Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
907/10.7TTMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: JUNTA MÉDICA
NEXO CAUSAL
QUESITOS
Nº do Documento: RP20150119907/10.7TTMTS.P1
Data do Acordão: 01/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Na junta médica realizada em processo de acidente de trabalho, nos termos do art. 138º, nº 1, do CPT, é admissível que a parte formule quesitos relativamente à verificação do nexo causal entre o sinistro e as lesões, se não tiver existido acordo sobre tal matéria na fase conciliatória do processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 907/10.7TTMTS.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos de acidente de trabalho, em que é sinistrado B…, patrocinado por mandatário judicial, e entidade responsável a Companhia de Seguros C…, S.A., foi despoletada a fase contenciosa pelo sinistrado, apresentando petição inicial nos termos do art. 117º, nº 1, al. a) do CPT.
Pede que a ré seja condenada a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia no montante de € 3.351,91 com início em 30/10/2003, acrescida de juros de mora desde a tentativa de conciliação até integral pagamento.
Alega, em síntese, que, em 12 de janeiro de 2003, pelas 19,20, no relvado do … quando participava num jogo de futebol, como jogador do D…, sofreu um traumatismo na perna esquerda, do qual resultou uma rotura parcial do ligamento cruzado anterior esquerdo e entorse do ligamento lateral interno esquerdo, que determinaram uma ITA de 12/2/2003 a 29/10/2003 e uma incapacidade permanente parcial de 2%, recusando a segurador assumir qualquer responsabilidade.
A seguradora contestou invocando o abuso de direito e caducidade do direito invocado, mais impugnando a matéria alegada.
Requereu a realização de junta médica, apresentando os seguintes quesitos:
1. O A. apresenta sequelas lesionais e funcionais no joelho esquerdo comprovadamente emergentes de traumatismo?
2. Pode comprovadamente estabelecer-se o nexo causal de eventuais sequelas no joelho esquerdo com exclusividade a traumatismo ocorrido em Janeiro de 2003?
3. A ausência de qualquer queixa, tratamento ou assistência clínica desde Outubro de 2003 é compatível com o estabelecimento de nexo causal de sequelas actuais com o traumatismo de 2003?
4. O decurso do tempo desde 2003 até à presente data impede a detecção de sobreposição de outros traumatismos às sequelas do traumatismo de 2003?
5. O facto de o A. manter a sua actividade profissional sem qualquer limitação ou sequer necessidade de tratamento desde 2003 a 2006 pode ter influído na evolução não curativa de eventuais sequelas do traumatismo de Novembro de 2006?
6. O decurso de 8 anos sem queixas ou assistência médica torna ténue e inseguro o estabelecimento de nexo causal entre estado actual e o traumatismo de Novembro de 2003?
7. O A. apresenta sequelas valoráveis em IPP? Se sim de que grau?
8. Em caso afirmativo ao quesito anterior é possível estabelecer com segurança e em exclusivo o nexo causal da IPP com o traumatismo de Novembro de 2003?
O sinistrado respondeu.
Foi proferido despacho saneador no qual se julgou improcedente a excepção da caducidade do direito do sinistrado e se relegou para decisão final o conhecimento do invocado abuso de direito.
Foi proferido despacho relativamente aos quesitos apresentados pela seguradora, nos seguintes termos:
Uma vez que é controversa a questão das incapacidades que padece o autor, determina-se, ao abrigo dos arts. 118º, al. b) e 132º, nº 1 do C. Pr. Trab., que seja criado apenso com cópia de fls. 46/49, 89/91, 94/111, 114/117 e deste próprio despacho.
Quanto aos quesitos apresentados pela co-ré seguradora, importa igualmente sublinhar que essa perícia se destina unicamente a apurar se o sinistrado padece de alguma incapacidade para o trabalho e, em caso informativo, em que grau.
Por isso, desse exame e respectivo laudo devem estar ausentes quaisquer questões relativas ao nexo de causalidade com o alegado acidente discutido nestes autos ou com quaisquer outros eventos naturalísticos anteriores que possam ter determinado essa incapacidade.
A questão do nexo de causalidade do acidente alegado e/ou da existência anterior de outro fenómeno que tenha determinado a incapacidade são discutidas e decididas nos autos principais.
Inconformada interpôs a seguradora o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
i) Quando a R. na contestação apresentada, por questionar da invocação do nexo causal entre as sequelas e o acidente ou de outras questões clínicas, requer prova pericial por junta médica tendo por objecto quesitos destinados a confirmar ou afastar esse nexo causal, não podem essas questões relevantes e controvertidas ser recusada no exame pericial por junta médica a que haja lugar;
ii) O facto de a determinação da IPP ser decidida no apenso de verificação de incapacidade e as demais questões como o nexo causal serem decididas no processo principal, não impede que se aproveite a junta médica do apenso para a produção de prova pericial sobre as demais questões controvertidas, susceptíveis dessa apreciação técnica médica requerida pelas partes, por razões de óbvia economia processual e de segurança jurídica;
iii) Assim não se entendendo, então, uma vez requerida prova pericial na contestação apresentada no processo principal, para a discussão de questões atinentes ao nexo causal das lesões e sequelas invocadas, teria de ser designada uma outra perícia nos autos principais para o objecto proposto e não incluído na perícia do apenso, sob pena de violação do direito de uma parte a produzir prova ou contraprova dos fundamentos de acção ou excepção;
iv) Tanto mais que a prova pericial por junta médica a requerer na contestação é o único meio adequado a questionar os resultados do exame médico da fase conciliatória, designadamente, quanto ao nexo causal, ou outras questões relevantes e controvertidas que ultrapassem a mera quantificação do estado actual (à data do exame) do sinistrado;
v) Com a decisão proferida de admitir a junta para a determinação do grau de IPP que interessa ao A. e rejeição no respectivo objecto dos quesitos destinados a questionar o nexo causal daquela com o acidente, que interessa à ré, é introduzir um desigualdade de tratamento entre as partes, denegando justiça a uma, consequentemente ofendendo os princípios da igualdade e acesso ao direito consagrados nos arts. 13º e 20º nº 1 e 5 da CRP:
vi) Violou assim, a decisão recorrida o disposto nos arts. 69º nº 1, 139º, 140º do CPT e arts. 2º nº 1 e 2, 3º nº 3, 4º, 410º, 413º, 417º, 468º e 476º nº 2 do CPCiv ex vi art. 1º CPT.
O sinistrado não apresentou alegações.
O Ministério Público teve vista nos autos, emitindo parecer pugnando pela improcedência do recurso, ao qual respondeu a seguradora.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 3 e 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
A única questão invocada consiste em determinar se é admissível qua a seguradora apresente quesitos para a junta médica relativos ao nexo causal entre o sinistro e as leões apresentadas pelo sinistrado.
Os factos a considerar são os que constam do relatório.
Apreciando.
Com excepção das situações de presunção do art. 10º, nº 1, Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro (Regulamento do regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais), aquele que invoca o direito de reparação pelo acidente de trabalho tem de provar os factos que normalmente o integram e a parte contrária terá de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos do direito invocado.[1]
Um dos requisitos do direito de indemnização por acidente de trabalho é o nexo de imputação causal das lesões ao sinistro.
Citando o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-7-2011, o acidente de trabalho pressupõe a ocorrência de um e a verificação de uma cadeia de factos interligados por um nexo causal. A lesão corporal, a perturbação funcional ou doença terão resultar desse evento; e a morte ou a redução da capacidade de trabalho ou de ganho terão de ser causadas pela lesão corporal, perturbação funcional ou doença. Por acidente devemos assim entender como um evento externo, súbito e violento que produz, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença.[2]
Sendo assim, impende sobre a seguradora o ónus de prova de inexistência do nexo causa, beneficiando o sinistrado da presunção, ou a contra prova da sua existência, se esta prova impender sobre o sinistrado.
Para esse efeito, pode a seguradora fazer uso de qualquer meio de prova legalmente consentido. A instrução do processo consiste, precisamente, na atividade processual tendente a trazer ao processo os meios de prova a utilizar para prova da matéria do questionário e preparar a sua utilização.[3]
A prova pericial visa percepcionar os factos através de pessoas (peritos) especialmente qualificadas (por via da experiência ou por via de aptidões académicas, ou de ambas), com especiais conhecimentos científicos ou técnicos, que se revelem necessários para a prova dos factos em discussão, pessoas que irão usar os seus conhecimentos científicos e experiência (que para aquela questão concreta o juiz não tem) para analisarem os factos.[4]
Assim, nada obsta a que a seguradora possa recorrer a este meio de prova para demonstrar o facto que lhe incumbe provar, ou que não ocorreu o facto que a parte contrária pretende provar.
A questão aqui em causa consiste apenas em apurar se tal finalidade se pode obter mediante a junta médica prevista no art. 132º, nº 1, d CPT, ou se tem que ser obtida por outro meio.
A resposta terá que ser no sentido da admissibilidade dos quesitos relativos ao nexo de causalidade.
Desde logo, com base no princípio da economia processual. O princípio da economia processual impõe que o processo comporte apenas os atos e formalidades indispensáveis ou úteis para o fim que se pretende, como se referiu supra (economia de atos e formalidades).[5] Ou seja, o princípio da simplificação, na expressão de Martins Leitão.[6]
Ou seja, não faria sentido realizar uma perícia apenas para determinar o grau de incapacidade do sinistrado e, depois, ter que se admitir a possibilidade de uma outra perícia com vista a determinar o aludido nexo causal.
Por outro lado, destinando-se a junta médica a reapreciar a perícia singular realizada na fase conciliatória do processo (art. 138º, nº 1, do CPT), impõe-se que os peritos possam pronunciar-se sobre o aludido nexo da causalidade, uma vez que na perícia singular o perito se pronunciou sobre tal matéria.
Assim se conclui que, na junta médica realizada em processo de acidente de trabalho, nos termos do art. 138º, nº 1, do CPT, é admissível que a parte formule quesitos relativamente à verificação do nexo causal entre o sinistro e as lesões, se não tiver existido acordo sobre tal matéria na fase conciliatória do processo.
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, substituindo-se pelo presente acórdão que determina o deferimento do requerido pela recorrente, admitindo-se os quesitos pela mesma formulados.
Custas pelo recorrido.

Porto, 19-1-2015
Rui Penha - relator
João Nunes
Maria José Costa Pinto, não assina por não estar presente, mas tem voto em conformidade (art. 153º, nº 1, do CPC).
______________
[1] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-4-2013, processo 2266/10.9TTPNF.P1, relator António José Ramos, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[2] Processo 25/09.0TTOAZ.P1, relator António José Ramos, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[3] Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 182. Veja-se Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 419 e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 429.
[4] Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 226, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 559.
[5] Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 163, e Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 264-266.
[6] Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, págs. 191-193.