesmo resultam, não se concebe que o mesmo em fase de recurso, vista a sua importância, como o supracitado aresto desta Relação do Porto, de 30-01-2003, deixa bem vincado, não seja tramitado em férias judiciais ao abrigo dos preceitos indicados.
Basta atentarmos ao momento que vivemos, com suspensão de toda a actividade processual não urgente.
Na tese do recorrente e daqueles que perfilham o carácter não urgente do incidente em fase de recurso no âmbito do processo penal, os processos de arresto deviam parar nesta fase de recurso, o que significa que alguém que seja alvo de arresto, com todas as consequências patrimoniais daí decorrentes, pode estar vários meses – as perspectivas de regresso à normalidade não são auspiciosas – à espera de poder recorrer de tal decisão.
A apreciação deste próprio recurso deveria, então, ficar suspensa.
O não reconhecimento do carácter urgente da tramitação de tais incidentes reflecte uma posição francamente atentatória dos direitos fundamentais de qualquer cidadão, que rejeitamos.
Nesta medida, quer se entenda que o prazo de recurso respectivo é o de 15 (quinze) dias previsto no art. 638.º, n.º 1, do CPCivil[4], posição que perfilhamos, quer se entenda que é o de 30 (trinta) dias com previsão no art. 411.º, n.º 1, do CPPenal[5], o mesmo sempre teria de correr em férias judiciais.
No caso em apreço, tendo a concretização da notificação ao Ilustre Mandatário do requerido, aqui recorrente, ocorrido em 11-07-2019 (ofício expedido a 08-07-2019, a que acrescem três dias, sendo aqui todos úteis), é manifesto que a 30-09-2019 há muito estava esgotado o prazo de recurso, independentemente da tese a que se aderisse quanto à tramitação processual aplicável.
E mesmo que o Ilustre Mandatário do recorrente tenha sido notificado a 17-07-2019, como alega, apenas agora e sem qualquer demonstração, em nada se altera a análise antecedente, pois a 30-09-2019 continuava a estar esgotado há muito o prazo de recurso.
O recurso é, pois, extemporâneo.
Estão reunidos os pressupostos para que o recurso em apreço seja rejeitado por manifesta improcedência, ao abrigo dos arts. 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. b), do CPPenal.
Assim, é de manter a decisão sumária nos seus precisos termos.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar total provimento ao recurso, mantendo nos seus precisos termos a decisão sumária proferida.
Custas da reclamação pelo requerente, fixando-se em 1 UC a taxa de justiça (art. 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).

Porto, 01 de Abril de 2020
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora)
Maria Joana Grácio
Paulo Costa
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[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Proc. 0330142, acessível in www.dgsi.pt.
[3] DR 96, Série I, de 19-05-2009.
[4] Neste sentido, acórdão da Relação do Porto de 17-09-2014, acessível in www.dgsi.pt, onde se afirma: «É sem qualquer reserva que aceitamos que à tramitação subsequente ao decretamento do arresto (em que o arrestado pode exercer o contraditório) se aplicam as normas que a lei processual civil estabelece para este procedimento cautelar.
[5] Neste sentido, acórdão da Relação de Lisboa de 19-11-2015, CJ XL V, pág. 116 (tem voto de vencido).