Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8/13.6PSPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: CONFISSÃO INTEGRAL E SEM RESERVAS
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Nº do Documento: RP201506058/13.6PSPRT.P1
Data do Acordão: 06/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A confissão integral e sem reserva do arguido dos factos de que é acusado, tem um valor que varia segundo o contributo que fornece para a descoberta da verdade.
II- Essa confissão fundamenta uma atenuação especial da pena se se traduzir numa verdadeira e imprescindível colaboração para a descoberta da verdade, sem a qual não se sustentaria a condenação e constituir uma inequívoca manifestação de culpabilidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 8/13.6PSPRT.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Coletivo que corre termos na 1ª secção criminal UP2 – J5 da Instância Central da Comarca do Porto com o nº 8/13.6PSPRT, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo a final sido proferido acórdão, depositado em 13.11.2014, que condenou o arguido, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. nos artºs. 202º als. a) e d), 203º nº 1 e 204º nº 1 al. a) e nº 2 al. e) do Cód. Penal, na pena de um ano e nove meses de prisão efetiva.
Inconformado com o acórdão condenatório, dele veio o Ministério Público interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. O recurso versa tão só matéria de direito.
2. A nossa discordância em relação ao acórdão prende-se com a decisão de atenuar especialmente a pena ao arguido e consequentemente com a medida da pena.
3. Em relação a esta matéria escreve-se no acórdão:
Dentro desta moldura de dois anos e oito meses de prisão a oito anos, compete ao tribunal encontrar a pena adequada e necessária a aplicar a cada um dos arguidos C… e D… (?).
Todavia, atenta a confissão integral e sem reservas do arguido há que proceder à atenuação especial da pena a aplicar (até porque se tratou de uma confissão relevante para a descoberta da verdade) nos termos dos arts. 72º e 73º do CP.
Passamos então para uma moldura abstrata da pena que vai do mínimo legal (um mês) até 5 anos e 3 meses.
4. A doutrina e a jurisprudência têm considerado que a atenuação especial prevista no artigo 72º do Código Penal é uma verdadeira válvula de segurança do sistema, a que somente se recorre em casos extraordinários ou excecionais, pois para a generalidade dos casos funcionam as molduras penais normais com os seus limites mínimos e máximos.
5. A este respeito escreve o Prof. Figueiredo Dias in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 302 “Já vimos (parag. 246) que, quando o legislador dispõe a moldura penal para um certo tipo de crime, tem de prever desde os da menor até aos da maior gravidade pensáveis: em função daqueles fixará o limite mínimo, em função destes o limite máximo da moldura penal respetiva; de modo que, em todos os casos, a aplicação da pena concretamente determinada possa corresponder ao limite mínimo da culpa às exigências de prevenção. Desde há muito que se põe em relevo, porém que a capacidade de previsão do legislador é necessariamente limitada e inevitavelmente ultrapassada pela riqueza e multiplicidade das situações reais da vida. E que, em consequência, mandamentos irrenunciáveis de justiça e adequação (ou necessidade) da punição impõem que – quando esteja em causa a atenuação da responsabilidade do agente, já não quando seja questão de agravação, pois que nestes casos o princípio da legalidade da punição implica que a falta de previsão do legislador funcione a favor do agente (cf. já supra parag. 263)- o sistema seja dotado de uma válvula de segurança. Quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo "normal" de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respetiva para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especial da pena."
Na mesma obra, escreve o Prof. Figueiredo Dias (pag. 306), "A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da atenuação das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência - e a doutrina que a segue - quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos normais, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos."
6. O Prof. Figueiredo Dias considera até duvidoso que o legislador se sirva como válvula de segurança do sistema, de uma cláusula geral de atenuação especial. Sobre esta matéria e ainda na mesma obra (pag.312) escreve "compreende-se, sobretudo, em função de duas razões relativas a uma Parte Especial velha e desatualizada: em função, por um lado, de molduras penais escusada e injustamente severas, características de um tempo em que o princípio politico-criminal da humanização do direito penal se não fazia sentir, em todo o caso, carregado com as exigências que hoje postula; em função, por outro lado, de molduras penais demasiado exíguas, com os limites máximos e mínimos relativamente próximos, consequência ainda do dogma das penas fixas e da desconfiança perante a autonomia da função judicial. Nenhuma destas razões tem hoje a mínima validade perante um Código Penal como o nosso, moderno, impregnado pelo princípio da humanização e dotado de molduras penais suficientemente amplas. E daí o bom fundamento da nossa jurisprudência, segundo a qual o sistema só se torna politico-criminalmente suportável se a atenuação especial, decorrente da cláusula geral apontada entrar em consideração apenas em casos relativamente extraordinários ou mesmo excecionais."
7. Estamos certos, que o caso em apreço, nada tem de extraordinário ou excecional e como tal a pena encontrada pelo tribunal coletivo teria que caber na moldura prevista.
8. Entendemos que não se provaram factos que diminuam por forma acentuada a culpa ou a ilicitude ou a necessidade da pena.
9. A única circunstância que o coletivo refere para se decidir pela atenuação especial é a confissão integral e sem reservas e que segundo o tribunal coletivo terá sido relevante para a descoberta da verdade.
10. Não cremos que a confissão só por si seja suficiente para se poder lançar mão de tal atenuante.
11. O nº2 do artigo 72º do Código Penal faz uma enumeração exemplificativa das circunstâncias atenuantes de especial valor que podem indiciar uma diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente. A confissão não faz parte desse elenco circunstancial.
12. Mais se refere no acórdão, embora sem qualquer fundamento, que tal confissão terá sido relevante para a descoberta da verdade. Nós, não só não descortinamos essa relevância, como até nos parece que esta relevância inexiste.
13. O estabelecimento assaltado estava equipado com vídeo-vigilância e foram colhidas imagens relativas ao furto. Dessas imagens foram extraídas os fotogramas juntos a folhas 10 a 16 dos autos. Tais fotogramas, que foram indicadas na acusação como prova documental, identificam claramente o arguido e esclarecem todos os passos dados por este para levar a cabo o furto. Esta prova demonstra que a confissão não teve o papel relevante que lhe é atribuído no acórdão.
14. Pelo que se deixou exposto julgamos poder dizer que não se verificam os pressupostos da atenuação especial da pena.
15. O tribunal recorrido ao entender de forma diversa atenuando especialmente a pena violou o disposto no artigo 72º do Código Penal.
16. A pena aplicada ao arguido teria que ser fixada dentro da moldura do respetivo ilícito e a ser assim, como defendemos, terá a pena que ser agravada.
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O arguido não respondeu às motivações de recurso.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição)
No período de tempo compreendido entre as 03:00 e as 05:00 horas do dia 06 do mês de janeiro de 2013, o arguido decidiu assaltar o estabelecimento de pronto a vestir denominado “E…”, sito na …, nº …., no Porto, com o objetivo de se apoderar do dinheiro e dos objetos de valor que ali encontrasse.
Movido desse propósito, o arguido deslocou-se para aquele local num automóvel, ao que tudo indica um Lancia … com a matrícula ..-..-AG, levando consigo um objeto em ferro, vulgarmente denominado de pé de cabra.
De seguida e utilizando o referido objeto, o arguido forçou a porta da entrada do estabelecimento e rebentou a fechadura da mesma, tendo então acedido ao seu interior, de onde retirou os seguintes objetos:
1) 1 caixa registadora, com o valor de € 200,00, a qual continha no seu interior € 20,00 em moedas;
2) 19 discos compactos (CD) contendo diversas músicas gravadas, com o valor global de € 508,50;
3) 9 pares de jeans, com o valor global de € 725,00;
4) 2 pares de óculos, com o valor global de € 330,00;
5) 2 blusões pele, com o valor global de € 1.914,00;
6) 1 cinto, com o valor de € 84,00;
7) 1 porta cartões, com o valor de € 50,00;
8) 1 saco em poliamida, com o valor de € 236,00;
9) 1 casaco em pele, com o valor de € 1.963,00; e
10) 1 t shirt, com o valor de € 22,00.
O arguido abandonou depois aquele local, levando consigo os referidos objetos, com o valor total de € 6.052,50 (seis mil e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos), os quais integrou no seu património e fez coisa sua.
O arguido entrou no referido estabelecimento com o propósito, concretizado, de se apoderar dos referidos objetos, o que fez apesar de bem saber que os mesmos lhe não pertenciam e que atuava contra a vontade do seu legítimo proprietário.
Atuou o arguido de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O arguido tem antecedentes criminais pela prática de furtos qualificados, furtos simples; tendo já cumprido em cúmulo jurídico de penas a pena de seis anos de prisão efectiva que foi declara extinta em 13-1-2012.
Condições pessoais do arguido B…
O processo de socialização de B… ocorreu no agregado familiar de origem (pais e dois irmãos mais velhos), grupo de condição socio-económíca modesta e cuja dinâmica se pautou pela coesão e solidariedade entre os elementos que o compunha.
Registou um percurso escolar desinvestido, desinteresse pela aprendizagem dos conteúdos curriculares, com repercussões ao nível da assiduidade, acabando por se desvincular do sistema de ensino pelos 13 anos de idade, sem que conseguisse concluir o 2° ciclo do ensino básico. Pouco tempo depois inicia atividade laboral como aprendiz de mecânico a que se seguiu o setor da hotelaria, atividade que interrompeu para cumprir o serviço militar obrigatório. Posteriormente exerceu funções como motorista profissional de pesados, trabalhando em várias empresas de transporte, trajetória afetada pela progressão dum quadro de dependência a estupefacientes de grande poder aditivo e que iniciara ainda na fase da adolescência.
O arguido teve o seu primeiro confronto com o sistema da Administração da Justiça Penal, aos 18 anos e condenado a uma pena suspensa na sua execução pela prática dum crime contra o património.
Pelos 20 anos encetou uma relação de facto, da qual nasceram 3 filhos, contudo o progressivo agravamento aditivo e o seu desinteresse em aderir a programa de desvinculação de drogas, precipitou a rutura da relação afetiva, situação que veio a agravar a já frágil condição pessoal do arguido e a sua permeabilidade a contextos sociais de risco. Foi novamente confrontado com o sistema da justiça e condenado a uma pena de 4 anos e 7 meses de prisão, pela prática de crime contra o património, e que cumpriu de Março/2000 a Outubro/2004, data em que foi colocado em liberdade definitiva. Registou um percurso prisional instável, mantendo-se laboralmente inativo por opção, nem conseguiu interiorizar o desvalor da sua conduta, indiciando a manutenção de consumo de estupefacientes.
À data reintegrou o agregado dos progenitores, porém a conservação dum padrão de comportamento direcionado para a satisfação das necessidades toxicómanas, sem motivação para integrar programa terapêutico especializado e sem o exercício de uma atividade laboral ou ocupacional estruturada, volvido menos de um ano, foi novamente confrontado com o sistema da justiça e, pela prática de crimes de furto, foi condenado a uma pena de 6 anos de prisão e cujo termo ocorreu em 13/07/2011, data em que foi colocado em liberdade definitiva, com um percurso prisional, uma vez mais desinvestido, optando por não integrar qualquer atividade estruturada, assumindo urna atitude passiva. Apesar de ter solicitado integração em programa terapêutico de substituição opiácea e ter sido submetido a avaliação pelos serviços clínicos, desistiu deste processo terapêutico, alegando ter conseguido aceder à condição de abstinência por sua própria iniciativa.
Sem retaguarda de suporte, na sequência do falecimento dos pais, ficou a viver sozinho, sendo apoiado pelo Centro Comunitário …, na Maia, onde efetuava as refeições principais. Não exercia atividade laboral, apesar de estar inscrito no CEFP.
Numa lógica de prevenir a recidiva nos consumos de drogas e de consolidar o percurso de desvinculação foi orientado pelo "F…" para consultas no CRI da …. Esteve presente numa única consulta desistindo do programa terapêutico.
Acusado da prática um crime de furto, cumpriu medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica de 06/12/2011 a 27/07/2012. Durante esse período, manteve uma conduta globalmente de acordo com os deveres inerentes à medida, beneficiando de apoio em géneros alimentícios por parte de instituições de solidariedade social e de refeições no Centro Comunitário ….
À data dos presentes factos, B… residia na …e, na Maia, espaço arrendado pelos pais há vários anos, em união de facto com G…, laboralmente inativa e portadora de problemática toxicómana. O arguido, também com um quotidiano desestruturado, sem qualquer desempenho laboral e sem recursos económicos, recorria frequentemente a expedientes vários para garantir a manutenção dos consumos e sua subsistência, abandonando o apoio que recebia do Centro Comunitário, passando a socorrer-se de associações de solidariedade social no Porto, onde efetuavam as principais refeições diárias.
Segundo refere o arguido, por influência da companheira, retomou a sua vivência em locais associados ao tráfico/consumo de drogas, restabelecendo uma rede de sociabilidade associada a individuas com a assunção de condutas transgressivas e toxicomania, reincidindo nos consumos de cocaína e heroína.
No meio social de residência, onde é conhecido desde a infância, apesar de identificado com um estilo de vida desviante, não são conhecidos sentimentos de rejeição ou de alarme social face à sua presença.
No Estabelecimento Prisional do Porto onde se encontra desde 26/06/2014 não recebe visitas. A companheira só se deslocou ao E.P. Porto uma vez, no início da reclusão de B…, desde então que não estabelece qualquer contacto.
Quanto a projetos, o arguido perspetiva regressar a casa onde vivia anteriormente, referindo que um tio tem garantido o pagamento mensal da renda (situação não confirmada pelos nossos serviços por não nos ter sido facultado o contacto com aquele familiar), assim como equaciona a possibilidade de encetar ações junto de empresas de transporte com vista ao seu enquadramento laboral.
B… encontra-se no Estabelecimento Prisional do Porto a cumprir medida de coação em prisão preventiva à ordem do processo nº 1052/13.9PIPRT, acusado da prática de crimes de furto qualificado.
Relativamente à natureza dos factos pelos quais está acusado nos presentes autos, B… percebe o seu carácter ilícito, reconhecendo que este tipo de comportamento comporta danos para terceiros. Mostra-se preocupado com a decisão que vier a ser proferida face à atual situação jurídico-penal que apresenta, que engloba outros processos pendentes com imputações mais graves, embora confiante que os antecedentes criminais não venham a ter qualquer influência na decisão, uma vez que já foi devidamente penalizado no passado.
Quando da entrada no E.P. Porto e por apresentar síndrome de abstinência foi integrado em protocolo de desintoxicação durante o período de 30 dias, com acompanhamento médico. Continua a beneficiar de consultas mensais de psiquiatria e trimestrais de psicologia. Verbaliza ser sua prioridade reorientar a sua vida de forma normativa, pese embora, revele sérias dificuldades em organizar-se e encontrar respostas para as suas necessidades, mostrando-se pouco realista sobre as possibilidades de sucesso, designadamente no que se refere à manutenção do tratamento à toxicodependência, não acreditando na sua capacidade de investimento nessa vertente.
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A matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos: (transcrição)
O arguido prestou declarações no âmbito da audiência de julgamento. Confessou integralmente e sem reservas toda a factualidade constante da acusação; declarou-se arrependido e afirmou que foi por ter voltado ao consumo de estupefacientes junto com a então companheira que praticou os factos aqui em causa! Afirmou que todos os bens foram por si vendidos para obter dinheiro para a droga.
O Tribunal teve em atenção o relatório social e os certificados de registo criminal juntos aos autos. Bem como a certidão junta aos autos a fls. 109 a 118 (referente ao cúmulo jurídico que condenou o arguido na pena de seis anos de prisão)
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
De acordo com as conclusões das motivações, a única questão que o recorrente submete à apreciação deste Tribunal consiste em saber se estavam reunidas as condições para que o tribunal recorrido atenuasse especialmente a pena a aplicar ao arguido.
Em conformidade com o estatuído no artigo 72º do Código Penal, o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (nº 1), constituindo, para além de outras, circunstâncias dotadas desse especial efeito mitigador da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, as que se elencam nas alíneas a) a d) do nº 2, designadamente:
«-Ter o agente atuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência [alínea a)];
-Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida [alínea b)];
-Ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados» [alínea c)];
-Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta [alínea d)]».
Pressuposto material de aplicação deste regime de atenuação especial da pena [concebido, como uma válvula de segurança, para atuar quando, em hipóteses especiais, ocorrerem circunstâncias que, dotadas daquele particular efeito mitigador das exigências de punição do facto, o legislador não terá tido em conta na ocasião em que, considerando o complexo “normal” de casos, pensou e fixou os limites da moldura penal respetiva] é, como se vê, a diminuição acentuada, não tão-só da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas ainda da necessidade da pena e, como assim, das exigências de prevenção.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias[3], constituindo “as circunstâncias descritas nas diversas alíneas do artº 72º-2 do Código Penal meramente indicativas [posto que, algo à semelhança do que sucede com os exemplo-padrão enunciados no número 2 do artigo 132º do mesmo diploma legal, outras situações que, não aquelas, podem e devem ser tomadas em conta, desde que possuam o exigido efeito de diminuir de forma significativa a ilicitude do facto, a culpa do agente, a necessidade da pena], elas próprias e, por igual razão, outras convocáveis para o fim em vista,” não têm o efeito “automático” de atenuar especialmente a pena, mas só o possuirão se e na medida em que desencadeiem o efeito requerido”, de onde que, sob este ponto de vista, se possa afirmar com razoável exatidão, que a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção constitui o autêntico pressuposto material da atenuação especial da pena.
Por outro lado, como se salienta no Ac. do STJ de 10.11.1999[4] «A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos extraordinários ou excecionais, isto é, quando é de concluir que a adequação à culpa e às necessidades de prevenção geral e especial não é possível dentro da moldura geral abstrata escolhida pelo legislador para o tipo respetivo. Fora destes casos, é dentro da moldura normal que aquela adequação pode e deve ser procurada. (Ac. deste Supremo e Secção de 10 de Novembro de 1999, in proc. 823/99,- SASTJ. nº 35.74).
Revertendo ao caso concreto, vejamos então se existem razões para a aplicada atenuação especial da pena.
A este respeito escreveu-se na decisão recorrida “atenta a confissão integral e sem reservas do arguido há que proceder à atenuação especial da pena a aplicar (até porque se tratou de uma confissão relevante para a descoberta da verdade), nos termos dos artºs. 72º e 73º do CP”. […] “Sendo certo que o arguido tem a seu favor o facto de ter confessado livre e integralmente os factos e ter-se manifestado arrependido. E de tal confissão ter sido relevante para a descoberta da verdade”.
Contrariamente ao que seria aconselhável, o tribunal recorrido não teve o cuidado de inserir na matéria de facto provada, a confissão dos factos pelo arguido e a manifestação de arrependimento. Relevou tais factos em sede da determinação da medida concreta da pena, contudo deveria tê-los incluído na matéria de facto.
Por outro lado, considera relevante a confissão do arguido para a descoberta da verdade, mas não justifica essa asserção, designadamente por contraposição com os meios de prova indicados na acusação.
Ora, o certo é que, não fora a confissão integral do arguido, certamente que o tribunal recorrido não poderia sustentar fundadamente uma condenação pela prática do crime que lhe é imputado na acusação.
Com efeito, não obstante as semelhanças fisionómicas entre o indivíduo retratado nos fotogramas de fls. 11 e o constante do cliché fotográfico de fls. 70, o certo é que é apenas esse o único meio de prova indicado pela acusação quanto à autoria dos factos pelo arguido, já que as testemunhas arroladas (como resulta do inquérito) nada sabiam quanto ao autor do furto. Ora, não fora a confissão por parte do arguido, o tribunal não poderia ter alicerçado a sua convicção positiva quanto à imputação dos factos ao arguido apenas nas referidas semelhanças fotográficas, já que dos fotogramas de fls. 10 a 16 não é possível visualizar a marca, modelo e matrícula do veículo estacionado nas proximidades do estabelecimento comercial “assaltado” e que terá sido levado para aquele local pelo indivíduo “fotografado”, para subsequentemente se poder estabelecer a necessária ligação entre o referido veículo e o arguido.
Conclui-se, assim, que a confissão do arguido não foi apenas relevante para a descoberta da verdade, mas verdadeiramente imprescindível para essa finalidade. Sem ela o arguido seria certamente absolvido, em obediência ao princípio “in dubio pro reo”.
A confissão tem um valor que varia segundo o contributo que fornece para a descoberta da verdade. Daí que a confissão só tenha relevância para efeitos de atenuação especial da pena, quando possa ser valorada em termos de ausência de prova e em termos de manifestação sincera e inequívoca de culpabilidade[5].
Por todo o exposto, necessário se torna concluir que a confissão do arguido não constituiu “mera estratégia de defesa”[6], mas verdadeira e imprescindível colaboração na descoberta da verdade, para além de inequívoca manifestação de culpabilidade.
Conclui-se, assim, que se mostram verificados os pressupostos previstos no artº 72º do Cód. Penal, integrando-se a confissão dos factos, como assunção de culpa, nas circunstâncias posteriores ao crime que diminuem de forma acentuada a culpa do agente e, por isso, não merece censura a decisão recorrida ao ter atenuado especialmente a pena aplicada ao arguido.
Numa moldura penal abstrata, especialmente atenuada, de um mês a cinco anos e quatro meses de prisão[7], considerando, além do mais, a ilicitude do facto, a intensidade do dolo, o valor dos objetos subtraídos, bem como os antecedentes criminais do arguido (já condenado diversas vezes pela prática de crimes contra o património), a pena aplicada de um ano e nove meses de prisão, mostra-se adequada e suficiente face às exigências de prevenção geral e especial.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando-se consequentemente o acórdão recorrido.
Sem tributação.
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Porto, 05 de Junho de 2015
Eduarda Lobo
Alves Duarte
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[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 306.
[4] Proferido no Proc. nº 823/99, SASTJ nº 35.74.
[5] Cfr., neste sentido, o Ac. Rel. Coimbra de 02.11.1999, proferido no Proc. nº 806/98, Des. João Trindade, sumariado em www.dgsi.pt
[6] Pelo contrário, no caso em apreço, a verdadeira estratégia seria remeter-se ao silêncio.
[7] E não um mês a 5 anos e 3 meses, como se refere na decisão recorrida.