Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3508/13.4T2OVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
FACTO NEGATIVO
VIOLAÇÃO DA OBRIGAÇÃO
Nº do Documento: RP201501123508/13.4T2OVR-A.P1
Data do Acordão: 01/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Da conjugação do disposto nos artigos 876.º e 877.º do CPC resulta imperativamente a existência de dois momentos no processo executivo de prestação de facto negativo: a verificação pericial; e o reconhecimento (ou não) pelo juiz da falta de cumprimento da obrigação (de non facere) do executado.
II - Revela-se susceptível de causar alguma perturbação interpretativa a expressão “pode requerer”, inserta no n.º 1 do artigo 876.º do Código de Processo Civil.
III - Deverá, no entanto, entender-se, que o credor exequente que pretenda, coercivamente, por via executiva, pôr termo à violação da obrigação, quando esta tenha por objecto um facto negativo, terá obrigatoriamente, no requerimento executivo, de requerer a verificação da violação por meio de perícia.
IV - Com efeito, a expressão verbal “pode”, que traduz normalmente a atribuição de uma faculdade, e não a fixação de um imperativo (traduzido na expressão: “deve”), refere-se in casu à faculdade que é conferida ao credor munido de um título executivo no qual se consubstancia a obrigação de non facere do devedor (executado), de requerer: que a violação da obrigação seja verificada pericialmente; que o juiz ordene: a) a demolição da obra que eventualmente tenha sido feita; b) a indemnização do exequente pelo prejuízo sofrido; e c) o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória.
V - Tais providências têm como pressuposto óbvio e necessário, a verificação da violação, que terá que ser requerida com base em prova pericial.
VI - Em suma, o credor munido do título pode requerer ao juiz, no caso de violação da obrigação que tenha por objecto um facto negativo: que a violação da obrigação seja verificada por meio de perícia; e que sejam decretadas as providências enunciadas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 876.º do CPC. Optando por requerer a diligência de demolição, terá necessariamente que requerer a prévia verificação pericial da violação da obrigação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3508/13.4T2OVR-A.P1

Sumário da decisão:
I. Da conjugação do disposto nos artigos 876.º e 877.º do CPC resulta imperativamente a existência de dois momentos no processo executivo de prestação de facto negativo: a verificação pericial; e o reconhecimento (ou não) pelo juiz da falta de cumprimento da obrigação (de non facere) do executado.
II. Revela-se susceptível de causar alguma perturbação interpretativa a expressão “pode requerer”, inserta no n.º 1 do artigo 876.º do Código de Processo Civil.
III. Deverá, no entanto, entender-se, que o credor exequente que pretenda, coercivamente, por via executiva, pôr termo à violação da obrigação, quando esta tenha por objecto um facto negativo, terá obrigatoriamente, no requerimento executivo, de requerer a verificação da violação por meio de perícia.
IV. Com efeito, a expressão verbal “pode”, que traduz normalmente a atribuição de uma faculdade, e não a fixação de um imperativo (traduzido na expressão: “deve”), refere-se in casu à faculdade que é conferida ao credor munido de um título executivo no qual se consubstancia a obrigação de non facere do devedor (executado), de requerer: que a violação da obrigação seja verificada pericialmente; que o juiz ordene: a) a demolição da obra que eventualmente tenha sido feita; b) a indemnização do exequente pelo prejuízo sofrido; e c) o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória.
V. Tais providências têm como pressuposto óbvio e necessário, a verificação da violação, que terá que ser requerida com base em prova pericial.
VI. Em suma, o credor munido do título pode requerer ao juiz, no caso de violação da obrigação que tenha por objecto um facto negativo: que a violação da obrigação seja verificada por meio de perícia; e que sejam decretadas as providências enunciadas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 876.º do CPC. Optando por requerer a diligência de demolição, terá necessariamente que requerer a prévia verificação pericial da violação da obrigação.
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Correu termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca do Baixo Vouga a acção com processo sumário n.º 1009/03.8TBETR, instaurada por B…, contra C… e D…, no âmbito da qual, em 9 de Fevereiro de 2004, as partes celebraram transacção judicial com o seguinte teor:
«1.º O A. reconhece que, nesta data, o barraco a que faz referência na p.i. não se encontra encostado ao muro que ladeia a sua casa, sua pertença, nem está a ser utilizada a parede desse muro virada para o terreno dos réus.
2.º Por sua vez, os réus comprometem-se a, no futuro, não fazerem qualquer utilização na parede do referido muro, nomeadamente não instalando currais de animais junto à referida parede.
3.º Custas a meias.».
Em 12 de Novembro de 2013, B… instaurou contra C… acção executiva para prestação de facto, alegando no requerimento executivo:
1º.) Por douta Sentença homologatória de 9.02.2004, transitada em julgado em 19.02.2004 do 2º. Juízo do então Tribunal Judicial da Comarca de Estarreja - Processo 1009-03.8TBETR, os aqui executados C… e D… foram condenados a não fazerem qualquer utilização da parede do referido muro ( muro propriedade do exequente que ladeia a sua casa e que está virado para o terreno dos aqui executados), nomeadamente não instalando currais de animais junto à referida parede (…).
2º.) Sucede que os executados, ao arrepio da douta sentença, passaram a utilizar o muro do exequente e sem autorização e contra a vontade do exequentes.
3º.) Com efeito, os executados construíram um barracão de tijolo e cimento, no seu quintal mas encostado ao muro do exequente, utilizando a parede do exequente, obra essa que se mantém, apesar da sentença condenatória expressamente condenar os executados a não fazerem qualquer utilização da parede do referido muro.
4º.) Por outro lado, os executados plantaram várias videiras, completamente encostadas à parede do mesmo muro do exequente, videiras essas que foram trepando ao longo da parede e passaram para o terreno do exequente, caindo de forma avultada, até ao chão do quintal do exequente, também neste caso, com uma utilização totalmente abusiva do muro do exequente e até de parte do seu terreno, o que tem por consequência a ocorrência de danos na rede que o exequente colocou no muro bem como a existência de muitos bichos como abelhas e aranhas (que se alimentam das uvas) e muito lixo que vai caindo das videiras, como folhas e paus, tudo para o quintal do exequente, impossibilitando a sua utilização, nessa parte
5º.) Por varias vezes o exequente contactou os executados no sentido destes cumprirem a decisão judicial e assim demolirem o barracão e cortarem as videiras mas ate ao presente nada foi feito
6º.) Para a realização de demolição do barracão e a retirada das videiras, é suficiente o prazo de 15 dias
7º.) O exequente entende ser suficiente o valor de € 7.000,00 para a demolição do barracão e a retirada das videiras e respectivo entulho, de forma a deixar o seu muro livre e desocupado, conforme a decisão judicial
8º.) Ao abrigo do disposto no artigo 868º. n.º 1 e 874 o exequente pode requerer a aplicação da sanção pecuniária compulsória pelo período de tempo de incumprimento pelos executados.
9º.) Deixando ao prudente arbítrio de V.Exa a fixação da mesma sugerindo-se o valor diário de € 100,00
Nestes termos, após citação dos executados deve ser fixado em 15 dias o prazo para a prestação do facto a que foram condenados, com a sanção pecuniária compulsória de € 100,00 por cada dia após esse prazo sem que a prestação de facto se encontra cumprida.».
A executada C… deduziu oposição por embargos, alegando:
«1º A presente execução para prestação de facto foi instaurada com base em sentença judicial.
2º Sendo esse o título executivo.
3º Ora, no nº 1 do aludido título refere-se expressamente que “O A. reconhece que, nesta data, o barraco a que faz referência na p.i., não se encontra encostado ao muro que ladeia a sua casa, sua pertença, nem está a ser utilizada a parede desse muro virada para o terreno dos réus.”.
4º No nº 2 pode ler-se que “Por sua vez, os réus comprometem-se a, de futuro, não fazerem qualquer uso da parede do referido muro, nomeadamente não instalando currais de animais junto à referida parede,”
5º A ora executada cumpre escrupulosamente o acordo homologado por sentença.
6º Com efeito, a aqui Executada não faz, nem nunca fez, qualquer utilização do muro do Exequente, conforme se alcança das fotografias que aqui se juntam como documentos nºs 1, 2 e 3.
7º Sendo, por isso falso o alegado em 2º e 3º pelo Exequente.
8º Por sua vez o alegado em 4º, no concerne às videiras é absolutamente falso, conforme se alcança da fotografia anexa como doc. nº 4.
9º Com efeito, o muro do Exequente não está a ser utilizado por parte da Executada a título algum.
10º E a presente execução não tem qualquer fundamento, pois quando muito, o ora Exequente poderia solicitar a não utilização da parede do muro que é seu, mas nunca a demolição do barraco nem o corte e retirada das videiras, uma vez que quer um quer outras não se encontram na parede do muro do Exequente, como se demonstra.».
Os embargos foram liminarmente admitidos por despacho de 9.04.2014, tendo sido o embargado notificado para se pronunciar.
Em 4.06.2014, foi proferido despacho saneador, no qual o M.º Juiz decidiu de imediato do mérito dos embargos, «Considerando que nos autos existem todos os elementos fácticos que permitem uma decisão de mérito da causa, e bem assim não se verificar qualquer preterição do princípio do contraditório, ao abrigo do disposto no artigo 595.º, n.º 1, al. b), aplicável ex vi do artigo 732.º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil […]».
Conclui-se na sentença, com o seguinte dispositivo:
«Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgo improcedente os embargos de executado, devendo a execução prosseguir em conformidade.
Custas pela embargante/executada, de acordo com a tabela II do Reg. Custas Processuais (art. 541.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique, incluindo o Agente de Execução, e registe».
Não se conformou a embargante e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, no termo das quais formula com as seguintes conclusões:
1ª - Os Réus foram condenados por sentença a cumprir a obrigação de prestação de facto negativo de não fazerem qualquer utilização da parede do muro do A., nomeadamente, não construindo currais de animais junto à referida parede.
2ª - Não estando verificada a violação na ação declarativa prévia, e cuja sentença é dada à execução, estava ao alcance do exequente requerer a perícia na fase liminar da execução para a verificação da violação da obrigação por parte da executada, nos termos do disposto no artigo 876º do NCPC.
3ª- Não o tendo feito, o título dado à execução não é titulo executivo suficiente, porque a obrigação não é certa, exigível ou líquida, fundamento este de oposição à execução previsto na alínea e) do artigo 729º do C.P.C.
4ª- Além de que ao deduzir embargos, a executada não está impedida de alegar e provar que cumpre a sua obrigação, respeitando assim os fundamentos da oposição à execução, mesmo baseado em sentença, sem que esteja a violar o caso julgado – 868º, nº 2 do C.P.C.
5ª- A decisão da qual se recorre baseou-se apenas no teor título executivo, sem atender à matéria e à prova apresentada pela embargante na sua petição de embargos, violando o princípio do contraditório consagrado no artigo 3º do C.P.C.
6ª- Com efeito, apenas consta da matéria dada como provada o teor da decisão homologatória, ou seja , o teor do título executivo e nada mais.
7ª- Com base apenas no teor do título executivo até se foi mais longe e considerou-se que não restava senão ordenar a demolição do barraco, independentemente de estar ou não a ser feito o uso da parede do executado bem com a retirada das videiras, tudo no prazo de 15 dias e também sem se provar onde é que as videiras estavam plantadas, se estava ou não apoiadas em esteios próprios sem fazer uso do muro do exequente.
8ª- Ficam os esteios e retiram-se (arrancam-se) todas as videiras, nos derradeiros dias de Junho com as videiras repletas de cachos de uvas, sendo que o título dado á execução nada refere a este respeito.
9ª- Esta sentença é que viola o instituto do caso julgado.
10ª- O limite do caso julgado foi ultrapassado ao decidir-se que o barraco tem de ser demolido, o barraco a que a sentença dada à execução faz referência.
11ª- E se a proximidade do barraco da executada ao muro do exequente foi ou não a causa do dissídio na ação declarativa a executada apenas se obrigou nos termos devidamente decididos na sentença judicial e não mais do que isso, pois formou-se efetivamente caso julgado.
12ª- Não podendo a executada vir agora a ser condenada a não plantar numa qualquer faixa de terreno nem impedida de construir esteios para a sua vinha no terreno de que é legítima proprietária.
13ª- Pelo que a sentença da qual se recorre reapreciou e conheceu matéria já decidida no título executivo, violando assim, o instituto do caso julgado a que alude o disposto nos artigos 580º, 581º, 619º, 620º, 621º todos do C.P.C.
14ª- Ao considerar a sentença homologatória dada à execução como título executivo bastante, sem a verificação da violação da obrigação de prestação de facto negativo, e não permitindo que a executada nos embargos que deduziu provasse por qualquer meio o cumprimento mesmo que posterior, da sua obrigação, violou o disposto no artigo 868, nº 2 e 876º do C.P.C.
Pelo exposto e com o sempre douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, julgando-se extinta a execução como é de Direito e de Justiça.
O embargado apresentou resposta às alegações de recurso, preconizando a manutenção do julgado.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa única questão: saber se está ou não verificada a violação da obrigação de non facere a que a embargante se encontrava adstrita por força da sentença (título executivo).
A enunciação de tal questão, fundamental na definição do objecto do presente recurso, transparece do teor das conclusões 1.ª, 2.ª e 14.ª das alegações de recurso:
«1ª - Os Réus foram condenados por sentença a cumprir a obrigação de prestação de facto negativo de não fazerem qualquer utilização da parede do muro do A., nomeadamente, não construindo currais de animais junto à referida parede.
2ª - Não estando verificada a violação na ação declarativa prévia, e cuja sentença é dada à execução, estava ao alcance do exequente requerer a perícia na fase liminar da execução para a verificação da violação da obrigação por parte da executada, nos termos do disposto no artigo 876º do NCPC. […]
14ª- Ao considerar a sentença homologatória dada à execução como titulo executivo bastante, sem a verificação da violação da obrigação de prestação de facto negativo, e não permitindo que a executada nos embargos que deduziu provasse por qualquer meio o cumprimento mesmo que posterior, da sua obrigação, violou o disposto no artigo 868, nº 2 e 876º do C.P.C.».
A questão suscitada tem a ver com o facto de o exequente não ter requerido que a invocada violação «seja verificada por meio de perícia», de acordo com a previsão contida no n.º 1 do artigo 876.º do Código de Processo Civil.

2. Fundamentos de facto
A factualidade provada relevante, já especificada no relatório que antecede, resume-se nestes termos:
A - Correu termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca do Baixo Vouga a acção com processo sumário n.º 1009/03.8TBETR, instaurada por B…, contra C… e D…, no âmbito da qual, em 9 de Fevereiro de 2004, as partes celebraram transacção judicial com o seguinte teor:

«1.º O A. reconhece que, nesta data, o barraco a que faz referência na p.i. não se encontra encostado ao muro que ladeia a sua casa, sua pertença, nem está a ser utilizada a parede desse muro virada para o terreno dos réus.
2.º Por sua vez, os réus comprometem-se a, no futuro, não fazerem qualquer utilização na parede do referido muro, nomeadamente não instalando currais de animais junto à referida parede.
3.º Custas a meias.».
B - Em 12 de Novembro de 2013, B… instaurou contra C… acção executiva para prestação de facto, alegando no requerimento executivo, que os executados construíram um barração e que plantaram videiras encostados ao muro que rodeia a sua casa.
C – No requerimento executivo o exequente não requereu a “verificação” da violação da sentença (obrigação de non facere), por meio de perícia.
D - A executada deduziu oposição, alegando que nada foi construído e que o barracão existente no local é aquele que o exequente no título executivo (transacção judicial homologada) reconhece que «não se encontra encostado ao muro que ladeia a sua casa».
E – O M.º Juiz proferiu decisão no despacho saneador, sem produção de prova, «[c]onsiderando que nos autos existem todos os elementos fácticos que permitem uma decisão de mérito da causa», e concluindo que «Quando a execução tem como título executivo sentença, apenas podem ser alegados como fundamentos da oposição à execução os especificados no art. 729º do CPC. Deste normativo resulta que não se admite a discussão na execução da relação subjacente, nomeadamente, a existência da obrigação incumprida […]».
F – Com os fundamentos enunciados, julgou improcedentes os embargos.

3. Fundamentos de direito
Em sede de execução para prestação de facto, sob a epígrafe “Violação da obrigação, quando esta tenha por objeto um facto negativo”, preceitua o artigo 876.º do Código de Processo Civil:
1 — Quando a obrigação do devedor consista em não praticar algum facto, o credor pode requerer, no caso de violação, que esta seja verificada por meio de perícia e que o juiz ordene:
a) A demolição da obra que eventualmente tenha sido feita;
b) A indemnização do exequente pelo prejuízo sofrido; e
c) O pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter na execução.
2 — O executado é citado para, no prazo de 20 dias, deduzir oposição à execução, mediante embargos, nos termos dos artigos 729.º e seguintes; a oposição ao pedido de demolição pode fundar-se no facto de esta representar para o executado prejuízo consideravelmente superior ao sofrido pelo exequente.
3 — Concluindo pela existência da violação, o perito deve indicar logo a importância provável das despesas que importa a demolição, se esta tiver sido requerida.
4 — A oposição fundada em que a demolição causará ao executado prejuízo consideravelmente superior ao que a obra causou ao exequente suspende a execução, em seguida à perícia, mesmo que o executado não preste caução.
A tramitação subsequente vem prevista no artigo 877.º, nos termos que se transcrevem:
1 — Se o juiz reconhecer a falta de cumprimento da obrigação, ordena a demolição da obra à custa do executado e a indemnização do exequente, ou fixa apenas o montante desta última, quando não haja lugar à demolição.
2 — Seguem-se depois, com as necessárias adaptações, os termos prescritos nos artigos 869.º a 873.º.
Das normas que se transcreveram resulta imperativamente a existência de dois momentos no processo executivo de prestação de facto negativo: a verificação pericial; e o reconhecimento (ou não) pelo juiz da falta de cumprimento da obrigação (de non facere) do executado.
Revela-se susceptível de causar alguma perturbação interpretativa a expressão “pode requerer”, inserta no n.º 1 do artigo 876.º do Código de Processo Civil[1].
Deverá, no entanto, entender-se, que o credor exequente que pretenda, coercivamente, por via executiva, pôr termo à violação da obrigação, quando esta tenha por objecto um facto negativo, terá obrigatoriamente, no requerimento executivo, de requerer a verificação da violação por meio de perícia.
Com efeito, a expressão verbal “pode”, que traduz normalmente a atribuição de uma faculdade, e não a fixação de um imperativo (traduzido na expressão: “deve”), refere-se in casu à faculdade que é conferida ao credor munido de um título executivo no qual se consubstancia a obrigação de non facere do devedor (executado), de requerer: que a violação da obrigação seja verificada pericialmente; que o juiz ordene: a) a demolição da obra que eventualmente tenha sido feita; b) a indemnização do exequente pelo prejuízo sofrido; e c) o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, tendo como pressuposto óbvio e necessário, a verificação da violação, que terá que ser requerida com base em prova pericial.
Ou seja, o credor munido do título pode requerer ao juiz, no caso de violação da obrigação que tenha por objecto um facto negativo: que a violação da obrigação seja verificada por meio de perícia; e que sejam decretadas as providências enunciadas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 876.º do CPC.
Como refere Rui Pinto (in Procedimento de Execução para Prestação de Facto)[2]: «No requerimento executivo, fundamentando os pedidos de reposição inicial do estado inicial à custa do devedor e, eventualmente, de indemnização/sanção pecuniária, deve o credor alegar e demonstrar na própria execução a violação da obrigação de facto negativo. Para tanto deverá requerer exame ou vistoria periciais (cf. art. 941ºnº 1 primeira parte)».
Também Lebre de Freitas[3] conclui que a violação da obrigação que tem por objecto um facto negativo tem de ser verificada por prova pericial a requerer pelo exequente: «De particular, há, porém, que, quando a violação consista numa obra, esta deve ser verificada através de perícia, que ao autor cabe requerer (art. 941-1)»[4].
Mais refere o autor citado, que a prova do acto ilícito (do executado) «tem sempre que ser efectuada, por aplicação analógica do artigo 804.º[5], na fase liminar da execução».
Questiona-se o Rui Pinto no trabalho referido: quid iuris, não sendo a prova pericial adequada à comprovação da violação?
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.11.1993[6], admite-se a prova testemunhal, formulando-se a seguinte conclusão que integra o respectivo sumário: «Na execução para prestação de facto negativo, pela natureza das coisas, a violação é sempre comprovada na própria execução. A comprovação não terá que ser necessariamente feita através de exame ou vistoria, podendo em certos casos fazer-se por meio de testemunhas.»
Também Lebre de Freitas[7] conclui que «se não houver obra feita e a violação não tiver deixado quaisquer vestígios materiais, a prova do acto ilícito do executado terá que ser feita por outros meios, inclusive pelo depoimento das testemunhas»[8].

Refere Rui Pinto (reportamo-nos sempre a trabalho referenciado na nota n.º 2):
«Sobre a questão dir-se-ia que, dando de barato que a letra do art.941º nº1, não pode tolher o direito à prova, i.e., a tutela do direito de crédito, então a natureza “incidental” apenas pode determinar limites procedimentais - os dos art. 304º - mas não aos meios de prova.
O problema, todavia, é que cabe ao perito indicar o custo provável da obra de demolição, nos termos do nº 3 do art. 941º. Não ao juiz. Aliás o mesmo sucede nas demais previsões de custeamento, maxime, na execução de facto positivo fungível (como é aliás o caso da demolição), nos termos do art.935º nº 1.
A admitir-se outra prova terá de ser o juiz a fixar o valor».
O que, ressalvado todo o respeito devido, se revela juridicamente insustentável face ao estipulado no n.º 1 do artigo 876.º e no artigo 877.º do Código de Processo Civil, é a possibilidade de prosseguimento da execução para demolição de uma (eventual) construção, sem a prévia verificação do facto afirmado pelo exequente: da sua edificação.
Acresce que consta no título executivo:
«1.º O A. reconhece que, nesta data, o barraco a que faz referência na p.i. não se encontra encostado ao muro que ladeia a sua casa, sua pertença, nem está a ser utilizada a parede desse muro virada para o terreno dos réus.
2.º Por sua vez, os réus comprometem-se a, no futuro, não fazerem qualquer utilização na parede do referido muro, nomeadamente não instalando currais de animais junto à referida parede. […]».
Ora, a embargante afirma que o barraco cuja demolição o embargado pretende é aquele a que se refere o título, e essa questão tem que ser esclarecida, porque, se se provar a alegação da embargante não haverá fundamento jurídico para a demolição, que se traduziria num absurdo: na destruição de uma construção que o exequente reconheceu expressamente não violar o seu direito.
E não se diga, como consta da sentença, “que não se admite a discussão na execução da relação subjacente, nomeadamente, a existência da obrigação incumprida”, porque é exactamente o contrário o que resulta do n.º 1 do artigo 877.º do Código de Processo Civil: «Se o juiz reconhecer a falta de cumprimento da obrigação, ordena a demolição da obra à custa do executado e a indemnização do exequente […]».
Encerrando esta questão, para passarmos ao ponto seguinte, concluímos que o exequente omitiu o pedido de verificação por perícia da violação de obrigação de non facere da executada, e que o Tribunal ordenou o prosseguimento da execução para demolição de uma construção, sem verificar previamente se houve ou não violação da referida obrigação.
Quid iuris?
Concluímos já que sem a prévia verificação da violação da obrigação que tem por objecto um facto negativo (art. 876/1 CPC), não pode o juiz reconhecer a falta de cumprimento (art. 877/1 CPC) e ordenar a demolição.
Concluímos também, com a doutrina citada[9], que a violação da obrigação que tem por objecto um facto negativo tem de ser verificada por prova pericial a requerer pelo exequente e, consistindo numa obra, esta deve ser verificada através de perícia que ao autor cabe requerer.
Resta a conclusão, face aos princípios enunciados nos artigo 6.º, n.º 2 (dever de gestão processual)[10], e no artigo 547.º (princípio da adequação formal)[11], de que, apesar de o exequente não ter requerido a perícia, o tribunal a deve ordenar, sem que isso constitua uma violação do dispositivo, pois que os poderes de conformação do objecto do processo já foram exercidos quando o exequente formulou o seu pedido de demolição da obra e a condenação da executada no pagamento de sanção pecuniária compulsória.
Decorre do exposto que se deverá revogar a sentença recorrida, devendo o M.º Juiz, no uso dos seus poderes de gestão processual, com vista a à justa solução do litígio, suprir a omissão do exequente, determinando a verificação pericial a que alude o n.º 1 do artigo 876.º do Código de Processo Civil, prosseguindo depois os termos subsequentes (artigo 877.º), em função da referida verificação.
Decorre do exposto a procedência do recurso.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, ao qual concedem provimento e, em consequência, em revogar a sentença recorrida, devendo o M.º Juiz, no uso dos seus poderes de gestão processual, com vista a à justa solução do litígio, suprir a omissão do exequente, determinando a verificação pericial a que alude o n.º 1 do artigo 876.º do Código de Processo Civil, prosseguindo depois os termos subsequentes (artigo 877.º), em função da referida verificação.
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Custas dos recursos pelo apelado.
*
O presente acórdão compõe-se de quinze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
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Porto, 12 de Janeiro de 2015
Carlos Querido
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
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[1] Já na vigência da norma anterior equivalente (artigo 941.º), resultante da redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, se preceituava: «1 - Quando a obrigação do devedor consista em não praticar algum facto, o credor pode requerer, no caso de violação, que esta seja verificada por meio de perícia e que o juiz ordene: a) A demolição da obra que eventualmente tenha sido feita; b) A indemnização do exequente pelo prejuízo sofrido; e c) O pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter na execução. […]».
[2] http://forumprocessual.weebly.com/uploads/2/8/8/7/2887461/prestacao_facto_-esquema.pdf.
[3] A Acção Executiva depois da Reforma da Reforma, 5.ª edição, Coimbra Editora, pág. 394. Refere este autor, a conclusão óbvia, de que se a verificação tiver sido feita em acção declarativa, não haverá que a repetir na execução.
[4] O mesmo entendimento transparece da anotação de Eurico Lopes Cardoso aos artigos 941 e 942, in Manual da Acção Executiva, Livraria Almedina, 3.ª Edição, 1996.
[5] Correspondente ao actual artigo 715.º.
[6] Proferido no Processo n.º 084304, acessível no site da DGSI.
[7] Obra citada, pág. 395.
[8] Com o devido respeito, na situação hipotética referida não se vislumbram fundamentos para requerer qualquer das providências enunciadas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 876.º do Código de Processo Civil.
[9] Lebre de Freitas, in A Acção Executiva depois da Reforma da Reforma, 5.ª edição, Coimbra Editora, pág. 394.
[10] «1. Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável
2. O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.».
[11] «O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo».