Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
671/14.0GAMCN.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: LEI DO CIBERCRIME
FACEBOOK
PROVA
Nº do Documento: RP20170405671/14.0GAMCN.P1
Data do Acordão: 04/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTO N.º 713, FLS.264-273)
Área Temática: .
Sumário: I – O Facebook é uma rede social que funciona através da internet, operando no âmbito de um sistema informático pelo que a recolha de prova está sujeita à Lei do Cibercrime - DL 109/2009 de 15/9.
II – Constitui prova legal a cópia de informação que alguém publicita no seu mural do Facebook sem restrição de acesso.
III – Só esta sujeita à disciplina do art.º 16º 1 e 3 da Lei do Cibercrime a apreensão da informação original inserta na plataforma, esteja ou não disponível.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 671/14.0 GAMCN.P1

Tribunal da Relação do Porto
(2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial)

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:
No processo supra identificado, por sentença datada de 13/01/2016, depositada na mesma data, mas apenas notificada ao arguido, julgado na ausência, em 19/10/2016 (cfr. artigo 333º, nºs. 2 e 5, do Código de Processo Penal), e no que ora importa salientar, decidiu-se julgar a acusação particular procedente e, em consequência:

– condenar o arguido B…, pela prática de dois crimes de difamação, ps. e ps. pelo artigo 180º, nº 1, do Código Penal, na pena de cento e vinte dias de multa, à taxa diária de seis euros, cada um;

– e, em cúmulo jurídico de tais penas, condená-lo na pena única de duzentos dias de multa, à mesma taxa diária, no montante global de mil e duzentos euros.

A par, mais se decidiu julgar parcialmente procedentes os pedidos cíveis e, em consequência, condenar o demandado B… a pagar a cada um dos demandantes C… e D… a quantia mil euros, a título de danos não patrimoniais sofridos com o evento, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a presente sentença até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.

Inconformado com a sobredita decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma nos termos constantes de fls. 211 a 222 (com original a fls. 223 a 244), aqui tidos como especificados, apreendendo-se das conclusões formuladas a final que o mesmo entende que foi valorada prova nula, que existe erro de julgamento e ainda que as penas parcelares aplicadas eram exageradas.

O recurso foi regularmente admitido (cfr. fls. 245).

O Ministério Público veio responder nos termos que constam de fls. 249 a 266, cujos fundamentos aqui temos como especificados, concluindo que deveria ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.

Os assistentes e demandantes também vieram responder nos termos vertidos a fls. 268 a 270 (com original a fls. 274 a 278), cujos fundamentos aqui temos como reproduzidos, tendo concluído também no sentido de que o recurso deveria improceder e manter-se, na íntegra, a decisão recorrida.

Neste tribunal, e com vista nos autos, o Ex.mo PGA emitiu o parecer junto a fls. 290 e 291, que aqui se tem como repetido, através do qual acompanhou a motivação contida na resposta do Ministério Público e preconizou também que o recurso deveria ser julgado improcedente.

No cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo penal, nada mais foi aduzido.

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO:
a) a decisão recorrida:
No que ora importa destacar, a sentença recorrida é do teor seguinte (transcrição).

Realizada a audiência de julgamento, dela resultaram provados os seguintes factos:

1. Os assistentes são irmãos e sócios de uma empresa em Angola;

2. Desde os finais de 2013 a agosto de 2014, os assistentes enquanto gerentes da referida firma fizeram uma parceria com o arguido;

3. Após ter cessado a dita parceria, os assistentes tiveram conhecimento por terceiros, seus amigos e amigos do arguido, que este, através da sua página no facebook, tinha publicado nesta página várias declarações e comentários difamatórios sobre eles;

4. Na posse dessa informação, os assistentes apuraram que efetivamente o arguido, através do seu facebook, tinha feito várias publicações de acesso público, portanto a todos amigos e a quaisquer pessoas que na página do arguido quisessem entrar;

5. Entre o mês de setembro e dezembro de 2014, o arguido digitalizou e publicou na sua página do facebook um Auto de Declarações, extraída de um processo que corre termos na República de Angola, na qual o aqui arguido figura como declarante/ofendido, onde declara, no que aqui importa, que: “ … constatou o desaparecimento dos seus valores monetário numa quantia de Quatrocentos mil Kwanzas (400.000 KZS) que encontravam-se por cima do seu guarda fato. O declarante disse ainda, que no dia trinta e um do mês de agosto do ano em curso, havia hospedado no Hotel E… através de alguns litígios que existia entre o mesmo e os seus colegas que antes eram parceiros da Empresa acima referenciado, estes conhecidos por D… e G…. Posto no Estaleiro em causa por volta das Onze horas da data dos factos, encontrara a porta do seu quarto fechada, tendo se introduzido no interior do mesmo, constatou o desaparecimento dos referidos valores. Ainda acrescentou que, o referido Quarto onde ocorreu os factos, os seus colegas acima já identificados, possuem duas chaves em sua posse da porta do quarto em causa. Sendo assim o declarante presume ser os seus colegas como presumíveis autores do referido furto, porque não se verifica arrombamento da porta nem da Janela do mesmo quarto”;

6. No mesmo período de tempo e nas mesmas circunstâncias, o arguido escreveu/proferiu no seu facebook, as seguintes declarações:
- “Fala ai seu ladrão para outra ves faz melhor ainda estou em pé” – 14/12 às 14: 45
- “Ser roubado pelos sócios em Angola é foda não vale nada essas pessoas vir roubar os amigos longe.” 5/09 às 16:37
- “Quidado as fotocópias ando ai atenção para não ser rouvados eles tem cara desantos mas não tem coração” – 1 agosto – 23:13
- “ Amanha as fotocopias vom se fazer de coitadinhos mas quando ele era vivo so dizio que o homem que os roubava para fazer as casas dele ele não tinha o vosso carate de ser ladrao como vcs se não fose ele vos passavas fome deixaide de tanta aganacia por dinheiro que vos vai matar men todos são com ele vos men as pes dele e ao carete que ele tinha ele sim era um homem não um ladrão com vos porque que não foste vos mas fosso dia vai chegar fos odeio seu ladroes as maquinhas são minhas e os vidros do vosso pavilhao também assim não costa ter as coisas.” – 20/12 – às 1: 18
- “ Quem os ve parece pessoas do bem so quem vive com eles e que sabe que eles são capaz de roubar os propios sócios não foi so um foi todos que foao no paleio como eu douromoveis e o to da granidera mas eles são capaz de de fazer mais trafico de pessoas do Congo para Angola sabe como faziam era num camião com um estrado em cima da carroça deixando um falso para as pessoas ir escondidas e por cima do estrado levava terra para enganar a policia só que um dia forma descobertos essas pessoas são falsas ladras traficantes de pessoas não vale nada sabe quem são os donos da empresa H… F… e G… quem tiver que fazer qualquer negócio tenha cuidado eles são dói trafulhas “ – 21.59;
7. Ao publicar a declaração acima transcrita e ao escrever, proferir tais declarações/textos e expressões no facebook, dirigidas aos assistentes, o arguido fê-lo com o propósito de atingir o bom nome e a reputação dos assistentes;

8. O que logrou conseguir;

9. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei;
10. Ao proferir/escrever e publicar a declaração e expressões/frases na sua página do facebook, o demandado quis ofender a honra e reputação dos demandantes;

11. Quis denegrir e prejudicar a imagem pessoal e profissional dos demandantes, o que realmente conseguiu;

12. Uma vez que, as expressões/frases publicadas foram-no com foros de seriedade e em moldes que permitia provocar, como na realidade provocou, comentários desagradáveis no seu seio dos amigos, o que levou a que os demandantes tivessem de dar explicações sobre tais publicações;

13. A conduta do demandado causou aos demandantes forte abalo psíquico, ficaram perturbados, tristes, envergonhados;

14. Nos dias seguintes evitaram, por terem receio de ser confrontados com tais declarações, os locais que habitualmente frequentavam;

15. Nos primeiros dias andaram irritados e não conseguiram conciliar o sono;

16. Foram várias vezes confrontados com questões relacionadas com o facto do demandado ter dito que faziam tráfico de pessoas e que eram ladrões;

17. Tais factos causaram humilhação, vergonha e nervosíssimo;

18. Os demandantes encontram-se a trabalhar em Angola e na data designada para a realização da audiência de discussão e julgamento tiveram de se deslocar a Portugal, sendo que tal deslocação acarretou despesas em montante não concretamente apurado;

19. O arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 18-06-2014, nos autos de Processo Comum Singular n.º 91/13.4GBMCN, do extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial do Marco de Canaveses, pela prática em 05-04-2013, de um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de ofensa à integridade física qualificada na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 6,00€ o que perfaz o total de 540,00€ e ainda na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de 6,00€ o que perfaz o total de 1.080,00€.
*
Factos não provados
Não se provaram outros factos relevantes para a discussão da causa para além ou em contradição com os que foram dados como assentes, designadamente que:

A) Os bilhetes de avião têm valor não inferior a €1.000,00 para cada um dos demandantes.
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Motivação
O Tribunal formou a sua convicção na análise crítica da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, de acordo com a sua livre convicção e as regras da experiência comum como impõe o art. 127º do CPP. Não olvidando que foram objeto de atenta análise e ponderação, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova e sem postergar o princípio “in dubio pro reo”, os seguintes elementos que contribuíram para formar, para além de qualquer dúvida razoável, a convicção positiva deste Tribunal.
Nesse sentido, os assistentes G… e D, esclareceram, de modo espontâneo, objetivo, sério e credível, que em finais de 2013 estabeleceram com o arguido uma parceria de trabalho em Angola e que a determinada altura o negócio começou a correr mal, deteriorando-se as relações entre eles, conduzindo a que tivessem colocado um fim na dita parceria em outubro/novembro de 2014. Relataram que, entretanto chegou ao conhecimento dos assistentes, através de familiares, amigos e pessoas próximas, que o arguido andava a propalar factos pouco abonatórios sobre a conduta dos assistentes, através da sua página do facebook, circunstância que confirmaram ao consultar por diversas vezes, em dezembro de 2015, a página do facebook do arguido, factos esses que são falsos e que tiveram como único propósito denegrir a bom nome e prejudicar a imagem pessoal e profissional dos assistentes perante o público em geral. Mencionaram como se sentiram após os factos e na decorrência dos mesmos e como a conduta do arguido afetou as suas vidas pessoais e profissionais.
As declarações dos assistentes foram inteiramente corroboradas pela testemunha F…, o qual confirmou que soube em finais de 2014, através de amigos, também comuns aos assistentes, da existência de comentários sobre os assistentes publicados na página do facebook do arguido, os quais foram alvo de falatório. Disse que após ter confirmado na página de facebook do arguido, deu conhecimento dos mesmos aos assistentes, relatando ainda o estado anímico em que estes ficaram na sequência e por causa de tais comentários e publicações.
Complementarmente, o tribunal valorou a cópia das publicações constantes de fls. 9 a 23 do apenso n.º 301/14.0GBMCN.
Ora, da conjugação da prova testemunhal e documental produzida em audiência de discussão e julgamento e, bem assim, das declarações prestadas pelos assistentes, o Tribunal formou uma convicção positiva em relação à ocorrência dos factos tal como descritos na acusação particular. Com efeito, para além das declarações dos assistentes se terem mostrado convincentes, quanto aos factos de que tiveram conhecimento, também o relato da testemunha foi consentâneo com aquelas e credíveis, o tanto para suportar de modo seguro um juízo favorável à versão apresentada que, diga-se, foi a única trazida a julgamento. É certo que hoje em dia não é difícil criar uma conta eletrónica e abrir uma página no facebook, fazendo o utilizador passar-se por outra pessoa, assumindo uma identidade falsa, como tantas vezes sucede. Porém, no caso vertente não surgem dúvidas quanto à identidade do arguido, nem quanto à sua autoria na prática dos factos. Senão vejamos. Todas as pessoas ouvidas já conheciam, anteriormente à data dos factos, aquela concreta página do facebook como pertencendo ao arguido e sendo pelo mesmo utilizada. Em data próxima à dos factos surgiu um litígio entre o arguido e os assistentes, que fez cessar as relações pessoais e profissionais entre eles existentes. Da simples leitura das expressões, imputações e acusações proferidas contra os assistentes constantes da acusação particular extrai-se que as mesmas se inserem no contexto do tal litígio ocorrido em Angola entre os assistentes e o arguido. Tudo isto relacionado e conjugado entre si, analisado à luz das regras da experiência comum, conduz à evidência de que apenas o arguido teria interesse em propalar tais factos contra os assistentes, sendo por conseguinte o autor dos mesmos, sendo certo ainda que o arguido não cuidou de trazer aos autos versão diferente e que pudesse abalar a já adquirida, pois que sequer compareceu na audiência de julgamento.
Os elementos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta do arguido foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
Os factos alegados e atinentes ao pedido de indemnização civil foram dados como provados com base no teor das declarações dos assistentes, bem como, do depoimento prestado pela referida testemunha nos termos supra expostos, sendo certo que quanto ao valor das despesas tidas com as deslocações nada se provou pois que nenhuma prova testemunhal, documental ou outra foi produzida quanto a tais factos.
Para demonstração dos antecedentes criminais dos arguidos o Tribunal valeu-se dos respetivos certificados do registo criminal juntos a fls. 140-141.
A demais matéria fáctica invocada nos articulados, e não expressamente referida em sede de factos provados e não provados, deveu-se à circunstância de se ter entendido constituir matéria meramente conclusiva ou por não se afigurar com relevância para a boa decisão da causa.
(…)
Escolha e determinação da medida da pena
Feito pela forma supra descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar.
O crime em causa é punido, em abstrato, com pena de prisão até 06 meses ou com multa até 240 dias (v. os artigos 180º, n.º 1, 41º, n.º 1 e 47º, n.º 1, do Código Penal).
Antes de partirmos para a determinação da medida concreta da pena, caberá, prima facie, fazermos uma opção entre a pena de prisão ou a pena de multa, porque são ambas cabíveis ao crime de que ora curamos.
Por apelo aos critérios enunciados no artigo 70º do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Atender-se-á à adequação e suficiência das penas não privativas da liberdade para a satisfação das exigências de reprovação e prevenção do crime, de modo a não pôr em causa a tutela dos bens jurídicos protegidos e a obter, na medida do possível e necessário, a promoção da recuperação social do agente.
Para atingir tais fins, quer pela natureza do crime, pelo grau de ilicitude revelado no facto, os motivos que terão determinado a conduta e aos antecedentes criminais do arguido que se prendem por crimes diversos, afigura-se que a prisão não é a resposta adequada ao caso.
Escolhe-se assim a pena de multa.
Atender-se-á, não só às circunstâncias que fazem parte do tipo (na sua intensidade), como à imagem global do facto e todas as circunstâncias que neste contexto mais amplo, mas sempre com conexão com o facto, deponham contra ou a favor de cada agente. Deste modo obter-se-á um limite máximo constituído pela culpa e uma submoldura, que em caso algum ultrapassará este, condicionada por considerações de prevenção geral positiva, dentro do qual funcionarão considerações de prevenção especial (arts. 40º e 71º do Código Penal).
Segundo o método exposto, a pena de multa concretamente aplicável (art. 47º, nº1 e 2) do Cód. Penal), determinar-se-á primeiro nos seus dias de multa, atendendo-se depois, na fixação da quantia diária da multa (de 5€ a 500€), por esta não envolver considerações nem de culpa nem de prevenção, à situação económico-financeira dos arguidos, aferida quer pelos seus rendimentos quer pelos seus encargos, para deste modo se respeitar o princípio da igualdade e a eminente dignidade humana (arts 13º e 1º da Constituição).
Como circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, se associam diretamente à sua prática ou à motivação que lhe deu origem, haverá a considerar, designadamente, que:
- O grau de ilicitude do facto revela-se médio, tendo em conta as expressões proferidas por diversas vezes;
- O modo de execução é normal;
- A gravidade das suas consequências foi a típica;
- As necessidades preventivas especiais não são de desprezar atendendo ao seu passado criminal do arguido;
- Os factos foram cometidos na modalidade de dolo direto;
Assim sendo, num juízo de ponderação global, salvaguardando as finalidades da punição que ainda se mostram asseguradas, como se disse, por uma pena não privativa da liberdade, será adequado e proporcional aplicar ao arguido a pena de 120 dias de multa por cada um dos crimes cometidos, à taxa diária de €6,00, atenta a média económica nacional (já que em concreto não foi possível apurar as suas condições económicas.
Dispõe o art. 77º do Código Penal que em caso de concurso efetivo o arguido deve ser condenado numa única pena, sendo considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
A pena única tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretas aplicadas, ou seja no caso o limite mínimo é de 120 dias e o máximo de 240 dias.
Diante destes critérios entende-se como ajustado ao caso concreto a pena única de multa de 200 (duzentos) dias de multa a uma taxa diária de 6,00€, no montante global de 1.200,00€ (mil e duzentos euros).
*
b) apreciação do mérito:
Antes de mais, convirá recordar que, conforme jurisprudência pacífica[1], de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo, obviamente, e apenas relativamente às sentenças/acórdãos, da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal[2], devendo sublinhar-se também que importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar, tal como sucede no caso vertente (45 conclusões ?!?), à total revelia do consignado no supra assinalado artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, pois que neste prevê-se apenas que as conclusões devem conter um resumo das razões do pedido.
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Assim sendo, e em face daquilo que se apreende das efetivas conclusões trazidas à discussão pelo recorrente, importa saber:

1 – se foi valorada prova nula;

2 – se existiu erro de julgamento (prova a rever), impondo-se a correlativa alteração factual e a sua inerente absolvição, crime e cível;

3 – se as penas parcelares aplicadas são exageradas, impondo-se a sua redução para próximo do mínimo legal.

Vejamos, pois.
1 – da nulidade de prova.
O recorrente alega que os assistentes juntaram, em sede de inquérito, as impressões de publicações da página da rede social “facebook”, constantes de fls. 9 a 23 do apenso 301/14.OGBMCN, cuja titularidade lhe atribuem, o que foi valorado pelo tribunal, anotando que os assistentes e a única testemunha, F…, não lograram relatar ao tribunal as concretas expressões constantes da acusação particular, que reputam de difamatórias, contexto em que foram dados como provados, apenas suportados nos referidos documentos, os factos que constam dos respetivos pontos 5 e 6.
Sucede, porém, adianta, que tais documentos constituem prova nula, pelo que devem ser dados como não provados os referenciados factos constantes dos pontos 5 e 6, pois que os mencionados documentos foram obtidos através de recolha de prova em suporte eletrónico, que constituem impressões de publicações, supostamente efetuadas por si no mural do seu “facebook”, o qual, facto notório, é uma rede social que funciona através da internet, ou seja, que opera no âmbito de um sistema informático, pelo que tal recolha de prova está sujeita ao disposto na Lei do Cibercrime, cujo regime foi aprovado pela lei nº 109/2009, de 15/09, com respeito pelo estatuído no seu artigo 16º, nº 3, o que aqui não sucedeu, pelo que estamos perante prova nula.
Assim sendo, conclui, e porque nenhuma prova (válida) foi realizada, devem ter-se como não provados os factos constantes dos mencionados pontos 5 e 6.

O Ministério Público respondeu para anotar, em síntese, que o regime legal invocado pelo arguido (lei do cibercrime) não tem qualquer aplicabilidade no caso vertente, uma vez que ambos os preceitos aqui em apreço dizem respeito à recolha de prova em suporte digital, estabelecendo um regime jurídico especifico com paralelo na apreensão de documentos (físicos) e interceção de comunicações (escutas telefónicas), preceitos que têm por base a reserva da intimidade e da vida privada, assim como a proteção da privacidade legal e constitucionalmente protegidas, o que não é, manifestamente, o caso dos autos, uma vez que foi o próprio arguido que publicou na sua página da internet, visível a todos os seus amigos, diversas expressões de cariz difamatório, e, por seu turno, ao lerem tais comentários, os ofendidos limitaram-se a imprimir aqueles em suporte de papel e fizeram-nos chegar aos autos, pelo que tais
documentos não são, nem nunca foram, privados, já que foram criados com o exclusivo propósito de serem lidos por terceiros.
Assim sendo, conclui, não lhe parece minimamente legítimo, sequer curial, vir invocar o direito à reserva da intimidade da vida privada e da privacidade em artigos (post) públicos de uma página do “facebook” contexto em que sustenta que, por manifesta ilegitimidade legal, um tal argumento deveria ser considerado improcedente.

Respondendo, os assistentes vieram anotar que não está aqui em causa a integridade de qualquer sistema informático, nem a preservação e interceção de comunicações relativas ao “cibercrime”, uma vez que os documentos em questão foram publicitados por vontade do próprio recorrente, que poderia ter restringido o seu acesso, sendo, por isso, acessíveis e apreensíveis por qualquer pessoa, pelo que a sua obtenção não implicou qualquer intromissão na sua vida privada, sendo certo que, e ademais, não resulta provado que não resulta de tais documentos que tivessem sido revelados quaisquer dados pessoais ou íntimos do recorrente.
Sustentam, pois, que ao escrever e publicar tais expressões ou afirmações no seu perfil, sabia, como é do conhecimento geral, que as mesmas seriam acessíveis e visualizadas, mais que não fosse pelos seus “amigos”, sendo certo que o tipo legal em causa não integra o conceito de crimes abrangidos pelo regime visado pelo recorrente, pelo que está excluída a sua aplicação.

No aludido parecer o Ex.mo PGA acompanhou as motivações contidas na resposta, que apelidou de boas, e subscreveu também as dos assistentes, anotando previamente que o tribunal fundamentou-se no depoimento de testemunhas que relacionaram, sem dúvidas, o “facebook” ao arguido, bem como em documentos, fotocópias, de livre apreciação, e o arguido, após distribuição da informação difamatória, fechou essa página, não tendo indicado prova bastante que levasse a diferente conclusão, nem decisão, como lhe competia.
Apreciando.
Cremos que não assiste razão ao recorrente.
Na verdade, cremos pacífico que o “facebook” é uma rede social que funciona através da internet e que, por isso, opera no âmbito de um sistema informático, tal como o define o artigo 1º da Lei nº 109/2009, de 15/09, que aprova a Lei do Cibercrime, o que significa que a recolha de prova está sujeita ao disposto naquele diploma, conforme decorre dos seus artigos 11º e 16º, este com referência aos seus nºs. 1 e 3.
Porém, importa distinguir aqui duas situações diferentes.
Uma, que respeita à recolha ou cópia de informação que alguém disponibiliza ou publicita no seu mural de “facebook” sem restrição de acesso, assim a tornando acessível a quem ali legitimamente poder aceder, tal como sucedeu no caso, pelo que nada impede a utilização das cópias daí extraídas, mormente para efeito de procedimento criminal.
Outra, a que se reporta à necessidade de proceder à apreensão de tal informação, isto é, ao original inserto naquela plataforma, esteja ou não tal informação ainda disponível, o que só será necessário se estiver em causa a genuinidade das cópias antes extraídas legitimamente, isto é, sem uma qualquer intrusão ilícita no sistema informático de outrem, pois que, aqui sim, há que observar a disciplina contida no mencionado artigo 16º, nºs. 1 e 3 do referenciado diploma.
Mas tal não é aqui o caso, já que o arguido questionava e questiona ainda apenas a imputada autoria da informação aposta no seu “facebook”, coisa diversa de colocar em crise o seu expresso teor, contexto em que, do que se apreende, não se equacionou sequer proceder à apreensão do “original” daquela publicação.
Assim sendo, e não podendo afirmar-se ainda que foram aqui também beliscados os artigos 125º e 126º, nº 3, ambos do Código de Processo Penal, a prova documentada fls. 9 a 23 do apenso 301/14.OGBMCN é perfeitamente válida e, por isso, nada impede a sua utilização, estando sujeita, naturalmente, à livre apreciação do julgador, como não podia deixar de ser.
Não procede, pois, este capítulo do recurso.
2 – do erro de julgamento.

É facto notório a existência de contas do “facebook pirateadas ou de perfis que são imitados, já que é do conhecimento do homem médio a forma de criação de um perfil na rede social em causa, pois para se criar uma conta igual à de um perfil já existente no facebook basta atribuir-lhe um nome igual ao da pessoa cuja conta se pretende imitar e copiar a sua fotografia de perfil do facebook”, que é de acesso público, sendo certo que no caso presente não foi produzida qualquer prova de que o perfil utilizado tenha sido o seu e, ainda que tenha sido, não é inverosímil que possa ter sido outra pessoa a proferir/publicar as mencionadas expressões, pois não consta dos autos a identificação do IP, nem sequer do router, única forma de provar da autenticidade da conta pelo que se desconhece o computador e sítio a partir do qual foram publicadas as expressões aqui em causa.
Acresce que, para além das declarações prestadas pelos assistentes, apenas foi ouvida, em sede de julgamento, uma testemunha, F…, sendo que todos estes declararam que não eram seus “amigos” no “facebook”, pelo que a conclusão retirada pelo tribunal recorrido, quanto ao facto de todas as pessoas ouvidas já conheciam, anteriormente à data dos factos, aquela concreta página do “facebook”, como lhe pertencendo e sendo por si utilizada, não tem qualquer suporte probatório.
Conclui, pois, que impunha-se que tivesse sido produzida prova no sentido da autenticidade do perfil que lhe é imputado, o que não se verificou, e que tivesse sido ele a escrever e publicar as expressões constantes dos pontos 5 e 6 dos factos provados, o que, de igual modo, não se verificou, ao menos para além de toda a dúvida razoável, contexto em que entende que deve ser alterada a decisão sobre os pontos 3 a 11, 13 e 16 dados como provados, devendo os mesmos ser considerados como não provados, com a sua inerente absolvição.

Na resposta, e começando por anotar que não se verifica a existência de erro notório na apreciação da prova e que não pode confundir-se a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, aspetos que não se descortina que o recorrente tenha alegado, o Ministério Público sustentou depois, e em síntese, que, analisando a fundamentação do recorrente, o que este verdadeiramente põe em causa é a apreciação que o tribunal fez da prova produzida, com recurso ao princípio da livre apreciação da prova, porquanto considera não ter sido produzida prova bastante dos factos que sustentaram a sua condenação, mas tudo se resume a uma íntima convicção, fundada e fundamentada, do julgador, atentas as provas produzidas nos autos, conjugadas com as regras da experiência, da normalidade do acontecer e considerados os padrões do homem médio colocado perante aquela situação, tal como aqui sucedeu, tendo o tribunal esclarecido de forma clara e explícita a razão pela qual considerou que foi o arguido que, através da rede social “facebook”, efetivamente escreveu e publicou as expressões de cariz injurioso, em termos que explicita, com destaque para o conflito entre o arguido e os ofendidos e para a possibilidade de utilização das presunções naturais, contexto em que entendia que, estando devidamente fundamentada e de forma coerente e plausível a convicção do tribunal recorrido, a mesma seria inatacável.

Os assistentes também responderam para sublinhar, em síntese, que ficou suficientemente provado que o arguido, utilizando a referida rede social, mais concretamente a sua conta, praticou os crimes pelos quais foi condenado, como não podia deixar de ser, anotando ainda que não eram, nem nunca foram “amigos do facebook” do arguido, pelo que o conhecimento dos factos adveio ao seu conhecimento por intermédio de amigos comuns, pois, doutra forma, nem saberiam de tal ocorrência, contexto em que, ao escrever e publicar tais declarações, algumas das quais só ele poderia saber, com acessibilidade livre a qualquer utilizador, quis difamá-los, tal como sucedeu, e tanto assim que, mal teve conhecimento do presente processo, desativou a conta/perfil em causa, pelo que, se não fosse dele tal perfil, não teria razão para tal, sendo certo que a identificação, no caso, do “IP” e do “router” é absolutamente irrelevante.

A posição do Ex,mo PGA é a que consta do ponto anterior e aqui se tem como renovada.
Apreciando.
Nesta matéria, por nós denominada de erro de julgamento, convirá começar por recordar que o tribunal de recurso não realiza um segundo julgamento da matéria de facto, incumbindo-lhe apenas emitir juízos de censura crítica a propósito dos pontos concretos que as partes especifiquem e indiquem como não corretamente julgados ou se as provas sindicadas impunham decisão diversa[3].
Daqui flui já que “Quanto ao julgamento de facto pela Relação, importa ter em conta que uma coisa é não
agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detetar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório” e que “Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (…) na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reações do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir”[4].
De tudo isto cientes, começaremos por anotar que o recorrente veio impugnar a matéria de facto, mas, e no que respeita à prova declarativa e testemunhal, não cumpriu as exigências contidas no artigo 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal.
Com efeito, e neste particular, limita-se a alegar que das declarações prestadas pelos assistentes e pela testemunha F… resulta que todos estes declararam que não eram seus “amigos” no “facebook”, querendo com isso contrariar a conclusão retirada pelo tribunal recorrido quando se afirma na sentença que todas as pessoas ouvidas já conheciam, anteriormente à data dos factos, aquela concreta página do “facebook”, como lhe pertencendo e sendo por si utilizada.
Assim sendo, e porque não localiza minimamente as concretas passagens de tais declarações e depoimento, os mesmos não poderão ser aqui sindicados.
Acresce que a afirmação que o mesmo pretendia ver aqui colocada em crise, ainda que fosse considerada errónea, não teria o condão de comprometer a apurada publicidade que o arguido fez das expressões aqui em causa, sendo esse o facto estruturante do decidido.
No mais, cremos que não lhe assiste razão alguma.
Na verdade, não pode ignorar-se a existência de contas do “facebook pirateadas ou de perfis que são imitados, uma vez que existe informação trazida a público nesse sentido e a maioria das pessoas tem já essa noção.
Cremos igualmente inquestionável que se tivesse sido solicitada ao “facebook” a identificação do “IP” e do “router”, tal atestaria a genuinidade da conta e do respetivo utilizador.
Porém, o caso presente reveste contornos que, independentemente desse tipo de prova, possibilitam alcançar a autoria das expressões aqui em apreço, que é o que aqui importa e está devidamente evidenciado na sentença recorrida que, por isso, é imperioso revisitar.
Ora, revisitando-a, constata-se que ali se anotou a versão dos assistentes, da qual decorre a existência de uma parceria de trabalho com o arguido em Angola, que a certa altura o negócio começou a correr mal, o que levou à deterioração das relações entre eles e depois ao fim na dita parceria em outubro ou novembro de 2014.
Dela resulta ainda que os mesmos vieram a ter conhecimento, através de familiares, amigos e pessoas próximas, que o arguido andava a propalar factos pouco abonatórios sobre a sua conduta, através da sua página do “facebook”, circunstância que confirmaram ao consultar por diversas vezes, em dezembro de 2015, a página do “facebook” do mesmo, factos esses que tinham como falsos e que tiveram como único propósito denegrir o seu bom nome e prejudicar a sua imagem pessoal e profissional.
Consta ali igualmente que esta versão foi inteiramente corroborada pela testemunha F…, nos moldes que a seguir se explicitam, daí decorrendo que esta testemunha soube também, através de amigos comuns aos assistentes, da existência de comentários sobre estes, publicados na página do “facebook” do mesmo, os quais foram alvo de falatório, facto que ele próprio confirmou naquela página de “facebook” e disso deu conhecimento aos assistentes.
A par, o tribunal valorou a cópia das referidas publicações constantes de fls. 9 a 23 do mencionado apenso.
E foi com base em tudo isto que o tribunal formou uma convicção positiva em relação à ocorrência dos factos tal como descritos na acusação particular, conforme ali se explicita em pormenor, e de cuja fundamentação sobressai, além do convencimento decorrente das referidas declarações e depoimento, que o tribunal, tal como, de resto, sublinhava o próprio recorrente, não ignorou que “hoje em dia não é difícil criar uma conta eletrónica e abrir uma página no facebook, fazendo o utilizador passar-se por outra pessoa, assumindo uma identidade falsa, como tantas vezes sucede”, ali se adiantando, porém, que “…no caso vertente não surgem dúvidas quanto à identidade do arguido, nem quanto à sua autoria na prática dos factos”.
Razões de tal.
Todas as pessoas ouvidas já conheciam, anteriormente à data dos factos, aquela concreta página do facebook como pertencendo ao arguido e sendo pelo mesmo utilizada”, a tal frase que o recorrente pretendia demonstrar que não correspondia à realidade, mas que, do que se apreende da prova globalmente produzida e vertida na correspondente fundamentação, o sentido da mesma é o de que os assistentes e a referida testemunha, inexistindo outra prova testemunhal, conheciam já antes aquela página, embora não fossem “amigos do facebook” do arguido, através de um conjunto de amigos comuns que, pelos vistos, iam comentando o que aquele publicitava no seu mural.
Significa isto que tal página era conhecida e estava devidamente identificada como pertencendo ao arguido.
Acresce que, “Em data próxima à dos factos surgiu um litígio entre o arguido e os assistentes, que fez cessar as relações pessoais e profissionais entre eles existentes. Da simples leitura das expressões, imputações e acusações proferidas contra os assistentes constantes da acusação particular extrai-se que as mesmas se inserem no contexto do tal litígio ocorrido em Angola entre os assistentes e o arguido. Tudo isto relacionado e conjugado entre si, analisado à luz das regras da experiência comum, conduz à evidência de que apenas o arguido teria interesse em propalar tais factos contra os assistentes, sendo por conseguinte o autor dos mesmos…”.
De tudo isto decorre, para nós linearmente, que o arguido era o único interessado na divulgação dos factos que aparecerem publicitados, tanto mais que, e tal como sublinhavam os assistentes, parte do que foi ali coletivamente partilhado, já que não estava na área reservada apenas aos seus “amigos no “facebook”, atento o seu específico teor, só o mesmo poderia saber, o que evidentemente reforça grandemente o seu inequívoco envolvimento no sucedido.
E aqui, e tal como nos alertava a resposta do Ministério Público, convém relembrar que que não está vedado ao julgador lançar mão das estatuídas presunções judiciais, tal como as define o artigo 349º, do Código Civil, perfeitamente válidas em sede processual penal, pois que circunscritas pelo núcleo previsto pelo artigo 125º, do Código de Processo Penal, e, por isso, suportadas pela livre, mas fundamentada, apreciação do julgador, o que nos permite reter que na passagem de um facto conhecido para a aquisição ou prova de um facto desconhecido têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem diretamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido[5], aspeto de primacial importância, pois que perfeitamente alavancado na referida prova declarativa e testemunhal produzida em sede de audiência, além da tal prova documental extraída do mural de “facebook”, e que o recorrente parece ter esquecido quando se limita a especular sobre um possível “pirataria” aqui envolvida, adiantando até que não seria inverosímil que pudesse ter sido outra pessoa a proferir/publicar as mencionadas expressões, o que, adentro do específico contexto probatório aqui presente, não convence ninguém, minimamente, podendo dizer-se, tal como reportavam os assistentes na sua resposta, que, de facto, o arguido veio aqui simplesmente “tapar o sol com a peneira”.
Temos, por isso, uma tese acobertada por um pressentido desespero, mas perfeitamente contrariada pela prova produzida e examinada em audiência, pelo que não pode vingar, devendo relembrar-se que aqui impera o princípio da livre apreciação da prova vertido no artigo 127º do Código de Processo Penal, cuja intrusão só será admissível quando se denota que o processo de formação da convicção do tribunal recorrido está de algum modo inquinado, o que aqui não se descortina, sendo certo que “… não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável, ou razoável da prova produzida”[6], tal como aqui sucede.
Neste global contexto, não vemos como possa alterar-se o decidido em sede de facto e que o recorrente veio questionar, pois que o raciocínio encetado pelo tribunal recorrido é perfeitamente plausível e, por isso, impossível de alterar, já que tal constituiria uma indevida intrusão na livre apreciação da prova e inerente convicção firmada, uma vez que, e embora pudesse até equacionar-se, em tese, que a análise da
referenciada prova poderia admitir a leitura crítica aduzida pelo recorrente, embora sem grande (ou nenhuma) consistência, o certo é que não pode afirmar-se que a correspondente análise encetada pelo tribunal recorrido, e devidamente explicitada, colidiu com o avocado princípio “in dubio pro reo”[7], ou que foi efetuada à revelia da lei ou das regras da experiência comum e que, por isso, impunha uma decisão diversa, tal como o exige o artigo 412º, nº 3, al. b), do Código de Processo Penal.
O que, já se vê, compromete o êxito dessa pretensão do recorrente de ver transmudar para não provada a factualidade tida como provada nos correspondentes pontos 3 a 11, 13 e 16, o que, logicamente, compromete a sua pretendida absolvição, crime e cível, já que se mostram aqui presentes todos os requisitos legais capazes de albergar os dois imputados crimes e as associadas/conexas indemnizações fixadas.
Naufraga, pois, também este capítulo do recurso.
3 – das penas parcelares aplicadas.
O recorrente considera manifestamente exagerados os dias fixados para a pena de multa aplicada, correspondentes a metade do seu limite máximo, uma vez que inexiste prova cabal de que tenha praticado o crime de difamação, o que deve ser sopesado na avaliação do grau de ilicitude e dolo da conduta que lhe é imputada, ao que acresce que as consequências da conduta criminosa são quase inexistentes, devendo, pois, concluir-se que o seu comportamento sempre traduziria uma culpa manifestamente diminuta, sendo certo que as exigências de prevenção geral são diminutas, uma vez que os factos concretos que lhe são imputados não impõem perturbação significativa na comunidade e, do ponto de vista da prevenção especial, não se verificam quaisquer factos que imponham a sua necessidade de ressocialização, sem esquecer que já decorreram quase dois anos sobre a eventual prática dos factos.
Sustenta, pois, a redução da pena de multa para próximo dos seus limites mínimos.

Disso discordando, e no seio de adequado enquadramento legal e interpretativo, o Ministério Público veio responder para sublinhar, em suma, que se lhe afigurava que o tribunal ponderou corretamente o grau de ilicitude dos factos, bem como a gravidade das suas consequências, destacando que é particularmente impressiva a forma de atuação do arguido, colocando as expressões na “internet”, onde diversas pessoas poderão ler tais documentos, permanecendo os mesmos muito depois de serem publicados, o facto de ter agido com dolo direto e intenso, as necessidades de prevenção geral que o caso reveste, atendendo à reiteração com que este tipo de condutas ocorre nesta comarca, os seus antecedentes criminais e a completa ausência de um juízo crítico sobre o comportamento criminoso, não denotando o arguido qualquer arrependimento, o que agrava as necessidades de prevenção especial, contexto em que, e ponderando tais aspetos, entendia como justa, adequada e proporcional a pena aplicada que, por isso, deveria manter-se nos seus precisos termos.

Os assistentes, adentro de um singelo enquadramento jurídico, vieram anotar apenas que o procedimento adotado mostrava-se correto, não merecendo qualquer reparo.

O Ex.mo PGA, para além de ter acompanhado as motivações contidas nas respostas do Ministério Público e dos assistentes, acrescentou ainda que entendia que a medida da pena está fundamentada na ilicitude e na culpa do arguido, dentro da moldura penal abstrata para este tipo de crime de difamação.
Apreciando.
Quanto às penas parcelares, as únicas aqui questionadas, e para nos situarmos em termos interpretativos, embora nos pareça existir total sintonia nos autos nesta matéria, relembraremos que “As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade”, e que “Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa”[8]. De resto, a culpa e a prevenção são os dois parâmetros que norteiam a indagação da medida da pena, conforme resulta claro da previsão do artigo 71º, nº 1, do Código Penal.
Claro está que uma tal tarefa há de partir, logicamente, da análise dos factos, no seu cotejo com a também apurada personalidade do seu agente, o que equivale por dizer que “… o substrato da culpa, e portanto também o da medida da pena, não reside apenas nas qualidades do caráter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível…” mas reside, isso sim, “…na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizada naquilo que chamamos a atitude da pessoa perante as exigências do dever-ser.”[9]
Feito o necessário enquadramento, impõe-se recordar que o recorrente limita-se a propor a aplicação de penas parcelares próximas do mínimo, mas não aponta ao tribunal recorrido uma qualquer omissão no que respeita aos aspetos que aqui importava ponderar, nem uma errónea ou deficiente valoração da factualidade adquirida e que aqui era imperioso analisar.
No fundo, aduz apenas a sua própria análise e valoração de tais aspetos aqui necessariamente envolvidos.
É apenas isto.
Ainda assim, e revisitando a sentença recorrida, constata-se que o tribunal, após ter optado pela aplicação de penas de multa, em detrimento da possível prisão, aspeto aqui não questionado, sublinhou depois que haveria a considerar que o grau de ilicitude do facto revelava-se médio, tendo em conta as expressões proferidas por diversas vezes, que o seu modo de execução era normal, que a gravidade das suas consequências foi a típica, que as necessidades preventivas especiais não eram de desprezar, atendendo ao passado criminal do arguido, e que os factos tinham sido cometidos na modalidade de dolo direto, contexto em que, num juízo de ponderação global e salvaguardando as finalidades da punição que ainda se mostravam asseguradas, como antes se dissera, por uma pena não privativa da liberdade, considerou adequado e proporcional aplicar as sobreditas penas parcelares (anote-se que a taxa diária fixada não está colocada em crise).
Daqui decorre, linearmente, que, e adentro da factualidade apurada, como se impunha, o tribunal ponderou, de forma acertada e com o necessário equilíbrio, cada um dos aspetos que aqui era imperioso analisar, indo, de resto, ao encontro daquilo que, no essencial, o recorrente aqui aduziu para alicerçar esta sua pretensão de ver reduzidas as penas parcelares aplicadas (de fora fica apenas a insólita alegação de que inexiste prova cabal de que tenha praticado o crime de difamação, o que deveria ser sopesado na avaliação do grau de ilicitude e dolo da conduta que lhe é imputada, pois que se não existisse prova da prática do crime, nem sequer seria possível equacionar uma qualquer condenação, obviamente).
Assim sendo, tendo presente a moldura abstrata aqui em apreço, respeitados que foram os sobreditos critérios que norteiam a aplicação das penas, e relembrando-se que nesta matéria existe sempre alguma margem de subjetividade do julgador, pelo que as penas só poderão ser alteradas nos casos em que, apesar de respeitados os subjacentes critérios legais, é ostensivo o seu exagero ou desproporção, tal como decorre do elucidativo Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 02/6/2010[10], e ao qual, modestamente, se adere, desrespeito que aqui não sucedeu, não se vislumbra que as penas parcelares aplicadas, no referido espectro possível, sejam exageradas, desproporcionadas e/ou injustas, pelo que deverão manter-se, bem como, e por óbvia inerência, a pena única, posto que esta não foi aqui minimamente questionada.
*
Naufraga, pois, o recurso interposto, com a inerente responsabilização do recorrente em matéria de custas, nos termos conjugados dos artigos 513º e 514º, ambos do Código de Processo Penal, e 8º, nº 9 e tabela III, este do Regulamento das Custas Processuais, entendendo-se justo, atento o trabalho processual desenvolvido e a inerente complexidade, fixar em seis UC a respetiva taxa de justiça.
*
III – DISPOSITIVO:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes nesta Relação acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B… e, em consequência, e na parte aqui questionada, decidem confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em seis UC (cfr. artigo 513 e 514º, ambos do Código de Processo Penal, e 8º, nº 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais).

Notifique.
*
Porto, 05/04/2017[11].
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio
______
[1] Vide, entre outros no mesmo e pacífico sentido, o Ac. do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95.
[3] Vide, entre muitos outros, o Ac. do STJ, datado de 26/01/00, in http://www.dgsi.pt.
[4] Citação do Ac. do STJ, de 29/10/08, in http://www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, vide o Acórdão do STJ datado de 07/04/2011, relatado por Santos Cabral, que temos como emblemático, a consultar in http://www.dgsi.pt.
[6] Tal como nos relembrava Souto Moura no Ac. do STJ por si proferido em 23/09/2010, a consultar in http://www.dgsi.pt.
[7] O que vale por dizer, que do texto da decisão recorrida (já que ficou de fora a reapreciação da prova gravada), emerge uma tal dúvida capaz de abalar a necessária firmeza do decidido em sede factual nessa parte, ou seja, não se descortina minimamente que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o recorrente, ou que a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova materializou-se numa decisão contra ele, que não era suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção – citação retirada do Acórdão do STJ, datado de 07/04/2010, relatado por Pires da Graça, consultado in http://www.dgsi.pt.
[8] Vide, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 227.
[9] Vide, Figueiredo Dias, in “Liberdade, Culpa, Direito Penal”, Biblioteca Jurídica Coimbra Editora, 1983, págs. 183 e 184.
[10] Aresto proferido no âmbito do processo nº 60/09.9 GNPRT.P1, reIatado por Joaquim Gomes, a consultar in www.dgsi.pt, onde se sustentou que “Observados que se mostrem os critérios de dosimetria concreta da pena, sobra uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável”.
[11] Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico, convertido pelo Lince Composto e revisto pelo relator (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).