Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0833981
Nº Convencional: JTRP00041574
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: PODER PATERNAL
MAUS TRATOS A MENORES
INIBIÇÃO
Nº do Documento: RP200806260833981
Data do Acordão: 06/26/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 765 - FLS 119.
Área Temática: .
Sumário: I – O poder paternal é um poder-dever, não é um meio de recuperação de toxicodependentes, nem é adequado achar que as crianças estão bem com uns pais que não garantem o seu sustento, por que não trabalham com regularidade, que não garantem a sua estabilidade emocional, porque não dispõem dela, que a levam para casa desta avó ou daquela e que tanto a irão buscar como a deixarão pelo tempo que lhes convier.
II – Maltratar uma criança não é só espancá-la ou dar-lhe fome. Maltratar uma criança é também não a preservar do frio, do abandono e da falta de presença do pai e da mãe, ou não trabalhar, ou ser condenado por tráfico ou consumo de estupefacientes, ou ser toxicodependente, ou mentir dizendo que faz parte do seu agregado familiar para obter o rendimento social de inserção quando a avó materna é que a cuida, ou simplesmente não estar à sua beira à noite quando vai dormir, ou para a levar ao infantário…
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Agravo
Decisão recorrida – Proc. Nº …/07.1 TBvpa
Tribunal judicial de vila pouca de Aguiar
. de 4 de Março de 2008
. Julga improcedente o procedimento cautelar de suspensão do poder paternal.


Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B………., interpôs o presente recurso de agravo da decisão acima mencionada, proferida nos autos de providência cautelar de suspensão do poder paternal por ela instaurados contra C………. e D………. relativamente à filha dos requeridos E………., nascida em 23 de Janeiro de 2005, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
1 - Está inconformada a recorrente.
2 - Antes de mais importa referir que como é consabido a convicção do julgador, sobre a fundamentação de facto resulta da análise de uma série de elementos, uns de ordem lógica e racional, mas outros também de natureza meramente perceptiva e emocional e por isso desde logo insindicáveis, seja por quem seja.
3 - Todavia, não obstante os depoimentos prestados pelas testemunhas da requerente terem sido considerados pelo Meritíssimo Juiz a quo “pouco esclarecedor pouco credível..., contraditório a matéria de facto dada como provada impunha decisão diversa.
4 - Resulta da matéria dada como provada, que” Na sequência de desentendimento havido entre os ora requeridos, a requerida C………. acompanhada da menor E………., fora viver para casa da requerente.
5 - Resulta da matéria dada como provada que “A menor E………. desde 24 de Dezembro de 2006 tem estado a viver em casa da avó materna, a aqui requerente
6 - Resulta ainda da matéria dada como provada que “em 19 de Fevereiro de 2007, a requerida C………. deixou a casa da requerente sua mãe, abandonando a sua filha menor, á guarda e cuidados da recorrente.
7 - Não resultando em momento algum onde se encontravam os recorridos, em todo o decurso do tempo, desde que a requerida abandonou a casa da ora recorrente, e se de algum modo, queriam ou pretendiam cuidar da sua filha.
8 - Apesar de resultar da matéria de facto dada como provada que a menor, E………. foi abandonada á sua sorte, pelos seus pais, aqui recorridos, entendeu por bem o Tribunal “a quo”, que aqueles não devem se inibidos do exercício do poder paternal.
9 - Com efeito, e como melhor resulta dos relatórios sociais, juntos aos autos, estes sim, salvo devido respeito, imparciais, desde que a menor se encontra á guarda e cuidados da recorrente, aqueles apesar das boas intenções que vão manifestando, não diligenciaram por reunir as condições mínimas necessárias para poder assumir o encargo de criar e educar a filha, designadamente, por não terem abdicado da vida errante, sem trabalho fixo,
10 - Também será de referir que o abandono da menor pelos requeridos, e a irregularidade nos contactos que, nestes 2 anos de permanência da criança em casa da recorrente, mantiveram com esta sua filha de 3 anos de idade, e pela ausência de investimento pessoal no relacionamento com a menina - como é bem evidenciado pelo facto de deixar a menor entregue à requerida, e não procurar visitá-la ainda que fosse nos fins-de-semana, para estreitar os laços de afectividade, não permitiu que entre os requeridos e a menor se formassem os laços de afectividade próprios da relação de filiação, levando a um progressivo desinteresse da criança em relação à figura paterna e materna.
11 - Sucede que, não se compreende, salvo o devido respeito, que resulte da matéria de facto dada como provada que a menor se encontra á guarda e cuidados da recorrente. “...desde 24 de Dezembro de 2006...”, abandonada á sua sorte pelos seus progenitores, e que o douto Tribunal entenda que “... não se vislumbra que os progenitores da menor tenham deixado de cumprir os seus deveres fundamentais para com ela, acarretando-lhe perigo para a sua segurança, a sua saúde, e para a sua formação moral ou educacional...”
12 - Resulta dos referidos relatórios que os recorridos, não reúnem ás condições necessárias e essenciais para cuidar da filha menor e garantir o livre e harmonioso desenvolvimento da mesma.
13 - Com efeito, ... a habitação do agregado não dispõe de casa de banho e de água canalizada e o recorrido D………. “...tem exercido a sua actividade profissional com irregularidade.” e a recorrida encontra-se grávida, ambos os recorridos se encontram “com TIR á ordem do Tribunal de Alijó”.
14 - Na verdade, os recorridos não trabalham, não possuem rendimentos, não reunindo aquele mínimo indispensável para tratarem e cuidarem da menor sua filha.
15 - Assim, a factualidade supra descrita, e que o Tribunal a quo não devia ter ignorado, como ignorou, impunha, salvo o devido respeito, decisão diversa da proferida.
16 - Na verdade, neste momento, os recorridos não têm condições, capacidade para cuidar da filha, sendo perigoso, com consequências irreversíveis na saúde física e psíquica da menor, que os mesmos se venham ora ocupar, o que não quiseram ontem por vontade própria e deliberada, consciente fazer, entregando-a á avo materna, aqui recorrente, que dela vem cuidando e zelando, com competência, cuidado, amor e dedicação.
17 - É urgente, imperioso acautelar a menor, isto é, os pais não têm neste momento condições para zelar pelos interesses da mesma, pois, face á sua situação de vida a toxicodependência do pai, a ausência de hábitos de trabalho de ambos, o abandono da criança à sua sorte, constituindo grave perigo para a criança viver na companhia daqueles neste momento.
18 - Na verdade, a criança encontra-se neste momento, a viver com a recorrente, em situação estável, quer emocional, quer física, pelo que ora retirá-la deste ambiente e entregá-la aqueles seus progenitores, na situação em que se encontram, sem rumo para as suas vidas, traduz-se numa violência psicológica para os sentimentos da criança e num obstáculo ao seu livre desenvolvimento com repercussões muito negativas e irreparáveis na formação da sua personalidade.
19 - Ora, não obstante esta objectiva realidade, e atento o facto de ambos se encontrarem desempregados, sem casa própria, nem fontes de rendimento que lhe permitam estabilidade financeira de modo à boa guarda da criança.
20 - De referir ainda que face á vida que levam os requeridos, toxicodependência, assaltos, prostituição, ausência de trabalho, ausência de casa condigna, acresce ainda o facto de por força de tais condutas, estarem constituídos arguidos em vários processos crime que correm termos no Tribunal de Comarca de Alijó, já em fase de julgamento, pela prática de crimes, indiciadores com alta probabilidade de que podem a todo o momento ser condenados a prisão efectiva, agravando ainda mais a manifesta incapacidade física e moral para cuidar da filha.
Requereu que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que acautele os direitos da criança.

Nas contra-alegações o Magistrado do Ministério Público pronunciou-se pela manutenção da decisão recorrida.

O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1 — A menor E………. é filha de D………. e de C………., os quais vivem em união de facto;
2 — Na sequência de desentendimento havido entre os ora requeridos, a requerida C………. acompanhada da menor E………., fora viver para casa da requerente, mãe e avó daquelas;
3 — Porém, em 19 de Fevereiro de 2007, a requerida C………. deixou casa da requerente sua mãe, ausentando-se para Espanha, com o objectivo de trabalhar;
4 — Regressada de Espanha a requerida fez as pazes com o companheiro D………., e passaram novamente a viver juntos, em Alijo;
5 — O requerido D………. foi consumidor de estupefacientes, encontrando-se, actualmente recuperado, estando ainda a beneficiar de acompanhamento psicológico;
6 — O requerido trabalha na área da construção civil e a requerida requereu o rendimento social de inserção e, às vezes trabalha no campo, encontrando-se grávida;
7 — A menor E………. desde 24 de Dezembro de 2006 tem estado a viver em casa da avó materna, a aqui requerente, mas desde o nascimento até àquela data sempre viveu com os progenitores;
8 — Os requeridos telefonaram e deslocaram-se várias vezes a casa da requerente para visitarem e buscar a menor E………., todavia, tendo sido impedidos pela requerente e pelo tio materno da menor;
9 — Os requeridos habitam numa casa composta de dois quartos, sala e cozinha, asseada e organizada, todavia, não dispõe ainda de água corrente e casa de banho, mas dispõe o casal já de algum material para efectuar as obras necessárias;
10 — Porém, efectuam os requeridos os cuidados de higiene necessários, no restaurante residencial F………., ou em casa da mãe do requerido;
11 — A menor E………. está inscrita no infantário da G………., desde Outubro de 2007;
12 - Nos cuidados de manutenção acompanhamento e vigilância da menor, os requeridos, quando necessário, terão o apoio e colaboração da avó paterna H………. .

Se relativamente aos factos referidos em 1, 2, 4, 7, 9 a 11 não se suscita qualquer controvérsia quanto à respectiva prova, por relativamente aos primeiros ela assentar em dados documentais, na quase totalidade da sua extensão, e, nos restantes, estarem quer as partes de acordo com eles quer os mesmos se mostrarem referidos nos relatórios sociais juntos aos autos, já a consideração de provados dos demais factos resulta, tendo em conta os elementos constantes dos autos, de uma deficiente avaliação dos mesmos levada a cabo pelo tribunal recorrido, como passaremos a analisar de seguida.
Bem certo que a audiência não foi gravada e, por isso, dos depoimentos testemunhais prestados em audiência, apenas poderemos saber o que foi referenciado na fundamentação da matéria tida por provada, todavia, há dados objectivos no processo que nos permitem anotar o respectivo desacerto.
Considerou-se provado que:
“Porém, em 19 de Fevereiro de 2007, a requerida C………. deixou casa da requerente sua mãe, ausentando-se para Espanha, com o objectivo de trabalhar”
Sabe-se, com base nos articulados e teor dos diversos relatórios sociais que, a este propósito, infelizmente como relativamente a quase tudo o resto, referem dados que não confirmam e resultam apenas de declaração prestada pelos interessados ao técnico que elabora o respectivo relatório que, todos estão de acordo que a mãe da menor se desentendeu com o pai dela e em 19 de Fevereiro de 2007, se ausentou para Espanha.
Segundo uns, terá ido para lá para viver com um tio seu e segundo outros para trabalhar, sendo certo que é incontornável que nessa data se ausentou e deixou a sua filha com a avó sem estabelecer com ela qualquer regra ou projecto de futuro para a menor.
Havendo dúvida sobre a razão dessa ausência, mesmo que tenham existido testemunhas que indicaram que foi para Espanha para lá trabalhar, pessoas que sobre a questão apenas conhecem o que ouviram dizer à requerida, não tendo havido ninguém que dissesse que esteve com ela em Espanha, foi seu companheiro de emigração ou muito menos de trabalho, dar como provado que ela foi para lá trabalhar mostra-se de todo infundamentado. Não há qualquer prova de que ela haja sequer trabalhado em Espanha. Não se sabe onde esteve, quanto tempo lá esteve, onde trabalhou, nem se indica qualquer dado objectivo.
Acresce que todos os dados do processo demonstram que esta mãe é pessoa sem hábitos de trabalho donde será de presumir que é pouco provável que o trabalho que parece nunca ter executado em Portugal – não é indicado nenhum período da sua vida em que haja desenvolvido trabalho regular em parte alguma – se haja mostrado mais aliciante em Espanha.
Do mesmo modo também não poderá concluir-se, pese embora a frequência com que a mãe da menor vive e deixa de viver com o pai desta, que essa ausência haja sido motivada por nova mudança de companheiro.
Deste modo, o Tribunal recorrido apenas poderia considerar provado que a mãe da menor em 19 de Fevereiro de 2007, se ausentou para Espanha.
Quanto ao ponto 4 — Regressada de Espanha a requerida fez as pazes com o companheiro D………., e passaram novamente a viver juntos, em Alijó” admite-se que os dados testemunhais reforçados pelos depoimentos dos interessados constantes dos relatórios sociais permitam considerar provados tais factos.
O mesmo não pode dizer-se quanto ao que foi tido por provado sob o nº 5 — O requerido D………. foi consumidor de estupefacientes, encontrando-se, actualmente recuperado, estando ainda a beneficiar de acompanhamento psicológico.
Se parece seguro que o consumo de estupefacientes é um dado certo, havendo até referência a tráfico de droga e a numerosos processos crime relacionados com a matéria em que serão arguidos os pais da menor, de modo algum há elementos que permitam concluir que o pai se encontra recuperado.
Por um lado a desintoxicação em causa não se encontra suportada em nenhum documento clínico ou psicológico. Não se averiguou como, quando e onde seguiu ele qualquer processo de recuperação da sua situação de dependência de drogas, sendo certo que esta questão não pode ser tida por assente com base no depoimento de dois ou três dos seus amigos que foram a Tribunal dizer que assim é, por estes não terem qualquer qualidade ou conhecimento científico que permitam considerar válida essa referência.
O que consta dos autos a este propósito, e passo a citar o relatório social – fls. 168 – “Quanto à sua situação relativamente aos comportamentos aditivos, o requerido referiu que se encontra abstinente e que actualmente não efectua qualquer Programa Terapêutico, quer com antagonista, quer de substituição e que deixou de frequentar o Acompanhamento por considerar desnecessário embora, tencione retomá-lo a nível de consulta de Psicologia (que interrompeu apenas pelo facto de a sua terapeuta se encontrar de licença de parto) em virtude de se sentir ansioso, relacionando este facto com as dificuldades surgidas para integrar a filha no seu agregado”.
Não há qualquer confirmação destes dados.
Nem a Segurança social nem o Tribunal entenderam necessário averiguar onde e quando seguiu o pai da menor um Programa terapêutico, como decorreu o mesmo, se está terminado, se o requerido, do ponto de vista técnico pode ser tido por recuperado, se pode manter-se abstinente de drogas sem o acompanhamento que declarou ter interrompido. Assim, sabendo o Tribunal que está face a um toxicodependente que diz que está bem, acredita tão só que assim seja, muito embora seja mais do que frequente que a situação se repita, e poucos sejam os casos de absoluto sucesso de recuperação.
Por essas razões, apenas pode considerar-se provado que o requerido D………. foi consumidor de estupefacientes, e se ignora se essa situação ainda permanece.
Mais, sabe-se ao longo do processo, por referências dispersas que estes pais têm vários processos-crime contra ele pendentes. Também não achou o Tribunal que, para aferir das condições pessoais deles enquanto cidadãos e sobretudo enquanto pais era preciso esclarecer bem a situação, saber qual a verdadeira situação criminal dos progenitores. O Tribunal não solicitou um certificado de registo criminal, não solicitou qualquer informação ao tribunal com jurisdição criminal e de investigação criminal da área de residência dos progenitores, ou a qualquer outro, pese embora as referências existentes sobre esta matéria, e a gravidade que na ponderação das competências parentais assume a situação criminal dos progenitores.
Quanto ao ponto 6 — O requerido trabalha na área da construção civil e a requerida requereu o rendimento social de inserção e, às vezes trabalha no campo, encontrando-se grávida;
Sobre a actividade profissional dos progenitores sabemos, pelos relatórios sociais que recolheram apenas os depoimentos deles próprios sobre esta matéria que:
“O D………. tem exercido uma actividade profissional com irregularidade, como indiferenciado na construção civil, obtendo alguns rendimentos para a manutenção do agregado. Apesar de os rendimentos de trabalho não serem suficientes, o casal dispõe de apoio económico de familiares, nomeadamente da progenitora e irmãs do requerido e perspectiva beneficiar de recursos sociais disponíveis, nomeadamente de dotarem a habitação de uma casa de banho (através da Câmara Municipal ……….). O requerido foi convocado através do I.E.F.P. em 24 de Janeiro de 2008 para a colocação profissional na construção civil, referindo que em breve efectuará um contrato de trabalho (…)
“A C……… referiu que se encontrava com TIR à ordem do Tribunal de Alijó, quando se ausentou para Espanha e deixou a sua filha E………. entregue aos cuidados da sua progenitora.(…) A habitação do agregado familiar não dispõe de casa de banho e de água canalizada, embora possua no exterior da mesma, uma torneira junto ao tanque. O material dispõe de algum material para efectuar obras num compartimento e adaptá-lo a casa de banho e aguarda o apoio da Câmara Municipal ………. para efectuar a canalização necessária. Segundo a informação recolhida, os membros do agregado familiar efectuam os cuidados de higiene necessários no Restaurante (…) ou em casa da progenitora do D………., residente no ………. . (…) A C………. requereu o Rendimento Social de Inserção que ainda não lhe foi atribuído e tenciona integrar o mercado de trabalho decorridos os períodos de gravidez e licença de maternidade, como indiferenciada na agricultura ou no sector da restauração”.
Refere-se no despacho de fundamentação que o requerido se encontra a trabalhar nas obras, com base no depoimento de I………. . Esta testemunha de quem nem a profissão se conhece foi tida por credível pelo Tribunal. Porém não se encontra junto aos autos o dito contrato de trabalho que o pai ia assinar, ignora-se se ele trabalha, como sempre terá feito, com irregularidade, e qual o rendimento que obtém desse trabalho.
Num processo em que as condições de vida, quer na sua vertente social quer económica, assumem particular relevância, atentos os dados anteriores de falta de hábitos de trabalho importaria que o Tribunal tivesse fundado a sua convicção em dados objectivos.
Deste modo, apenas deverá ser considerado provado que: “O requerido tem executado trabalhos na área da construção civil e a requerida requereu o rendimento social de inserção e, admite procurar trabalho depois de terminada a gravidez e a licença de maternidade.
Para além destes factos considerou o Tribunal que nenhuns outros resultaram provados.
Todavia, com interesse para a decisão da causa resulta ainda provado o seguinte:
1- A menor E………. nasceu em 23 de Janeiro de 2005.
2- Desde 24 de Dezembro de 2006 que vive ininterruptamente com a sua avó materna, tendo a sua mãe deixado de viver com ela em 19 de Fevereiro de 2007 e o pai em 24 de Dezembro de 2006.
3- A menor mantém um bom relacionamento com a sua avó materna que lhe presta os adequados cuidados de alimentação, higiene, e socialização, e, o infantário regista a sua assiduidade e uma evolução progressiva no seu desenvolvimento a nível de hábitos de higiene, alimentação e estabelecimento de relações com as outras crianças e os adultos que com ela interagem.
4- Ao longo do processo a Segurança social foi dando conta das dificuldades em contactarem os Pais da menor que não compareciam quando convocados, situação que se repetiu mais frequentemente com a mãe da menor;
5- Em Dezembro de 2007 o relatório social a fls. 153 dava conta de que a Técnica de Serviço Social J………., Técnica Superior de Serviço Social do Serviço Local de Segurança Social de ………. referiu “que era do conhecimento público que a menor acompanhava os progenitores por todo o lado, sendo transportada no carrinho de bebé para todo o lado, em pleno Inverno, ao frio” e do desinvestimento da mãe da menor nos assuntos relativos a esta;
6- Em 13 de Fevereiro de 2007 o pai da menor candidatou-se ao rendimento social de inserção indicando como membros do seu agregado familiar a menor e a sua mãe;
7- Em Dezembro de 2007, fls. 150, os Técnicos do Serviço Social não puderam confirmar o desenvolvimento do tratamento do pai da menor no CAT de ………. ou no Centro de Saúde de ………., por falta de consentimento deste para essa consulta.

A situação dos autos é a de uma menor que conta agora com três anos e meio que vive com a sua avó materna desde Dezembro de 2006 numa situação de estabilidade e desenvolvimento normal, tanto quanto podem confirmar os elementos exteriores a este agregado familiar e a este conflito – as pessoas que com ela lidam no infantário e os técnicos de serviço social que elaboraram o relatório social a ela relativo.
Até Dezembro de 2006 a menor viveu com os seus pais que foram apoiados pela sua avó paterna.
Não há quaisquer dados no processo que permitam concluir que uma das avós trataria melhor a neta que a outra mas tudo indica que estando a menor a viver com a sua avó materna, a sua transferência para casa dos pais assenta muito nos cuidados que a avó paterna está disposta a prestar-lhe.
Mudar de uma avó para outra não faz qualquer sentido porque a criança precisa de uma vida estável e será gravemente perturbada se o núcleo das relações pessoais e sociais que estabeleceu até aqui for completamente alterado. O que não significa que para ela não seja muito enriquecedor que possa também partilhar a sua vida de modo intenso com a sua avó paterna e os outros familiares. Laços as crianças podem estabelecer até ao infinito. As mudanças na sua vida é que devem ser reduzidas ao mínimo indispensável para garantir o seu desenvolvimento porque elas podem estabelecer roturas emocionais irreversíveis e fragilizar o seu sentido de pertença ao seu meio familiar e social. Com dois anos e meio esta menina já viveu no meio familiar dos seus pais e, por decisão da sua mãe, passou a viver no meio familiar da avó materna sem que os seus familiares mais próximos, sobretudo os pais hajam garantido uma continuidade da sua presença na vida da menor.
Refere-se agora que a avó materna terá impedido algumas visitas dos pais, não se sabe quantas nem a partir de que momento passaram elas a existir. Pelo que se escreveu na decisão recorrida os pais, juntamente com um amigo terão mais que uma vez tentado, sem sucesso visitar a menor, ainda que a razão da recusa dessas visitas, a ter verdadeiramente existido, não esteja esclarecida.
Tentando fazer um historial da vida da criança sabe-se que em 2007 a técnica do serviço social J………. dizia que toda a gente sabia que a menor andava de um lado para o outro com os pais, de forma pouco cuidada e ao frio.
O Tribunal, de forma inexplicável, apesar de haver sido solicitado que esta técnica fosse inquirida disse que porque ela não assinou nenhum relatório não tinha que a ouvir. Todavia, mesmo sem a ter ouvido o que indubitavelmente se impunha, o certo é que o técnico que assinou o relatório onde isto vem referenciado aceitou por boa a informação, como aceitou outras prestadas pelos requeridos que o Tribunal considerou provadas.
Referiu o Tribunal que algumas testemunhas disseram que nunca ouviram dizer que os pais maltratavam a criança, mas se é verdade o que diz a Técnica do Serviço Social, naturalmente muito mais objectiva que as testemunhas sobre esta questão, estaríamos face a uma forma de maus-tratos. Mal tratar uma criança não é só espancá-la ou dar-lhe fome. Maltratar uma criança é também não a preservar do frio, do abandono e da falta de presença do pai e da mãe, ou não trabalhar, ou ser condenado por tráfico ou consumo de estupefacientes, ou ser toxicodependente, ou mentir dizendo que faz parte do seu agregado familiar para obter o rendimento social de inserção quando a avó materna é que a cuida, ou simplesmente não estar à sua beira à noite quando vai dormir, ou para a levar ao infantário…
Os pais da menor não têm hábitos de trabalho. Às vezes trabalharão e perspectivam vir a trabalhar com mais persistência se lhes for entregue a menor. A mãe está grávida e desocupada há muito tempo mas irá procurar trabalho depois de a gravidez terminar, e a licença de maternidade, mesmo que esta seja concebida na lei para as mães e pais trabalhadores acompanharem os seus filhos nos primeiros tempos de vida e não para que aqueles que nunca trabalharam disponham de mais tempo para esse efeito. Só em situações excepcionais é que uma mulher grávida não pode trabalhar, as mais das vezes o trabalho e a actividade regular só poderão contribuir para melhorar todo o processo de desenvolvimento do feto, mas esta mãe que já está a descansar há anos, entende que ainda precisa de mais tempo para não trabalhar. Ambos os progenitores contam com os subsídios que a segurança social lhes irá facultar e para os quais terão um caminho mais privilegiado se tiverem a bandeira das necessidades de uma criança, e mais a outra que nascerá em breve para preencherem os pressupostos de atribuição dos subsídios.
A casa que habitam não tem casa de banho. Até têm já materiais para fazerem as obras. O progenitor até trabalha na construção civil, de vez em quando, o que lhe deixa tempo livre para executar as suas obras, mas aguardam que a Câmara Municipal apoie essa construção.
A mãe da menor não foi alvo de uma avaliação psicológica mas, sem grandes rigores técnicos pode já constatar-se uma elevada instabilidade afectiva que a faz viver com o pai da menor, abandoná-lo, ir para Espanha, eventualmente com outro companheiro, voltar, reconciliar-se, sabe-se lá até quando.
Ou seja, o meio familiar dos progenitores da E………. dispõe de dois adultos sem hábitos de trabalho, pelo menos um toxicodependente, ambos com processos-crime pendentes, uma mãe que facilmente deixa o seu companheiro, e que a deixa também a ela. Habita numa casa sem água canalizada, cujos cuidados de higiene são efectuados num restaurante das redondezas, ou em casa da avó paterna, num diferente lugar do da habitação. Não dispõe de rendimentos suficientes para prover ao sustento dos seus membros e conta que os subsídios venham a colmatar as faltas, a par dos apoios dos familiares.
A E………. está no infantário dentro em pouco vai frequentar o ensino pré escolar e, com estes pais o mais certo é que repita o drama de muitas crianças portuguesas que são as únicas em cada habitação com hábitos de trabalho, aqueles que a escola vai conseguindo impor-lhes, levantando-se de manha para irem para a escola enquanto os adultos permanecem no ócio do seu leito, por terem substituído a necessidade do seu salário e o prestígio e auto estima de proverem ao seu sustento pelo recebimento de uns subsídios.
Contrariamente ao que parece ter entendido a decisão recorrida não está aqui em causa que os pais sejam pobres ou ricos, em termos de meios financeiros. Está em causa que os pais sejam pobres ou ricos em termos de condições morais, de valores e de capacidade para assumir as suas responsabilidades parentais.
O poder paternal é um poder-dever, não é um meio de recuperação de toxicodependentes, nem é adequado achar que as crianças estão bem com uns pais que não garantem o seu sustento, porque não trabalham com regularidade, que não garantem a sua estabilidade emocional, porque não dispõem dela, que a levam para casa desta avó ou daquela e que tanto a irão buscar como a deixarão pelo tempo que lhes convier.
Não há qualquer elemento de que o progenitor tenha sequer tentado visitar a sua filha em Dezembro 2006 ou Fevereiro de 2007, e só parece que com o instaurar desta acção cautelar terá começado a iniciar esse contacto. Da mãe da menor sabemos apenas que a deixou aos cuidados da sua avó. Os progenitores demonstraram nunca terem grande capacidade para exercer as suas funções parentais e, estar com a criança ou sem ela, durante meses, não parece ter tido para eles qualquer significado. Não têm hábitos de trabalho, não vivem numa casa com condições mínimas de habitabilidade, nem nada parecem dispostos a fazer para melhorar a referida condição. Têm processos-crime pendentes, e pelo menos o pai é toxicodependente. Declaram projectar mudar este estado de coisas se a criança lhes for confiada e, como se trata de uma criança que cresce dia a dia e precisa de segurança, de afectividade, de cuidados básicos de saúde, alimentação, descanso e educação, nada nos autos indicia que os seus progenitores estão em condições de os assegurar. Ela encontra-se numa situação estável que dura há pelo menos metade do tempo da sua existência pelo que a sua retirada do meio em que se encontra só poderá resultar em grave prejuízo para ela se não for para ser integrada num meio familiar equilibrado. Ora o meio familiar dos pais tal como se apresenta na realidade não é um lugar para uma criança crescer. O desenvolvimento dela não depende de processos de intenções dos pais de que irão desempenhar as suas funções parentais. Importa que eles alterem definitivamente as suas condições de vida para que posteriormente seja reequacionada a situação da criança e se apresente como altamente provável que a sua vivência com os pais contribuirá de forma significativa para o seu desenvolvimento, circunstâncias que se não verificam no momento actual.
Os dados que existem no processo indicam com uma probabilidade muito séria que os pais violaram gravemente os seus deveres de pais para com esta menor e, pior do que isso, no momento actual a sua vida não sofreu uma alteração de tal forma significativa que permita concluir, também com grande probabilidade, que a menor viverá bem com os seus pais.
A menor encontra-se junto da sua avó que a tem cuidado de forma adequada, ao que resulta dos autos. Importará averiguar a situação criminal e de toxicodependência dos pais, saber como e quando trabalham, quais os rendimentos que obtêm e que condições materiais e morais têm para se ocupar da menor para, posteriormente, se for caso disso, alterar a situação de facto da criança. Não faz qualquer sentido, nem se apresenta de qualquer interesse para a menor, que ela deixe o meio em que se encontra para ir tentar mais uma “experiência” de convivência com os pais, subsidio dependentes e sem terem tido para com ela um comportamento adequado, e sem que o Tribunal possa ter a certeza que o recente interesse pela menor não decorre apenas do interesse na obtenção de mais um subsídio para que os pais prolonguem a sua vida de inútil ociosidade.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artº 199º da OTM, julga-se provado o presente procedimento cautelar de suspensão do exercício do poder paternal, devendo a menor permanecer entregue e sob os cuidados da sua avó materna até que os seus progenitores revelem dispor de uma vida equilibrada e socialmente válida para se ocuparem, com dignidade, da vida desta criança, competindo ao Tribunal recorrido estabelecer um concreto regime de visitas dos pais à menor que permita a manutenção de uma ligação afectiva desta com aqueles, tendo em conta que ambos os progenitores, por não trabalharem ou o fazerem sem regularidade dispõem de largos períodos de ócio que mais positivamente poderão ser utilizados a palmilharem os caminhos que conduzam ao encontro com a sua filha, como é seu dever.

Decisão:
Acorda-se, em vista do exposto, nesta Relação, em conceder provimento ao agravo e, em consequência revogar a decisão recorrida e determinar a suspensão do exercício do poder paternal dos requeridos relativamente a E………. que permanecerá a viver com a sua avó paterna devendo intensificar-se o relacionamento da menor com os seus pais.
Sem custas dada a não oposição dos agravados.

Porto, 2008.06.26
Ana Paula Fonseca Lobo
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Evaristo José Freitas Vieira