Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1017/04.1TQPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
LIMITE DE IMPENHORABILIDADE
Nº do Documento: RP201507021017/04.1TQPRT-B.P1
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em execução por alimentos devidos a menor ou em cobrança desses alimentos através dos meios coercivos previstos no art. 189º da OTM, o limite de impenhorabilidade, nos termos do n.º 3 do art. 738º do CPC, é a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, actualmente atento o disposto no art. 7º n.º 1 da Portaria n.º 286-A/2014, de 31.12.2014, no montante de € 201, 53.
II - Este limite não é inconstitucional por violação do princípio da dignidade humana por se estar a dar cumprimento a um dever fundamental por parte do progenitor e também porque pode estar em causa o princípio da dignidade do filho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1017/04.1TQPRT-A
Relator - Leonel Serôdio (432)
Adjuntos - Fernando Baptista de Oliveira
- Ataíde das Neves

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B… suscitou incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra C…, alegando que este deixou de proceder ao pagamento da prestação de alimentos devida aos seus filhos D… e E…, estando em divida, em 21 de Janeiro de 2014, o montante total de € 950,00.
Conclui pedindo que o requerido fosse judicialmente compelido a pagar as quantias em dívida, assim como as prestações vincendas, através do desconto no seu salário.

O Requerido notificado, não deduziu oposição.
O ISS apresentou relatório.

O MP emitiu parecer no sentido de ser julgado verificado o incidente de incumprimento.

Oportunamente foi proferida decisão que ao abrigo do disposto no artigo 189º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, da O.T.M., ordenou a notificação da entidade processadora do subsídio de desemprego auferido pelo Requerido para proceder ao desconto de € 100,00 (cem euros), por mês no subsídio que o mesmo aufere mensalmente, para pagamento das prestações que entretanto se forem vencendo mensalmente.
Relativamente às prestações vencidas e atento o valor do subsídio auferido não ordenou que se procedesse a qualquer desconto para pagamento das mesmas.
*
O Requerido apelou e terminou a sua alegação com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“A) Resulta da matéria de facto dada como provada na douta decisão recorrida que o Recorrente é beneficiário de subsídio de desemprego no montante mensal de € 347,47.
B) Tal não se compadece com a realidade fáctica do Recorrente, porquanto este sempre se encontrou a exercer actividade profissional por conta de outrem, no âmbito da área dos seguros, auferindo, como tal, contrapartida remuneratória a título de salario.
C) Por sua vez o valor base da remuneração auferida pelo Recorrente é de € 320,00, ao qual acrescem os montantes de € 59,75, a título de subsídio de alimentação, e € 26,75 correspondentes aos subsídios de férias e de natal.
D) Isto posto, propugna o Recorrente pelo erro no julgamento no que concerne à matéria de facto dada como provada, porquanto aquela faz impender a motivação que orienta a formação do juízo do Tribunal a quo no sentido de determinar o ressarcimento das prestações em dívida, e, ainda, de ordenar o depósito das prestações que se irão vencendo, tendo como propósito que o Recorrente aufere o subsídio de desemprego e que, portanto, poderá comportar o montante fixado, por acordo homologado por sentença, a título de prestação de alimentos.
E) O que não se compadece na medida em que o Tribunal a quo deu como assente factos que não correspondem à veracidade das circunstâncias no âmbito das quais o Recorrente vive, como ainda não tomou em linha de conta, aquando da condenação, o facto de o Recorrente ter sido recentemente pai.
F) Nestes termos, o Recorrente tem a seu cargo e cuidado uma criança com 1 mês de idade, cuja guarda e zelo estão confiados a este e à sua actual companheira.
G) Atenta a característica de irrenunciabilidade do dever de prestar alimentos e em conformidade com os preceitos legais aludidos, impõe-se necessário efectuar, no caso sub iudice, uma correlação de equidade entre as necessidades do menor e as capacidades económicas de cada progenitor.
H) Contrabalançando as necessidades dos alimentados sobre os quais versa a decisão em crise com as necessidades que irromperam no cerne do actual agregado familiar do Recorrente, o qual recorde-se, é pai de uma criança, recém-nascida, que se encontra à sua guarda e cuidado,
I) Atendendo, sobretudo às idades dos menores, não se mostra exequível que o Recorrente possa, sem comprometer a subsistência mínima e condigna do seu agregado familiar, proceder ao ressarcimento da quantia devida, que perfaz o montante de € 950,00, e, consequentemente, proceder ao desconto mensal do valor fixado pelo douto Tribunal a quo, que ascende ao montante de € 100,00.
J) Daí que seja de referir que a determinação da prestação de alimentos e a fixação da sua medida deverá fazer-se por meio da ponderação cumulativa do binómio necessidade (de quem requer os alimentos) / possibilidade (de quem os deve prestar), em conformidade com o disposto no artigo 2004º do Código Civil.
K) Assim sendo, quem, como Recorrente aufere apenas um vencimento que não é sequer equivalente ao salário mínimo nacional e vive com os circunstancialismos já aqui descritos, da qual o Tribunal a quo não ficou suficientemente elucidado atenta a factualidade considerada provada, e suporta todas as despesas alegadas e provadas apenas com tal rendimento, não consegue no fim do mês ter qualquer rendimento sobrante ou disponível.
L) Por isso mesmo deveria o douto Tribunal a quo ter decidido de que o Recorrente, não tendo qualquer outro rendimento para além do respectivo salário, não possui recursos económicos suficientes que lhe permitam continuar a prestar uma pensão de alimentos aos filhos.
M) Uma vez que o princípio da proporcionalidade subjacente ao normativo do artigo 2004.º do Código Civil não pode valer apenas no que diz respeito ao modo de fixação do montante concreto da prestação mas terá de entender-se também como imperativo para aferição da capacidade real do obrigado de alimentos de cumprir tal dever.
N) Porquanto, em face do aqui exposto, designadamente no que respeita às receitas e despesas do recorrente, impõe-se concluir que este não tem meios suficientes para continuar a prestar alimentos devidos aos menores, nem tampouco ressarcir o montante em dívida, por se revelar manifestamente desproporcional às suas reais capacidades para a prestar, sob pena de se colocar em causa a sua própria subsistência, e a do seu agregado familiar, sendo, portanto, desrazoável exigir-lhe o seu cumprimento.
O) Face a todo o circunstancialismo já vertido, propugna o Recorrente que seja suscitado o incidente de incumprimento e que seja accionado a prestar aos menores a pensão de alimentos devida o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores uma vez que, se mostra inviável o mecanismo pré-executivo previsto no artigo 189.º da OTM, atenta a ausência de bens penhoráveis por parte do Recorrente (progenitor incumpridor), e ainda porque os menores não têm rendimentos líquidos passiveis para assegurar os mínimos de subsistência condigna.
P) A Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro criou, assim, um mecanismo de garantia de alimentos, a suportar pelo Estado, como modo de consagração do direito das crianças à protecção, consagrado constitucionalmente, fixando-se o encargo de através do FGADM se assegurar a satisfação dos alimentos a menores residentes em território Português, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestá-los não satisfaça as quantias em dividas, pelas formas previstas pelo artigo 189.º da OTM.
Q) Demonstrando-se respeitada, no caso sub iudice, a conditio sine qua non para que possa ser activado o pagamento da prestação alimentar ao Fundo, não obstando a tal requisito, o facto do progenitor com quem o menor reside não ter accionado os familiares dos menores que estão vinculados à prestação de alimentos (in casu o Recorrente), nos termos do artigo 2009.º do Código Civil.”
*
Fundamentação

A questão essencial que se coloca é a de saber se o vencimento do Requerido permite ou não que seja ordenado o desconto das prestações de alimentos fixados aos seus filhos menores.

Factos julgados provados na decisão recorrida:

1. Por acordo homologado por sentença de 29/09/2004, foi regulado o exercício do poder paternal relativamente aos menores D… e E…, nascidos a 04/04/1999 e 17/12/2000, filhos da requerente e do requerido, nos termos do qual, para além do mais, ficaram os menores confiados à guarda da mãe e, o pai, obrigado a contribuir com quantia de € 50,00 mensais a título de pensão de alimentos para cada um;
2. Desde o mês de Fevereiro de 2013 o requerido entregou o total de € 250,00 (€ 150,00 no mês de Julho e € 100,00 no mês de Agosto);
3. O requerido é beneficiário de subsídio de desemprego no montante mensal de € 374,47.
*
Recurso da matéria de facto

O Apelante insurge-se por ter sido julgado provado que é beneficiário de subsídio de desemprego no montante mensal de € 374,47, sustentado que está a prestar actividade profissional e aufere o vencimento base de € 320,00, à qual acrescem os montantes de € 59,75, a título de subsídio de alimentação, e € 26,75 correspondentes aos subsídios de férias e de natal.
Na informação prestada pela Segurança Social consta que o Requerido auferiu como último vencimento o montante de € 374.47, dado como provado e indica como entidade patronal a sociedade F…, Lda.

Assim, atento o documento elaborado pela SS, o lapso do ponto 3, reside apenas em nele constar que o referido montante de € 373,47, era auferido como subsidio de desemprego e não como salário, que se tem de presumir por trabalho prestado a tempo parcial por ser inferior ao salário mínimo nacional.

Contudo, o Apelante juntou com a alegação, recibos de vencimento emitidos pela entidade patronal, onde consta que aufere o vencimento base de € 320,00, à qual acrescem os montantes de € 59,75, a título de subsídio de alimentação e duas parcelas de € 26,75 correspondentes aos duodécimos dos subsídios de férias e de natal e ainda que desconta para a SS € 41,19, auferindo um salário líquido de € 393,03.
Como se referiu o Requerido não deduziu oposição, nem apresentou os documentos comprovativos do seu vencimento antes de ter sido proferida a decisão do incidente de incumprimento e, por isso, atentas as limitações legais, à apresentação de documentos na fase de recurso, decorrentes do disposto nos artigos 425º e 651º do CPC, não era admissível a sua junção.
No entanto, por se estar perante processo de jurisdição voluntária, em que prevalece o princípio do inquisitório, nos termos do art. 986º n.º2 do CPC, admitem-se os documentos, altera-se a factualidade provada sob o n.º 3 e dá-se como provado que trabalha para a sociedade F…, Lda e aufere o vencimento liquido mensal de €393, 03, nele incluindo o auferido a título de subsídios de alimentação, de férias e de natal.

Quanto a ter um filho recém-nascido a seu cargo, o Apelante não juntou, pelo menos, a respectiva certidão de nascimento e, por isso, essa factualidade não pode ser atendida nesta fase e muito menos dar como assente que está a seu cargo.
***
Recurso da matéria de direito

Antes do mais importa salientar que a decisão recorrida não ordenou o desconto das prestações alimentares vencidas, mas apenas que se procedesse a esse desconto no montante de € 100,00 por mês (€ 50,00, por cada menor), a partir da notificação da decisão, sendo, por isso, incompreensível a sua conclusão I).

A questão essencial que se coloca é a de saber se, auferindo o Requerido o montante mensal líquido de € 393.03, pode ou não ser ordenado o desconto nesse vencimento do montante de € 100,00, para pagar as prestações de alimentos devidos aos seus filhos.

Nos termos do art.1878º n.º1 do CC compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los ainda que nascituros e administrar os seus bens.
Este artigo impõe aos pais o dever de prover ao sustento dos filhos, obrigação legal que só cessa com a maioridade, com excepção da situação prevista no art. 1880º, ou, ainda na menoridade, na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos aqueles encargos (art. 1879º).
Importa, ainda, ter presente que o art. 2008º n.º1 do CC estabelece a irrenunciabilidade do direito a alimentos, por este assentar num interesse público de tal ordem que repele liminarmente a validade de renúncia a ele (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. V, p. 589) ou por outros palavras, os alimentos têm por fim a satisfação de necessidades irrenunciáveis a conservação da vida, que é um direito inalienável (cf. Eduardo dos Santos, Direito da Família, p. 643).
Sobre a medida dos alimentos dispõe o artigo 2004º n.º1 do Código Civil, que “os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”.
No caso, a prestação de alimentos fixada aos filhos é de reduzido montante, € 50,00 a cada um, seguramente por serem pouco significativas as disponibilidades financeiras do progenitor, ora Apelante.

Assim, se a sua situação económica e financeira entretanto se degradou o Requerido devia ter requerido a alteração dos alimentos fixados, por não poder continuar a prestá-los (cf. art. 2012º do CC).

No caso, perante um comprovado e indiscutido incumprimento da prestação de alimentos, o Tribunal recorrido, com base no disposto no art. 189º n.º 1 al. c) e n.º2, da OTM (DL n.º 314/78, de 27.10), ordenou que a entidade processadora do vencimento do Requerido passasse a proceder ao desconto de € 100,00 (cem euros), por mês, para pagamento das prestações que entretanto se forem vencendo mensalmente, após a decisão recorrida.
Este normativo não estabelece qualquer limite à penhorabilidade do vencimento, salário, subsídio ou prestação periódica auferida pelo obrigado a alimentos.
Assim, deve aplicar-se o regime estabelecido pelo CPC que, no art. 738º (que corresponde com alterações ao anterior art. 824º), com a epígrafe – Bens parcialmente penhoráveis - estipula:
“1.São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de quaisquer outra regalia social, indemnização por acidente, renda vitalícia ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.
2.Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.
3.A impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente ao salário mínimo nacional.
4.O disposto nos números anteriores não se aplica quando o crédito exequendo for de alimentos, caso em que é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo.”

Como é sabido, o Tribunal Constitucional pelo acórdão n.º 177/2002, publicado no Diário da República, I Série-A, de 2 de Julho de 2002, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que resultava da conjugação do disposto na al. b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 824.º do CPC, na redacção saída da reforma de 95 ( DL n.º 329-A/95), na parte em que permitia a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não era titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não fosse superior ao salário mínimo nacional, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, e que resulta das disposições conjugadas do artigo 1.º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 59.º e dos n.ºs 1 e 3 do artigo 63.º da Constituição.
Na sequência desse entendimento do TC, o legislador alterou a redacção do citado art. 824º, no DL n.º 38/2003, consagrando essa impenhorabilidade do montante equivalente ao salário mínimo nacional, mas não deixou de excecionar dessa impenhorabilidade o crédito exequendo de alimentos (n.º2,parte final, do citado artigo), sem estabelecer um limite.

O actual art. 738º, aperfeiçoando a redação do anterior art. 824º, no seu n.º 4, passou a estabelecer um novo limite para a impenhorabilidade quando o crédito exequendo for de alimentos, sendo neste caso impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo.
Ora, atento o disposto no art. 7º da Portaria n.º 378-B/2013, de 31.12, que estava em vigor quando foi proferida a decisão recorrida, a pensão social do regime não contributivo era de € 199, 53 e actualmente com a Portaria n.º 286-A/2014, de 31.12.2014, passou a ser de € 201, 53.

Não se nos afigura que o citado art. 738º n.º 4 do CPC, padeça de inconstitucionalidade, por violação do principio da dignidade humana, não lhe sendo aplicável a doutrina emergente do citado Ac. do TC n.º 177/2002.
Como se referiu está em causa a extensão da “penhorabilidade” do salário do progenitor (inexplicavelmente inferior ao salário mínimo nacional) para satisfação da obrigação de alimentos aos filhos menores (de € 50,00 a cada um deles) e não de qualquer outra obrigação.
Neste caso, o princípio da dignidade da pessoa humana não se coloca apenas do lado do devedor, mas também do credor/menor, pois a insatisfação do direito a alimentos a crianças comporta o risco de pôr em causa, se não o próprio direito à vida, pelo menos o direito a uma vida digna da criança.
Por outro lado, o dever de alimentos a cargo dos progenitores, não pode reduzir-se a uma mera obrigação pecuniária, quando se trata de ponderação de constitucionalidade dos meios ordenados a tornar efectivo o seu cumprimento.
No caso da prestação de alimentos, fixada por decisão judicial, a cargo do progenitor que não tem a guarda, do lado do progenitor inadimplente não está somente em causa satisfazer uma dívida, mas cumprir um dever fundamental constitucionalmente estalecido no art. 36º n.º 5 da CRP, que impõe aos pais o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, sendo a prestação de alimentos o elemento primordial desse dever.
Por isso, também o princípio da dignidade da pessoa do filho pode ser posto em causa pelo incumprimento, por parte do progenitor, de uma obrigação integrante de um dever fundamental para com aquele.
Assim, o limite de impenhorabilidade imposto pelo n.º 4 do art. 738º do CPC, não padece de inconstitucionalidade, pois apesar de exíguo garante o mínimo de sobrevivência, correspondendo a uma prestação social incluída no sistema de solidariedade no âmbito do sistema público de segurança social, com o qual têm de sobreviver inúmeros cidadãos, que trabalharam a vida inteira mas que, muitas vezes por razões que não lhe são imputáveis, não contribuíram para a segurança social.

O Apelante dado o seu reduzido vencimento defende a aplicação da Lei n.º 75/98 de 19.11 e o seu diploma regulamentar (DL 164/99, de 13.05).
A referida Lei n.º 75/98, de 19.11 estabelece no seu artigo 1º:
“1- Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto -Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.”
Por sua vez o DL n.º 164/99, de 13 de Maio, (com as alterações do DL n.º 70/2010, de 16 de Junho, e da Lei n.º 64/2012, de 20 de Dezembro), que regulamentou aquela Lei n.º 75/98, dispõe no artigo 3º:
“1 — O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto -Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e
b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.”

Ora, no caso, desde logo, não se verifica um dos requisitos dos citados diplomas para ser o FGADM a suportar as prestações alimentares devidas aos filhos do Requerido, precisamente não se verifica a impossibilidade dessas prestações serem satisfeitas pela forma prevista no art. 189º da OTM.
Como atrás se referiu, do n.º 4 do art. 738º do CPC, decorre que do montante do seu vencimento líquido de € 393,03 é atualmente impenhorável a quantia equivalente a € 201, 53 e, por conseguinte, descontando do seu vencimento as prestações de alimentos dos filhos, no total de €100,00, ainda resta € 293.03.
Por outro lado, desconhece-se se se verificam ou não os restantes requisitos legalmente necessários para ser o FGADM, a suportar a prestação de alimentos devida aos menores e, por isso, estava liminarmente excluída a possibilidade de se ordenar o prosseguimento do incidente para o Requerido ser substituído nessa obrigação pelo Fundo.
Decisão

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo Apelante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.

Porto, 02-07-2015
Leonel Serôdio
Fernando Baptista
Ataíde das Neves
_______
Sumário
- Em execução por alimentos devidos a menor ou em cobrança desses alimentos através dos meios coercivos previstos no art. 189º da OTM, o limite de impenhorabilidade, nos termos do n.º 3 do art. 738º do CPC, é a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, actualmente atento o disposto no art. 7º n.º 1 da Portaria n.º 286-A/2014, de 31.12.2014, no montante de € 201, 53.
- Este limite não é inconstitucional por violação do princípio da dignidade humana por se estar a dar cumprimento a um dever fundamental por parte do progenitor e também porque pode estar em causa o princípio da dignidade do filho.

Leonel Serôdio