Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2554/13.2TAMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
COLABORAÇÃO DO ARGUIDO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Nº do Documento: RP201511182554/13.2TAMAI.P1
Data do Acordão: 11/18/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Justifica-se a atenuação especial da pena, prevista no artigo 31.º, do DL 15/93, de 22 de janeiro [Legislação de Combate à Droga] no caso de colaboração relevante do arguido na denúncia de outros factos ou agente de crime de igual ou diferente natureza.
II – A promessa dessa atenuação da pena também prossegue e visa o combate ao crime.
III – O arguido que assim age não tem uma tão grande necessidade da pena ou, dito de outro modo, de uma pena tão grande como aquele outro que, nas mesmas circunstâncias, nada faz: através do ato de colaboração o arguido manifesta uma vontade de regresso ao direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº2554/13.2TAMAI.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C.C. nº 2554/13.2TAMAI do Tribunal da Comarca do Porto
- Instância Central - 1ª Secção Criminal - J4 foram julgados os arguidos
B…,
C…, e
D…,

O MºPº, ao abrigo do disposto nos artigos 1º, nº 1, al. a), 7° e 8° da Lei nº 5/2002, de 11/1 (alterada pelo Dec. Lei nº 242/2012, de 7/11), deduziu liquidação, para efeitos de ulterior pretendida perda alargada de bens a favor do Estado, contra os arguidos B… e C…, requerendo o pagamento da quantia de € 136.485,50, correspondente ao valor global da vantagem da atividade criminosa dos mesmos, considerando, por cada um deles, para esse efeito, os seguintes valores parciais:
- Quanto ao arguido B…, deve declarar-se perdida a favor do Estado a quantia de € 116.684,26 (€ 95.862,40 + € 20.821,86); e
- Quanto ao arguido C…, deve declarar-se perdida a favor do Estado a quantia de € 19.801,24, e foi deferida em 27/3/2015, providência de arresto de bens dos dois aludidos arguidos e, bem assim, das respetivas companheiras, E… e F….

Após julgamento por sentença de 24/7/2015 foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem o presente Tribunal Coletivo em:
a) Condenar cada um dos arguidos B… e C…, como co-autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, n° 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa ao diploma em questão, na pena de 5 anos de prisão;
b) Condenar o arguido D…, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, n° 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa ao diploma em questão, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
c) Absolver o arguido B… do crime de falsificação por que também vem acusado.
d) Na procedência do incidente de liquidação oportunamente deduzido pelo Ministério Público contra os arguidos B… e C…, nos termos previstos nos artigos 7º e 8º da Lei nº 5/2002, de 11/1, declarar perdido a favor do Estado o montante global de € 136.485,50 – correspondente à soma dos valores do património incongruente de cada um dos arguidos com o respetivo rendimento lícito -, montante este que os arguidos são condenados a pagar, na proporção de € 116.684,26 (cento e dezasseis mil seiscentos e oitenta e quatro euros e vinte e seis cêntimos) para o primeiro e € 19.801,24 (dezanove mil oitocentos e um euros e vinte e quatro cêntimos) para o segundo.
e) Mantém-se o arresto oportunamente decretado nos autos, nos seus precisos termos, porém ressalvado o incidente sobre o veículo de matrícula ..-..-ZL, cujo levantamento desde já se ordena. f) Declarar perdidos a favor do Estado o produto estupefaciente e os telemóveis apreendidos nos autos.
g) Ordenar que os demais bens apreendidos (não declarados perdidos a favor do Estado ou não arrestados) sejam devolvidos aos respetivos proprietários.
*
Mais vai cada um dos arguidos condenado no pagamento de 5 (cinco) UC de taxa de justiça e todos, solidariamente, nas custas do processo. “

Recorre o arguido B… qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
“1. O arguido impugna os factos dados como provados nos seguintes itens do acórdão: 1, 11, 12, 20, 21, 29, 32 a 34, 41, 57, 72 a 75, 77, 80 e 85 bem como todos aqueles que com estes estiverem em oposição;
2. Desde logo, estes factos dados como provados e agora impugnados foram importados para os presentes autos do processo 4057/10.8TAGDM;
3. Conforme consta dessa certidão o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento exactamente quanto a esses factos. Resulta que não podia reabrir o processo sem proferir o necessário despacho de reabertura de inquérito;
4. Acresce que, o MP não podia reabrir o inquérito sem a existência de novos factos, que no caso concreto não existiram;
5. Por outro lado, o MP arquivou estes autos com a fundamentação – estribada em jurisprudência – segundo a qual as escutas telefónicas juntamente com vigilâncias inócuas (sem resultados) não reúnem a virtualidade de demonstrar factos constitutivos do crime de tráfico de estupefacientes;
6. Conforme esclareceram os inspectores da Policia Judiciaria o recorrente colaborou com a PJ e com o Ministério Público (procurador dos respectivos processos) no desmantelamento de várias redes de tráfico de estupefacientes, donde resultou a apreensão de elevadas quantidades de droga (mais que a apreendida nos presentes autos) e na detenção de várias pessoas;
7. Acresce ainda, no dizer daqueles inspectores da PJ, o recorrente prestou informações valiosas para o desmantelamento de redes de viciação de veículos, está, neste momento, a colaborar com a Policia Judiciária no sentido de prestar informações no âmbito de várias investigações e o recorrente figura e está devidamente registado como colaborador da Policia Judiciaria;
8. Apesar de o acórdão ter dado como provado a relevante e determinante colaboração do recorrente entendeu que não era de aplicar o regime previsto no artigo 31º sobretudo devido à circunstância de essa colaboração não ter sido prestada no âmbito destes autos;
9. Acontece que, como soa de toda a jurisprudência a aplicação deste instituto não está dependente de a colaboração ter ocorrido neste ou noutro qualquer processo já que a Lei de tal não faz depender;
10. Diríamos que existem razões óbvias de a colaboração dever ser prestada no âmbito de outros processos, pois de outro modo era do conhecimento de todos, quem o colaborante denunciou, em que termos o fez e mais grave – como sucede no caso concreto – estando o arguido ainda a prestar colaboração todos saberiam em que consistia e então essa colaboração era inútil;
11. A dimensão da colaboração do recorrente e os resultados que da mesma já resultaram bem como da circunstância de existirem investigações a decorrer com a sua colaboração apelam a que a pena se fixe no mínimo quando não mesmo a dispensa de pena;
12. Dir-se-á ainda que no caso concreto se justifica a suspensão da execução da pena, quando não se aplique a dispensa de pena;
13. O cumprimento da pena em regime prisional acarreta enormes perigos para vida pois o recorrente é visto como tendo violado os princípios de uma determinada subcultura, tal como foi amplamente esclarecido pelos elementos da Policia Judiciaria cujos depoimentos se mostram transcritos;
14. A sua postura com as autoridades é reveladora de um corte com o crime. O arrependimento do arguido cristalizou-se na quebra de solidariedade em que se traduziu a denúncia de outros indivíduos envolvidos no tráfico de droga;
15. De resto o Ministério Público em sede de audiência de Julgamento promoveu a aplicação ao arguido B… do artigo 31º e a consequente pena especialmente atenuada;
16. As normas constantes dos artigos 7º e 9º da Lei 5/2002 de 11/1 invertem o ónus da prova na medida em que impõem ao arguido que ilida a presunção da proveniência lícita dos bens cuja liquidação foi determinada pelo Ministério Público;
17. A presunção de inocência está consagrada no artigo 32º, nº2 da Constituição e dele decorre que, o arguido presume-se inocente, salvo produção de prova em contrário; o arguido não tem qualquer ónus de carrear provas para o processo, e o seu silêncio não o pode prejudicar; em caso de non liquet, a solução a adoptar pelo tribunal deve ser favorável ao arguido, conforme resulta do principio in dúbio pro reo;
18. Desta forma, o artigo 7º e 9º, nº3 da Lei 5/2002 é inconstitucional na medida em que, em caso de condenação do arguido por um crime de tráfico de estupefacientes, presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença do valor patrimonial do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito (entendendo-se por património do arguido o conjunto dos bens descriminados nas alíneas do nº2 do artigo 7º), na medida em que se transfere para o arguido o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando a proveniência dos referidos bens;
19. Estas normas contendem com vários princípios da presunção de inocência: presume os pressupostos de que depende a sua aplicação; distribui o ónus da prova ao arguido; suprime o direito ao silêncio; e resolve o non liquet contra o arguido, consagrados no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa;
Violaram-se as disposições que foram sendo mencionadas ao longo da motivação.
Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso obter provimento e, em consequência:
a) aplicar-se a dispensa de pena; ou
b) uma pena inferior a 2 anos suspensa na sua execução.”

O MºPº respondeu ao recurso pugnando pela manutenção da decisão;
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso;
Foi cumprido o artº 417º2 CPP

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência
Cumpre apreciar.
Consta do acórdão recorrido (transcrição):
“II. Fundamentação de facto
A) Factos provados
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com relevo para a decisão a proferir:
1) Desde data não concretamente apurada os arguidos B… e C… vinham procedendo à transação, venda e cedência a terceiros de substâncias estupefacientes (designadamente, cannabis), nos termos a seguir melhor relatados;
2) Fazendo-o conjuntamente e de forma concertada, e sendo amiúde fornecidos por indivíduos de nacionalidade marroquina;
3) Para o efeito, o arguido B…
- era proprietário, dispondo e utilizando da oficina denominada «G…» - inicialmente sita na Rua …, nº …, em …, e, nos finais do ano de 2013, sedeada num dos armazéns sitos na Rua …, na Maia – encobrindo, desta forma, a atividade ilícita que desenvolvia (juntamente com o C…);
- dispunha e utilizava o armazém sito na Rua … nº .., em Valongo;
- dispunha e utilizava os telefones (pelo menos):
- com os IMEI ………..2430, ………..6660, ………..6010, ………..1550, ……………….9493, ………..0220, ………..2400, ………..5040, ………..5780, ………..1550, ………..9730, ………..4270, ………..5260, ………..4270, ……….4910, ……….5450, ………..6250, ……….7060, ………..8240 e ………..1780; e
- com os números …….42, …….76, …….10, …….00, …….33, …….63, …….67, …….71, ……600, …….93, …….15, …….37, …….51, …….85, …….90, …….81 e …….77;
tudo, no sentido de evitar ou dificultar eventual investigação contra si;
4) Sendo que durante esse lapso temporal, o mesmo dispôs e/ou utilizou, de entre outras, as seguintes viaturas:
- de marca «Cadillac», de cor cinza e com a matrícula ..-MI-..;
- de marca «Peugeot», modelo «…», de cor vermelha e com a matrícula ..-..-LS (registado, desde 24 de Junho de 2013, em seu nome);
- de marca «Audi», modelo «…», de cor verde e com a matrícula ..-..-ZQ (registado, desde 21 de Junho de 2013, em seu nome);
- da marca «Mercedes», modelo «…», de cor vermelha, onde foi aposta a matrícula ..-..-DB, atribuída a um outro veículo);
- da marca «Mercedes», de cor preta e com a matrícula ..-..-UX;
- da marca «Mercedes», de cor cinza e com a matrícula ..-..-VJ;
- da marca «Ford», modelo «…», de cor cinza e com a matrícula ..-..-VR (registado, desde 23 de Setembro de 2013, em seu nome);
- da marca «Renault», modelo «…», com a matrícula ..-IQ-..;
- da marca «Saab», de cor cinza, com a matrícula ..-HR-..;
- da marca «Audi», modelo «…», de cor branca, com a matrícula ..-II-.. (registado, em seu nome, desde 20 de Março de 2014);
- da marca «Smart» modelo «…», de cor cinza, com a matrícula ..-ID-.. (registado em seu nome, desde 5 de Maio de 2014);
- da marca «BMW» de cor preta e com a matrícula ..-NO-..;
- da marca «Peugeot», modelo «…», de cor branca e com a matrícula ..-HD-..;
- da marca «Peugeot», modelo «…», de cor branca e com a matrícula ..-GP-..;
- da marca «Peugeot», modelo «…», de cor branca e com a matrícula ..-FN-..;
4) Por seu turno, o arguido C…, sendo colaborador direto do co-arguido B…:
- dispunha e utilizava a referida oficina;
- dispunha e utilizava pelo menos os seguintes telefones:
- com os IMEI ……….5914 e ………1826;
- com os números ……928 e ……051.
5) E para além daquelas que o B… lhe facultava, durante esse aludido lapso temporal o mesmo dispôs e/ou utilizou as seguintes viaturas:
- da marca «Renault», modelo «…», de cor branca, com a matrícula ..-AQ-.. (registada em nome da sua companheira, F…);
- da marca «BMW», com a matrícula ..-..-DZ (então registada e com seguro em nome da sua identificada companheira);
- da marca «Mazda», modelo «…», de cor cinza, com a matrícula ..-BG-.. (registada em nome da sua mãe, H…);
6) A 13 de Janeiro de 2012 foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 1.000,00 na conta nº .-…….-…-…, aberta nessa data no Banco “I…”, da titularidade da sociedade com a firma «J…, Lda.»;
7) Nessa mesma data, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 500,00 na conta nº .-…….-…-…, aberta na mesma oportunidade também no Banco “I…”, da titularidade do arguido B… e da sua companheira, E…;
8) Na mesma já aludida conta nº .-……. foi no subsequente dia 23 de Janeiro de 2012 efetuado o depósito da quantia monetária de € 220,00 e, bem assim, efetuada transferência a crédito da quantia de € 500,00;
9) Na mesma conta nº .-……. a que se alude em 6) foi por sua vez efetuado em 2 de Fevereiro de 2012 o depósito da quantia monetária de € 200,00;
10) E em 9 de Fevereiro, nela efetuado ainda o depósito da quantia monetária de € 500,00 (quinhentos euros);
11) Entretanto, o arguido C… e outros colaboradores do arguido B… disponibilizaram as respetivas residências para armazenar droga deste, que, consoante o volume de vendas a que se propunha, lhes solicitava a devolução de parte dela;
12) Assim é que no dia 01 de Março de 2012, o arguido B… solicitou a um desses seus colaboradores a devolução de um saco grande contendo droga;
13) No subsequente dia 13 de Março de 2012, o arguido B… efetuou o depósito da quantia monetária de € 200,00 na conta nº ……….., de que em exclusivo era também titular no Banco «K…»;
14) Nessa mesma conta foi também entretanto efetuado em 4 de Abril de 2012 o depósito da quantia monetária de € 1.100,00;
15) E logo em 11 de Abril de 2012 mais depositadas as quantias monetárias de € 100,00 e de € 500,00;
16) Bem como, em 16 de Abril de 2012, depositada a quantia monetária de € 250,00;
17) Ainda na mesma aludida conta foi em 2 de Maio de 2012 depositada a quantia monetária de € 200,00 (duzentos euros);
18) E em 7 de Maio de 2012, depositadas ainda as quantias monetárias de € 200,00 e de € 1.000,00;
19) No dia 8 de Maio de 2012, foi efetuado o depósito, em numerário, na conta nº .-……. a que se alude em 5) e 7), da quantia monetária de € 500,00;
20) No dia 11 de Maio de 2012, o B… e um indivíduo desconhecido de nacionalidade marroquina, comentaram a compra, por parte do primeiro, de quarenta quilogramas de pólen de haxixe, tendo este reclamado da fraca qualidade de parte da droga;
21) No dia 14 de Maio de 2012, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar propôs ao arguido B… a compra de uma caixa de pólen de haxixe, ou seja, 30 quilogramas, caso este lhe fizesse o preço de € 1.050,00 por cada quilograma;
22) Nessa mesma data, o B…, na companhia do arguido C…, dirigiram-se ao nº … da Rua …, em …, Maia, morada da residência da sogra do segundo, de onde saíram com um embrulho;
23) A 15 de Maio de 2012, o B…, na companhia do C…, deslocaram-se para junto da já referida habitação da sogra deste, sita na Rua …, em …, tendo o mesmo saído do respetivo interior com um embrulho que entregou ao L… (com a alcunha, «L1…») o qual, por seu turno, fez a entrega de uma pequena embalagem a indivíduo de identidade desconhecida, recebendo em troca um número indeterminado de notas do Banco Central Europeu com o valor facial de cinco e de dez euros;
24) A 16 de Maio de 2012, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 1.000,00 na conta nº ……….., de que o arguido B… então era titular no Banco «K…»;
25) No dia 18 de Maio de 2012, uma vez mais, o B… e o C… deslocaram-se até à habitação da sogra do segundo, sita na Rua …, n.º …, em …, Maia, ao interior da qual este acedeu, saindo depois com um saco plástico de médias dimensões e aparentemente cheio, abandonando ambos após o local;
26) Nesse mesmo dia, o B…, vendeu uma quantidade indeterminada de produto estupefaciente ao indivíduo portador do telefone nº ……823;
27) A 30 de Maio de 2012, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 1.500,00 na já referida conta nº ……….. titulada pelo arguido B… no Banco «K…»;
28) A 1 de Junho de 2012, foi creditado um cheque no valor de € 990,00 na já referenciada conta nº ……….., de que o arguido B… era titular no Banco «K…»;
29) No dia 9 de Junho de 2012, o B… vendeu a um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, 10 placas de pólen de haxixe;
30) A 11 de Junho de 2012, foi efetuada uma transferência de € 600,00 para a conta nº .-……., de que a Sociedade com a firma «J…, Lda.» era titular no Banco «I…»;
31) Também a 24 de Junho de 2012, o B… inteirou-se, junto de um outro vendedor, que este transaciona 1 Kg de bolotas de haxixe pelo preço de € 3.200,00 (três mil e duzentos euros) e 1 Kg de pólen de haxixe por €1.000,00 (mil euros), efetuando desta feita o primeiro a encomenda de 10 Kgs de pólen de haxixe e de 2 Kgs de bolotas da mesma substância;
32) No dia 25 de Junho de 2012, o B… sugeriu a um outro indivíduo que lhe vendesse pólen de haxixe à consignação, a pagar quatro dias após a entrega;
33) A 27 de Junho de 2012, o B… adquiriu a um individuo desconhecido, cerca de seis a sete quilos de pólen de haxixe;
34) Nessa mesma data, o utilizador do número ……….8043 interpelou o B… sobre dívida do mesmo de onze ou doze mil euros, pela compra de estupefaciente;
35) A 10 de Julho de 2012, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 1.960,00 na conta nº ……….., de que o arguido B… era titular no Banco «K…»;
36) A 11 de Julho de 2012, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 850,00 na conta nº ……….., de que o arguido B… era titular no Banco «K…»;
37) A 20 de Julho de 2012, foi feito o depósito da quantia monetária de € 200,00 e de um cheque no valor de € 500,00 na conta nº ……….., de que o arguido B… era titular no Banco «K…»;
38) A 26 de Julho de 2012, foi efetuada a transferência da quantia monetária de € 150,00 para a conta nº .-……., de que a Sociedade com a firma «J…, Lda.» era titular no Banco «I…»;
39) Também nessa data, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 150,00 na conta nº .-……., de que o arguido B… e a sua companheira eram titulares no Banco «I…»;
40) A 13 de Agosto de 2012, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 100,00 na citada conta bancária nº ………..;
41) No dia 17 de Agosto de 2012, o B… vendeu a um indivíduo, utilizador do telefone com o nº ……562, cinco placas de pólen de haxixe;
42) A 20 de Agosto de 2012, foi efetuado o depósito das quantias monetárias de € 50,00 e de € 850,00 na conta nº ……….., de que o arguido B… era titular no Banco «K…»;
43) A 11 de Outubro de 2012, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 100,00 na conta nº .-……., de que a Sociedade com a firma «J…, Lda.» era titular no Banco «I…»;
44) Também nessa data, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 100,00 na conta nº .-……., de que o arguido B… e a sua companheira eram titulares no Banco «I…»;
45) A 5 de Novembro de 2012, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 1.000,00 na referida conta nº ……….., do Banco «K…»; 46) Acresce que a atividade económica da Sociedade com a firma «J…, Lda.» (proprietária da oficina «G…») apresentou, no ano de 2012, um prejuízo avaliado em € 12.632,06, não sendo contabilizada qualquer venda ou prestação de serviços de que fosse credora;
47) A 24 de Janeiro de 2013, foram efetuadas duas transferências, dos montantes de € 200,00 e € 2.000,00, por débito na conta de F… (companheira do C…), para crédito da conta nº ……….., de que o arguido B… era titular no Banco «K…»;
48) A 6 de Fevereiro de 2013, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 100,00 na conta nº .-……., de que a Sociedade com a firma «J…, Lda.» era titular no Banco «I…»;
49) Também nessa data, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 100,00 na conta nº .-……., de que o arguido B… e a sua companheira eram titulares no Banco «I…»;
50) Em 22 de Fevereiro de 2013, foi efetuada a transferência do montante de € 600,00, por débito da conta de F… (companheira do C…), para crédito da conta nº ……….., de que o arguido B… era titular no Banco «K…»;
51) Em Março de 2013, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 500,00 na conta nº ……….., de que o B… era titular no Banco «K…»;
52) A 4 de Março de 2013, o B… combinou encontrar-se com um dos seus fornecedores de droga, de nacionalidade marroquina e titular do nº …………, instando-o a baixar o respetivo preço daquela;
53) No dia 6 de Março de 2013, o C… vendeu a indivíduo desconhecido, quantidade não especificada de produto estupefaciente, tendo este pago a quantia de € 3.400,00, ficando em dívida o montante de € 800,00;
54) Nesse mesmo dia 6 de Março de 2013, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 150,00 na conta nº ……….., de que o B… era titular no Banco «K…»;
55) No dia 7 de Março de 2013, um indivíduo desconhecido solicitou ao arguido C… dez quilogramas de pólen de haxixe, tendo aquele referido já só dispor de nove e exigido o pagamento no ato de entrega;
56) No dia 8 de Março de 2013, o C… vendeu a indivíduo não identificado 5 Kgs de pólen de haxixe, e avisou o mesmo de que ia mudar de número de telemóvel;
57) Também no dia 8 de Março de 2013, o B… contactou com um fornecedor de nacionalidade marroquina (utilizador do telefone com o número ………..), no sentido de lhe adquirir pólen de haxixe, marcando encontro para as 18:30 horas;
58) A 9 de Março de 2013, o mesmo comprador referido em 56), adquiriu ao C… mais 2 Kgs de pólen de haxixe;
59) A 18 de Março de 2013, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 85,00 na conta nº ……….., de que o B… era titular no Banco «K…»;
60) A 6 de Abril de 2013, foi creditado o montante de € 2.500,00 na conta nº .-……., de que o arguido B… e a sua companheira eram titulares no Banco «I…»;
61) A 8 de Abril de 2013, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 50,00 (cinquenta euros) na conta nº ……….., de que o B… era titular no Banco «K…»;
62) No dia 21 de Abril de 2013, os arguidos B… e C… – fazendo-se transportar no veículo automóvel de marca «Audi», modelo «8G Cabrio», com a matrícula ..-..-ZQ – dirigiram-se para a Rua …, em …, onde se encontraram com M… e N…, de nacionalidade marroquina, sendo que no final do encontro, este último dispunha da quantia monetária de € 23.500,00;
63) A 7 de Maio de 2013, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 50,00 na conta nº ……….., de que o B… era titular no Banco «K…»;
64) A 20 de Maio de 2013, foi efetuado o depósito de € 3.500,00 na conta nº .-……., de que a Sociedade com a firma «J…, Lda.» era titular no Banco «I…»;
65) No dia 8 de Agosto de 2013, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 50,00 na conta nº ……….., de que o B… era titular no Banco «K…»;
66) A 3 de Setembro de 2013, o arguido B… combinou um encontro com O… no Café denominado «P…», sito na Maia, pertencente à sociedade “J…, Lda.”, da qual o primeiro é o único sócio e gerente;
67) A 4 de Setembro de 2013, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 50,00 na conta nº ……….., de que o B… era titular no Banco «K…»;
68) A 23 de Setembro de 2013, foram efetuados depósitos das quantias monetárias de € 100,00 e de € 200,00 na conta nº ……….., de que o B… era titular no Banco «K…»;
69) Cerca das 14:45 horas do dia 3 de Outubro de 2013, os arguidos B… e C… – fazendo-se transportar na viatura automóvel de marca «Renault», modelo «…», de cor branca e a matrícula ..-AQ-.. – dirigiram-se para a Rua …, em …, Maia, onde o primeiro tomou a condução do veículo de marca «Mercedes», modelo «…», de cor vermelha, com a matrícula ..-..-DB aposta;
70) De seguida, nos dois automóveis, os mesmos deslocaram-se até à …, onde o C… transferiu do «Renault» para o «Mercedes» uma caixa de grandes dimensões, abandonando ambos logo após o local na primeira das citadas viaturas;
71) A matrícula ..-..-DB aposta no Mercedes a que se alude em 69) e 71) havia-o sido indevidamente, pois que atribuída, por entidade competente, a uma outra viatura, de marca «Volvo»;
72) No dia 5 de Outubro de 2013, o B… e um indivíduo de identidade desconhecida combinaram um encontro no “local habitual” (ou seja, no Posto de Abastecimento de Combustível do …), tendo este encomendado cinco quilos de pólen de haxixe, questionando o respetivo preço, que o primeiro, de forma contrariada por estar ao telefone, esclareceu ser de € 950,00 por cada quilo;
73) No dia seguinte, o B… reclamou, junto do primo do referido comprador, que este falava demais ao telemóvel;
74) A 13 de Novembro de 2013, um tal de Q… deu conta ao B… de pretender comprar-lhe 10 Kgs. de pólen de haxixe, tendo este aceite efetuar um desconto de mil euros, não obstante o primeiro reclamar por desconto maior;
75) No dia 19 de Novembro de 2013, um tal de S… interpelou o B… sobre o preço de cada quilo de pólen de haxixe, tendo este evitado a conversa por telefone e marcado um encontro pessoal;
76) A 29 de Novembro de 2013, o B… propôs-se ir ter um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, no sentido de recolher o dinheiro arrecadado pelas vendas, tendo este referido que só no dia seguinte teria todo o montante;
77) No dia 30 de Novembro de 2013, o arguido B… e um tal de T… combinaram um encontro em casa deste último, falando sobre a diferente qualidade do produto estupefaciente já vendido (de cerca de pelo menos oito quilos);
78) A 16 de Dezembro de 2013, o B… informou um indivíduo de identidade desconhecida que a sua oficina passou agora para a Rua …, nº .., em …, Maia;
79) Em datas não concretamente apuradas, mas entre 2013 e inícios do ano de 2014, o arguido B… adquiriu a U… – com o intervalo de sensivelmente três meses entre cada aquisição – três veículos de marca «Peugeot», modelo «…», de cor branca, com as matrículas …-HD-.., ..-GP-.. e ..-FN-.., pelas quais pagou àquele último o montante global de € 9.000,00 em notas do Banco Central Europeu, com o valor facial de dez e vinte euros;
80) Já a 10 de Janeiro de 2014, o B… interpelou um seu colaborador para lhe entregar o dinheiro decorrente das vendas ou o remanescente da droga;
81) A 23 de Janeiro de 2014, foi efetuado o depósito de € 984,00 na conta nº .-……., de que a Sociedade com a firma «J…, Lda.» era titular no Banco «I…»;
82) Nessa mesma data, foi efetuado o depósito da quantia monetária de € 500,00 na conta nº .-……., de que o arguido B… e a sua companheira eram titulares no Banco «I…»;
83) Nos dias 3 e 4 de Fevereiro de 2014, o arguido B… combinou um encontro, para o dia seguinte, com um indivíduo D1…;
84) Também em Fevereiro de 2014, o B… pediu orientação ao V… sobre o trajeto para a residência deste (em Aveiro);
85) No dia 25 de Fevereiro de 2014, o tal Q… solicitou ao B… que contactasse com um outro, no sentido de o informar que a droga era sua e, assim, conseguir que o mesmo a devolvesse;
86) A 6 de Março de 2014, foi efetuado o depósito de € 1.426,80 na conta nº .-……., de que a sociedade com a firma «J…, Lda.» era titular no Banco «I…»;
87) A 14 de Março de 2014, foi creditado o montante de € 196,80 na conta nº .-……., de que a Sociedade com a firma «J…, Lda.» era titular no Banco «I…»;
88) A 21 de Março de 2014, foi creditada a quantia monetária de € 545,50 na conta nº .-……., de que a Sociedade com a firma «J…, Lda.» era titular no Banco «I…»;
89) A 8 de Abril de 2014, foram creditados os montantes de € 615,00, de € 365,93 e de € 353,63 na conta nº .-……., de que a Sociedade com a firma «J…, Lda.» era titular no Banco «I…»;
90) A 11 de Abril de 2014, foi creditado o montante de € 92,95 na conta nº .-……., de que a Sociedade com a firma «J…, Lda.» era titular no Banco «I…»;
91) Nos dias 23 e 24 de Abril de 2014, foram efetuados depósitos no montante de € 700,00 e de € 1.353,00 na conta nº .-……., de que a Sociedade com a firma «J…, Lda.» era titular no Banco «I…»;
92) Também a 23 de Abril de 2014, foi creditado o montante de € 369,00 na conta nº .-……., de que o arguido B… e a sua companheira eram titulares no Banco «I…»;
93) A 29 de Abril de 2014, foi creditado o montante de € 1.353,00 na conta nº .-……., de que a Sociedade com a firma «J…, Lda.» era titular no Banco «I…»;
94) Cerca das 16:10 horas do dia 8 de Maio de 2014, os arguidos B… e C… – fazendo-se transportar no veículo automóvel de marca «Smart», de cor cinza, com a matrícula ..-ID-.. – saíram da oficina/armazém de automóveis, sita na Rua …, em … - Maia, em direção à Rotunda de acesso à Rua …;
95) Chegados a esta, o C… tomou a condução da viatura de marca «Peugeot», de cor branca, com a matrícula ..-HD-.., seguindo ambos nos respetivos veículos para uma zona habitacional de moradias, junto à Rua …, em …;
96) Aí, os dois aludidos arguidos aguardaram pela chegada do arguido D…, que, cerca das 16:30 horas, ali estacionou a viatura da marca «Renault», modelo «…», de cor cinza e a matrícula ..-..-ZL, que tripulava, e que havia sido alugada pelo mesmo no dia 5 de Maio de 2013, dirigindo-se, de imediato, ao B…, a quem entregou a chave da mesma;
97) Este último, por seu turno, passou-a ao arguido C… que se dirigiu para o «…» e, conduzindo-o, abandonou o local;
98) Veio entretanto este último a ser abordado e detido pela autoridade policial na Rua …, em …, na Maia, bem como também abordados e detidos os co-arguidos B… e C…;
99) Em tal viatura «…», o D… havia transportado três fardos com cerca de 30 kgs. de haxixe cada, que se destinavam a ser vendidos pelos arguidos B… e C…;
100) Nessa mesma data, o arguido B… dispunha, no interior do veículo automóvel de marca «Smart», modelo «…», de cor cinza, com a matrícula ..-ID-.., de:
- um aparelho de telefone móvel de marca «Samsung», com o IMEI …………../., com cartão da operadora «W…»;
- seis cartões bancários em seu nome, emitidos pelos Bancos «I…», «X…», «Y…» e «K…»;
- um cheque emitido ao portador por Z…, titulando o montante pecuniário de € 6.250,00;
- um talão de levantamento, em 7 de Maio de 2014, da quantia monetária de € 2.000,00 (dois mil euros), sobre a conta em nome de «J…, Lda»;
- um molho de três chaves; e
- documentos reportados à referida viatura.
101) Por sua vez, no interior do veículo automóvel de marca «Saab», modelo «…», de cor cinza, com a matrícula ..-HR-.., o arguido B… dispunha do seguinte:
- um aparelho de telefone móvel de marca «Samsung», com o IMEI ……/../……/., com cartão da operadora «AB…»;
- um certificado de matrícula, reportado à citada viatura;
- treze chaves acondicionadas em quatro molhos;
- um comando de garagem;
- a chave do referido veículo.
102) E no interior do veículo automóvel de marca «Audi», modelo «…», de cor branca, com a matrícula ..-II-.., o arguido B… dispunha do seguinte:
- um aparelho de telefone móvel de marca «Alcatel», com o IMEI ……………. e cartão da operadora «W…»;
- um certificado de matrícula reportado à referida viatura e a chave da mesma;
- um certificado de matrícula reportado à viatura de marca «Ford», modelo «…» e com a matrícula ..-..-CA.
103) Por seu turno, o arguido C… dispunha consigo, do seguinte:
- acondicionada no interior da respetiva carteira pessoal, a quantia monetária de € 800,00 em notas do Banco Central Europeu;
- acondicionada num bolso traseiro das calças que envergava, a quantia monetária de € 635,00 em notas do Banco Central Europeu;
- a chave, com a referência B365, de uma viatura de marca «Peugeot»;
- talões de compras e um documento com código de acesso multicanal;
104) Na oficina denominada «G…», sita na Rua … nº .., em …, Maia, os arguidos B… e C… dispunham do seguinte:
- numa caixa colocada entre as secretárias afetas aos dois arguidos, a quantia monetária de € 4.000,00 (quatro mil euros) distribuída em notas do Banco Central Europeu, com o valor facial de cinco, dez, vinte e cinquenta euros; e
- um telemóvel de marca «Samsung», modelo «…», com o IMEI ……/../……/. e cartão SIM da operadora «W…»;
- um telemóvel de marca «Nokia», modelo «…» com o IMEI ……/../……/., sem cartão;
- um telemóvel de marca «Nokia», modelo «…», com o IMEI ……/../……/., com cartão da operadora «AC…»;
- um telemóvel de marca «Sony Ericsson», modelo «…» com o IMEI ……..-……-., com cartão da «AD…»;
- um telemóvel de marca «Samsung», modelo «…», com o IMEI ……/../……/., com um cartão da operadora «W…»;
- um telemóvel de marca «Samsung», modelo «…», com o IMEI ……/../……/., com um cartão da operadora «W…»;
- duas baterias para telemóveis;
- cinco molhos, com um total de doze chaves, um deles com comando de garagem;
- um molho com duas chaves e dois comandos de garagem;
- três outros comandos de garagem;
- seis outras chaves;
- três folhas de papel quadriculado e uma folha lisa, com a discriminação de montantes pecuniários, sendo que na última tais montantes encontram-se divididos por iniciais;
(tudo isto na secretária do B…), e
- um certificado de matrícula, reportado à viatura de marca «Mazda», modelo …, de matrícula ..-BG-..;
- cartas de envio de certificado de seguro internacional de veículo, reportadas à citada viatura «Audi» e à viatura de marca «Renault», modelo «…» e com a matrícula ..-..-QR.
105) Por seu turno, também nessa data, o arguido D… dispunha consigo de:
- um telemóvel de marca «Nokia», modelo «…», com o IMEI ……/../……/., com cartão SIM com o numero …………………, correspondente ao número espanhol ………;
- um telemóvel de marca «Nokia», modelo «…», com o IMEI ……/../……/., com cartão SIM da operadora «W…», correspondente ao número espanhol ………;
- cartões de visita da «AE…», da «AF…», de fidelização à «AG…» e de escritório de advogada em Espanha.
106) Dois dos comandos que se encontrava na posse do arguido C… respeitavam à garagem sita na … nº .., na Maia e à garagem coletiva do prédio sito na Rua … nº .., em …, Maia;
107) O produto estupefaciente, ou seja, canabis (resina), com o peso líquido de 95,976 Kgs. (noventa e cinco quilos novecentos e setenta e seis gramas), a que se alude em 99) encontrava-se dividido em conjuntos de quatro placas (todas elas envoltas em película plastificada) que, por sua vez, também haviam sido embrulhados com película plastificada e agrupados em três grandes lotes (fardos), igualmente selados com plástico e, exteriormente, envoltos em serapilheira;
108) Tal produto destinava-se à revenda a terceiros, pretendendo e logrando os dois arguidos B… e C…, com tal atividade, obter avultados proventos económicos, traduzidos no diferencial entre o preço de aquisição e aquele que praticavam junto de vários revendedores ou clientes finais;
109) Bem sabia de resto o arguido D…, ao transportá-lo, do destino que aqueles lhe pretendiam dar;
110) Os referidos veículos consubstanciavam-se no meio de deslocação dos arguidos B… e C… para se abastecerem de droga, para a transportarem, ocultarem e a distribuírem (por revendedores ou consumidores diretos);
111) E, não obstante serem conheceres das características, natureza e efeitos das substâncias que adquiriam, detinham, transportavam e/ou vendiam (nomeadamente, da canábis apreendida), idóneas a causar adição nos consumidores e de perturbar as respetivas capacidades cognitivas, de avaliação e de determinação, os três arguidos não se inibiram de proceder à respetiva aquisição, transporte, entrega e venda, mediante contrapartida económica em seu benefício;
112) Agindo sempre de forma livre, voluntária e consciente, com perfeito conhecimento do carácter ilícito e criminalmente censurável dessas suas condutas;
113) Sobre a história de vida e as condições pessoais do arguido B… apurou-se que:
- O processo social de desenvolvimento da personalidade de B… decorreu em ambiente afetivo e de entreajuda no agregado de origem, composto pela irmã, mais velha, e pelos pais, que terão adotado estratégias educativas tradicionais, respeitadas e cumpridas, e implementado uma dinâmica equilibrada, sustentados pelo trabalho do pai como eletricista na AH….
- Efetuou a aprendizagem escolar até finalizar o 8º ano, e ainda aos dezasseis anos procurou na inserção laboral o enquadramento de realização, revelando um desempenho regular, em diferentes contextos na demanda de melhores condições, e na área da restauração assumiu a exploração conjunta de um bar.
- Foi ainda na fase da adolescência que B… iniciou o comportamento de consumo de haxixe, mantido e custeado com o rendimento laboral, sem aparente prejuízo das dinâmicas familiares, laboral e sociais, comportamento que não considerou problemático. De todo o modo, o contexto concorreu para o seu contacto com o sistema penal em 2006, e à situação privativa de liberdade desde Agosto de 2008.
- B… então namorava com a atual companheira há vários anos e mantinha a atividade profissional de exploração e gestão de um bar, no qual a namorada também prestava algum apoio, embora continuasse integrado no seu agregado de origem, residindo então já na atual morada.
- Condenado em pena de prisão por prática de crime de tráfico de estupefacientes, evoluiu positivamente e cessou o consumo aditivo, vindo a beneficiar de medidas de flexibilização, tendo-lhe sido concedida em 17.11.2010 a liberdade condicional.
- Em meio livre retomou o enquadramento junto dos pais e afetivo com a namorada, concretizou a inserção laboral por conta de outrem e depois por conta própria, constituindo a empresa “J…, Lda.”, sita na Rua …, …, em … - Maia, com início de atividade desde 13.01.2012, dedicada à exploração de um café, e também informalmente intermediando no negócio de viaturas usadas.
- No contexto relacional com a namorada, a 24.05.2012 nasceu a filha do casal, AI…, agregado que no início de 2013 passou a residir autonomamente, enquanto eram apoiados pelos familiares e sustentados pelo rendimento laboral.
- Nessa fase, a exploração do café foi cedida a terceiro e a “J….” ampliou a atividade ao comércio de veículos automóveis e de peças, bem como à manutenção e reparação automóveis, através da gestão da empresa “G…”, com instalações na Rua …, …, Maia, e depois na Rua …, em …, sendo um dos colaboradores na atividade o co-arguido C….
- Por referência a 8 de Maio de 2014, data em que foi detido nestes autos, o arguido residia com a companheira e a filha na morada que consta nos autos, que corresponde a apartamento de tipologia 3, arrendado pelo montante de € 350, onde atualmente os familiares permanecem.
- E…, a companheira do arguido, está a gerir a atividade comercial da empresa “G…”, que conta com um colaborador, e assegura o sustento familiar e a concretização do declarado apoio afetivo e económico que manifesta ao arguido, que periodicamente visita no EPP.
- No meio comunitário de residência onde o arguido maioritariamente permaneceu, foi referenciado pela apresentação de atitude de discrição e pela cordialidade nos relacionamentos vicinais.
- No meio prisional, o arguido B… vem apresentando uma postura de respeito ao regulamento interno e adaptada no relacionamento interpessoal com os funcionários e outros reclusos.
115) Sobre a história de vida e as condições pessoais do arguido C… apurou-se que:
- O processo de desenvolvimento psicossocial de C…, assim como do irmão mais velho, foi assumido pela mãe, após a separação/divórcio dos pais quando tinha 6 anos. A mãe tentou transmitir aos filhos valores e regras de orientação pró-social, investindo na valorização escolar e na proximidade à figura paterna, com quem o arguido, então menor, estabelecia fortes laços de afetividade.
- A frequência escolar foi abandonada após a conclusão do 8º ano de escolaridade, num período de dois anos que coincidiu com uma fase em que C… viveu com o pai em Gaia. Mais tarde, frequentou o ensino noturno e curso de desenhador e fresador mecânico. Sempre relevou especial gosto pela área de mecânico-auto.
- Iniciou vida profissional ativa no ramo automóvel, aos 17 anos, como lavador e ajudante de mecânico, e tem mantido hábitos de trabalho regulares, com registo de vários períodos de emigração, após o cumprimento do serviço militar obrigatório.
- A primeira ida de C… para Inglaterra ocorreu em 2001, através de empresa de trabalho temporário, sendo acompanhado nesta experiência pela companheira, F…, nesta tentativa de melhorar a sua condição social. O regresso terá ocorrido pela gravidez da companheira (em 2002), pela inerente dificuldade em conseguir trabalhos e pelo desejo de permanecerem em ambiente protegido.
- O casal contraiu matrimónio em 27.04.2002 e divorciou-se em 15.12.2012, mas manteve sempre vida em comum, sendo a relação avaliada por ambos como coesa e gratificante.
- No período de vida em comum, o C… registou posteriormente dois períodos de emigração.
- Em Dezembro de 2013 o C… regressou a Portugal, acreditando que facilmente iria conseguir trabalho e conseguir regularizar dívidas que tinha pendentes ao fisco.
- Conseguiu trabalho com o co-arguido B…, amigo da adolescência que entretanto reencontrou, na oficina “G…”, em …, onde passou a colaborar sem vínculos ou regalias sociais.
- No período que antecedeu a prisão, C… permanecia inserido em contexto familiar constituído pela companheira, F…, e pelo filho do casal, de 12 anos de idade, beneficiando de uma dinâmica conjugal e familiar coesa e baseada em níveis de afetividade e solidariedade.
- Residiam em casa arrendada, na Rua …, nº …, Entrada ., em ….
- O agregado apresentava como fontes de rendimento os provenientes do trabalho do arguido, como mecânico, a que acresciam rendimentos provenientes dos serviços de limpeza da companheira. As despesas mais significativas prendiam-se com o pagamento de renda do imóvel, crédito pessoal pela aquisição da viatura automóvel, despesas com educação do filho menor (centros de estudos) e dívida ao fisco, entretanto liquidada.
- Após a prisão do arguido C…, têm vindo a ser apoiados pelas respetivas famílias de origem, no pagamento das despesas fixas mensais.
- O agregado reside atualmente numa habitação, de tipologia 2, na Rua … nº …, 1º Esq., em …, adquirida com recurso ao crédito bancário.
- No futuro, C… conta com o apoio da companheira, filho e demais elementos familiares.
- Tem perspetivada a possibilidade de emigrar, para junto da figura paterna.
- C… encontra-se preso no Estabelecimento Prisional do Porto desde 09.05.2014, na situação de prisão preventiva, à ordem do presente processo.
- Em meio prisional tem adotado uma atitude cordata, educada, sem registo de infrações disciplinares. Solicitou ocupação laboral e foi afeto a partir de 17 de Julho de 2014 ao sector de mecânica, onde permanece, evidenciando hábitos de trabalho regulares.
- A existência do presente processo não interferiu na qualidade dos vínculos e apoio da família, seja em meio prisional ou quando se perspetivar o regresso a meio livre.
115) Sobre a história de vida e condições pessoais do arguido D… apurou-se que:
- É cidadão do Reino de Marrocos, com familiares no território nacional e tendo os seus interesses de cidadania, amorosos e laborais em Portugal.
- É o mais novo de dois irmãos nascidos da união dos progenitores. Tem quatro irmãos paternos de relacionamento anterior do seu pai. A subsistência do agregado decorria dos rendimentos obtidos na execução de atividades agrícolas. Abandonou a escolarização de 8 anos para se dedicar, igualmente, àquele tipo de atividades. Em 2012 emigrou para Espanha, país onde exerceu as funções de pastor de vacas, em ….
- Não padece de qualquer hábito aditivo nem de problemas de saúde que condicionem a sua capacidade de desempenho laboral.
- Demonstra a intenção de retornar à convivência com a companheira, residente em ….
À data de reclusão, 9.5.2014, o arguido vivia em Portugal com a sua companheira há cerca de quatro ou cinco meses, provindo de Espanha, mantendo uma convivência familiar e social pacata, dedicada à venda ambulante de vestuário e de sucata. Solteiro e sem filhos.
A conduta em meio prisional tem sido conformada ao disciplinado exigido.
116) Do Certificado de Registo Criminal do arguido B…, junto aos autos, constam averbadas uma condenação em quatro anos e seis meses de prisão efetiva e uma condenação em 350 dias de multa, à razão diária de € 10,00, ambas entretanto já declaradas extintas, por acórdão proferido em 23 de Junho de 2009, transitado em julgado em 24 de Julho de 2009, no processo comum coletivo nº 2430/06.5TAMAI do entretanto extinto 1º Juízo criminal do Tribunal Judicial da Maia, pela prática em 1 de Janeiro de 2001, respetivamente, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e dois crimes de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro;
117) Aos arguidos C… e D… não são conhecidos quaisquer antecedentes criminais;
118) Entretanto, após a sua detenção, o arguido B… colaborou com a Polícia Judiciária no âmbito de outros processos/inquéritos, o que foi determinante para o desmantelamento de situações de tráfico de estupefacientes, para a identificação de várias pessoas relacionadas com a atividade do tráfico e, bem assim, para a concretização de apreensões de quantidades elevadas de produtos estupefacientes.
Da liquidação para perda ampliada de bens
119) No sentido de dissimular as vantagens pecuniárias e financeiras decorrentes da atrás referida atividade de venda de produtos estupefacientes, o arguido B… contava com a sua companheira, E…;
120 - Por sua vez, o arguido C… contava com a sua companheira, F….
121) Na verdade, o arguido B… declarou rendimentos do trabalho exercido por conta da sociedade com a firma «AJ…, Lda.» no valor de € 485,00 mensais, desde Junho de 2011 até Janeiro de 2012;
122) E declarou rendimentos de trabalho, por conta da sociedade com a firma «J…, Lda.» no valor de € 485,00 mensais, desde Fevereiro de 2012 até Maio de 2014;
123) No entanto, de 2009 a 2013, a aludida sociedade com a firma «AJ…, Lda.» - de que o arguido era sócio gerente - apenas registou movimentos a crédito no ano de 2011, no valor de € 6.809,00, tendo sido declarada insolvente;
124) Por seu turno, no período de tempo entre 2009 e 2013, a Sociedade com a firma «J…, Lda.» - de que o mesmo arguido era sócio gerente - apenas registou movimentos a crédito nos anos de 2012 e 2013, no valor de € 2.575,00 e de € 3.600,00, respetivamente;
125) Em 2011 o arguido B… declarou o rendimento líquido de € 4.047,00, em 2012 declarou o rendimento líquido de € 5.359,90 e em 2013 declarou o rendimento líquido de € 7.659,26;
126) Não obstante, entre 2009 e 2013 o arguido B… teve movimentos bancários a crédito no valor global de € 129.751,29;
127) Acresce que, entre 2009 e 2014, o mesmo possuiu os seguintes veículos:
- O veículo de marca «Audi», modelo «…», com a matrícula ..-II-.., avaliado em € 12.500,00;
- o veículo de marca «Smart», modelo «…» com a matrícula ..-ID-.., avaliado em € 8.000,00;
- o veículo com a matrícula ...-..-TD, avaliado em € 2.000,00 (dois mil euros); e
- o veículo de marca «Audi», modelo «…», com a matrícula ..-..-2Q, avaliado em 2.000,00;
- o veículo de marca «Peugeot», modelo «…», com a matrícula ..-..-LS;
- o veículo de marca «Ford», modelo «…» e com a matrícula ..-..-VR;
128) Por seu turno, a atrás mencionada E…, companheira do arguido B…, declarou rendimentos de trabalho, por conta de «AK…», no valor de € 214,96, de € 806,00, de € 779,13 e de € 241,80, nos meses de, respetivamente, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2010;
129) E declarou rendimentos de trabalho, por conta da sociedade com a firma «AL…, Lda.», para o período de tempo compreendido entre Janeiro e Março de 2011, no valor total de € 819,82;
130) Mais declarou rendimentos de trabalho, por conta da Sociedade com a firma «AJ…, Lda.», no valor de € 485,00 mensais, desde Junho de 2011 até Janeiro de 2012;
131) E declarou rendimentos de trabalho, por conta da sociedade com a firma «J…, Lda.», de € 485,00 mensais, desde Fevereiro de 2012 até Janeiro de 2013;
132) Assim é que, reportado ao ano de 2011, a E… declarou o rendimento líquido de € 5.272,64, reportado ao ano de 2012, declarou o rendimento líquido de € 2.411,08, e reportado ao ano de 2013 e declarou o rendimento líquido de € 899,27;
133) Não obstante, a mesma teve movimentos bancários, entre 2009 e 2013, no valor global de € 33.576,08;
134) Acresce que, entre 2009 e 2014, a mesma possuiu:
- O veículo com a matrícula ..-..-JA, avaliado em € 1.000,00;
- o veículo com a matrícula ..-AG-.., avaliado em € 12.000,00;
- o veículo com a matrícula ..-IA-.., avaliado em € 1.000,00;
- o veículo com a matrícula ..- BN-.., avaliado em € 4.800,00;
- o veículo com a matrícula ..-LQ-.., avaliado em € 10.000,00.
135) No período de tempo entre 2009 e 2013, o arguido C… apenas apresentou movimentos bancários no valor global de € 500,00 e uma declaração de rendimentos, reportada ao ano de 2009, de € 3.396,88;
136) No entanto, a sua companheira, F…, declarou rendimentos líquidos, no período de tempo compreendido entre 2009 e 2013, no valor global, em cada ano, respetivamente, de € 6.209,59, de € 6.450,97, de € 6.824,13, de € 7.194,52, de € 1.815,96;
137) Não obstante, a mesma teve movimentos bancários, entre 2009 e 2013, que, depois de deduzidas as transferências efetuadas nesse período a crédito para a respetiva conta bancária por AM… (pai do arguido C…), no valor global de € 49.710,52, por H… (mãe do arguido C…), no valor global de € 7.000,00, e por AN…, no valor global de € 5.000,00, ascenderam ao valor global de € 50.921,87;
138) Acresce que, entre 2009 e 2014, a F… possuiu:
- o veículo com a matrícula ..-..-SS, avaliado em € 1.000,00;
- o veículo de marca «BMW» e com a matrícula ..-..-DZ, avaliado em € 1.000,00; e
- o veículo de marca «Renault», modelo «…», com a matrícula ..-AQ-.., avaliado em € 4.000,00.
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B) Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa não resultaram provados quaisquer outros factos dentre os alegados ou outros que estejam em contradição com os acima dados como provados e/ou constituam repetição, matéria instrumental, conclusiva ou de direito, mormente que:
- No dia 11 de Maio de 2012, o B… dirigiu-se à viatura de marca «Renault», modelo «…», com a matrícula ..-IQ-.., de onde retirou uma placa de estupefaciente, entregando-a a um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar;
- No dia 14 de Maio de 2012, o B… vendeu 20 gramas de cocaína ao indivíduo referido em 20);
- A 1 de Junho de 2012, o B… comentou com o C… ter recebido a quantia de € 3.000,00 (três mil euros) de um indivíduo a quem tinha entregue droga «à consignação»;
- Já a 10 de Junho de 2012, o próprio B… adquiriu, a um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, 100 (cem) gramas de cocaína;
- Em 16 de Agosto de 2012, o B… vendeu 20 placas (ou seja, 2 Kgs) de pólen de haxixe ao individuo, utilizador do número ………;
- A 1 de Março de 2013, o arguido C… combinou vender a um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, um quilograma de haxixe;
- No dia 3 de Março de 2013, um indivíduo de identidade desconhecida questionou o C… se o mesmo teria pólen de haxixe de determinada qualidade, queixando-se da que havia adquirido anteriormente;
- No dia 5 de Março de 2013, o C… vendeu a um individuo cuja identidade não se logrou apurar, três quilos de pólen de haxixe que este havia encomendado no dia anterior;
- A 7 de Março de 2013, o C…, recebeu, de um comprador da zona de Aveiro, dinheiro relativo à aquisição de dois quilos e meio de pólen de haxixe, tendo este encomendado mais um quilo do mesmo produto;
- No dia 08 Agosto de 2013, o C… deu conta a desconhecido de ter mudado de residência para a Rua …, nº …, entrada ., …, em …;
- Foi o arguido B… quem colocou ou mandou colocar no “Mercedes” identificado na alínea 67) dos factos provados a chapa com a matrícula ..-..-DB;
- O mesmo sabia que a dita matrícula se encontrava atribuída, por entidade competente, a uma outra viatura (da marca “Volvo”);
- Ao assim proceder, fê-lo de forma livre, voluntária e conscientemente, com conhecimento de que por essa via atentava contra a fé pública e credibilidade deste elemento de identificação automóvel;
- Transitou o mesmo em tal veículo, assim adulterado, com o propósito de iludir eventual atividade ou investigação policial;
- A 14 de Dezembro de 2013, o B… solicitou a um indivíduo do sexo feminino que se apressasse a ir ter com ele, «pra nao andar a passear aquilo».
- Nos dias 11, 13, 16 e 20 de Janeiro de 2014, o arguido B… interpelou o Q… para lhe entregar o dinheiro da venda de estupefaciente, tendo este referido estar complicado, ao que aquele ficou de efetuar contactos para se concretizar o que faltava. - No dia 31 de Janeiro de 2014, o B… recebeu uma chamada de um número de telefone de Marrocos, pelo qual um tal AO… referiu que o amigo (D1…) o anda a apresentar aos empresários.
- A 4 de Fevereiro de 2014, o B… interpelou um tal Q… para proceder ao depósito do dinheiro correspondente à droga que lhe entregou à consignação.
- Nessa mesma data, o mesmo arguido deu conta ao referido AO… que só no dia seguinte teria dinheiro para pagar ao D1….
- Ainda nessa data, o tal indivíduo D1… deu conta ao B… que não conseguiu encontrar-se com o C…, tendo combinado falarem melhor através de outros aparelhos de telemóvel.
- A 19 de Fevereiro de 2014, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, solicitou ao B… a entrega de mais produto estupefaciente, dando conta também que ainda lhe tinha sobrado parte e que, por isso, não teria o dinheiro todo para lhe entregar.
- A 10 de Março de 2014, um indivíduo de identidade desconhecida questionou o B… sobre quando podia entregar-lhe o montante pecuniário conseguido pela venda de estupefaciente;
- Ainda nessa data, o referido Q… questionou o B… sobre quando chegaria produto para vender;
- Reportado a trabalho por conta de outrem por si levado a cabo no ano de 2009 e no ano de 2010 na Holanda, o arguido C… declarou perante a Autoridade Tributária holandesa, para efeitos fiscais, ter auferido rendimentos de, respetivamente, € 4.293,36 e € 29.239,66;
- Os aludidos rendimentos foram depositados na conta bancária titulada no I… pela sua companheira F…;
- No ano de 2012 o arguido C… desempenhou funções de mecânico da empresa “G…” pela qual foi remunerado, mais tendo participado dos lucros que a empresa obtinha, por dela ser sócio, ainda que apenas de facto;
- Entre 2009 e 2014 a F… possuiu o veículo com a matrícula ..-..-UB, avaliado em € 10.000,00.
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C) Motivação
A convicção do Tribunal quanto aos factos que deu como provados, com a extensão com que o fez, baseou-se na análise crítica e valoração conjunta de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, a qual, face às regras da experiência e com subordinação à razão e à lógica, foi suficiente para, para além da dúvida razoável, sustentar a respetiva afirmação como tal, com exclusão de quaisquer outros, designadamente que os contrariem.
Tenhamos como ponto de partida o auto de diligência externa de fls. 107 a 109 dos autos e, a confirmar o nele relatado, os depoimentos prestados, com coerência e insuspeitada isenção, em sede de audiência de julgamento pelas testemunhas AO… - inspetor da PJ que em 8 de Maio de 2014, conjuntamente com outros colegas, levou a cabo a vigilância e seguimento dos arguidos que a final culminou na detenção nessa data dos mesmos e apreensão de cerca de 90 Kgs. de haxixe -, e AQ… - inspetor chefe da PJ que determinou a realização das operações e que, não tendo embora estado presente no seguimento e detenção dos arguidos, interveio nas buscas e apreensões a que imediatamente após se procedeu, melhor documentadas nos correspondentes autos de fls. 139 (Peugeot …, com a matrícula ..-HD-..) e 149 a 151 (nas instalações da “G…”), com os resultados que deles constam, designadamente a apreensão dos documentos que se mostram juntos a fls. 140 a 148 e 152 a 158 -, sem descurar ainda os fotogramas de fls. 118, 119, 178, 187 a 189, o teor do documento (teste rápido) de fls. 177 e, bem assim, do auto de exame pericial de fls. 430 -, e que sustentam a afirmação dos factos vertidos sob as alíneas 92) a 98).
Muito embora também os sustentem as declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pelo arguido B… (e apenas por ele, uma vez que os demais arguidos se escusaram a falar sobre os factos acusados, escudados no direito que lhes assiste ao silêncio), posto que espontaneamente os admitiu, a forma como o fez e o contexto, contudo nada credível, que adiantou como explicativo dessa concreta realidade – a única que admitiu -, cria a firme convicção de que a razão, se não exclusiva, pelo menos determinante, dessa sua atuação se prende com a circunstância de em causa estar a constatação de acontecimentos que falam por si e, assim, são objetivamente insuscetíveis de contrariar, tão só eventualmente de explicar.
É sabido que, por razões óbvias, todas as movimentações relacionadas com o tráfico de estupefacientes são sempre investidas de muitas cautelas, seja no que toca concretamente aos procedimentos, seja no que toca às pessoas neles envolvidas e a quem não raras vezes cumpre a execução de tarefas específicas na concretização do propósito de canalizar a droga desde o produtor até ao consumidor final. E tanto mais exigentes são esses cuidados quanto mais acima se está nessa cadeia, quanto maior é a quantidade de produto estupefaciente manuseado, quanto mais “valioso” ele é e quantas mais pessoas for necessário incluir nesse processo, pelo controlo que se impõe manter para assegurar a ocultação das operações e do produto às autoridades e também, internamente, para assegurar a obtenção dos lucros associados pretendidos por quem a eles se arroga o direito, sem desvios e/ou outras quaisquer interferências. Não é, por isso, crível que o envolvimento dos arguidos C… e B… na operação flagrada pela Polícia Judiciária no dia 8 de Maio de 2014 não tenha mais nada a antecedê-la que não seja a simples proposta, feita por um tal de AS…, alegadamente seu cliente D1... no negócio de automóveis a que se dedicavam, e que lhes devia o valor de € 25.000,00 correspondente ao preço de um Volvo e de um Opel … que lhe haviam vendido, de se fazerem pagar pelo valor que o mesmo havia de receber pela venda daquela carga de 90 Kgs de haxixe, procedendo para o efeito à entrega desta em local pré definido, contra o correspondente pagamento, que então fariam seu, o que aceitaram. Disse o arguido B… que sabia que esse tal AS… tinha envolvimento em negócios de droga. Necessariamente que esse AS…, no mínimo, também saberia que os arguidos B… e C… igualmente o tinham - quiçá porque com ele próprio -, sabendo o que podia pedir e esperar dos mesmos, a confiança que lhe mereciam, para mais estando em causa uma tão relevante quantidade de droga e um tão relevante valor. E a afirmação disto mesmo ganha particular sentido à vista do mais que antecedeu esse momento, tal como relatado em julgamento pelas testemunhas chefe AT…, agente principal AU…, agente AV… e agente AW…, da PSP, e pelas testemunhas inspetor-chefe AQ… e inspetor AP…, da Policia Judiciária, fazendo alusão às vigilâncias, documentadas nos correspondentes autos e registos fotográficos juntos ao processo (relatórios de diligência externa/vigilância de fls. 20, 27, 55, 58, 59, 67, 68, 69, 71, 75, 79, 82, 89, 90, 98, 100, 106, 881, 882, 883, 886, 891, 893, 895, 898 e 911, para que remeteram e cujo teor confirmaram, inclusivamente, pormenorizando-o quanto a alguns aspetos, mormente no que toca à identificação, como sendo o arguido C…, do indivíduo referenciado em alguns desses autos sem precisão de quem à data ele fosse, por só mais tarde, depois já de Maio de 2012, a investigação ter passado a abrangê-lo), que foram levadas a cabo, sobretudo a partir de 2012, primeiro pela PSP, depois também pela Polícia Judiciária, para aferir das rotinas de vida de um conjunto significativo de indivíduos, dentre os quais o arguido B… e depois também o arguido C…, numa rede de tráfico de estupefacientes em que estes trabalhavam, que eles próprios criaram e que estendia as suas ramificações a Aveiro, Felgueiras e grande Porto.
Mas não só. A convergir no mesmo sentido salienta-se a importância do que consta dos Anexos A e B de transcrição das comunicações de voz e sms intercetadas e gravadas em suporte digital, captadas a partir de diversos alvos na disponibilidade dos aqui arguidos B… e C…, designadamente, quanto ao primeiro, os números de telefone ……… (Alvo 49419M), ……… (Alvo 2N477M), ……… (Alvo 2N711M), ……… (Alvo 2N995M), ……… (Alvo 2P579M), ……… e ……… (Alvo 61615050, com o IMEI ……………), a despeito de o mesmo apenas confirmar ser pessoal seu o ………, e, quanto ao segundo, o número de telefone ……… (Alvo 58906060), portado para a AX…, reconhecido por ele como efetivamente pessoal seu, e, apesar de negar pertencer-lhe, também o número de telefone ……… (Alvo 55394M), da W…, que de todo o modo admitiu como possível ter utilizado em alguma ocasião, porventura facultado por algum cliente, sem prejuízo de negar que o pudesse ter sido para qualquer assunto relacionado com droga. A propósito desse especifico alvo, esclareceu nomeadamente a testemunha, agente da PSP, AW…, cuja intervenção na investigação incidiu, essencialmente, precisamente ao nível das comunicações/escutas, as razões para o facto de não ter quaisquer dúvidas de que era o arguido C… quem chamava e atendia desse número telemóvel, designadamente no período a que se reportam as comunicações transcritas, mais a mais porque as chamadas que foram escutadas foram bem mais do que aquelas cujas conversações foram transcritas, e em algumas delas os arguidos tratavam-se, ou eram tratados, pelo nome, sendo as respetivas vozes perfeitamente reconhecíveis.
Diga-se agora também que os termos de tais conversações de voz e sms, mormente o vocabulário utilizado, embora não contenham nenhuma menção expressa a droga ou tipo específico de droga, claramente patenteiam que esse é o mote e que as combinações, acordos e negócios por essa via firmados em diversos momentos com pessoas várias, a ela diretamente respeitam, mais especificamente a haxixe/cannabis. Aliás, nem se vê que outra coisa na realidade elas expressassem, mormente, como defendeu o arguido B… em julgamento, que se tratasse dos contactos estabelecidos no desenvolvimento normal do exercício da atividade de compra/venda/reparação de veículos e peças automóveis a que profissionalmente se dedicavam, posto que se assim fosse necessariamente que sempre tal resultaria transparente nas palavras utilizadas. E isso não sucede. Bem ao invés, as conversas são truncadas, feitas de meias palavras, por vezes aparentemente desconexas, de tal modo codificadas que só podem ser mantidas e dar causa a ações consentâneas à vontade de quem as tem se efetivamente os interlocutores conhecerem o código que as decifra e, sobretudo, o sentido do que propositadamente se não diz mas quer dizer e, por isso, se subentende. Tão pouco a utilização de um discurso tão truncado/codificado é coerente com a argumentação do arguido B…, no sentido de que em muitas ocasiões só à vista da peça velha se conseguia comprar uma nova com exatamente as mesmas características, adequada a ser aplicada num determinado veículo, para explicar o ter sido visto a recolher (designadamente da casa de habitação e/ou respetiva garagem sitas na R. …, nº …, em …, Maia, pertença da sogra do co-arguido C… e onde disse que este chegou a residir e tinha montada uma pequena oficina), a transportar e entregar em mão a terceiras pessoas (mormente, como disseram as já identificadas testemunhas AT… e AW… que viram acontecer no dia 15 de Maio de 2012, ao L…, conhecido pela alcunha de «L1…», o qual por sua vez logo entregou a indivíduo de identidade desconhecida, recebendo em troca um número indeterminado de notas do Banco Central Europeu com o valor facial de cinco e dez euros) embrulhos de pequenas ou médias dimensões (as ditas peças velhas). Se precisão é necessária, ao ponto de ser preciso “ver”, então onde está ela nas aludidas comunicações telefónicas? Por exemplo - e muitos outros exemplos, flagrantes, as transcrições das escutas realizadas denunciam claramente -, atender a chamada de alguém que não se identifica e pergunta sem mais introitos “a que preço tens aquilo?”, respondendo o arguido B… de imediato “ó filho, aquela merda já acabou meu, já foi tudo” (cfr. fls. 5 e 6 do Anexo A), ou de alguém que diz “Olha, já tenho o dinheiro todo para ti, daquilo”, a que o arguido B… responde “Tá bem, depois passo aí” (cfr. fls 32 do Anexo A), ou de alguém que diz “Olha, podes vir buscar a massa pá”, adiante acrescentando “Olha, e … tens alguma coisa?”, ao que o arguido B… responde “Pá, em princípio esta semana tenho”, e, em resposta à pergunta subsequente do interlocutor “E o que é que vai tar a dar, é o mesmo ou é do outro?”, acrescenta “É igual” (cfr. fls. 42 e 43 do Anexo A), ou atender uma chamada de alguém que não se identifica e pergunta sem mais “amanhã lá pás oito e trinta dá para ti?”, respondendo o arguido C… “Dá”, e prosseguindo o interlocutor “Oh, lebas-me três peças?”, respondendo “Tá, tá bem”, e à nova pergunta do interlocutor “Igual, é igual não é?” respondendo “Não já não é”, assim terminando a conversa (cfr. fls. 7 do Anexo B), seguramente não satisfaz essa exigência de precisão. Também a não satisfaz o sms transcrito a fls. 44 do Anexo A, recebido pelo arguido B… de desconhecido, “OK filhote, traz 10 MiniDisc”, que necessariamente, pela aplicação do mesmo juízo interpretativo, e, a mais disso, levando em linha de conta a menção feita à quantidade, se refere a produto estupefaciente. Tão pouco se descortina o que possa justificar e, ainda menos, o que possa justificar razoavelmente, que, a tratar-se de assuntos relacionados com o negócio dos automóveis e peças auto, tais conversas e relacionadas deslocações e encontros tenham ocorrido em larga medida bem fora dos dias, horário e contexto laborais, inclusivamente até de madrugada, como melhor atesta o auto de transcrição de escuta telefónica constante de fls. 25 e 26 do Anexo A, em que à uma hora da manhã o arguido B… solicita à pessoa para quem ligou que vá nesse momento buscar a um determinado sítio conhecido de ambos, e lhe leve, um saco grande, ao que o destinatário – claramente, no contexto descrito, um colaborador do mesmo que tem por incumbência guardar a droga -, apercebendo-se da premência do pedido, acedeu.
De todo o modo, não foi cada uma das conversas transcritas nos autos individualmente, mas antes todas globalmente, que o Tribunal considerou, já que só assim se afigurou possível compreender realmente o sentido do que nelas se verbaliza. Algumas delas, inclusive, só podem em absoluto ser entendidas no contexto fornecido por outras conversações anteriores (e eventualmente posteriores). E certo é que todas, no seu conjunto, são de molde a alicerçar a decisão unânime deste coletivo de Juízes no que tange à matéria de facto. Reforça-a, de resto, também o facto, fundamentadamente relatado pelas testemunhas agentes da PSP e inspetores da Polícia Judiciária, de os arguidos B… e C… se relacionarem de modo habitual e frequente com pessoas conotadas com o tráfico e/ou o consumo de estupefacientes, algumas já alvo de detenções e/ou prisão por tal atividade, e relativamente a algumas das quais existe inclusive o registo de conversas telefónicas e troca de sms. É o caso, dentre outros, de AY…, AZ…, entretanto preso em cumprimento de pena e cuja denunciada alegada atuação de venda de estupefacientes esteve na base da instauração do processo nº 4057/10.8TAGDM, BB…, também conhecido por “BB1…”, BC…, conhecido pela alcunha de “BC1…”, BD…, conhecido pela alcunha de “BD1…”, L…, conhecido pela alcunha de “L1…”, e O… (cfr. fls. 20, 30/31 e 110 do Anexo A de Transcrições de Escutas Telefónicas, certidões de fls. 584 a 874 e 1628 e segs. dos presentes autos, relatos de diligência externa de fls. 27, 55/56, 100 a 103, documentos de fls. 28 a 35 e 61 a 66 e relatório de vigilância de fls. 884/885).
Mais a mais, como também referiu a testemunha AT…, nas inúmeras vigilâncias montadas, designadamente ao stand/armazém dos arguidos na Rua …, para aferir das movimentações nas imediações do mesmo e dos indivíduos que ali se deslocavam a contactar os arguidos, pôde aperceber-se que tais contactos eram breves, maioritariamente no exterior, sem que as pessoas fossem ver ou mostrar viaturas, dando claramente a entender que o assunto que os levava lá nada teria a ver com a atividade de compra/venda/reparação de carros e/ou peças auto desenvolvida naquele local.
As vigilâncias e seguimentos efetuados dão ainda conta das concretas viaturas detidas e/ou utilizadas em diversos momentos pelos arguidos B… e C…, designadamente em prol dessa sua atividade de tráfico de produtos estupefacientes, e a que se referem os documentos juntos a fls. 6, 7, 22/23, 26, 57, 110 a 111, 113, 134 a 138, 152, 157, 158, 160, 161, 170, 171 e 914 a 924, relevando o depoimento da testemunha BE… (gerente da “AF…”), de par com os documentos de fls. 360 a 366, para o esclarecimento acerca da titularidade da viatura de matrícula ..-..-ZL, apreendida aquando da detenção dos arguidos, em 8 de Maio de 2014 - que a testemunha em mérito disse ter sido alugada em fevereiro de 2014 por dois indivíduos de nacionalidade marroquina, um dos quais o aqui arguido D… -, e o depoimento da testemunha U…, de par com os documentos de fls. 140 a 148, para o esclarecimento, por sua vez, acerca da titularidade das três viaturas da marca Peugeot …, com as matrículas ..-HD-.., ..-GP-.. e ..-FN-.., que disse ter vendido ao arguido B… no espaço de um ano, entre 2013 e 2014, com intervalos de três meses a mediar cada uma das vendas, cujo preço, no valor global de € 9.000,00, o arguido B… lhe pagou.
No depoimento que por sua vez prestou a testemunha BF… em audiência de julgamento, referindo embora não conhecer nenhum dos arguidos, esclareceu ter em Janeiro de 2014 conduzido um Renault …, com haxixe do “D1…”, da Maia até uma garagem na Rua …, em …, sendo que a essa garagem se refere a denúncia anónima junta a fls. 88, que identifica a utilização da mesma, além do mais, pela viatura “Mercedes” com a matrícula ..-..-UX, normalmente utilizada pelos arguidos B… e C…, conforme decorre, designadamente, do auto de diligência externa documentado a fls. 79 a 81 - que relata a deslocação daqueles, em 7 de Janeiro de 2014, desde a oficina/armazém da “G…”, na Rua …, em .., até à garagem com entrada pelo nº .. do prédio sito na Rua …, a que acedem acionando o comando do respetivo portão e onde permanecem tão somente cinco minutos, voltando a sair no dito automóvel.
A dar conta de que, a mais dessas, os mesmos arguidos tinham então também a disponibilidade de uma armazém sito na Rua …, nº .., em Valongo, releva o relato de diligência externa documentada a fls. 98 e 100, melhor explicado em sede de julgamento pela testemunha Inspetor-Chefe AQ…, da Polícia Judiciária, que a executou. A sua vez a testemunha AP… referiu ainda que depois da situação presenciada no dia 3 de Outubro de 2013, envolvendo o Mercedes com matrícula falsificada, viram por várias vezes os arguidos B… e C… a entrar em garagens de prédios onde não habitavam, sendo uma dessas atuações a descrita no referenciado auto de fls. 79 e segs., na Rua …, cujo comando de acesso veio a ser apreendido ao arguido C… no dia 8 de Maio de 2014, confirmando-se entretanto que o mesmo abria a porta da dita garagem, e a situação descrita no auto de fls. 100, referente à garagem sita no nº.. da …, na Maia.
Instado a concretizar a extensão da atuação do arguido D…, natural de Marrocos, no contexto de toda esta sucessão de acontecimentos, a testemunha AQ…, ao encontro do vazio do processo a esse respeito, esclareceu não existir em absoluto qualquer registo do mesmo anterior à data da respetiva detenção, 8 de Maio de 2014, inclusive precisando que a única referência que então tinham sobre marroquinos envolvidos era a de que eram marroquinos que faziam os transportes dos estupefacientes. Nada mais do que isso.
Por seu turno, a justificar a afirmada existência, titularidade e movimentação a crédito e a débito das contas de depósitos bancárias identificadas na factualidade provada, nos moldes ali feitos constar, relevaram os documentos que a atestam, emitidos pelas correspondentes instituições bancárias e juntos aos autos a fls. 450 a 504, 509 a 514, 983 a 1024 e 1614 a 1626 e, bem assim, no “Anexo I – Informação Bancária”. E quanto aos resultados da atividade da sociedade com a firma «J…, Lda.» (proprietária da oficina «G…»), referente ao exercício de 2012, assenta-se no teor do correspondente dossier de resultados integrante do Apenso I aos presentes autos, disponibilizado para os autos pelo contabilista da mesma.
Não se descura a alusão feita em sede de audiência pelo inspetor-chefe da Polícia Judiciária AQ…, e entretanto na mesma oportunidade corroborada pelo inspetor da Polícia Judiciária AP…, à postura de total colaboração entretanto assumida pelo arguido B…, por virtude da qual no âmbito de outros processos/inquéritos foram já identificadas várias pessoas relacionadas com a atividade de tráfico e também apreendidas grandes quantidades de produto estupefaciente (mais do que o estupefaciente apreendido em 8 de Maio de 2014 nos presentes autos), ainda que igual postura se não possa invocar – porque efetivamente não existiu - nos presentes autos.
Finalmente, regista-se a consideração pelo Tribunal da prova documental produzida nos autos que a mais da que especificamente foi já objeto de menção acima, foi tida em conta. Chama-se a particular atenção para as diversas folhas contendo extensas anotações contabilísticas de um fluxo sequencial de crédito e débito, manuscritas, que foram apreendidas em 8 de Maio de 2014 nas instalações da “G…”, na secretária do arguido B…, e que, a referir-se a “contas” relativas ao negócio de automóveis e peças exercido pelos arguidos C… e B…, muito se estranha que a dado passo contenham a menção, a crédito, “8400 ovos”!!
Relevante ainda, especificamente, os autos nº 2554/13.2TAMAI-A de Liquidação para efeitos de eventual perda alargada de bens, contendo documentação respeitante à consulta à base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, do Instituto dos Registos e Notariado, da Segurança Social e de instituições bancárias, relativa aos arguidos, o que a propósito com muito pormenor descreveu e explicou sustentadamente e com clareza a testemunha BG… – inspetor da Polícia Judiciária a exercer funções de investigação patrimonial e financeira no Gabinete de Recuperação de Ativos da Polícia Judiciária (GRA), e a cargo de quem esteve a investigação patrimonial, cujos resultados verteu no relatório constante de fls. 237 e segs. daqueles autos, relativa aos aqui arguidos, para aferir da existência ou não, por todos ou algum deles, de uma vantagem patrimonial ilegítima –, e os documentos de fls. 1614 a 1626, são absolutamente elucidativos acerca da bondade da afirmação da correspondente factualidade, nos moldes vertidos supra.
Contextualizando a intervenção do GRA na situação em apreço, por referência à Lei que a prevê, a identificada testemunha esclareceu acerca do porquê da extensão da mesma a determinados familiares dos arguidos, acerca dos elementos/informações solicitados, a que entidades, com que finalidade e, bem assim, que leitura deles foi feita, ponto por ponto, para concluir no sentido de que existe e se computa em 106.684,26 (€ 95.862,40 + € 20.821,86) a vantagem patrimonial ilícita do arguido B…, e existe e computa-se em € 19.801,24 a vantagem patrimonial ilícita auferida pelo arguido C….
Inclusive, além do mais que referiu a propósito, disse que os valores documentados das transferências a crédito para a conta da F…, efetuadas pelo pai e pela mãe do arguido C… – relativamente ao qual não há rendimentos declarados - e por uma tal de AN…, no período de cinco anos em análise, nos valores globais de, respetivamente, € 49.710,52, € 7.000,00 e € 5.000,00, tendo embora sido detetados na análise que se fez das contas bancárias, não foram considerados no cálculo do valor global de € 50.921,87 em que se traduz a movimentação a crédito de tais contas e que é considerado para efeitos de cálculo do valor incongruente. Aliás, se o tivessem sido, não seria de € 50.921,87 esse valor global apurado, mas sim um valor à roda dos € 100.000,00. Também não foram contabilizados no cálculo desse valor as viaturas que a mesma adquiriu e vendeu nos anos de 2011 e 2013. Em todo o caso, adiantando que esse valor não se coaduna com os rendimentos que por ela a sua vez foram declarados, explicou com detalhe porquê. Nesse contexto mais precisou que as prestações auferidas pela mesma da Segurança Social foram consideradas justificadas e, portanto, lícitas.
Referiu não ter notícia, a mais de um movimento bancário a crédito de € 500,00, no ano de 2013, da apresentação, em 2009, de declaração de IRS com um rendimento global de € 3.396,88, e das transferências de dinheiro a que se fez alusão supra, efetuadas a seu favor pelos pais e por AN… na conta da F…, de outros rendimentos percebidos pelo arguido C… e que o mesmo haja declarado ao fisco. E referiu que se tivesse tido notícia de que o mesmo tivesse auferido rendimentos do trabalho no estrangeiro, os teria considerado para efeitos de cômputo do património congruente. Entende também o coletivo de Juízes que sim, obviamente. Ponto é que o arguido demonstrasse que assim sucedeu. E isso não logra fazer por via da apresentação dos documentos de fls. 1611 e 1612, para mais estando em causa a demonstração, mais do que da perceção dos rendimentos em si, de que os declarou à Autoridade Tributária, seja ela a holandesa ou a portuguesa. Seguramente o demonstraria através de documento/certidão por esta emitido, que não (e se é que foi) pela entidade pagadora.
A mesma testemunha BG… acrescentou ainda que também com relação às firmas associadas aos arguidos – “AJ…, Lda.” e “J…, Lda.”, as únicas de que há registo nas Finanças e que, por isso, conhece, não foram considerados quaisquer valores para efeitos de cálculo do rendimento incongruente. A primeira aludida sociedade, existindo já quando o arguido B… e a companheira, E…, adquiriram as respetivas quotas, foi declarada insolvente muito pouco tempo depois, não registando nessa medida grandes movimentações bancárias depois que foi adquirida por aqueles, nem apresentando grandes resultados a nível fiscal. A segunda só apresenta movimentação ao nível das respetivas contas bancárias nos anos de 2012 e 2013 e, ainda assim, muito residualmente. Bem se compreende, pois, que a documentação junta pelo arguido B… a fls. 1454 a 1504, 1507 a 1510 e 1524 a 1552 de nada releve para efeitos de liquidação do património incongruente do mesmo. Não lhe diz respeito. Por outro lado, não se sabendo que aproveitamento ele pretende fazer do documento (recibo de indemnização) de fls. 1453, não há como reportá-lo a nada com interesse para a dita liquidação. Inclusivé, desconhece-se se o pagamento a que tal documento faz menção deu causa a um movimento bancário a crédito na sua conta e/ou da sua companheira E… que agora interessasse justificar. O mesmo quanto aos documentos juntos a fls. 1505, 1506 e 1511 a 1523, que nem se sabe bem a quem ou que entidade respeitam e, assim, exatamente o quê eles pretendem documentar, por isso não se considerando.
Quanto às condições pessoais, modo de vida e antecedentes criminais dos arguidos, valeu-se o Tribunal dos relatórios sociais de fls. 1353/1354, 1355/1356 e 1357/1358 (consideradas as reticências que se impõe opor àquilo que resulta tão somente de informação veiculada em exclusivo pelos próprios arguidos, sem outro qualquer suporte) e os certificados de registo criminal de fls. 1269, 1270 a 1274 e 1277, sem descurar ainda, no que às primeiras diz respeito, e relativamente ao arguido C…, o depoimento prestado pela testemunha BH…, cunhado do mesmo.
Especificamente a propósito dos factos não provados, o Tribunal valorou a ausência ou insuficiência de mobilização probatória credível à afirmação da correspondente materialidade, bem como a sua contradição com aquilo que foi dado como provado, designadamente porque confrontando os documentos ou as conversas transcritas que lhes possam corresponder, nos casos em que existem, não se vê que eles por si só permitam tal leitura de forma segura, e sendo certo que, concomitantemente, para considerar não existem outras provas que logrem demonstrá-lo.”
+
São as seguintes aa questões a apreciar:
-impugnação da matéria de facto
- Da aplicação do artº 31º DL 15/93
- Da liquidação de bens
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O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in Dr. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor:“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto.
Tais vícios não são alegados e vista a decisão recorrida não se vislumbra nenhum deles.

Começa o arguido recorrente por pretender impugnar a matéria de facto que identifica. A este propósito e sem prejuízo do que adiante se expressará importa desde já posicionarmo-nos sobre o que consiste e é essa impugnação.
Assim:
Nos termos do n.º 1 do art.º 428º do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito, e podem modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto artº 431º CPP), pela via da “revista alargada” dos vícios do artº 410º2 CPP (supra) e através da impugnação ampla da matéria de facto regulada pelo artº 412º CPP.
Na revista alargada está em causa a apreciação dos vícios da decisão, cuja indagação tem de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos á decisão, como os dados existentes nos autos ou resultantes da audiência de julgamento (cfr. Maia Gonçalves, CPP Anotado, 10 ª ed. pág. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal Vol. III, verbo 2ª ed. pág. 339, e Simas Santos et alli, Recursos em Processo Penal, 6ª ed. pág. 77), que o recorrente não alega;
Na impugnação ampla a apreciação da matéria de facto alargasse à prova produzida em audiência (se documentada) mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhes é imposto pelos nºs 3, 4 do artº 412º CPP, nos termos dos quais:
“3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas;
4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta nos termos do nº2 do artigo 364º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
………
6. No caso previsto no nº4 o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
Todavia há que ter presente que tal recurso não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas constitui apenas um remédio para eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida (erros in judicando ou in procedendo) na forma como o tribunal recorrido apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, pelo que não pressupõe a reapreciação total dos elementos de prova produzidos em audiência e que fundamentaram a decisão recorrida, mas apenas aqueles sindicados pelo recorrente e no concreto ponto questionado, constituindo uma reapreciação autónoma sobre a bondade e razoabilidade da apreciação e decisão do tribunal recorrido quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.
Para essa reapreciação o tribunal verifica se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida e em caso afirmativo avalia-os e compara-os de molde a apurar se impõem ou não decisão diversa (cfr. Ac. STJ 14.3.07, Proc. 07P21, e de 23.5.07, Proc. 07P1498, in www.dgsi.pt/jstj).
A especificação dos “concretos pontos de facto” constituem a indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados,
e as “concretas provas” consistem na identificação e indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida, e
havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, e dentro destas tem o recorrente de indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação;
Mas o Tribunal pode sempre apreciar outras que ache relevantes (nº 4 e 6 do artº412º CPP)

Ora o recorrente, indica a matéria de facto provada que impugna (identificando os nºs e transcrevendo o seu teor), e que constitui a matéria dos nºs 1), 11) e 12), 20) e 21), 26), 29), 31) a 34), 41), 57), 72) a 75), 77), 80) e 85) dos factos provados.
Como prova que imporia decisão diversa (de não provado) o arguido segue dois rumos:
Um alegando que tais factos resultariam da investigação no âmbito do processo 4057/10.8TAGDM, que veio a ser arquivado e como tal inconceptível de ser aproveitado nestes autos, e
Outro alegando que não existe prova suficiente, para dar como provados tais factos;
Cremos que nem um nem outro dos argumentos utilizados pelo recorrente é susceptivel de inverter os factos como provados.
Desde logo, não estamos perante uma verdadeira impugnação da matéria de facto em conformidade com o disposto no artº 412º CPP, e não indica o recorrente em relação a cada facto, a prova concreta que imporia decisão diversa, não bastando remeter para uma certidão de outro auto/ inquérito que deu origem ao presente, e por outro lado a invocada “ insuficiência da prova” para dar como provados aqueles factos é irrelevante como fundamento da alteração da matéria de facto (cf. Ac. STJ 9/12/98 BMJ 482, 68);
Mas quanto ao primeiro argumento, não só o arguido não tem razão, como as coisas não se passaram como indica, e o fundamento alegado já o foi nestes autos, como denuncia o MºPº na sua resposta.
Os presentes autos tiveram origem na certidão das diligências de prova (escutas telefónicas e vigilâncias policiais) existentes nos autos 4057/10.8TAGDM em que os ora arguidos e outros estavam a ser investigados, e foram continuadas no âmbito deste novo processo, quanto a estes arguidos. A apreciação quanto ao seu aproveitamento e uso nestes autos das diligências de prova constantes da certidão em causa, já foi efectuada na instrução, por despacho judicial de que não foi interposto recurso, e por isso transitou em julgado, sendo que tal teve por base a consideração de que o que ocorreu consistiu, no seguinte: “correndo dois processos autónomos e por que os meios de prova (escutas telefónicas) de um interessavam ao outro, foi ordenada a este a junção dessa prova. O uso dessa prova é legalmente admitida nos termos do nº 7 e 8 do artº187º do CPP. Especificamente refere aquele dispositivo legal nº7 que “ pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar.”
Assim não estávamos perante prova proibida e antes legalmente admitida. Por outro lado o despacho ali proferido (no proc 4057/10.8TAGDM) não abrange os arguidos destes autos (e o recorrente) pois dele já não faziam parte, aquando da decisão final ali proferida que a eles não se refere, face à separação de processos e o início deste com a mencionada certidão.
Porque tal pretensão não teve acolhimento na instrução, e transitou em julgado, o recorrente vem suscitar de novo a mesma questão agora sob a veste da impugnação da matéria de facto.
Só que neste âmbito, e dado que não estamos perante prova proibida, a apreciação do tribunal, quanto a ver provados ou não provados os factos questionados não se cinge àquela prova (certidão), mas encontra eco e explicação em toda a prova, a culminar no acto que levou à detenção dos arguidos e como sequencia lógica e fruto daquelas investigações anteriores (expressas nessa certidão), e para esse efeito, resulta da fundamentação do acórdão:
“Tenhamos como ponto de partida o auto de diligência externa de fls. 107 a 109 dos autos e, a confirmar o nele relatado, os depoimentos prestados, com coerência e insuspeitada isenção, em sede de audiência de julgamento pelas testemunhas AP… - inspetor da PJ que em 8 de Maio de 2014, conjuntamente com outros colegas, levou a cabo a vigilância e seguimento dos arguidos que a final culminou na detenção nessa data dos mesmos e apreensão de cerca de 90 Kgs. de haxixe (…).
Muito embora também os sustentem as declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pelo arguido B… (e apenas por ele, uma vez que os demais arguidos se escusaram a falar sobre os factos acusados, escudados no direito que lhes assiste ao silêncio), posto que espontaneamente os admitiu, a forma como o fez e o contexto, contudo nada credível, que adiantou como explicativo dessa concreta realidade – a única que admitiu -, cria a firme convicção de que a razão, se não exclusiva, pelo menos determinante, dessa sua atuação se prende com a circunstância de em causa estar a constatação de acontecimentos que falam por si e, assim, são objetivamente insuscetíveis de contrariar, tão só eventualmente de explicar. (…)
Não é, por isso, crível que o envolvimento dos arguidos C… e B… na operação flagrada pela Polícia Judiciária no dia 8 de Maio de 2014 não tenha mais nada a antecedê-la que não seja a simples proposta, feita por um tal de AS…, alegadamente seu cliente D1… no negócio de automóveis a que se dedicavam, e que lhes devia o valor de € 25.000,00 correspondente ao preço de um Volvo e de um Opel … que lhe haviam vendido, de se fazerem pagar pelo valor que o mesmo havia de receber pela venda daquela carga de 90 Kgs de haxixe, procedendo para o efeito à entrega desta em local pré definido, contra o correspondente pagamento, que então fariam seu, o que aceitaram. Disse o arguido B… que sabia que esse tal AS… tinha envolvimento em negócios de droga. Necessariamente que esse AS…, no mínimo, também saberia que os arguidos B… e C… igualmente o tinham - quiçá porque com ele próprio -, sabendo o que podia pedir e esperar dos mesmos, a confiança que lhe mereciam, para mais estando em causa uma tão relevante quantidade de droga e um tão relevante valor. E a afirmação disto mesmo ganha particular sentido à vista do mais que antecedeu esse momento, tal como relatado em julgamento pelas testemunhas chefe AT…, agente principal AU…, agente AV… e agente AW…, da PSP, e pelas testemunhas inspetor-chefe AQ… e inspetor AP…, da Policia Judiciária, fazendo alusão às vigilâncias, documentadas nos correspondentes autos e registos fotográficos juntos ao processo (relatórios de diligência externa/vigilância de fls. 20, 27, 55, 58, 59, 67, 68, 69, 71, 75, 79, 82, 89, 90, 98, 100, 106, 881, 882, 883, 886, 891, 893, 895, 898 e 911, para que remeteram e cujo teor confirmaram, inclusivamente, pormenorizando-o quanto a alguns aspetos, mormente no que toca à identificação, como sendo o arguido C…, do indivíduo referenciado em alguns desses autos sem precisão de quem à data ele fosse, por só mais tarde, depois já de Maio de 2012, a investigação ter passado a abrangê-lo), que foram levadas a cabo, sobretudo a partir de 2012, primeiro pela PSP, depois também pela Polícia Judiciária, para aferir das rotinas de vida de um conjunto significativo de indivíduos, dentre os quais o arguido B… e depois também o arguido C…, numa rede de tráfico de estupefacientes em que estes trabalhavam, que eles próprios criaram e que estendia as suas ramificações a Aveiro, Felgueiras e grande Porto.
Mas não só. A convergir no mesmo sentido salienta-se a importância do que consta dos Anexos A e B de transcrição das comunicações de voz e sms intercetadas e gravadas em suporte digital, captadas a partir de diversos alvos na disponibilidade dos aqui arguidos B… e C…, designadamente, quanto ao primeiro, os números de telefone ……… (Alvo 49419M), ……… (Alvo 2N477M), ……… (Alvo 2N711M), ……… (Alvo 2N995M), ……… (Alvo 2P579M), ……… e ……… (Alvo 61615050, com o IMEI ……………), a despeito de o mesmo apenas confirmar ser pessoal seu o ………, e, quanto ao segundo, o número de telefone ……… (Alvo 58906060), portado para a AX…, reconhecido por ele como efetivamente pessoal seu, e, apesar de negar pertencer-lhe, também o número de telefone ……… (Alvo 55394M), da W…, que de todo o modo admitiu como possível ter utilizado em alguma ocasião, porventura facultado por algum cliente, sem prejuízo de negar que o pudesse ter sido para qualquer assunto relacionado com droga. A propósito desse especifico alvo, esclareceu nomeadamente a testemunha, agente da PSP, AW…, cuja intervenção na investigação incidiu, essencialmente, precisamente ao nível das comunicações/escutas, as razões para o facto de não ter quaisquer dúvidas de que era o arguido C… quem chamava e atendia desse número telemóvel, designadamente no período a que se reportam as comunicações transcritas, mais a mais porque as chamadas que foram escutadas foram bem mais do que aquelas cujas conversações foram transcritas, e em algumas delas os arguidos tratavam-se, ou eram tratados, pelo nome, sendo as respetivas vozes perfeitamente reconhecíveis.
Diga-se agora também que os termos de tais conversações de voz e sms, mormente o vocabulário utilizado, embora não contenham nenhuma menção expressa a droga ou tipo específico de droga, claramente patenteiam que esse é o mote e que as combinações, acordos e negócios por essa via firmados em diversos momentos com pessoas várias, a ela diretamente respeitam, mais especificamente a haxixe/cannabis. Aliás, nem se vê que outra coisa na realidade elas expressassem, mormente, como defendeu o arguido B… em julgamento, que se tratasse dos contactos estabelecidos no desenvolvimento normal do exercício da atividade de compra/venda/reparação de veículos e peças automóveis a que profissionalmente se dedicavam, posto que se assim fosse necessariamente que sempre tal resultaria transparente nas palavras utilizadas. E isso não sucede. Bem ao invés, as conversas são truncadas, feitas de meias palavras, por vezes aparentemente desconexas, de tal modo codificadas que só podem ser mantidas e dar causa a ações consentâneas à vontade de quem as tem se efetivamente os interlocutores conhecerem o código que as decifra e, sobretudo, o sentido do que propositadamente se não diz mas quer dizer e, por isso, se subentende. Tão pouco a utilização de um discurso tão truncado/codificado é coerente com a argumentação do arguido B…, no sentido de que em muitas ocasiões só à vista da peça velha se conseguia comprar uma nova com exatamente as mesmas características, adequada a ser aplicada num determinado veículo, para explicar o ter sido visto a recolher (designadamente da casa de habitação e/ou respetiva garagem sitas na R. …, nº …, em …, Maia, pertença da sogra do co-arguido C… e onde disse que este chegou a residir e tinha montada uma pequena oficina), a transportar e entregar em mão a terceiras pessoas (mormente, como disseram as já identificadas testemunhas AT… e AW… que viram acontecer no dia 15 de Maio de 2012, ao L…, conhecido pela alcunha de «L1…», o qual por sua vez logo entregou a indivíduo de identidade desconhecida, recebendo em troca um número indeterminado de notas do Banco Central Europeu com o valor facial de cinco e dez euros) embrulhos de pequenas ou médias dimensões (as ditas peças velhas). Se precisão é necessária, ao ponto de ser preciso “ver”, então onde está ela nas aludidas comunicações telefónicas? Por exemplo - e muitos outros exemplos, flagrantes, as transcrições das escutas realizadas denunciam claramente -, atender a chamada de alguém que não se identifica e pergunta sem mais introitos “a que preço tens aquilo?”, respondendo o arguido B… de imediato “ó filho, aquela merda já acabou meu, já foi tudo” (cfr. fls. 5 e 6 do Anexo A), ou de alguém que diz “Olha, já tenho o dinheiro todo para ti, daquilo”, a que o arguido B… responde “Tá bem, depois passo aí” (cfr. fls 32 do Anexo A), ou de alguém que diz “Olha, podes vir buscar a massa pá”, adiante acrescentando “Olha, e … tens alguma coisa?”, ao que o arguido B… responde “Pá, em princípio esta semana tenho”, e, em resposta à pergunta subsequente do interlocutor “E o que é que vai tar a dar, é o mesmo ou é do outro?”, acrescenta “É igual” (cfr. fls. 42 e 43 do Anexo A), ou atender uma chamada de alguém que não se identifica e pergunta sem mais “amanhã lá pás oito e trinta dá para ti?”, respondendo o arguido C… “Dá”, e prosseguindo o interlocutor “Oh, lebas-me três peças?”, respondendo “Tá, tá bem”, e à nova pergunta do interlocutor “Igual, é igual não é?” respondendo “Não já não é”, assim terminando a conversa (cfr. fls. 7 do Anexo B), seguramente não satisfaz essa exigência de precisão. Também a não satisfaz o sms transcrito a fls. 44 do Anexo A, recebido pelo arguido B… de desconhecido, “OK filhote, traz 10 MiniDisc”, que necessariamente, pela aplicação do mesmo juízo interpretativo, e, a mais disso, levando em linha de conta a menção feita à quantidade, se refere a produto estupefaciente. Tão pouco se descortina o que possa justificar e, ainda menos, o que possa justificar razoavelmente, que, a tratar-se de assuntos relacionados com o negócio dos automóveis e peças auto, tais conversas e relacionadas deslocações e encontros tenham ocorrido em larga medida bem fora dos dias, horário e contexto laborais, inclusivamente até de madrugada, como melhor atesta o auto de transcrição de escuta telefónica constante de fls. 25 e 26 do Anexo A, em que à uma hora da manhã o arguido B… solicita à pessoa para quem ligou que vá nesse momento buscar a um determinado sítio conhecido de ambos, e lhe leve, um saco grande, ao que o destinatário – claramente, no contexto descrito, um colaborador do mesmo que tem por incumbência guardar a droga -, apercebendo-se da premência do pedido, acedeu.
De todo o modo, não foi cada uma das conversas transcritas nos autos individualmente, mas antes todas globalmente, que o Tribunal considerou, já que só assim se afigurou possível compreender realmente o sentido do que nelas se verbaliza. Algumas delas, inclusive, só podem em absoluto ser entendidas no contexto fornecido por outras conversações anteriores (e eventualmente posteriores). E certo é que todas, no seu conjunto, são de molde a alicerçar a decisão unânime deste coletivo de Juízes no que tange à matéria de facto. Reforça-a, de resto, também o facto, fundamentadamente relatado pelas testemunhas agentes da PSP e inspetores da Polícia Judiciária, de os arguidos B… e C… se relacionarem de modo habitual e frequente com pessoas conotadas com o tráfico e/ou o consumo de estupefacientes, algumas já alvo de detenções e/ou prisão por tal atividade, e relativamente a algumas das quais existe inclusive o registo de conversas telefónicas e troca de sms. É o caso, dentre outros, de AY…, AZ…, entretanto preso em cumprimento de pena e cuja denunciada alegada atuação de venda de estupefacientes esteve na base da instauração do processo nº 4057/10.8TAGDM, BB…, também conhecido por “BB1…”, BC…, conhecido pela alcunha de “BC1…”, BD…, conhecido pela alcunha de “BD1…”, L…, conhecido pela alcunha de “L1…”, e O… (cfr. fls. 20, 30/31 e 110 do Anexo A de Transcrições de Escutas Telefónicas, certidões de fls. 584 a 874 e 1628 e segs. dos presentes autos, relatos de diligência externa de fls. 27, 55/56, 100 a 103, documentos de fls. 28 a 35 e 61 a 66 e relatório de vigilância de fls. 884/885).
Mais a mais, como também referiu a testemunha AT…, nas inúmeras vigilâncias montadas, designadamente ao stand/armazém dos arguidos na Rua …, para aferir das movimentações nas imediações do mesmo e dos indivíduos que ali se deslocavam a contactar os arguidos, pôde aperceber-se que tais contactos eram breves, maioritariamente no exterior, sem que as pessoas fossem ver ou mostrar viaturas, dando claramente a entender que o assunto que os levava lá nada teria a ver com a atividade de compra/venda/reparação de carros e/ou peças auto desenvolvida naquele local.
As vigilâncias e seguimentos efetuados dão ainda conta das concretas viaturas detidas e/ou utilizadas em diversos momentos pelos arguidos B… e C…, designadamente em prol dessa sua atividade de tráfico de produtos estupefacientes, e a que se referem os documentos juntos a fls. 6, 7, 22/23, 26, 57, 110 a 111, 113, 134 a 138, 152, 157, 158, 160, 161, 170, 171 e 914 a 924,
(…)
No depoimento que por sua vez prestou a testemunha BF… em audiência de julgamento, referindo embora não conhecer nenhum dos arguidos, esclareceu ter em Janeiro de 2014 conduzido um Renault …, com haxixe do “D1…”, da Maia até uma garagem na Rua …, em …, sendo que a essa garagem se refere a denúncia anónima junta a fls. 88, que identifica a utilização da mesma, além do mais, pela viatura “Mercedes” com a matrícula ..-..-UX, normalmente utilizada pelos arguidos B… e C…, conforme decorre, designadamente, do auto de diligência externa documentado a fls. 79 a 81 - que relata a deslocação daqueles, em 7 de Janeiro de 2014, desde a oficina/armazém da “G…”, na Rua …, em …, até à garagem com entrada pelo nº .. do prédio sito na Rua …, a que acedem acionando o comando do respetivo portão e onde permanecem tão somente cinco minutos, voltando a sair no dito automóvel.
A dar conta de que, a mais dessas, os mesmos arguidos tinham então também a disponibilidade de uma armazém sito na Rua …, nº .., em Valongo, releva o relato de diligência externa documentada a fls. 98 e 100, melhor explicado em sede de julgamento pela testemunha Inspetor-Chefe AQ…, da Polícia Judiciária, que a executou. A sua vez a testemunha AP… referiu ainda que depois da situação presenciada no dia 3 de Outubro de 2013, envolvendo o Mercedes com matrícula falsificada, viram por várias vezes os arguidos B… e C… a entrar em garagens de prédios onde não habitavam, sendo uma dessas atuações a descrita no referenciado auto de fls. 79 e segs., na Rua …, cujo comando de acesso veio a ser apreendido ao arguido C… no dia 8 de Maio de 2014, confirmando-se entretanto que o mesmo abria a porta da dita garagem, e a situação descrita no auto de fls. 100, referente à garagem sita no nº .. da …, na Maia.(…)”

Assim vista a matéria impugnada e a prova (ou ausência dela) invocada pelo recorrente, manifestamente não lhe assiste razão, não apenas porque ela existe, como a apreciação que dela é feita pelo tribunal recorrido se mostra conforme ao seu teor e às regra das experiencia comum, e assim visto que
- a análise e ponderação a efetuar pela Relação não constitui um novo julgamento, porque restrita à averiguação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros indicados pelo recorrente; e
- o tribunal só pode alterar a matéria de facto impugnada se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado art. 412º) (cfr. a. RLx 10/10/07 www.dgsi.pt/jtrl), e não apenas a permitirem, e que
a reapreciação da prova na 2ª instância, se limita a controlar o processo de formação da convicção decisória da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tomando sempre como ponto de referência a motivação/ fundamentação da decisão, e o tribunal recorrido expressa devidamente fundamentada a sua convicção, nos termos expressos, sem erros ou falhas, não é possível modificar a matéria de facto impugnada que por isso se mantem.
Improcede assim esta questão.

Pede o recorrente a aplicação do regime do artº 31º DL 15/95, por ter colaborado com a Policia Judiciária no desmantelamento de redes de tráfico de droga e viciação de veículos;
Conhecendo:
Neste âmbito consta dos factos provados:
“118) Entretanto, após a sua detenção, o arguido B… colaborou com a Polícia Judiciária no âmbito de outros processos/inquéritos, o que foi determinante para o desmantelamento de situações de tráfico de estupefacientes, para a identificação de várias pessoas relacionadas com a atividade do tráfico e, bem assim, para a concretização de apreensões de quantidades elevadas de produtos estupefacientes.”
O que foi ponderado no acórdão nos seguintes termos:
“A mais disso, especificamente quanto ao arguido B…, cumpre sublinhar a notícia, que ao processo chegou, da colaboração que entretanto, posteriormente à sua detenção, o mesmo prestou às autoridades no âmbito de outros processos e que valeu já de forma determinante para o desmantelamento de situações de tráfico de estupefacientes, para a identificação de várias pessoas relacionadas com a atividade do tráfico e, bem assim, para a concretização de apreensões de quantidades elevadas de produtos estupefacientes. Seria de questionar, assim, se não se justificará, quanto a ele, o funcionamento do instituto da atenuação especial da pena a que alude o artº 31º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, ao abrigo do qual “Se, nos casos previstos nos artigos 21º, 22º, 23º e 28º, o agente abandonar voluntariamente a sua atividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena”.
Os termos da formulação legal afastam qualquer eventual pretensão que alguém se arrogue de fazer valer o entendimento de que a simples verificação de qualquer uma das situações enunciadas no normativo em causa despoletam, sem mais, o funcionamento do instituto. Assim não é. Na verdade, ao dizer que o tribunal “pode” atenuar especialmente a pena ou dispensar a pena, necessariamente que transfere para o julgador a apreciação sobre a oportunidade e adequação, em cada caso, de tal opção, que necessariamente o fará ponderando os critérios previstos na parte geral do Código Penal, seja para a atenuação especial (artº 72º), seja para a dispensa de pena (artº 74º). No caso vertente, a moldura penal abstrata prevista para o crime de tráfico de estupefacientes cometido pelo arguido afasta desde logo a possibilidade de aplicar a dispensa de pena. Estaria também, por razões óbvias, fora de qualquer cogitação. Resta saber se, face aos critérios gerais, se justifica a atenuação especial da pena. E a resposta é negativa. Não existem no caso quaisquer circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, sobretudo considerando que essa dita postura colaborativa, ainda que relevante, não o foi também nestes autos, em que se limitou a admitir o que não podia negar, negando tudo o mais. Mas não valendo ela para efeitos de atenuação especial da pena, justifica seguramente a respetiva ponderação a seu favor da medida concreta da pena.”
Vemos assim que aquela colaboração apenas foi considerada relevante para a determinação da medida da pena.
Poderá ser de outro modo?
Atento o disposto no artº 31ºDL 15/93 está apenas em causa o segmento seguinte “Se, nos casos previstos nos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 28.º, o agente (…) auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena.” e de tal normativo decorre que está em causa a dispensa ou atenuação especial da pena, sendo que se em relação à 1ª (dispensa) importaria que se verificasse uma “ desnecessidade da pena”, já no 2º (atenuação especial), estaria apenas em causa a relevância da sua colaboração, sendo certo que quer num caso quer noutro não se trata de uma aplicação automática, mas dependente da analise e justificação do caso concreto.
Visto isto o tribunal recorrido afastou uma e outra tendo em conta nomeadamente a moldura penal / gravidade do crime e pelo facto de o arguido nestes autos não ter tido a mesma postura colaborativa.
Se é certo que não será em face da moldura penal que pode ser afastada a aplicação do artº 31º DL 15/93 (porque previsto pelo próprio diploma e por referencia aos ilícitos ínsitos nos seus artºs 21, 22, 23 e 28), também não tem necessariamente em face dessa colaboração, de ser aplicado (caso contrário seria de aplicação automática), nem essa colaboração tem apenas de ser prestada no âmbito do processo em curso (embora fosse o mais plausível e onde a colaboração fosse mais palpável), por a tal não o exigir a lei (embora de certo modo o pressuponha ao referir-se aos “outros responsáveis” - só perceptivel no âmbito daqueles factos), e assim o tem entendido a Jurisprudência, como tal o decidiu o STJ no seu ac. 12/7/2006 in www.dgsi.pt/ “I - O regime de favor concedido pelo art. 31.º do DL 15/93, de 22-01, não é de funcionamento automático, ou seja, para que o tribunal atenue especialmente a pena não basta a mera verificação de alguma ou de algumas das circunstâncias previstas no texto legal: a lei, ao falar em pode, quer significar que fica ao prudente julgamento do tribunal a opção por uma punição especialmente atenuada, suposta a verificação de alguma ou de algumas daquelas circunstâncias.
II - O tribunal deverá averiguar se, em concreto, pela ocorrência ou devido à ocorrência de alguma ou algumas das circunstâncias previstas no texto do art. 31.º do DL 15/93, de 22-01, se verifica uma diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente, ou da necessidade da pena que justifique uma resposta punitiva atenuada, visto serem estes os factores de que a lei faz depender a atenuação especial da pena - art. 72.º, n.º 1, do CP.
III - A lei não exige para a aplicação do regime previsto naquele preceito que o auxílio ou colaboração do agente com as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis sejam prestados no âmbito do próprio processo.
IV - Resultando do quadro factual apurado que o recorrente, no âmbito da investigação criminal referente a processo diverso do presente e em que não é arguido, forneceu à PJ informações determinantes para desmantelamento de uma rede de tráfico de estupefacientes, com a apreensão de 25 kg de heroína ou cocaína e detenção de vários indivíduos, temos por verificada a circunstância prevista no art. 31.º do DL 15/93, de 22-01, qual seja a do auxílio ou colaboração directa com a autoridade policial na recolha de provas decisivas para a identificação e a captura de elementos integrantes de uma rede de tráfico de estupefacientes - parte final daquele normativo.“ o certo é que não se basta com a existência da colaboração, mas sendo seu requisito essencial, devendo tal traduzir uma atenuação da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena, como requisitos exigentes da lei para atenuação especial - artº 72º1 CP, integrando-se também a colaboração prestada na existência das circunstâncias posteriores ao crime ali prevista.

Assim verificada a colaboração do arguido e considerada como relevante (como o é em face do que consta do nº118 dos factos provados), na denúncia de outros factos ou agentes desse ou de outro crime de igual natureza, ou de natureza diferente, como é o caso, cremos que se justifica a aplicação prevista na lei da atenuação especial da pena (que não a sua dispensa - cuja razoabilidade na sua aplicação dependeria, v.g. em primeira linha de uma única actuação isolada e evidenciadora de que o arguido nunca mais iria cair num tal acto, que por natureza o arguido repudia veementemente, e teria sido fruto da conjugação de factores muito poderosos ou socialmente compreensíveis que o impeliram a agir desse modo ilícito), posto que com a promessa dessa atenuação da pena também prossegue e visa o combate ao crime (in casu ao trafico de droga) pois sem essa colaboração os factos não seriam descobertos ou restariam impunes. Daí o valor atenuativo de tal colaboração, que constitui um acto extraordinário ou excepcional que está por trás/ fundamenta a atenuação especial, que a lei quis conceder.
Afigura-se-nos por isso adequado o entendimento do STJ quando no ac. 16/3/2011 www.dgsi.pt/ expressa: “…se os tribunais acabam por negar, quase sistematicamente, a atenuação especial da pena que está prevista na lei, nos casos em que os arguidos ajudam a polícia de forma decisiva, nomeadamente, a capturar outros implicados no tráfico, não só estão a defraudar a legítima expectativa do arguido em questão, como estão a comprometer o êxito de futuras operações policiais.
Daí que, em nome da eficácia da investigação no combate ao tráfico de estupefacientes e tendo em conta o risco assumido pelo arguido “colaborador”, seja mais razoável considerar que os casos de colaboração activa e decisiva do agente com a polícia têm, em regra, um valor excepcional, para o efeito de se atenuar especialmente a culpa ou, inclusive, para a sua dispensa, pois estamos convencidos de que foi essa a intenção do legislador.”
Para essa relevância basta pensar, como é comummente aceite que apenas 10% do tráfico de droga é controlado / apreendido pelas autoridades policiais de todo o Mundo, apesar dos grandes meios - financeiros e humanos - envolvidos;
Por isso o arguido que assim age não tem uma tão grande necessidade da pena, ou de outro modo de uma pena tão grande, como aquele outro que mas mesmas circunstancias nada faz, pois, através daquele acto de colaboração manifesta uma vontade de regresso ao direito, repudiando o crime que cometera, mais do que o mero afastamento do crime, daí que com o STJ ac. 12/7/2006 cit. “V - Constatando-se (…) que a acção ou colaboração do recorrente conduziu, também, ao desmantelamento da rede de tráfico de estupefacientes, bem como à apreensão de significativa quantidade de heroína ou cocaína (…), tal comportamento, atento o modo como se processa e vivencia o fenómeno do tráfico, constitui um acto de quebra de solidariedade, que evidencia da parte do recorrente um claro desligamento e afastamento, o que diminui as exigências de prevenção especial, ou seja, de necessidade de pena, a significar que o tribunal pode e deve atenuar especialmente a pena ao abrigo do disposto no art. 31.º do DL 15/93, de 22-01.”
Merece assim o arguido, porque de merecimento (direito premial) também se trata, a aplicação do regime atenuativo da pena consubstanciado no artº 31º DL 15/93, que se traduz na submissão à moldura penal máxima de 8 anos (redução de 1/3) e mínima de 9 meses e 18 dias (reduzido a 1/5).
E vista esta moldura importa agora determinar a medida da pena concreta, para o que importa ponderar as circunstancias a atender, nos termos legais que o tribunal a quo apurou:
“Ora, nos termos do citado artº 71º, a medida concreta da pena apura-se “(…) em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele”.
Neste conspecto, são de ponderar, entre outras, as seguintes circunstâncias:
- A ilicitude do facto, dentro do tipo legal fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, é, quanto a todos os arguidos, já elevada - não obstante a qualidade da droga (haxixe) não ser das mais perniciosas (ainda assim, o é o bastante) -, considerando a quantidade do estupefaciente apreendida (peso líquido de 87,273 Kgs), o respetivo grau de pureza, aferido pela percentagem de THC (tetrahidrocanabinol, o principal componente psicoativo, e que no caso já é relevante -16,6%), e a circunstância de os arguidos o destinarem à venda a terceiros, sendo ele suscetível de garantir 290.065 doses (muito expressivo em termos de número de vítimas), pelo que as exigências de prevenção geral já se fazem sentir com bastante intensidade.
- A sua vez, a culpa é também ela intensa, atento o dolo direto e intenso com que todos os arguidos agiram.
- Ao nível da prevenção especial, sendo premente a necessidade de intervenção, de todo o modo ela faz-se sentir com mais acuidade em relação ao arguido B…, atento o seu passado criminal, que conta já uma condenação anterior, transitada em julgado em Julho de 2009, precisamente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, em pena de prisão de 4 anos e 6 meses, efetiva, que o mesmo cumpriu …(…)
A favor de todos sublinha-se a circunstância de terem bom comportamento no estabelecimento prisional e, quanto aos arguidos B… e C…, ainda o facto de em meio livre disporem de suporte familiar, habitacional e de subsistência.”
Atentos estes factores/ critérios e o facto de, ao contrário dos demais arguidos, ter confessado parcialmente os factos, (que não sendo particularmente relevante, pois confessou apenas os ocorridos aquando da detenção, não deixam de ser em confronto com os demais arguidos uma assunção dos mesmos), a consideração de que a pena tem como principal finalidade a tutela dos bens jurídicos, a que está ligada a função de prevenção geral positiva, não podendo todavia ultrapassar a medida da culpa (que funciona como suporte axiológico de toda a pena, pois que “ A culpa é o pressuposto e fundamento da responsabilidade penal. A responsabilidade é a consequência ou efeito que recai sobre o culpado. (...) Sendo pressuposto e fundamento da responsabilidade deve ser também a sua medida, (...). O domínio do facto pelo agente é o domínio da sua vontade racional e livre, e é esta que constitui o substrato da culpa” - Prof. Cavaleiro Ferreira, Lições de Dto. Penal, I, págs. 184 e 185, sendo que o princípio da culpa é a “consequência da exigência incondicional da defesa da dignidade da pessoa humana que ressalta dos artigos 1º, 13º, n.º 1 e 25º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa”- Prof. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 84, - e às exigências de prevenção quer geral (assinalada já) quer especial (e também a reinserção social do condenado, a que está ligada esta função de prevenção especial ou de socialização (art. 40.°, n.ºs 1 e 2, do CP), - e que (cf. Figueiredo Dias, ob.cit., págs. 227 e sgt.s) a razão de ser da pena é a defesa dos bens jurídicos e, só na medida do possível na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção actuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer (cf. assim a Jurisprudência expressa no STJ Ac. 17/4/2008 in www.dgsi.pt/jstj) - afigura-se-nos - também ponderando o período de pratica dos factos, e sem esquecer os antecedentes criminais deste arguido, pelo mesmo tipo de crime, como assinalado supra - adequado e justa a pena atenuada de 3 anos e seis meses de prisão.

Vista esta pena, importa, ponderar da aplicabilidade de uma pena de substituição, no caso apenas admissível a suspensão da pena.
A suspensão da pena ou pena suspensa assume a natureza de verdadeira pena, de pena autónoma (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal…cit.,pág.329 “as penas de substituição são verdadeiras penas autónomas”; Diz-se no Ac. STJ 14/6/2006 www.dgsi.pt/jstj “A suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição”) sendo determinada / aplicada na sentença e por isso por decisão judicial do tribunal de julgamento e não em momento posterior à sentença (como seria se de medida de modificação da execução da pena se tratasse);
Dessa natureza resultará desde logo a necessidade de no momento da sentença o juiz procurar averiguar da sua aplicabilidade ao caso que julga, o qual fica nos termos legais dependente (requisito material) da emissão de um juízo de prognose favorável à reinserção social do arguido - artº 50º1 CP - e verificado tal juízo impõe-se aplicação dessa pena como poder / dever, por constituir um poder vinculado (cf. Ac. STJ 14/5/2009 www.dgsi/pt/jstj; Figueiredo Dias, Direito Penal…cit. pág. 341;Maia Gonçalves, M. Código Penal Português Anotado, 8.ª ed., 1995, pág. 314, do juiz, a impor, na doutrina do STJ (ac. 27/3/2003 www.dgsi.pt/jstj) uma fundamentação específica e mais exigente do que a decorrente do dever geral de fundamentação das decisões judicias que não sejam de mero expediente;
E a isso não é alheio o facto de no dizer do STJ (Ac. do STJ de 24/11/93, BMJ nº 467º, 438 e ss.), o factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contenção e auto-responsabilização pelo comportamento posterior e, por isso, para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido sentir essa ameaça da sanção a exercer efeito contentor numa situação da vida que se lhe apresente como propicia para a prática do delito e a capacidade de vencer a vontade de delinquir, e por isso importaria fazer compreender tal finalidade ao arguido e à sociedade. Mas essa relevância vai mais longe, não impondo apenas a averiguação e a sua aplicação verificados os requisitos legais (formais e materiais) mas também impõe que se fundamente a razão da sua não aplicação (cf. Ac STJ 14/5/2009 cit.; apenas há noticia de um acórdão do STJ contra de 11/10/2001 apud ac. TC 61/2006; Figueiredo Dias, Direito Penal… cit., pág. 345 e Maia Gonçalves, ob. cit. pág. 316) constituindo essa omissão o vício da nulidade da sentença (artº 379º1 c) CPP. Este entendimento foi sufragado pelo Tribunal Constitucional que no ac. nº 61/2006 de 18/1/2006, in DR II serie de 28/2/2006 decidiu: “a) Julgar inconstitucionais, por violação do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as normas dos artigos 50.º, n.º 1, do Código Penal e 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos;”; justificando no texto do acórdão que “A decisão que venha a ser adoptada quanto à suspensão da execução da pena de prisão não pode deixar de ser objecto de fundamentação específica (não fungível com a fundamentação da determinação da medida da pena), por imposição do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição, quer seja no sentido da suspensão, quer no sentido da não suspensão, sendo, aliás, de salientar que esta última solução, porque contrária à preferência do legislador pelas penas não privativas de liberdade (artigo 70.º do Código Penal), surge como a decisão mais desfavorável para o arguido, pelo que o dever da sua fundamentação até se pode considerar mais premente.”.
A suspensão da pena reveste assim a natureza jurídica de uma pena autónoma de substituição a impor uma fundamentada decisão quanto à sua aplicação ou não;
Assim, nos termos do artº 50º CP necessário para a suspensão da pena é que “a simples censura do facto e a ameaça da pena realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” juízo (de prognose favorável ao arguido) esse a apurar perante a personalidade do arguido, as condições da sua vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.
- “A finalidade político-criminal do instituto da suspensão consiste no afastamento do delinquente da prática de novos crimes ou, dito de outro modo, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção de reincidência». – Ac. STJ de 27/3/2003 in www.dgsi.pt/jstj
- o arguido tem antecedentes criminais e apesar da pena de 4 anos e seis meses que cumpriu efectiva, não foi demovido para alterar o seu comportamento e não delinquir antes persistiu na sua vontade criminosa afrontando o ordenamento jurídico durante muito tempo tendo apenas em conta os factos destes autos, vivendo desse modo de vida, apesar de aparentar outro modo licito de vida (trabalhando), para dissimular aquele, tal como expressam os factos provados, o que lhe permitia viver de modo economicamente folgado, o que impediria a emissão de um juízo de prognose favorável ao arguido de que em liberdade não enveredará pelo mesmo caminho, e o mesmo ocorre apesar da alteração do seu comportamento passando a colaborar com a autoridade policial, pois que o arguido estava inserido socialmente, e nada faria supor o seu comportamento, a não ser a sua personalidade. Como se expende no ac. STJ de 27/3/2003 in www.dgsi.pt/jstj: “II - Havendo razões sérias para duvidar da capacidade do agente para não repetir a prática de crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada, sendo descabida, neste âmbito, qualquer invocação do princípio in dubio pro reo. III (…)” e entre essas circunstâncias está o cometimento de factos criminosos anteriores, que no caso incluíram o cumprimento da pena de prisão, por crime da mesma natureza;
De todo o modo, mesmo que assim não fosse as particulares exigências de prevenção geral, no que ao crime de tráfico de droga se fazem sentir, exigências essas primeiras que importa acautelar em face dos fins das penas - (cf. cit. ac STJ 27/3/2003 in www.dgsi.pt/jstj: “V - Aliás, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, [só] na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, pelo que, em caso algum, a defesa da ordem jurídica pode ser postergada por preocupações de socialização em liberdade.”, - impediria a suspensão da pena, pois que para além de um “andrajoso simulacro” a suspensão da pena não seria compreensível para a Comunidade, e por isso não seria capaz de contribuir para a paz social, face às exigências de prevenção geral quanto a este tipo de crime, tanto mais que no caso concreto estamos perante um grande traficante (veja-se que lhe foi apreendido de uma só vez 90 Kg de haxixe a culminar a investigação).
Nesse sentido, refere Figueiredo Dias, ob. cit, pág. 344 que “Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável (…) a suspensão da execução da pena de prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (…) … estão aqui em questão (…) exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em análise” e se expressa o STJ no texto do seu ac. de 9/4/2008 in www.dgsi.pt/jstj “... são fortes as razões de prevenção geral de integração e de intimidação. Sempre que o Estado enfraquece a sua reacção contra as condutas de tráfico, não diminui e recrudesce a respectiva prática.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 26 de Maio, que aprovou a estratégia nacional de luta contra a droga, fixou como um dos objectivos primordiais o reforço do combate ao tráfico, aliás, como opção estratégica fundamental para Portugal. E acrescentou que «as dramáticas consequências do tenebroso negócio do tráfico ilícito de drogas, empreendido tantas vezes por verdadeiras organizações criminosas, e que atinge não apenas a vida dos jovens mas também a vida das famílias e a saúde e segurança da comunidade, são de tal modo chocantes que se torna um imperativo mobilizar todos os esforços para combater o tráfico com redobrada determinação...No caso de Portugal, esse combate é particularmente difícil em razão da nossa extensa costa marítima, a que se junta a eliminação de controlos fronteiriços internos no quadro do processo de integração europeia».
Assim, a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões muito ponderosas, que no caso se não postulam, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral.”
Assim e apesar da consideração de que a suspensão da pena é uma medida ressocializadora e educativa o certo é que como expressa o STJ Ac. 18/4/2007 www.dgsi.pt/jstj “a finalidade da pena é a protecção dos bens jurídicos e se possível, a ressocialização do agente” o que está em conformidade com o disposto no artº 40º CP, e assim prevalecem as razões da prevenção geral que nos crimes de tráfico de estupefacientes, só excepcionalmente, que no caso se não verifica, se satisfazem com uma pena de substituição, como é a suspensão da execução da pena de prisão.
Por isso estamos com o STJ quando no seu ac. 16/3/2011 www.dgsi.pt/ decidiu que apesar de o arguido beneficiar de atenuação especial da pena, nos termos dos art.ºs 31.º do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não dever esta ser suspensa por existirem “fortes razões de prevenção geral para impedir a suspensão da pena, pois tal faria desacreditar a expectativa que a comunidade tem sobre a eficácia da norma que pune tais condutas.” pese embora estivesse apenas em presença de um correio de droga e não de um traficante como o arguido, onde menos se justifica tal suspensão.
Improcede assim esta questão, não devendo ser suspensa a pena.

Clama o arguido contra a liquidação de bens / perda alargada de bens prevista na Lei 5/2002 de 11/1, apodando de inconstitucionais os artºs 7º e 9º 3 por violação do princípio da inocência do arguido (artº 32º CRP) em face da presunção ali estabelecida de “constituir vantagem de actividade criminosa a diferença do valor patrimonial do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito (entendendo-se por património do arguido o conjunto dos bens descriminados nas alíneas do nº2 do artigo 7º), na medida em que se transfere para o arguido o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando a proveniência dos referidos bens”- cf. motivação a fls 2132).
Conhecendo:
Cremos que o arguido não tem razão.
Na decisão recorrida foi decretada a perda de bens alargada, nos termos seguintes (em relação ao arguido):
“O Ministério Público deduziu, ao abrigo dos artigos 7º e segs. da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, requerimento de liquidação para perda ampliada de bens a favor do Estado, concluindo:
- em relação ao arguido B…, pela declaração de perda a favor do Estado da quantia de 116.684,26 (€ 95.862,40 + € 20.821,86), por corresponder ao valor do património incongruente com o seu rendimento lícito e, em consequência, condenar o mesmo a pagar ao Estado esse montante; (…)
A Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro (alterada pelo Dec. Lei nº 242/2012, de 7 de Novembro) consagrou um regime de perda alargada, baseado na diferença entre o património do arguido e aquele que seria compatível com o seu rendimento lícito (cfr. sobre este regime, João Conde Correia in “Da Proibição do Confisco à Perda alargada“ e Ana Patrícia Cruz Duarte in “O Combate aos Lucros do Crime – O mecanismo da “perda alargada” constante da Lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro” (Dissertação de Mestrado em Direito Criminal UCP PORTO 2013).
Na verdade, nos termos do disposto no artigo 7º da referida Lei nº 5/2002,
«1 - Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
2 - Para efeitos desta lei, entende-se por património do arguido o conjunto dos bens:
a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente;
b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido;
c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
3 - Consideram-se sempre como vantagens de atividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal.»
São, assim, pressupostos da aplicação do mecanismo da perda alargada:
a) A condenação por um dos crimes do catálogo (cfr. artigo 1º, al. a), da citada Lei, no qual se inclui o tráfico de estupefacientes do artigo 21º);
b) A existência de um património que esteja na titularidade ou mero domínio e benefício do condenado, património este em desacordo com aquele que seria possível obter face aos seus rendimentos lícitos.
É necessário ter em conta que a noção de património consagrada neste artigo 7º é uma noção algo ampla, abrangendo mais do que aquilo que está meramente na titularidade do condenado, compreendendo também tudo o que estiver efetivamente ao seu dispor ou conjuntamente ao seu dispor e de terceiros, especialmente de terceiros com quem coabite ou viva em economia comum, ainda que esteja na titularidade desses (ou em contitularidade com esses) terceiros. Por outro lado, também estarão em causa as vantagens que o condenado auferiu no período em que vigora a presunção, independentemente do destino que tenham tido.
c) A demonstração de que o património do condenado é desproporcional em relação aos seus rendimentos que tenham uma origem lícita.
Do exposto resulta que o apontado artigo 7º da Lei 5/2002 estabelece uma presunção “juris tantum” tendente à aplicação desse mecanismo.
Com efeito, uma vez verificados os pressupostos atrás referidos (condenação por crime de catálogo, património, incongruente com o rendimento lícito), o legislador presume, para efeitos de confisco, que a diferença entre o valor do património detetado e aquele que seria congruente com o rendimento lícito do arguido provém de atividade criminosa. Quer dizer, o conhecimento daqueles factos permite afirmar, com a necessária segurança, um facto desconhecido: a verdadeira origem dos bens. É nisto que se traduz a presunção da proveniência do património desconforme. O arguido pode ilidir a presunção legal, demonstrando que, afinal, apesar de todas as aparências, o património não tem nada de incongruente. Dispõe-se no artigo 9º da Lei n.º 5/2002 que a presunção poderá ser afastada através da prova de que os bens resultaram de rendimentos lícitos, de que estavam na titularidade do arguido há pelo menos cinco anos a contar da data de constituição de arguido ou, provando ainda que adquiriu os referidos bens com rendimentos obtidos há mais de cinco anos, também a contar da data de constituição de arguido.
Como refere o Prof. Jorge A. F. Godinho, in “Liber Discipulorum para Figueiredo Dias”, Coimbra Editora, “(…) é compreensível que ao arguido seja difícil provar a licitude de rendimentos obtidos num período muito anterior ao processo, estabelece-se que a prova da licitude dos rendimentos pode ser substituída pela prova de que se trata de rendimentos obtidos mais de cinco anos antes da constituição como arguido (momento em toma conhecimento da eventual necessidade de fazer essa prova). O que significa, portanto, que a prova que o arguido tem interesse em fazer não é diferente da que já hoje lhe poderia ser necessário efectuar, nos termos da legislação do imposto sobre rendimentos.
O regime ora proposto não viola, assim, o princípio constitucional da presunção de inocência. Pelo contrário, a condenação do arguido, transitada em julgado, é o próprio pressuposto da aplicação destas normas. Não é excessivo, até tendo em conta o tipo de crimes aos quais se aplica este diploma, impor à pessoa que é condenada, nos termos referidos, o ónus de provar a licitude dos seus rendimentos.”
Finalmente, dispõe o artigo 12º, nº 1, do mesmo diploma legal que «Na sentença condenatória, o tribunal declara o valor que deve ser perdido a favor do Estado, nos termos do artigo 7.º»
Descendo aos factos provados, e como expusemos acima, temos de concluir por se ter preenchido o pressuposto do cometimento, pelos arguidos B… (…) de um dos crimes do catálogo: o de tráfico de estupefacientes do artigo 21º do Decreto-Lei 15/93.
Vejamos quanto ao resto.
Começando pelo arguido B…, e descendo aos factos provados, verificamos que o património total deste arguido no período de cinco anos que antecedeu a sua constituição como arguido no processo é no valor global de 129.751,29, sendo que o rendimento lícito obtido é apenas de € 23.067,03 €. Verifica-se assim um património no valor de 106.684,26 € incongruente com o rendimento lícito, pelo que se presume nos termos da Lei 5/2002 (e o arguido não ilidiu a presunção) que este valor tem origem ilícita devendo por isso ser declarado perdido a favor do Estado. (…)”
Ora como se vê o tribunal recorrido apreciou essa questão, e concluiu pela sua não inconstitucionalidade.
Ora para além do que ali consta, cabe apenas, como o faz o MºPº, trazer aqui à colação a decisão do Tribunal Constitucional, que seguindo o mesmo rumo, e considerando que aquando da aplicação destas normas, já não está ema causa qualquer responsabilidade penal (averiguação do crime, e por isso dizemos nós, submetida toda ela ao principio da presunção de inocência do arguido) mas tão só averiguar da conformidade do seu património (que tem) com o que devia ter (face aos seus rendimentos lícitos ou declarados).
Ora neste âmbito o Tribunal Constitucional já tomou posição sobre esta questão, desde logo no seu ac. 101/2015 de 11/2 /2015 (crime de lenocínio) in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150101.html e agora novamente através do seu recente acórdão 392/2015 de 12/8, (crime de trafico de estupefacientes) in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150392.html decidindo “Não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 7.º e 9.º, n.º 1, 2 e 3 da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro;” e para tanto neste expendeu, na sua (em nossa opinião) parte mais relevante para o caso em apreço, o seguinte:
Embora enxertado naquele processo penal, o que está em causa neste procedimento, repete-se, não é já apurar qualquer responsabilidade penal do arguido, mas sim verificar a existência de ganhos patrimoniais resultantes de uma atividade criminosa. Daí que, quer a determinação do valor dessa incongruência, quer a eventual perda de bens daí decorrente, não se funde num concreto juízo de censura ou de culpabilidade em termos ético-jurídicos, nem num juízo de concreto perigo daqueles ganhos servirem para a prática de futuros crimes, mas numa constatação de uma situação em que o valor do património do condenado, em comparação com o valor dos rendimentos lícitos auferidos por este faz presumir a sua proveniência ilícita, importando impedir a manutenção e consolidação dos ganhos ilegítimos.
Em suma, a presunção de proveniência ilícita de determinados bens e a sua eventual perda em favor do Estado não é uma reação pelo facto de o arguido ter cometido um qualquer ato criminoso. Trata-se, antes, de uma medida associada à verificação de uma situação patrimonial incongruente, cuja origem lícita não foi determinada, e em que a condenação pela prática de um dos crimes previstos no artigo 1.º da Lei 5/2002 de 11 de janeiro tem apenas o efeito de servir de pressuposto desencadeador da averiguação de uma aquisição ilícita de bens.
Tendo em conta o aqui exposto, nesse procedimento enxertado no processo penal não operam as normas constitucionais da presunção da inocência e do direito ao silêncio do arguido, invocadas pelo Recorrente.
Já no que respeita ao procedimento criminal pela prática dos factos integradores de algum dos crimes referidos no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro, o arguido beneficia de todas as garantias de defesa em processo penal, não havendo qualquer alteração às regras da prova ou qualquer outra especificidade resultante do regime de perda de bens previsto na aludida Lei. Significa isto que, no caso de haver condenação pela prática de tal crime, embora a presunção de inocência tenha sido tida em atenção no respetivo procedimento criminal que manteve a sua estrutura acusatória, a mesma veio a ser afastada pela prova produzida (e daí a condenação). Acresce ainda que, na hipótese de tal condenação não chegar a transitar em julgado e vier a ser revogada, faltará um dos pressupostos para a perda de bens. Em suma, só haverá perda de bens em favor do Estado desde que exista condenação do arguido, transitada em julgado, por um dos crimes referidos no artigo 1.º do diploma.
Ora, no regime previsto nas normas questionadas nos presentes autos que regulam o incidente de perda de bens enxertado no processo penal, a necessidade de o arguido carrear para o processo a prova de que a eventual incongruência do seu património tem uma justificação, demonstrando que os rendimentos que deram origem a tal património têm uma origem lícita, não coloca em causa a presunção de inocência que o mesmo beneficia quanto ao cometimento do crime que lhe é imputado naquele processo, nem de qualquer outro de onde possa ter resultado o enriquecimento. E também não inviabiliza o direito ao silêncio ao arguido, não se vislumbrando em que medida da demonstração da origem lícita de determinados rendimentos possa resultar uma autoincriminação relativamente ao ilícito penal que lhe é imputado nesse processo, e muito menos um desvio à estrutura acusatória do processo penal. Não se descortina, pois, que exista um perigo real daquela presunção, que opera num incidente de perda de bens tramitado no processo penal respeitante ao crime cuja condenação é pressuposto da aplicação desta medida, contaminar a produção de prova relativa à prática desse crime.
Por estas razões se conclui que a presunção legal estabelecida nos artigos 7.º e 9.º, n.º 1, 2 e 3, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, não viola o princípio da presunção de inocência, nem o direito do arguido ao silêncio, nem a estrutura acusatória do processo penal.
Mas, embora o legislador disponha de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação de um determinado procedimento, não está autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva.
Admitindo-se que o legislador não podia ser indiferente à evidência de que o nexo causal que é objeto da presunção legal questionada oferece grandes dificuldade de prova, o que é generalizadamente reconhecido, a criação de uma presunção legal de conexão não resulta num ónus excessivo para o condenado, uma vez que a ilisão da presunção será efetuada através da demonstração de factos que são do seu conhecimento pessoal, sendo ele que se encontra em melhores condições para investigar, explicar e provar a concreta proveniência do património ameaçado. As presunções legais surgem exatamente para responder a essas situações em que a prova direta pode resultar particularmente gravosa ou difícil para uma das partes, causando, ao mesmo tempo, o mínimo prejuízo possível à outra parte, dentro dos limites do justo e do adequado, enquanto a tutela da parte “prejudicada” pela presunção obtém-se pela exigência fundamentada e não arbitrária de um nexo lógico entre o facto indiciário e o facto presumido, o qual deve assentar em regras de experiência e num juízo de probabilidade qualificada.
As normas sub iudicio correspondem a estas exigências, revelando-se que o legislador teve o cuidado de prevenir que, sendo mais difícil ao arguido provar a licitude de rendimentos obtidos num período muito anterior ao do processo, a prova da licitude dos rendimentos pode ser substituída pela prova de que os bens em causa estavam na sua titularidade há pelo menos cinco anos no momento da constituição como arguido ou que foram adquiridos com rendimentos obtidos no referido período (cfr. artigo 9.º, n.º 3, als. a), b) e c) da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro). Esta limitação temporal faz com que a prova necessária para que possa ser ilidida a presunção se torne menos onerosa.
Acresce ainda que, no plano processual, o regime de perda de bens previsto na Lei n.º 5/2002, embora assente numa condenação pela prática de determinado ilícito criminal (integrante do catálogo previsto no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002), está sujeito a um procedimento próprio, enxertado no procedimento criminal pela prática de algum dos aludidos crimes, no qual o legislador não deixou de ter em atenção diversas garantias processuais. Desde logo, como vimos, o montante apurado como devendo ser declarado perdido em favor do Estado deve constar de um ato de liquidação, integrante da acusação ou de ato posterior, onde se indicará em que se traduz a desconformidade entre o património do arguido e o que seria congruente com o seu rendimento lícito. Este ato de liquidação é notificado ao arguido e ao seu defensor, podendo o arguido apresentar a sua defesa, nos termos já referidos, assegurando-se, assim, um adequado exercício do contraditório, sendo que, conforme se referiu, para ilidir a presunção, o arguido pode utilizar qualquer meio de prova válido em processo penal, não estando sujeito às limitações probatórias que existem, por exemplo, no processo civil ou administrativo, além de que o próprio tribunal deverá ter em atenção toda a prova existente no processo, donde possa resultar ilidida a presunção estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, da Lei 5/2002 de 11 de janeiro (artigo 9.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Face ao exposto, é de concluir que as normas sindicadas não violam os princípios constitucionais do processo penal invocados pelo Recorrente, nem se vislumbra que viole qualquer outro parâmetro constitucional, pelo que, também nesta parte, deverá ser negado provimento ao recurso.”
Visto o exposto não são de considerar inconstitucionais as normas indicadas.

Não há outras questões de que cumpra conhecer
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Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido B… e em consequência alterando o acórdão recorrido e ponderando o disposto no artº 31º DL 15/93 e artº 73º CP, como coautor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, n° 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa condena o arguido na pena de três e seis meses de prisão, mantendo o demais decidido.
Sem custas.
Notifique.
Dn
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Porto, 18/11/2015
José Carreto
Paula Guerreiro