Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2461/19.5T8OAZ-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA
RESOLUÇÃO CONDICIONAL
MÁ-FÉ DE TERCEIRO
Nº do Documento: RP202304182461/19.5T8OAZ-B.P1
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nos art.ºs 120.º a 126.º, o CIRE instituiu-se um novo regime que visa salvaguardar as ações/atos anteriores praticadas pelo devedor e que se prefigurem ou contenham indicações de haverem sido efetivadas ou levadas a efeito com vista a prejudicar o pagamento (igualitário) dos credores, como é o caso da resolução em benefício da massa insolvente.
II – A missiva pela qual o AI opera a resolução extrajudicial do ato em benefício da massa deve, em princípio, nos casos do art.º 120.º do CIRE, conter os fundamentos de facto que a determinam, ou seja, deve ele que identificar o negócio que é objeto do ato resolutivo, a data da sua celebração e as circunstâncias que o reconduzam a algum dos casos previstos nas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º do CIRE, e os que caracterizam a má-fé do terceiro.
III – São requisitos da resolução condicional prevista no art.º 120.º do CIRE - realização pelo devedor de atos ou omissões; - a prejudicialidade do ato ou omissão em relação à massa insolvente; -a verificação desse ato ou omissão nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência; e a existência de má-fé do terceiro.
IV – A existência de má-fé de terceiro, resulta do conhecimento por este das seguintes circunstâncias: -a situação da insolvência do devedor; - o carácter prejudicial do ato (ou omissão) estando o devedor à data em situação de insolvência iminente; ou o início do processo de insolvência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 2461/19.5 T8OAZ-B. P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro- Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis - Juiz 1

Recorrente – AA
Recorrida – Massa Insolvente de BB e CC

Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Rodrigues Pires



Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)


I – Por apenso aos autos em que foram declarados insolventes BB e CC e que correram termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro- Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis, veio AA instaurar contra a Massa Insolvente de BB e CC a presente ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente do contrato de confissão de dívida, dação em pagamento e cessão de créditos celebrado em 04.03.2019 e através do qual o insolvente cedeu parte de um crédito ao autor para pagamento de honorários.
Para tal alegou, em síntese, que patrocinou o devedor desde 1998 em processos complexos, tendo estabelecido com o insolvente um acordo de que somente receberia os seus honorários a final, o que só veio a suceder com a transação obtida no processo n.º 4034/17.8T8VFR uma vez que todos os demais estavam relacionados entre si.
A proximidade entre a data do contrato resolvido e a declaração de insolvência dos devedores é uma mera coincidência pois que efetivamente os processos tratados pelo impugnante só se resolveram, em definitivo, com a transação acima referida e os honorários são devidos pelo trabalho desenvolvido ao longo de 21 anos sem que o impugnante recebesse o que quer que fosse.
O contrato não é simulado, o impugnante está de boa-fé e os honorários são devidos, pese embora o impugnante não os tenha recebido já que a quantia relativa à transação está depositada em processo de consignação em depósito.
Terminou reclamando pela procedência da ação e pela condenação da AI como litigante de má-fé.
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Regularmente citada contestou a ré veio contestar defendendo a manutenção da resolução e requerendo a absolvição da AI do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Alegou, para tanto, que inexiste qualquer documento assinado pelo insolvente que ateste que entre este e o autor existiu um contrato de pagamento de honorários a final, estranhando-se a diferença de comportamento no que respeita à formalização do contrato de cessão do crédito por comparação com o compromisso de pagamentos de honorários a final. Por outro lado, o autor alega ter aceitado receber a final os honorários de um processo, mas o que depois descreve são os inúmeros processos nos quais patrocinou o autor não existindo conexão entre eles.
O autor recebeu €6.000,00 a título de honorários no processo em causa e patrocinou o insolvente em processos de execução não podendo desconhecer a sua situação financeira. Estranha a MI que ao fim de 21 anos de trabalho e sem saber o autor que iria realizar transação naquele processo, tivesse conseguido nesse mesmo dia elaborar uma nota de honorários de 21 anos de serviços.
O autor sabia ainda que o devedor tinha sido afetado pela qualificação da insolvência da empresa que geriu e que não tinha qualquer outro património com o qual pudesse fazer face às dívidas pelas quais respondia.
Invocou a prescrição de parte dos valores relativos aos honorários.
Quanto ao pedido de condenação como litigante de má-fé defendeu ter a AI exercido as funções para que foi nomeada neste processo pelo que agiu em defesa dos credores.
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O autor apresentou resposta defendendo que não ocorre a prescrição invocada uma vez que os processos estão todos interligados entre si e só terminaram em 2019.
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Procedeu-se à realização de audiência prévia em sede da qual se declarou improcedente a exceção de prescrição invocada e se proferiu o despacho que identificou o objeto do litígio e indicou os temas de prova.
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Foi designada data para realização de audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença de onde consta: “Termos em que, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, se declara:
1 - Improcedente a presente ação e se julga válida e eficaz a resolução que operou por carta datada de 05.02.2021 e que tem por objeto o contrato de confissão de dívida, dação em pagamento e cessão de créditos celebrado em 04.03.2019;
2 – Improcedente o pedido de condenação da AI como litigante de má-fé.
Custas pelo autor.
Notifique”.

Inconformado com tal decisão, dela veio o autor recorrer de apelação pedindo a revogação da mesma e a sua substituição por outra que julgue a ação totalmente procedente com as legais consequências.
O autor/apelante juntou aos autos as suas alegações onde formula as seguintes e prolixas conclusões:
A) Vem o presente recurso de apelação interposto da sentença datada de 09.11.2022 (com a referência n.º 123200195), a qual julgou improcedente a presente ação e julgou válida e eficaz a resolução que tem por objeto o contrato de confissão de dívida, dação em pagamento e cessão de créditos, celebrado em 04.03.2019.
B) Salvo o devido respeito que merecem a opinião e a ciência jurídica da Mm.ª Juíza a quo, afigura-se ao recorrente que a sentença recorrida não poderá manter-se.
C) Assim, o presente recurso de apelação tem por objeto a decisão relativa à matéria de facto inserta na referida sentença, nos seus pontos infra identificados e, bem assim, a reapreciação da prova gravada, bem como tem por objeto a matéria de direito, tudo nos termos que infra se referem.
D) O Tribunal a quo nunca poderia considerar que os honorários do recorrente deviam seguir para a massa insolvente.
E) Com efeito, o Tribunal a quo não podia deixar de considerar que o crédito do insolvente e autor em todas as inúmeras ações, é consubstanciado no valor líquido a receber depois de pagar os honorários ao aqui recorrente.
F) Pois que, os €60.000,00 conseguidos em consequência de todo esse trabalho do aqui recorrente são consequência direta, necessária e adequada desse árduo e longo trabalho do ora recorrente para os conseguir.
G) Pois o ora recorrente aceitou o contrato com o autor dessas ações e ora insolvente, receber a final, tendo em conta que o ora recorrente constatou assistir inteira razão ao BB nessas demandas, que face à grande complexidade e morosidade da resolução do assunto, estava a equacionar a hipótese de vir a desistir.
H) Foi combatido o chico-espertismo e a final se fez Justiça com o desfecho do processo, graças exclusivamente ao referido árduo e longo trabalho do ora recorrente e ao assim contratar receber a final.
I) Se viesse o insolvente e autor nessas ações a desistir face à complexidade e morosidade do desfecho de tal litígio, nenhuma quantia seria recebida, saindo assim os chico-espertistas vitoriosos.
J) E, neste caso, de o ora recorrente não se disponibilizar para o patrocínio dessa forma, estaríamos perante direitos litigiosos, que a massa insolvente podia assumir a cobrança dos respetivos direitos, e se assim fosse teria de contratar advogado e pagar-lhe os honorários.
K) A nota de honorários apresentada do referido valor de €36.900,00, ao ser recebido esse montante, dos quais €6.900,00 teria o ora recorrente de os entregar ao Estado a título de IVA e os restantes €30.000,00 computados em sede de IRS.
L) Então, a ser como o Tribunal a quo entendeu, ser simulada a dação em pagamento, ao emitir o recibo como o ora recorrente tinha de emitir, questionar-se-ia quem é que iria pagar os impostos de IRS e de IVA referidos ao Estado.
M) O entendimento do Tribunal recorrido poderia ter sentido se o ora recorrente viesse reclamar nessa dação em pagamento um crédito seu, designadamente por dívidas, nomeadamente de empréstimos e nunca a título de honorários.
N) O crédito do autor naquelas ações e ora insolvente é, como se disse, o saldo positivo depois de deduzidos aos €60.000,00 os €36.900,00 de honorários com o IVA incluído de onde resulta o saldo que é o único que corresponde ao crédito do insolvente de €23.100,00.
O) Sem a causa que determinou esses honorários, jamais haveria qualquer crédito para o insolvente.
P) É real e verdadeiro o acordo entre as partes de pagamento dos honorários a final.
Q) Na verdade, o ora recorrente não descortina onde o Tribunal a quo encontre prova/fundamentos para concluir que a dação em pagamento com o ora recorrente foi simulada.
R) Toda a prova produzida na sede própria de audiência de julgamento é toda ela sobeja e inequivocamente contrária a essa pretensa simulação, antes comprovando inequivocamente, a veracidade de tal dação em pagamento.
S) A AI na sua carta de resolução socorre-se de meros palpites, conjeturas e insinuações, sem produzir qualquer prova nem comprovar o que quer que seja nesse sentido.
T) Impondo-se, por isso, seja a sentença recorrida revogada e substituída por douto Acórdão que ordene a entrega ao ora recorrente dos seus legítimos honorários a que tem direito do montante de €36.900,00.
U) Resultaram provados, e bem, com relevância para o presente recurso nomeadamente os seguintes factos constantes da sentença sob os números 1 a 14, 28 e 29.
V) De tais factos dados como provados, alcança-se, nomeadamente:
– Que foi primeiro intentada a ação executiva e logo de seguida o processo crime.
– Todos os processos referidos, e identificados nomeadamente nos factos provados 2. a 9. reportam-se à mesma factualidade e são conexos entre si,
– A ação executiva durou cerca de 15 anos em juízo.
– A referida ação de simulação durou cerca de 16 anos em juízo.
– A ação de responsabilidade civil por factos ilícitos terminou em 2019 com uma transação outorgada em ata em 04.03.2019.
– Nessa data o aqui autor emitiu a nota de honorários.
– Para pagamento dos quais o devedor cedeu ao aqui autor parte do seu crédito (facto 12.).
– O autor enviou cópia desta cessão de crédito para o processo onde foi conseguida a transação,
– O autor instaurou uma execução contra aqueles réus devedores (factos 13. e 14.).
W) No entanto, o douto Tribunal a quo, deu também por provados os factos 26 e 27 que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.º, n.º1 do CPC, pretende-se impugnar tal decisão do douto Tribunal a quo, e que consubstanciam, conjuntamente com os demais infra referidos, os concretos pontos de facto que se considera incorretamente julgados pelo douto Tribunal a quo, que impunham decisão diversa da recorrida.
X) Factos estes, 26 e 27, que se considera incorretamente julgados ao terem sido dados como provados pelo douto Tribunal a quo e que, salvo o devido respeito, deviam ter sido dados como não provados.
Y) E deu, ainda, o douto Tribunal a quo como não provados os factos das alíneas a), b), c), d) e e) e que consubstanciam também os concretos pontos de facto que se considera incorretamente julgados ao terem sido dados como não provados pelo douto Tribunal a quo e que, salvo o devido respeito, deviam ter sido dados como provados.
Z) Sendo que se impunha, salvo o devido respeito, decisão sobre tais pontos da matéria de facto aqui impugnados diversa da recorrida, desde logo tendo em consideração, nomeadamente, os seguintes concretos meios probatórios constantes dos autos:
- Toda a prova documental carreada para os autos pelo autor e que infra melhor se referirá.
- As declarações de parte do autor, AA, prestadas na audiência de julgamento do dia 19 de maio de 2022, que se encontram gravadas com início às 14h:28m e termo às 16h:24m, conforme se alcança da respetiva ata de audiência de julgamento para a qual se remete, cuja audição da gravação das mesmas, nas suas partes supra identificadas e transcritas muito respeitosamente se requer a V.Exas;
- Os depoimentos das seguintes testemunhas do autor, nas suas partes supra identificadas e transcritas, cuja audição da gravação de tais depoimentos, nas suas partes supra identificadas e transcritas, muito respeitosamente se requer a V.Exas:
- DD, ouvido na audiência de julgamento do dia 20 de maio de 2022, o seu depoimento encontra-se gravado com início às 14h:51m e fim às 15h:22m, conforme se alcança da respetiva ata de audiência de julgamento para a qual se remete;
- EE, ouvido na audiência de julgamento do dia 20 de maio de 2022, o seu depoimento encontra-se gravado com início às 16h:22m e fim às 16h:45m, conforme se alcança da respetiva ata de audiência de julgamento para a qual se remete;
- FF, ouvida na audiência de julgamento do dia 20 de maio de 2022, o seu depoimento encontra-se gravado com início às 16h:49m e fim às 17h:13m, conforme se alcança da respetiva ata de audiência de julgamento para a qual se remete;
- GG, ouvida na audiência de julgamento do dia 20 de maio de 2022, o seu depoimento encontra-se gravado com início às 15h:23m e fim às 16h:21m, conforme se alcança da respetiva ata de audiência de julgamento para a qual se remete;
- HH, ouvido na audiência de julgamento do dia 30 de junho de 2022, o seu depoimento encontra-se gravado com início às 09h:55m e fim às 10h:20m, conforme se alcança da respetiva ata de audiência de julgamento para a qual se remete;
- II, ouvida na audiência de julgamento do dia 23 de junho de 2022, o seu depoimento encontra-se gravado com início às 10h:01m e fim às 11h:02m, conforme se alcança da respetiva ata de audiência de julgamento para a qual se remete;
- JJ, ouvida na audiência de julgamento do dia 20 de maio de 2022, o seu depoimento encontra-se gravado com início às 14h:17m e fim às 14h:50m, conforme se alcança da respetiva ata de audiência de julgamento para a qual se remete.
AA) A factualidade que resultou provada daquelas ações, com decisão já transitada em julgado – Acórdão proferido no processo n.º 2183/03.9TBOAZ (documentos n.ºs 18 e 19) demonstra aonde se iniciou a complexidade e anormalidade da situação em causa, sendo que tal enquadramento afigura-se importante para entender o contexto da situação que motivou o referido acordo entre autor e BB. de pagamento de honorários a final.
BB) Sendo certo, como o refere, nomeadamente a testemunha, DD, que perante esta situação descrita o referido BB pensou em desistir, referindo nesse contexto ao acordo com o aqui autor que o fez prosseguir.
CC) O autor, nas suas declarações de parte, supra identificadas e transcritas, descreve as circunstâncias em que surgiu o acordo com o insolvente de pagamento a final; refere ter dado a sua palavra de receber ao fim e honrou-a; sabia que era duro, mas tinha uma fé, estava convencido até por uma questão de Justiça; refere que não desiste e não desistiu, e se tivesse desistido eles nunca pagariam.
DD) A testemunha DD, no seu depoimento, supra identificado e transcrito, refere que o Sr. BB quis reaver o seu dinheiro, queria o dinheiro dele; que com essa situação o Sr. BB ficou com dificuldades porque tinha que pagar ao Banco e pagou; que o Sr. BB chegou a dizer-lhe, “que falávamos muito, conversávamos muito”, que estava em risco de terminar o processo, mandar parar, porque não conseguia ir pagar, achava que ia ser um processo longo e muito caro e que parava e que o Dr. AA dissera para não parar e que lhe disse que recebia no final do processo; refere que o acordo era receber no final do processo, “disse-me que no final o dinheiro que houvesse era para pagar os honorários”.
EE) Descreve o aqui autor como pessoa para honrar o compromisso e levar o processo até ao fim, “porque é trabalhador, é teimoso nessas questões e não deixa, não quer deixar nada para trás e então aguentou o processo até final”.
FF) A testemunha, EE, Advogado, foi patrono do autor, no seu depoimento supra identificado e transcrito refere conhecer o acordo referido entre autor e BB de pagamento a final; questionado se face ao acordado o autor era pessoa de dar o dito pelo não dito ou honrar o compromisso feito, responde “nisso honra lhe seja feita”, que mesmo que seja um erro, que o autor é persistente e mantém-se naquilo que foi a sua convicção e na sua palavra; reconhece o autor como uma pessoa de palavra; confirma que o autor no início estava convicto que não iria demorar tanto; refere que isto arrastou-se de uma forma anormal, inesperada; refere ter dito ao autor, no final, “Bom, se ele te pagar é muito bom. Agora se não pagar”; confirma a conexão entre todos os processos; refere que se o autor abandonasse o percurso pelo caminho muito provavelmente ficaria tudo por ali “até porque não haveria outro advogado que lhe fizesse o préstimo de trabalhar sem receber.”;
GG) Quando questionado se isto seria uma tramoia a testemunha refere que quem está de fora, como é o caso da Sra. A.I. “procurará também ir buscar os interesses que tem entre mãos como defensora”, quem não sabe, pode colocar essa questão, porque quem sabe os factos não chega a essa conclusão, “A parte tem de se defender e defende-se, digamos, com aquilo que é a verdade”.
HH) Entende que quando se alcançou esta fase final, o facto do autor se ter salvaguardado com a dação lhe parece normal, razoável e justa.
II) A testemunha FF, secretária do autor, no seu depoimento supra identificado e transcrito refere ter sido um árduo trabalho na altura desses processos; que o que estava acordado entre autor e Sr. BB quanto ao pagamento de honorários por essas ações, e que o autor lhe contou, era pagar no final; confirma que os processos estavam todos ligados entre si, que visavam todos o mesmo objetivo; que o autor se queixava que os processos demoravam bastante tempo, que nunca mais via solução para resolver o assunto, mas que não ia desistir até conseguir uma solução, porque tinha tomado esse compromisso; relata que antes do julgamento de Santa Maria da Feira a Advogada do réu foi ao escritório para alcançar acordo, mas que ela depois nunca mais deu nenhuma resposta de volta em consequência do que, viu na altura o autor contente com essa possibilidade de acordo “porque finalmente, se fosse alcançado acordo, ia resolver a situação e ia receber os seus honorários.”.
JJ) Refere que no dia em que foi alcançada a transação nesse processo de Santa Maria da Feira, que o autor e o Sr. BB foram ao escritório para fazer as contas, que o autor lhe “apresentou a nota de honorários ao Sr. BB e ele leu e viu os processos desde o início e concordou, disse que era assim”, que esteve lá presente e que viu que o Sr. BB não pôs qualquer objeção à mesma.
KK) Refere que o autor quando dá a palavra vai até ao fim e que foi ali o que fez.
LL) Descreve o procedimento normal ao nível de honorários, relatando, no entanto, que “mas se for uma pessoa conhecida, que ele conheça e diga que está a passar dificuldade, ele também facilita”, referindo saber disto porque assiste ás reuniões dos clientes.
MM) A testemunha GG, filho do insolvente, no seu depoimento supra identificado e transcrito refere que quando o pai soube que os cheques não tinham provisão que ficou abalado e que esta situação e de ter de pagar à Banco 1... o deixou abalado financeiramente; confirma que se o pai tivesse entrado para a fábrica e as coisas tivessem corrido bem, ou se ele não tivesse que pagar aquela quantia à Caixa, não teria as dificuldades que teve na altura; refere saber do acordo do autor e do seu pai em este lhe pagar só no final, e sabe porque o pai lhe disse; questionado sobre se: “E o seu pai, tanto quanto o conhece, quando acabou o processo, qual era a preocupação dele?”, responde que “era pagar-lhe aquilo que tinha prometido”.
NN) A testemunha HH, Agente de Execução, no seu depoimento supra identificado e transcrito refere que já conhece o autor há cerca de 30 anos; descreve o autor como uma pessoa íntegra, que o autor não entraria numa tramoia dessas, que não é pessoa para fazer esse tipo de coisas; refere não ter visto nenhuma hesitação no autor ao intentar aquela referida execução; refere que o autor lhe falou disto por diversas vezes “das pessoas, que andava já às décadas com esses processos”, que estava há cerca de 20 anos para receber os honorários, no âmbito das diligências que tinham; que o autor se queixava que o processo que se estava a arrastar, que as pessoas andavam a tentar protelar para não pagar, e que nesses processos o autor só receberia no final, tinha de aguardar até ao final para receber os honorários.
OO) A testemunha II, que colaborou no escritório do autor, no seu depoimento supra identificado e transcrito refere que o escritório tinha outros/mais clientes mas o Sr. BB era “o cliente” no sentido de volume de trabalho; descreve o Sr. BB como uma pessoa respeitosa e muito respeitável; refere que o Sr. BB se queixava imenso e desabafava com ela e lhe pedia empenho porque alegava que estava, refere “pronto, não foi descapitalizado, mas queria dizer isso”, que ele que lhe dizia muitas vezes “eles é que estão com o meu dinheiro”; Refere que na data que saiu do escritório, em 2008, todos os processos estavam em aberto; refere que a complexidade dos processos foi muita; que estas ações estavam todas interligadas entre si; descreve o autor como uma pessoa íntegra e honesta “eu aí posso afiançar” e dedicada às coisas; questionada se o autor seria pessoa para, no âmbito de uma tramoia, vir pedir honorários a não ter direito a eles, refere que não, que disso não tem dúvidas “conheci o Sr. Dr. e conheço e não estou a vê-lo, aliás também não estou a ver a necessidade do Sr. Dr. fazer isso”.
PP) A testemunha JJ, colaboradora no escritório do autor, no seu depoimento supra identificado e transcrito, refere saber do acordo de pagamento do Sr. BB ao autor de este só receber a final, que o autor lhe disse, dadas as dificuldades que o Sr. BB estava a passar, acordo este que refere que o autor honrou; refere que o autor lhe disse que nunca esperou que demorasse muitos anos; que o autor não desiste, vai até ao fim; refere o autor como pessoa séria e que honra os seus compromissos e aqui honrou-o; que em todos os processos a situação era a mesma.
QQ) Ora, considerando todos os elementos de prova supra referidos e identificados que resultaram dos autos, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não poderia decidir do modo como decidiu a presente ação.
RR) Aliás, o Tribunal a quo refere-se por diversas vezes ao alegado pela Ilustre Administradora da Insolvência como fundamento da presente resolução.
SS) No entanto, como já se referiu supra, a ré (Massa Insolvente), além de não alegar factos concretos imputáveis ao autor, antes discursos conclusivos, genéricos, abstratos, suposições, meros considerandos, despidos de qualquer rigor factual e de verdade, também não logrou fazer qualquer prova nos autos do que alega.
TT) A verdade é límpida e resulta da prova produzida nos autos tal e qual a mesma é.
UU) Bem ou mal, como o referiu o autor, foi o acordo que o autor fez com o referido Sr. BB, é real.
VV) Nunca o autor imaginou, porque é anormal face à normalidade processual, que uma ação que se iniciou em 2002, a designada ação de simulação, fosse conhecer o seu desfecho 15 anos depois.
WW) São circunstâncias anormais, mas que têm aqui de ser consideradas como o são na leitura dos factos.
XX) Sendo que, salvo o devido respeito, se não fosse tal acordo, se não fosse a persistência e empenho do autor, o Sr. BB já havia desistido das ações.
YY) Se em 2017 se fizessem todas as leituras que são feitas pela Ilustre AI quanto ao autor e que motivaram a resolução aqui em causa, questiona-se porque é que então o autor, como Mandatário de BB, intentou a ação n.º 4034/17.8T8VFR da qual adveio a recuperação daquele crédito para o Sr. BB.
ZZ) O autor trabalhou para defender um crédito do Sr. BB, crédito esse que por transação conseguiu recuperar em 2019 e que se não fosse este percurso facilmente se afere que naturalmente não existiria.
AAA) O direito ao autor receber os seus honorários é um direito legítimo e justo face ao trabalho por si desempenhado e bem assim face ao resultado obtido.
BBB) O autor trabalhou para alcançar um desfecho que conseguiu com aquela transação.
CCC) No entanto o crédito do Sr. BB, e face a tudo o já supra referido e demonstrado, é o que ele recebe depois de pagar os honorários devidos ao aqui autor.
DDD) Como o referiu a testemunha Dr. EE, Ilustre Advogado, demonstrando a sua perspetiva, de quem conhece de dentro, face à situação aqui em causa: “T- mas havia esse acordo prévio estabelecido desde a base, não é. Quando se iniciou, quando o Dr. AA começou a trabalhar, tinha feito este contrato (…) e portanto ao final ele receberia. Portanto, era esse contrato que estava, era anterior digamos, era desde, vinha desde a base. “.
EEE) A transação naquela ação n.º 4034/17.8T8VFR, ocorreu a 04.03.2019 (facto provado 9.). Ocorreu na data que estava designada para a audiência de julgamento nessa ação esse é o motivo de tal data.
FFF) O autor, na própria P.I. indicou os créditos de que ainda é titular o referido BB, de que conhece, bem como referiu a existência dos mesmos, em sede de audiência prévia realizada nos presentes autos, à Ilustre Administradora da Insolvência.
GGG) A questão é que cobrar tais créditos implica mandatar advogado para litigar em Tribunal por forma a obter a cobrança de tais créditos e pagar os honorários ao Mandatário mandatado para o efeito.
HHH) O que a ré não se propõe fazer quanto aos créditos referidos de que é titular ainda BB.
III) A sentença recorrida refere por repetidas vezes a condenação de BB em 2013. Condenação solidária com os demais requeridos (facto provado 18 e 20).
JJJ) Em 2013 corriam ainda os autos de simulação que só findaram, como se disse, em 2017.
KKK) Se fosse assim como o conclui o douto Tribunal a quo, que sentido faria então o autor ter intentado, como Mandatário de BB, uma ação em 2017 de responsabilidade por factos ilícitos na qual peticiona a favor de BB e contra aqueles réus o pagamento destes de uma indemnização ao ali autor BB?
LLL) Na verdade, que influência podia ter essa circunstância de 2013 se nessa altura já há muitos anos existia o acordo de o autor receber os honorários a final e que ele honrava e honrou?
MMM) Além do mais, se o autor parasse, desistindo, não cumpria o acordo previamente celebrado no início e nada receberia ficando perdidos os honorários de todo o trabalho até ali despendido.
NNN) Aliás, o facto do autor em 2017 intentar, enquanto Mandatário de BB, uma ação de responsabilidade civil por factos ilícitos a peticionar uma indemnização a favor de BB, é o sinal e prova evidente de que existia o referido acordo de pagamento de honorários a final.
OOO) Naturalmente que uma nota da dimensão da nota de honorários em causa foi-se completando ao longo do tempo, sendo que àquela data se encontrava quase na sua totalidade perfeita, tendo sido naquela data unicamente completada. Veja-se depoimento de FF.
PPP) Sendo que a mesma foi remetida aos autos n.º 4034/17.8T8VFR em 05.03.2019.
QQQ) Desde logo, tendo em conta tudo o supra referido e toda a prova produzida e supra referida, resulta que os factos que na sentença recorrida foram dados como não provados pelo Tribunal a quo sob as alíneas a), b), c), d) e e) devem ser dados como provados, o que, na procedência do presente recurso, se requer, muito respeitosamente, a V. Exas seja alterada a decisão que foi dada pelo Tribunal a quo sobre tal matéria de facto, devendo em consequência serem dados como provados tais factos impugnados.
RRR) Por sua vez, e em consequência, de igual modo considerando todos os elementos probatórios supra referidos, os factos que na sentença recorrida foram dados como provados pelo Tribunal a quo e vertidos nos números 26 e 27 devem ser dados como não provados, o que, na procedência do presente recurso, se requer, muito respeitosamente, a V. Exas seja alterada a decisão que foi dada pelo Tribunal a quo sobre tal matéria de facto, devendo em consequência serem dados como não provados tais factos impugnados.
SSS) No que concerne ao facto 30 constante da sentença recorrida, cumpre esclarecer nos termos que o próprio autor refere na sua P.I. (artigos 87.º e 88.º) e nas suas declarações supra.
TTT) De referir, ainda, que conforme resulta provado (facto 24) pelo que não se trata de dívidas diretas contraídas pelo insolvente, mas sim por força do aval que assumiu.
UUU) Tal circunstância ocorre muito posteriormente ao acordo celebrado de pagamento de honorários a final, pelo que, não pode influenciar/prejudicar/alterar o acordo celebrado que já vinha de trás.
VVV) Refira-se, ainda, que nomeadamente e em especial o autor agiu com a mais pura boa fé que existe, pois celebra esse contrato para através do mesmo receber os seus legítimos honorários por esse longo e árduo trabalho de cerca de 21 anos recebendo-os a final em honra ao contratado com o ora insolvente. A mesma boa fé se assinala também a BB.
WWW) Sempre se dizendo que, de acordo com a transação referida no facto provado 10 caso não tivesse sido celebrada a dação em pagamento e cumprida tal transação sempre poderia o autor exercer o seu legítimo direito de retenção sobre os cheques enquanto não lhe fossem pagos os seus legítimos honorários, como preceitua os artigos 754.º e seguintes do C.C., especialmente a alínea c) do n.º 1 do artigo 755.º do C.C..
XXX) O que foi consignado precisamente para garantir o pagamento dos honorários ao ora recorrente, o que não chegou a ser necessário em virtude da dação em pagamento/cessão de créditos.
YYY) O que espelha claramente a existência do referido acordo de pagamento de honorários a final.
ZZZ) Pelo que, sempre o aqui autor recorrente tinha o direito legal de reter tais cheques enquanto o insolvente ou a massa insolvente não lhe pagassem os seus legítimos honorários de acordo com a respetiva nota.
AAAA) Reitera-se que a data de 04.03.2019 tem unicamente a ver com a data em que tal transação que pôs fim àquela questão em apreciação judicial ocorreu.
BBBB) A realidade aqui em causa e supra descrita e que é a verdade, não consubstancia, por qualquer forma, nenhuma das situações elencadas nos artigos referidos pela AI na sua carta de resolução.
CCCC) Sendo, assim, a resolução levada a efeito pela ré claramente ilegal, pois que sem qualquer suporte legal para a mesma.
DDDD) Pois que não há nem pode ser por qualquer forma pressuposta a má fé do aqui recorrente, considerando toda a realidade que aqui se descreve e que corresponde inteiramente à verdade.
EEEE) Sendo que, além do mais, se tal contrato foi celebrado alegadamente dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, o aqui recorrente é completamente alheio a tal facto, já que a celebração do contrato naquela data teve unicamente a ver, como se disse, com a data da transação, em 04.03.2019.
FFFF) O referido acordo de pagamento é em muito anterior àquela data, como o diz a referida testemunha, Ilustre Advogado, Dr. EE, um acordo prévio estabelecido desde a base.
GGGG) E, refira-se, que este ato não se afigura, por qualquer forma, prejudicial à massa considerando todo o circunstancialismo supra referido inerente ao mesmo, pois que o autor angariou, aliás, uma quantia para a esfera patrimonial do insolvente que não existia, pelo que o ato não é prejudicial, antes pelo contrário, foi pelo esforço do autor que se tornou possível angariar aquele crédito para o insolvente.
HHHH) Prejudicial à massa seria se o autor tivesse desistido e não tivesse feito toda esta luta até alcançar o referido desfecho. No entanto, em 2017 o autor continuou essa luta no sentido de perseguir aquele crédito e permitir ao insolvente recuperá-lo.
IIII) Reitere-se que em 2017, alcançado o desfecho da ação de simulação não existia qualquer montante na esfera patrimonial do insolvente por conta deste crédito.
JJJJ) Por tudo o que supra se deixou dito, não se verifica, assim, in casu, por qualquer forma, o teor do artigo 120.º, n.º 1, nem do seu n.º 4, nem do seu n.º5 do CIRE, demonstrando a ilegalidade da resolução levada a efeito pela ré.
KKKK) Sendo que, como se disse, pese embora tal presunção não seja aqui aplicável, ainda que fosse, que não é, sempre tudo o supra referido, demonstrado e comprovado, ilidiria tal referida presunção, afastando, indubitavelmente, qualquer pretensa imputação de má fé ao aqui recorrente.
LLLL) Pois que, não há qualquer má fé da parte do aqui recorrente, conforme supra referiu e demonstrou, estando sim o aqui recorrente no âmbito do exercício de um legítimo direito de receber os seus honorários, tudo em conformidade com o que supra deixou dito e que aqui se reitera.
MMMM) O mesmo se referindo, ainda, quanto ao n.º 5 do artigo 120.º do CIRE, porquanto, também pelo teor do mesmo é de afastar qualquer pretensão de imputação de má fé ao aqui recorrente, tendo em conta tudo o supra referido e demonstrado e que resulta de toda a prova produzida e que por uma questão de economia de processo aqui se dá por reproduzido e reitera.
NNNN) A sentença recorrida, violou, nomeadamente, os artigos 120.º do CIRE; 405.º e 577.º, ambos do CC e artigo 105.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

A ré/apelada juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.


II – Da 1.ª instância chegam-nos provados os seguintes factos:
1. Em 1998 o aqui insolvente contratou os serviços profissionais de advogado do autor para fazer valer os seus direitos contra KK por este ter emitido um cheque no valor de 10.000.000$00 que, apresentado a pagamento, foi devolvido com a menção de falta de provisão.
2. O autor instaurou o correspondente processo crime que foi autuado com o n.º 1149/1998.3 (Inquérito) e que correu termos nos Serviços do Ministério Público da Comarca de Santa Maria da Feira – 4.ª Secção, processo que veio a ser arquivado em 21.12.1998;
3. O insolvente, patrocinado pelo autor, instaurou, em 06.04.1998, e com base no mesmo cheque, execução para pagamento de quantia certa, processo que correu termos sob o n.º 118/1998 na extinta Secção Única do Tribunal Judicial de ...;
4. O ali executado deduziu embargos que correram sob o n.º 118-A/1998 os quais foram contestados pelo insolvente tendo sido proferida sentença que declarou os embargos improcedentes, determinou o prosseguimento da execução e condenou o embargante como litigante de má-fé.
5. A instância executiva só foi declarada extinta em 2013 não se tendo conseguido penhorar quaisquer bens, designadamente um imóvel que, tendo pertencido ao executado, havia sido já transmitido a terceiros.
6. No dia 07.06.1999 o devedor, patrocinado pelo autor, instaurou ação de processo ordinário de Impugnação Pauliana, a qual correu termos sob o n.º 241/1999 no extinto 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, com vista à declaração de ineficácia das transmissões do referido imóvel.
7. No dia 28.05.2002 igualmente foi instaurada ação de processo ordinário, designada por “Ação de Simulação”, a qual correu termos sob o n.º 2183/03.9TBOAZ (inicialmente processo n.º 379/2002) no extinto 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, tendo depois transitado para o Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1.
8. Esta ação terminou em 2018, sido declarada a nulidade por simulação da compra e venda desse imóvel, titulada por escritura pública outorgada em 20.05.1998;
9. O devedor, patrocinado pelo autor, instaurou ainda em 22.12.2017, ação de responsabilidade civil por factos ilícitos – processo n.º 4034/17.8T8VFR que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1, e no qual reclamou por indemnização, atenta toda a marcha processual a que se viu forçado a instaurar por cerca de 21 anos e por forma a perseguir o imóvel objeto de escritura de compra e venda simulada.
10. Este processo terminou com transação outorgada em ata em 04.03.2019 nos termos da qual os ali réus se obrigaram a pagar ao devedor a quantia de €60.000,00 (uma prestação de €12.000,00 até ao dia 04.04.2019 e oito prestações iguais, mensais e sucessivas de €6.000,00, vencendo-se a primeira no dia 04.05.2019 e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes) através de cheque visado ou bancário à ordem do insolvente para o escritório do Ilustre Mandatário, aqui autor
11. Com essa mesma data de 04.03.2019 o aqui autor emitiu a nota de honorários relativa aos processos por si tramitados e instaurados desde 1998 concluindo pela quantia de €36.000,00 à qual foi abatido o montante de €6.000,00 que o IGFEJ pagou diretamente ao autor pela condenação como litigantes de má-fé dos réus na ação com o n.º 2183/03.9TBOAZ, ficando por pagar a quantia de €36.900,00 (€30.000,00+IVA).
12. E na mesma data o insolvente e o aqui autor, através de documento escrito denominado de “Confissão de Dívida, Dação em pagamento e Cessão de Créditos” declararam que estando em dívida o referido montante de €36.900,00, cedia o insolvente ao aqui autor parte do seu crédito, autorizando o autor a fazer suas as quantias que viessem a ser pagas nas primeiras prestações até perfazer o referido montante de €36.900,00.
13. O autor enviou cópia deste acordo que celebrou com o insolvente para o processo n.º 4034/17.8T8VFR, através de requerimento, via Citius, em 05.03.2019 e, bem assim, notificou os ali réus do teor do contrato de cessão de créditos.
14. Porém, os réus não receberam as cartas enviadas pelo autor nem procederam ao pagamento das prestações nos termos acordados no processo n.º 4034/17.8T8VFR pelo que o autor instaurou execução que corre agora os seus termos em ... sob o n.º 83/19.0T8ARC-A, por apenso à ação de consignação em depósito que os réus instauraram em 01.04.2019 e na qual pediram que lhes fosse autorizado a proceder, em consignação judicial, ao depósito da quantia de €12.000,00 que se obrigaram a pagar no dia 04.04.2019 bem como, enquanto estiver pendente o presente processo, e relativamente às restantes oito prestações, cada uma no igual valor de €6.000,00, mensais e sucessivas, vencendo a primeira no dia 04.05.2019 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.
15. Sob o n.º 449/11.3TBARC correu termos no J2 deste Juízo de Comércio o processo de insolvência da “A..., Ld.ª”.
16. Tal empresa, gerida pelo aqui devedor BB e também por LL, MM e NN, apresentou-se à insolvência no dia 28.10.2011, sendo seu mandatário o aqui autor.
17. No processo da A... foram reconhecidos créditos no valor de €902.531,54, mas somente foi rateado pelos credores o montante de €80.944,39.
18. Apresentado que foi pela AI parecer de qualificação dessa insolvência como culposa, o qual foi acompanhado pelo Ministério Público, foram os requeridos gerentes, incluindo o aqui devedor, citados para se oporem.
19. O devedor requereu apoio judiciário, pedido que foi indeferido, não tendo apresentado oposição ao pedido de qualificação.
20. Por sentença proferida no dia 16.04.2013 e transitada em julgado no dia 27.09.2013, foi a insolvência da A...” qualificada de culposa, tendo sido o aqui devedor afetado por tal qualificação e condenado solidariamente com os demais requeridos, a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios.
21. Na sentença de qualificação deu-se como provado que dez veículos da devedora (e que estavam registados em nome da devedora até maio de 2011) passaram a estar registados em nome de GG, filho do aqui insolvente. Igualmente se provou que quer os bens móveis sujeitos a registo, quer os restantes bens móveis da empresa/maquinaria não apreendidos para a massa insolvente foram retirados da esfera patrimonial da devedora em momento imediatamente anterior à sua apresentação à insolvência.
22. O aqui devedor, representado pelo aqui autor, recorreu da sentença de qualificação de insolvência, mas tal recurso não foi admitido por ter sido interposto fora do prazo para o efeito.
23. A insolvência dos devedores foi requerida em juízo no dia 03.07.2019 pelo credor Banco 1... de ..., Crl e foi declarada por sentença proferida em 26.10.2000.
24. Nos autos de insolvência estão reconhecidos créditos no montante global de €904.835,19, sendo certo que 94% do passivo dos devedores advém de avais prestados pelo insolvente em contratos outorgados pela sociedade “A..., Ld.ª”;
25. Por carta registada com aviso de receção datada de 05.02.2021, a primitiva AI notificou o aqui autor da resolução em benefício da MI do contrato de confissão de dívida, dação em pagamento e cessão de créditos celebrado em 04.03.2019, na qual invocou a decorrência de menos de dois anos entre a data em que o contrato foi celebrado e a data em que o processo de insolvência se iniciou, a existência de honorários devidos durante 21 anos de patrocínio e somente cobrados naquele momento, designadamente de processos findos durante esse período de tempo, a inexistência de honorários a receber dos processos há muito findos, a inexistência de qualquer outro património com o qual os devedores pudessem fazer face ao passivo pelo qual respondiam, a simulação do contrato resolvido.
26. Obtido que foi o acordo no processo n.º 4034/17.8T8VFR o devedor pretendeu salvaguardar dos seus credores o montante que iria receber dos ali réus, tendo declarado ceder ao aqui autor o montante de €36.900,00 que bem sabiam, autor e devedor, não ser devido.
27. O autor e o devedor pretenderam retirar da esfera jurídica dos credores do insolvente o montante que o insolvente ia receber por força do acordo obtido no processo n.º 4034/17.8T8VFR.
28. O histórico de todos os outros processos identificados pelo autor na sua petição inicial.
29. O teor da nota de honorários emitida pelo autor e datada de 04.03.2019.
30. O autor patrocinou o aqui devedor noutras ações, que coexistiram com as instauradas a propósito do negócio que o devedor ia fazer com a B... e KK, sendo certo que nessas ações os honorários foram pagos sem existir qualquer acordo para pagamento de honorários a final.
31. O autor não tinha, no início da sua relação profissional com o devedor qualquer relação especial com o insolvente, sabendo tão só que se tratava de um empresário bem-sucedido e a quem, antes das ações que justificaram estes autos, tinha desaconselhado o negócio que o devedor decidiu, ainda assim, celebrar.

Não se julgou provado que:
a) O insolvente tenha acordado com o aqui autor pagar a este os seus honorários a final, o que o autor honrou na íntegra, por estar ciente de que o dito BB era pessoa séria e de que no final da contenda tudo lhe pagaria;
b) Por solicitação de BB, o aqui autor tenha acordado com aquele receber os seus honorários pela sua intervenção enquanto mandatário em tais processos, todos eles referentes à mesma factualidade, no final, ou seja, assim que a factualidade em causa e motivadora das referidas marchas processuais conhecesse uma decisão definitiva que pusesse fim à mesma.
c) Se não fosse o aqui autor disponibilizar-se, pelo contrato que fez com o dito BB, em receber os honorários a final, este, certamente, nada viria a receber;
d) O autor desconhecia, sem obrigação de conhecer, quer se à data do ato o devedor se encontrava alegadamente em situação de insolvência, quer de qualquer alegado carácter prejudicial do ato e de que o devedor alegadamente se encontrava à data em alegada situação de insolvência iminente, quer, nomeadamente, do alegado início do processo de insolvência.
e) Na sua carta de resolução enviada ao aqui impugnante a AI, de forma deliberada e consciente alega factos que bem sabe serem falsos, assim como omite factos que confirmam não haver qualquer simulação, lançando mão de afirmações completamente infundadas, sem a alusão a quaisquer factos concretos que as suportem, pois que bem sabe e não pode ignorar que os mesmos inexistem, mas mesmo assim não se coíbe de fazer tais afirmações, imputando factos falsos ao aqui impugnante e daí retirando graves e danosas ilações.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões da recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações do réu/apelante são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª – Da impugnação da decisão da matéria de facto.
2.ª – De Direito.
*
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Estamos perante uma ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente que corre por apenso ao processo de insolvência, através da qual o autor/apelante veio impugnar a resolução que a AI operou por carta datada de 05.02.2021 e que tem por objeto o contrato de confissão de dívida, dação em pagamento e cessão de créditos, celebrado em 04.03.2019.
Segundo Gravato de Morais, in “Resolução em Benefício da Massa Insolvente” pág. 167, “a ação em causa corre na “dependência do processo de insolvente (art.º 125.º, in fine, CIRE): tem, portanto “carácter urgente” pelo que goza inclusivamente de “precedência sobre o serviço ordinário do tribunal “ao abrigo do art.º 9.º n.º1 do CIRE”. E, mais adiante, acrescenta, “não podia deixar de ser doutra forma, dado que a massa insolvente na pendência da ação de impugnação, não está ainda completamente constituída. A incerteza quanto á integração dos bens na referida massa que, a resolução teve em vista, impõe uma decisão em tempo célere”.
Esta ação segue, no silêncio da lei, o regime comum da ação declarativa, podendo revestir a forma ordinária ou sumária consoante o respetivo valor, cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado”, pág. 441.Trata-se de uma ação de simples apreciação negativa, que visa a demonstração da inexistência ou a não verificação dos pressupostos legais da resolução invocados pelo AI na carta resolutiva, por isso, de harmonia com o disposto no art.º 343.º n.º1 do C.Civil, cabe à massa insolvente o ónus da prova da verificação dos pressupostos da resolução operada e não ao impugnante a prova de que tais pressupostos não se verificam. Sendo que, como refere Gravato Morais, in obra citada, pág. 167, na ação de impugnação da resolução de ato em benefício da massa insolvente, o ónus da prova “cabe àquele que tem legitimidade para impugnar a resolução o encargo de provar todos os factos extintivos do direito (de resolução) invocado, em princípio extrajudicialmente, pelo Administrador da Insolvência – art.º 342.º, n.º 2 Cód. Civil”.
Como é sabido, a resolução consiste no ato de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, colocando as partes na situação que teriam se o contrato não houvesse sido celebrado, podendo tal faculdade resultar da lei (resolução legal) ou da convenção dos contraentes (resolução contratual), cfr. art.º 432.º, n.º 1 do C.Civil.
A resolução é em princípio equiparada à nulidade ou anulabilidade do contrato, cfr. art.º 433.º do C.Civil. Sendo certo que, logo por aplicação do art.º 289.º do C.Civil, que estabelece uma ineficácia superveniente do contrato com eficácia retroativa, a resolução é o mesmo que a ineficácia superveniente que provém de um facto (secundário) impeditivo, cfr. Galvão Telles, in “Manual dos Contratos em Geral”, pág. 354, deverão aplicar-se as regras gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que com aqueles se não revelem incompatíveis.
Como se sabe, o AI, a partir do momento em que é declarado o estado de insolvência dum particular ou de uma sociedade comercial ou empresa, fica investido no poder de gerir, administrar, zelar, conservar e reintegrar o património do devedor, facultando-lhe a lei a possibilidade de atuar e impulsionar as ações tendentes a evitar a depreciação do património que irá dar satisfação aos créditos que venham a apresentar-se ao concurso de credores.
Nos art.ºs 120.º a 126.º, o CIRE instituiu-se um novo regime que visa salvaguardar as ações/atos anteriores praticadas pelo devedor e que se prefigurem ou contenham indicações de haverem sido efetivadas ou levadas a efeito com vista a prejudicar o pagamento (igualitário) dos credores, como é o caso da resolução em benefício da massa insolvente.
É aqui que surge o instituto da resolução contratual.
Refere Gravato de Morais, in obra citada, que “os atos resolúveis não se configuram, nem são havidos, como atos inválidos, seja do ponto de vista formal, seja sob o prisma substancial, atendendo naturalmente à inexistência de vícios que os afetem”. “Do que se trata aqui é de, em razão de interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificar outros interesses havidos como menores (os de que contratam com o devedor insolvente e, eventualmente, os de que negoceiam com aqueles, portanto todos os terceiros em relação ao devedor insolvente) em função do empobrecimento patrimonial daqueles credores, por via da prática de atos num dado período temporal, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência. A finalidade é, pois, a da reintegração no património do devedor (ou melhor da massa insolvente) para efeito de satisfazer os direitos do credor”.
Resulta dos referidos art.ºs 120.º a 126.º do CIRE que a resolução em benefício da massa insolvente comporta duas modalidades:
-a) a resolução condicional prevista no art.º 120.º do CIRE;
-b) a resolução incondicional prevista no art.º 121.º do mesmo diploma.
Preceitua o n.º1 do art.º 120.º do CIRE que o AI pode resolver em benefício da massa insolvente “os atos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência”, assim como os atos a que aludem as alíneas do n.º 1 do art.º 121.º do mesmo diploma legal, podendo tal resolução ser feita judicialmente, por via de ação ou de exceção, ou extrajudicialmente, mediante carta registada com aviso de receção, cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, in obra citada, pág. 438, anot. 4 e 5.
E dispõe o n.º2 do referido art.º 120.º do CIRE que “consideram-se prejudiciais á massa os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência”.
Relativamente aos requisitos gerais da resolução, o CIRE estabelece os seguintes requisitos:
a)- realização pelo devedor de atos ou omissões;
b)- prejudicialidade do ato ou omissão em relação à massa insolvente;
c)- verificação desse ato ou omissão nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência;
d) -existência de má-fé do terceiro.
Assim a resolução em benefício da massa insolvente exige, em primeiro lugar, que o devedor tenha realizado atos ou omissões. A prejudicialidade do ato ou omissão em relação à massa insolvente consiste, de acordo com o art.º 120.º, n.º 2 do CIRE, no facto de estes diminuírem, frustrarem, porem em perigo ou retardarem a satisfação dos credores da insolvência. A lei estabelece, contudo, no art.º 120.º, n.º 3, uma presunção juris et jure de atos prejudiciais à massa, ao considerar como tais, sem admissão de prova em contrário, os atos de qualquer tipo referidos no art.º 121.º do CIRE, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí referidos. Por outro lado, a verificação do ato ou omissão nos quatro anos anteriores ao início do processo de insolvência implica que apenas possam ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos ou omissões que tenham decorrido nos quatro anos anteriores ao início do processo de insolvência, porquanto só este período é considerado como suspeito para efeitos de resolução. E o último requisito da resolução em benefício da massa insolvente é o da existência de má-fé de terceiro, considerando-se como tal, nos termos do art.º 120.º, n.º 5 do CIRE, o conhecimento por este das seguintes circunstâncias:
a) -a situação da insolvência do devedor;
b) -o carácter prejudicial do ato (ou omissão) estando o devedor à data em situação de insolvência iminente;
c) -o início do processo de insolvência.
Segundo o preceituado no art.º 120.º, n.º 4 do CIRE, a má-fé presume-se “quanto a atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data”. Sendo que, os requisitos gerais da resolução, supra referidos, são dispensados no caso de se tratar dos atos referidos no art.º 121.º do CIRE. Finalmente sempre se dirá que a enumeração feita no art.º 121.º do CIRE dos atos sujeitos à resolução incondicional é absolutamente taxativa.
A declaração de resolução efetuada pelo AI é uma declaração negocial receptícia que, no caso, se funda na lei e que, para ser eficaz, tem de chegar ao conhecimento do destinatário, produzindo o seu efeito logo que recebida/conhecida por este.
Dispõe o n.º1 do art.º 123.º do CIRE tão somente que “a resolução pode ser efetuada por carta registada com aviso de receção“ norma que não difere da que constava no CPEREF no art.º 156.º, n.º3 e que prescrevia justamente esse formalismo mínimo, sem prejuízo do uso de meios mais solenes como a notificação judicial avulsa ou da própria instauração de ação judicial.
Esse entendimento é o que vem expresso por João Labareda e Carvalho Fernandes in “CIRE Anotado”, vol. I, pág. 443 e por Gravato Morais, in “Resolução em Benefício da Massa Insolvente”, pág. 151 -157, mas sem que para tal importe a natureza formal ou não formal dos atos e contratos suscetíveis de tal resolução por parte do administrador a título condicional ou incondicional.
A resolução tem efeitos retroativos e produz a reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado ou omitido, cfr. Gravato Morais, in obra citada, pág. 154. Por se tratar de declaração receptícia e por estarem em causa factos constitutivos do direito que a massa insolvente exercita através do respetivo AI, a carta pela qual se procede à resolução em benefício da massa deve, em princípio, nos casos do art.º 120.º do CIRE, conter os fundamentos de facto que a determinam, ou seja, deve ele que identificar o negócio que é objeto do ato resolutivo, a data da sua celebração e as circunstâncias que o reconduzam a algum dos casos previstos nas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º do CIRE, e os que caracterizam a má-fé do terceiro, em suma, deve enumerar os factos que traduzem a prejudicialidade do ato para a massa insolvente, cfr. n.ºs 1 a 5 do referido art.º 120.º do CIRE. Contudo, estando em causa atos enquadráveis em alguma das alíneas do n.º 1 do art.º 121.º, o AI está dispensado da alegação dos fundamentos de facto da prejudicialidade e da má-fé do terceiro, já que neste caso se presumem “juris et de jure”.
É certo que a nível jurisprudencial há quem, a propósito do conteúdo da declaração de resolução em benefício da massa insolvente, defenda uma posição mais rigorosa, na esteira do Ac. do STJ de 17.09.2009, in www.dgsi.pt, ou seja, de que o AI tem de indicar os concretos factos/fundamento da resolução, pois que só dessa forma está o impugnante em condições de impugnar a resolução, não podendo a deficiência de fundamentação do ato ser suprida em sede de contestação à ação de impugnação, com indicação de novo quadro factual ou outros vícios e, quem seja mais moderado, admitindo que a declaração de resolução apenas carece da indicação genérica e sintética dos pressupostos que fundamentam a resolução, da qual se depreenda o porquê da decisão tomada.
Mas, como apontam Ana Prata, Morais Carvalho e Rui Simões, in “CIRE Anotado”, pág. 360 “(…) parece prevalecer na jurisprudência um entendimento “disciplinar” do mecanismo da resolução em benefício da massa (…), orientação que “parece impedir que, em posterior litígio judicial, o resolvente possa invocar outros factos, para além daqueles que indicou na comunicação à contraparte (princípio da imutabilidade da causa de resolução)”. Também Gravato Morais, in “Resolução em Benefício da Massa Insolvente”, pág. 164 e Carvalho Fernandes e João Labareda, in “CIRE Anotado“, pág. 537, referem que “dado que esta resolução carece de específica motivação, é essencial que sejam invocados os fundamentos que a originam”, e no caso concreta da resolução condicional, acrescentam que: “para além da invocação do ato em concreto (…) há ainda que enunciar, quando não funcionar a presunção inilidível do art.º 120.º n.º 3 do CIRE, a causa que leva a considerar aquele ato como prejudicial, assim como o circunstancialismo que envolve a má-fé, quando não funcione a presunção iuris tantum do art.º 120.º n.º 4 do CIRE”.
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No caso dos autos, trata-se de uma impugnação de resolução extrajudicial de um
contrato de confissão de dívida, dação em pagamento e cessão de créditos, celebrado em 04.03.2019; isto é, que foi efetuada pelo respetivo AI, por carta registada com AR dirigida para o efeito ao autor/apelante, junta aos autos, e que aqui vamos reproduzir, de onde, fundamentalmente a AI invocou os seguintes fundamentos da resolução do contrato em apreço:















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A 1.ª instância julgou a ação improcedente com fundamento na factualidade julgada provada e não provada, para o que considerou, além do mais, que: “(…) Na carta enviada pela AI ao aqui autor e pela qual a AI declarou resolvido a favor da MI o acordo de confissão de dívida, dação em pagamento e cessão de créditos, invocou a AI os seguintes argumentos (para além da data de celebração do acordo e do limite temporal dos dois anos antes do início do processo de insolvência):
- Que o autor foi mandatário do insolvente por mais de 20 anos (tendo em conta os processos identificados
na nota de honorários);
- Que muitas das ações identificadas na nota de honorários haviam já terminado há muitos anos;
- Que certamente o autor não tinha ainda por receber os honorários dessas ações há muito findas;
- Que o autor aceitou patrocinar o devedor noutros processos judiciais que foram surgindo;
- Que os devedores não tinham qualquer património por terem transmitido aos seus filhos em 2004 todos os seus bens;
- Que à data em que é celebrado o contrato resolvido os devedores tinham já um passivo vencido de mais de €500.000,00;
- Que o contrato foi simulado.
Ora, relembremos o que, de essencial, se apurou e que demonstra a prova pela MI dos factos alegados pela AI na carta resolutiva:
- O autor, em 1998, não tinha qualquer relação de especial confiança com o devedor tendo-o aconselhado a não celebrar o negócio de constituição de uma empresa para a sua filha com a “B...” e com KK;
- O autor patrocinou o devedor noutras ações em que recebeu atempadamente os honorários sem a existência de qualquer acordo quanto ao pagamento dos mesmos;
- A ação inicial instaurada pelo autor foi uma queixa-crime pela emissão, por KK, de um cheque sem provisão;
- As diversas ações que sucessivamente foram sendo instauradas foram terminando, sendo certo que a última das ações foi instaurada em 2017 e terminou em 2019, por transação.
- O autor patrocinou o devedor na instauração do recurso (que veio a não ser admitido) da sentença de qualificação de insolvência da “A...” e pela qual se declarou afetado por essa qualificação da insolvência como culposa o aqui devedor, tendo-se demonstrado que o insolvente, juntamente com os demais gerentes, dissiparam o património da empresa para nada pagarem aos seus credores, tendo sido registados mais de 10 veículos automóveis que pertenciam à referida empresa em nome do filho do insolvente e tendo desaparecido os demais bens móveis que eram da devedora nesses autos;
- O autor e o devedor pretenderam retirar da esfera jurídica dos credores do insolvente o montante que o insolvente ia receber por força do acordo obtido no processo n.º 4034/17.8T8VFR.
A AI invocou o disposto no artigo 120.º, n.º 1, 4 e 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Estamos perante a resolução condicional pelo que tem de se provar que os atos praticados o foram com má-fé e essa má-fé ocorre sempre que fosse conhecida, à data do ato, a situação de insolvência do devedor e o carácter prejudicial do ato – artigo 120.º, n.º 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Cremos que dúvidas não podem subsistir quanto ao preenchimento dos requisitos de que depende a resolução.
De facto, tendo em conta que o autor bem sabia, desde 2013, que o devedor estava obrigado a ressarcir todos os credores da empresa que geriu (e cuja ação de apresentação à insolvência foi instaurada pelo aqui autor como mandatário da então insolvente) por ter sido afetado pela qualificação da insolvência como culposa (cujos factos o AI analisou atentamente para interpor recurso, patrocinando o agora insolvente) e tendo ainda em conta que o autor sabia que o devedor, para além do crédito que agora lhe advinha com o acordo obtido em Santa Maria da Feira nenhum outro bem tinha registado em seu nome (pois que em 2004 tudo transmitiu aos seus filhos) dúvidas não podem subsistir (até porque nenhuma prova que tivesse abalado a destes factos foi feita) de que o autor e o devedor simularam este acordo para prejudicarem os credores desta insolvência e lhes retirarem o único bem (crédito) que poderia ser apreendido para que com esse montante os credores pudessem receber uma parte (muito ínfima é certo) dos seus créditos.
E ainda que se entenda que juridicamente não é possível afirmarmos que estamos perante um negócio simulado (como o fez a AI na carta resolutiva) em nada a ausência desse enquadramento jurídico dos factos prejudica a conclusão a retirar nesta ação (de improcedência do pedido formulado pelo autor) porque se demonstrou à saciedade que com o contrato resolvido se frustraria a satisfação dos créditos dos credores do insolvente e que o autor bem sabia que o devedor estava insolvente pois que, não tendo quaisquer bens, estava condenado, desde 2013, a pagar aos credores da “A...” todos os seus créditos (mais de €800.000,00).
É aliás paradigmática a expressão usada pelo autor nas declarações que prestou quando confrontado precisamente com esta realidade – a de existirem outros credores que igualmente teriam de ser pagos com o montante que adveio ao insolvente com a transação obtida – e que foi a de que aquele crédito que adveio ao insolvente era o produto do seu trabalho pelo que era ele (autor) quem deveria receber e não os demais, até porque as outras dívidas não eram sentidas pelo insolvente como suas por advirem de avais prestados pelo insolvente como gerente da A.... É um entendimento que não pode ser defendido por quem é advogado e que bem sabe que as garantias pessoais prestadas levam a que a dívida passe a ser do insolvente e que só se compreende pela incapacidade de justificar o ato praticado porque bem sabia que estava a prejudicar os demais credores desta insolvência.
Dos factos provados resulta, pois, que o autor não ignorava o carácter prejudicial do negócio realizado, pois que bem sabia que os demais credores ficariam sem qualquer património através do qual pudessem ver pagos parte dos seus créditos.
Acresce que o autor conhecia a situação de insolvência do insolvente porque o patrocinou na instauração do recurso da sentença de qualificação de insolvência.
Pelo que a ação tem de improceder já que a MI provou os factos que a AI alegou na carta resolutiva (…)”.
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1.ªquestão – Da impugnação da decisão da matéria de facto.
Defende o autor/apelante que face à prova produzida nos autos, designadamente face ao teor das suas declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ e o teor de alguns documentos juntos aos autos que identifica - não poderia ter sido julgado como provado a matéria constante dos factos 26 e 27, do respetivo elenco factual, os quais deviam ter sido julgados como não provados. Mais defende ainda que os factos julgados não provados e constantes das alíneas a), b), c), d) e e) do respetivo elenco factual, deveriam, pelas mesmas razões, ter sido julgados provados.
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No que concerne à impugnação da decisão de facto proferida em 1.ª instância, importa atentar no que dispõe no art.º 662.º do C.P.Civil. E como refere F. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, pág. 127, resulta de tal preceito que “...o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação…”, ainda que não em toda a sua pureza, porquanto comporta exceções, as quais se mostram referidas pelo mesmo autor na obra citada.
Os recursos de reponderação, segundo o ensinamento do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudo Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 374, “...satisfazem-se com o controlo da decisão impugnada e em averiguar se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas - pode dizer-se - a “justiça relativa” dessa decisão”. Por isso, havendo gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, como no presente caso se verifica, temos que, nos termos do disposto no art.º 662.º n.º 1 do C.P.Civil, o tribunal da Relação deve alterar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, desde que, em função dos elementos constantes dos autos (incluindo, obviamente, a gravação), seja razoável concluir que aquela enferma de erro.
Mas, não nos podemos esquecer de que ao reponderar a decisão da matéria de facto, que, apesar da gravação da audiência de julgamento, esta continua a ser enformada pelo regime da oralidade (ainda que de forma mitigada face à gravação) a que se mostram adstritos, entre outros, o princípios da concentração e da imediação, o que impede que o tribunal de recurso apreenda e possa dispor de todo o circunstancialismo que envolveu a produção e captação da prova, designadamente a testemunhal, quase sempre decisivo para a formação da convicção do juiz; pois que, como referem A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 657, a propósito do “Princípio da Imediação”, “...Esse contacto direto, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reações do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar. ...”.
Decorre também do preâmbulo do DL n.º 39/95 de 15.12, que instituiu no nosso ordenamento processual civil a possibilidade de documentação da prova, que a mesma se destina a correção de erros grosseiros ou manifestos verificados na decisão da matéria de facto, quanto aos pontos concretos da mesma, dizendo-se aí que “a criação de um verdadeiro e efetivo 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reação contra eventuais – e seguramente excecionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto”. Constando ainda do mesmo que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede da matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Quanto ao resultado da apreciação da prova testemunhal não pode esquecer-se que, nos termos do art.º 607.º n.º 5 do C.P.Civil, “O juiz aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, mantendo o princípio da liberdade de julgamento. E, quanto à força probatória, os depoimentos das testemunhas são apreciados livremente pelo tribunal, como resulta do disposto no art.º 396.º do C.Civil.
Tendo em atenção o que preceitua o art.º 640.º n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil, ou seja, que é ónus do apelante que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, isto é, não basta ao apelante atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, sendo ainda indispensável, e “sob pena de rejeição”, que:
a) - especifique quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados;
b) - indique quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa da recorrida sobre cada um dos concretos pontos impugnados da matéria de facto;
c) - indique com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
d) - desenvolva a análise crítica dessas provas, por forma demonstrar que a decisão proferida sobre cada um desses concretos pontos de facto não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.
e) – indique a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Está assim hoje legalmente consagrada o dever deste tribunal de recurso alterar a decisão de facto proferida em 1.ª instância, devendo para tal reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo ainda em consideração o teor das alegações das partes, para o que terá de ouvir os depoimentos chamados à colação pelas partes. E assim, (re) ponderando livremente essas provas, deve, por força do disposto no art.º 662.º n.º 1 do C.P.Civil, “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Ou seja, deve o tribunal de recurso formar a sua própria convicção relativamente a cada um dos factos em causa não desconsiderando, principalmente, a ausência de imediação na produção dessa prova, e a consequente e natural limitação à formação desta convicção, o que em confronto com o decidido em 1.ª instância terá como consequência a alteração ou a manutenção dessa decisão. E isso, por se ter concluído que a decisão de facto em causa, (re) apreciada “segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica”, corresponde, ou não, ao decidido em 1.ª instância.
No caso em apreço, temos de considerar que o autor/apelante cumpriu minimamente os referidos ónus de alegação, cfr. art.º 640.º do C.P.Civil.
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Efetivamente a 1.ª instância julgou, além do mais, provado que:
26. Obtido que foi o acordo no processo n.º 4034/17.8T8VFR o devedor pretendeu salvaguardar dos seus credores o montante que iria receber dos ali réus, tendo declarado ceder ao aqui autor o montante de €36.900,00 que bem sabiam, autor e devedor, não ser devido.
27. O autor e o devedor pretenderam retirar da esfera jurídica dos credores do insolvente o montante que o insolvente ia receber por força do acordo obtido no processo n.º 4034/17.8T8VFR.
E julgou não provado que:
a) O insolvente tenha acordado com o aqui autor pagar a este os seus honorários a final, o que o autor honrou na íntegra, por estar ciente de que o dito BB era pessoa séria e de que no final da contenda tudo lhe pagaria;
b) Por solicitação de BB, o aqui autor tenha acordado com aquele receber os seus honorários pela sua intervenção enquanto mandatário em tais processos, todos eles referentes à mesma factualidade, no final, ou seja, assim que a factualidade em causa e motivadora das referidas marchas processuais conhecesse uma decisão definitiva que pusesse fim à mesma.
c) Se não fosse o aqui autor disponibilizar-se, pelo contrato que fez com o dito BB, em receber os honorários a final, este, certamente, nada viria a receber;
d) O autor desconhecia, sem obrigação de conhecer, quer se à data do ato o devedor se encontrava alegadamente em situação de insolvência, quer de qualquer alegado carácter prejudicial do ato e de que o devedor alegadamente se encontrava à data em alegada situação de insolvência iminente, quer, nomeadamente, do alegado início do processo de insolvência.
e) Na sua carta de resolução enviada ao aqui impugnante a AI, de forma deliberada e consciente alega factos que bem sabe serem falsos, assim como omite factos que confirmam não haver qualquer simulação, lançando mão de afirmações completamente infundadas, sem a alusão a quaisquer factos concretos que as suportem, pois que bem sabe e não pode ignorar que os mesmos inexistem, mas mesmo assim não se coíbe de fazer tais afirmações, imputando factos falsos ao aqui impugnante e daí retirando graves e danosas ilações.
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Como fundamento assaz desenvolvido de tais decisões pode ler-se na decisão recorrida que: “Para a formação da nossa convicção foi importante a análise de todos os documentos juntos aos autos pelas partes, a análise critica dos depoimentos prestados e, bem assim, o filtro que de toda a prova produzida se fez, aplicando-lhe as regras da experiência comum e juízos de normalidade.
Comecemos por fazer um breve resumo do que de mais importante foi declarado pelas partes e pelas testemunhas para, após, podermos referir as razões pelas quais concluímos pela prova dos factos acima indicados e pela ausência de prova dos demais também enumerados. Assim:
(…)
- O devedor BB (que prestou declarações de parte no apenso D, mas no qual se limita a afirmar que tudo o que é alegado pelo aqui autor corresponde à realidade) (…)
- O autor Dr. AA (…)
- JJ, advogada e antiga colaboradora do autor entre os anos de 2003/2004 e 2010 (…)
- DD, empresário, amigo do devedor e também do autor (cujos serviços já contratou) foi testemunha nos processos instaurados pelo devedor contra a “B...” e KK (…)
- O Dr. EE, advogado, (…)
- FF, funcionária do autor desde o fim do ano de 2003, conhece o devedor por ser cliente do autor e sabia que o devedor tinha processos pendentes no escritório desde o ano de 1998 (…)
- OO, filha dos devedores e pessoa que iria ser beneficiada com o negócio com a “B...” e com KK (…)
- II, advogada e colaboradora do autor entre 2000 e 2008 (…)
- HH, solicitador de execução, foi indicado pelo autor como AE na execução que o autor moveu contra os réus das ações instauradas pelo devedor (…)
- PP, advogada, colaboradora da primitiva AI nomeada neste processo (entretanto falecida) (…)
Tendo sido esta a prova produzida por testemunhas e partes e sem esquecer toda a prova documental que foi analisada durante o julgamento da causa, convencemo-nos no sentido do que foi alegado pela primitiva AI quando resolveu este negócio e não nos convencemos de que o autor tenha aceitado laborar e tenha colocado todo o seu escritório (colaboradoras incluídas) a trabalhar em prol de processos que se sucederam ao longo de mais de 20 anos sem nada receber.
Para tal conclusão foi fundamental a compreensão cronológica dos factos pois que só essa análise cronológica permite perceber que os factos alegados pelo autor na petição inicial não podem ter ocorrido da forma relatada pois que no início da relação estabelecida entre autor e devedor jamais poderiam o autor e o devedor imaginar que as ações a instaurar em perseguição de um crédito se pudessem arrastar por mais de 20 anos.
E é por incapacidade de em 1998 se poder imaginar que a senda processual só terminaria em 2019 que não se pode aceitar que o autor, ainda que tivesse combinado com o devedor receber a final, que esse acordo tivesse já em mente receber ao fim de 21 anos de trabalho, que envolveu todo o seu escritório e que representava a esmagadora maioria do trabalho do autor, ao invés de receber ao fim de uns meses que seria certamente o tempo estimado para uma queixa-crime de cheque sem provisão.
Dito por outras palavras: Quando em 1998 o devedor chegou ao escritório do autor com um cheque de 10.000 contos que havia sido apresentado a pagamento e havia sido devolvido por falta de provisão, até poderia ter sido acordado com o autor a instauração do processo crime e o pagamento, a final, dos honorários do autor Mas quando os processos se começam a suceder já não é plausível e diremos ser altamente improvável que qualquer advogado, seja ele qual for, não tendo qualquer razão especial para trabalhar pro bono e não tendo o seu cliente como familiar e/ou muito amigo viesse a aceitar continuar a trabalhar sem nada receber, tendo de instaurar ações sucessivamente mais complexas, abandonando as mais simples queixas crime e execuções para avançar com ações de simulação, de impugnação pauliana e de indemnização, recebendo tão só o montante necessário para o pagamento das custas (taxas de justiça) e tudo isto acontecendo em relação a uma pessoa por quem o autor não tinha qualquer apreço especial e que, à data, era um empresário bem-sucedido e não tinha problemas em ir pagando o bom trabalho que o autor por si fez.
Note-se que o dinheiro que o devedor pensou estar a ser-lhe restituído pela resolução de um negócio que passava pela constituição de uma empresa da qual ia ser sócia a sua filha era um dinheiro que o devedor se tinha disponibilizado a “perder” investindo nesse negócio e criando uma empresa na qual a sua filha ia ter trabalho, isto é, trata-se de dinheiro que não iria voltar à esfera jurídica do devedor.
Ora, se o devedor, para investir nesse negócio, conseguiu reunir as condições financeiras para entrar com 10.000 contos aos quais acresceram outros 20.000 contos que solicitou ao Banco (em empréstimo que pagou) não se compreende que, tendo o negócio ficado por concretizar o devedor passasse a ter falta de um dinheiro que decidiu investir sem retorno.
Mas ainda que se tratasse de uma situação pessoal altamente sensível e ainda que o devedor tivesse sido efetivamente enganado e os réus das ações que instaurou o tivessem burlado e lhe tivessem extorquido dinheiro (como alega o autor na petição inicial) ainda assim não vemos de que forma isso pudesse ter afetado de tal maneira o autor que o tivesse feito colocar em causa a sua própria subsistência, os ordenados que tinha de pagar ao fim do mês aos seus colaboradores somente para ajudar um cliente que não passava de isso mesmo – um cliente que tinha um cheque sem provisão e queria receber o montante que ele titulava.
E torna-se de todo impróprio e inverosímil que, ao ser decidido avançar com ações bem mais complexas e cujo desfecho era altamente imprevisível (note-se que a condenação dos réus nessas ações se desacompanhada de património com o qual o devedor pudesse cobrar o primitivo cheque de nada valeriam ao agora insolvente) ainda assim se tivesse mantido um acordo (que não se provou) de pagamento dos honorários a final.
Foram os colegas do autor, também eles advogados, que declararam aquilo que todos percebem e que caracteriza a convicção de qualquer homem médio chamado a analisar este caso – que a situação não é normal, que nunca fizeram isso, que o próprio código deontológico o desaconselha e, diremos nós, que a experiência da vida igualmente o desaconselha dada a natureza dos serviços de advogado, a imprevisibilidade do desfecho das ações instauradas e a impossibilidade de se saber se algum dia iam ser encontrados bens suficientes para o pagamento da quantia que o longínquo cheque de 1998 titulava.
A acrescer a tudo isto, prova-se ainda nesta ação que o acordo entre o autor e o devedor só era válido para as ações relacionadas com este caso e não para outras o que, de novo, adensa a nossa convicção no sentido em que a primitiva AI também a formou, ou seja, se estávamos perante alguém que ficou muito abalado financeiramente com o engano em que foi induzido pelos réus naquelas ações, como se compreende que, a ser patrocinado pelo autor noutras ações que nada tinham que ver com estas, os honorários fossem pagos?
Afinal, o que de especial tinha este negócio para o distinguir dos demais acontecimentos da vida do insolvente para justificar que outras ações fossem tratadas pela forma habitual de trabalhar de qualquer advogado e estas não o fossem? E se o devedor tinha disponibilidade financeira para pagar uns honorários porque não tinha para pagar estes honorários?
São incongruências tais que não nos podem levar a infletir a nossa convicção.
Mas há mais prova que foi produzida e que, a serem insuficientes os argumentos até agora elencados, reforçaria (diremos) sem qualquer sombra de dúvida a convicção que formámos:
Por um lado, a transmissão em 2004, pelo devedor a favor dos seus filhos, de todos os bens de que dispunha na altura o que levaria qualquer pessoa e muito especialmente um advogado a acautelar-se nessa altura em que, na tese alegada na petição inicial, estariam já em dívida os honorários vencidos desde 1998 a 2004 (seis anos de trabalho).
Este facto, diremos nós e julgamos que a maioria das pessoas colocada a analisar o caso, seria o suficiente para o autor, por muito que tivesse o insolvente por pessoa séria que sempre honraria os compromissos, ponderar que talvez estivesse a perder a garantia patrimonial do seu crédito. Porém, pasme-se, o autor deixou que os honorários se continuassem a avolumar sem demonstrar preocupação pela forma como “a final” iria receber os seus honorários.
E por outro lado, e este facto de forma absolutamente avassaladora, a condenação do devedor no processo de insolvência da empresa que geria, a indemnizar todos os credores daquela insolvência, à custa do seu património, pelos créditos não satisfeitos (cerca de 800.000,00€) e, é bom não esquecer, num processo em que o aqui autor parecer como mandatário do devedor para recorrer da sentença de qualificação e, por isso, perfeitamente conhecedor de que o insolvente naquele momento, tinha um passivo para pagar de quase um milhão de euros (mas não tinha património, pelo menos em seu nome). E neste momento, corria o ano de 2013!
E a atitude do autor, nas suas palavras, mas que não nos convenceram, manteve-se a mesma – continuou a patrocinar o devedor sem nada receber, sabendo que o seu cliente era um empresário que estava agora condenado por ter “desviado” dos credores da sua empresa os bens da mesma, designadamente a favor de um filho, que tinha deixado de ter a sua fonte de rendimento (a empresa que geria) e que desde 2004 nenhum património tinha em seu nome.
Ainda que o autor desta causa seja um advogado que nos merece todo o respeito e que o tem e ainda que nunca se tenha colocado em causa o esforço (bem-sucedido) do autor que culminou ao fim de 21 anos com a realização de uma transação, não é possível ainda assim aceitarmos, e não o fazemos porque disso não nos convencemos, que uma pessoa experiente como é o autor pudesse alguma vez ter aceitado trabalhar a favor de um cliente que nada tem de especial que o distinga de outros, ao longo de mais de 20 anos, instaurando ações extremamente complexas, sem nada receber e num período de tempo durante o qual o seu cliente, para além de ter doado a favor dos seus filhos todos os seus bens, acabou condenado a indemnizar os credores da empresa de que era gerente, pelas forças do seu património pessoal.
E ainda que algum acordo de pagamento a final tivesse existido (o que até se admite) jamais esse acordo poderia alguma vez ser entendido, quer pelo autor quer pelo devedor, como se estendendo a toda e qualquer ação e durando o tempo que fosse necessário (e foram necessários 21 anos) até que o devedor recebesse (até porque jamais se poderia assegurar que efetivamente recebesse o que quer que fosse). Quanto muito o “receber a final” somente poderia entender-se por referência a cada uma das ações que foram sendo instauradas e que assim que terminaram deveriam ser pagas.
Na formação da nossa convicção, e para além de tudo o que já referimos, atendeu-se ainda àquilo que a AI invocou na carta de resolução e que é extremamente importante: A diferença de comportamento do autor e do devedor no que respeita ao acordo relativo aos honorários e ao acordo de cessão do crédito.
De facto, se o autor tinha o devedor como pessoa séria e sempre soube que o devedor lhe pagaria tudo quanto fosse devido, levando-o a nada receber ao longo de mais de 20 anos de trabalho (trabalho esse que, nas palavras de uma sua colaboradora, era a maioria do trabalho do escritório do autor) e confiando até com base na mera palavra que o devedor, ao fim de tantos anos não invocaria a prescrição de alguns dos créditos do autor, como se explica que para o autor fazer seus, parte dos cheques que iriam ser enviados para o seu escritório (atente-se no teor da transação obtida em juízo) foi necessária a elaboração de um documento escrito de confissão de dívida, dação em pagamento e cessão de crédito?
Estávamos perante uma pessoa que estava condenada por sentença transitada em julgado desde 27/09/2013 a indemnizar os credores da empresa que geriu por se ter demonstrado que, juntamente com os demais, fez desaparecer o património da referida empresa, prejudicando os seus credores.
E estando o autor ciente de tal facto (porque foi mandatário do insolvente no recurso dessa sentença de qualificação) nada o fez acautelar o seu crédito nem nesse momento nem nos anos subsequentes.
E é só no momento em que advém para o insolvente uma garantia patrimonial (a única, porque todos os seus demais bens estavam já transmitidos aos filhos desde o ano de 2004) que o autor decide formalizar, em acordo escrito, a forma como iria receber os honorários.
Se os cheques a emitir pelos réus iriam ser enviados para o escritório do autor (tal como consta da transação) qual seria a necessidade de se formalizar um acordo pelo qual se estabeleceu que o autor faria seus os cheques até estar paga a quantia que afirma ser-lhe devida? Qual foi a alteração na relação de confiança do autor no insolvente que ao fim de 21 anos o fez mudar de atitude?
A resposta, na nossa convicção, é a mesma a que chegou a AI quando, analisando os contornos deste negócio, o resolveu – Tratou-se de uma estratégia para prejudicar os credores desta insolvência salvaguardando, com base nesse acordo, o único património do devedor e que deveria reverter a favor de todos os credores desta insolvência.
Uma última nota para se referir que é também altamente inverosímil que um advogado que diz ter esperado 21 anos para receber os seus honorários tenha conseguido no mesmo dia em que é alcançado o acordo em Santa Maria da Feira (mas que o autor quando se dirigiu a Santa Maria da Feira para o julgamento daqueles autos não poderia saber que ia ser alcançado) emitir e apresentar ao devedor a nota de honorários de tantos anos de trabalho e ainda tenha elaborado nesse mesmo dia o acordo de confissão de dívida, dação e cessão.
E assim, tendo em conta o teor dos depoimentos prestados em audiência e as considerações que supra referimos, a prova dos factos neste julgamento ficou-se pela prova (por certidão) das inúmeras ações que o autor instaurou como advogado (e que não estavam sequer colocadas em causa pela ré) pela prova (por certidão) do processo de insolvência da empresa que o devedor geriu e em sede da qual foi afetado pela decisão de insolvência culposa dessa sociedade, pela prova do ocorrido no processo de Santa Maria da Feira em que o devedor e os ali réus transigiram e ainda pela prova documental do contrato resolvido e da nota de honorários que o autor apresentou ao devedor.
E porque a prova produzida, nos termos que acima assinalámos não o demonstrou, considerámos como não provado que o insolvente tenha acordado com o aqui autor pagar a este os honorários de todas estas ações a final e somente os honorários destas ações porque outras existiram cujos honorários foram pagos, sem que tenha sido feita prova que esclarecesse a razão da distinção.
Já quanto ao alegado pelo autor no sentido de que a não ser ele a disponibilizar-se, pelo contrato que fez com o dito BB, em receber os honorários a final, este, certamente, nada viria a receber, foi facto considerado como não provado porque se trata de uma garantia que ninguém pode dar, nem mesmo o autor que não sabia nem poderia saber se, a ter inexistido acordo, alguma vez o devedor iria receber daqueles réus o que quer que fosse.
Quanto ao alegado desconhecimento pelo autor, quer se à data do ato o devedor se encontrava alegadamente em situação de insolvência, quer de qualquer alegado carácter prejudicial do ato e de que o devedor alegadamente se encontrava à data em alegada situação de insolvência iminente, quer, nomeadamente, do alegado início do processo de insolvência, foi feita prova, por certidão, como se viu, do patrocínio do devedor pelo autor no recurso que instauraram para reagir contra a sentença de qualificação de insolvência o que, por si só, faz concluir sem margem para qualquer dúvida num outro sentido - que o autor bem sabia que o seu cliente não tinha qualquer património e estava então (em 2013) condenado a pagar aos credores da insolvência da “A...” mais de 800.000,00€.
Por fim não foi demonstrado que a primitiva AI tenha alegado na carta de resolução factos que sabia não corresponderem à verdade, não só porque a MI conseguiu convencer o Tribunal dos factos que a AI invocou na carta de resolução, mas também porque os AI têm de resolver os negócios que hajam sido celebrados pelos devedores nos dois anos anteriores ao do início do processo de insolvência com base nos elementos de que dispõem naquele momento e a AI bem andou ao ter entendido que os contornos deste negócio eram passíveis de serem abalados por forma a fazer reverter a favor da MI o crédito que, com a transação obtida em Santa Maria da Feira, adveio para o insolvente”.
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Depois de ouvida, cuidadosamente, a gravação de todos os depoimentos prestados em audiência, designadamente os chamados à colação pelo autor/apelante – as declarações do próprio; os depoimentos das testemunhas DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ - e intuindo dos silêncios, das frases incompletas, das contradições, das imprecisões da exposição e mesmo dos diversos níveis das vozes, que resultam bem audíveis, tudo devidamente analisado e interpretado à luz da plausibilidade e razoabilidade das coisas e da experiência da vida comum e ainda com o teor dos documentos juntos aos autos, não se encontram razões que permitam concluir que a decisão sobre a matéria de facto se encontre eivada de erro e, menos ainda, de erro manifesto ou grosseiro.
Na verdade, é nossa segura convicção de que os longos depoimentos produzidos pelas testemunhas ouvidas nos autos e no que respeita, em concreto, ao presente litígio relataram factos meramente circunstâncias e por si só de pouco ou nenhum valor para a decisão da questão fundamental em apreço. Essas testemunhas relataram o “trabalho” e “estudo” que levaram a efeito e que foi necessário para intentar, contestar, impugnar, etc. os processos que intentaram em defesa dos interesses do cliente, ora insolvente, decorrentes da emissão de um cheque sem provisão passado ao insolvente pelo seu antagonista KK, que originou um processo-crime em 1998. Ora a existência de tais processos resulta das certidões juntas aos autos, podendo assim aquilatar-se da sua complexidade, morosidade e resultados obtidos. Sendo também meramente circunstancial o saber-se se a nota de honorários alegadamente apresentada pelo autor ao insolvente relativamente a tais serviços era o não a adequada e proporcional aos mesmos. Na realidade esse foi o global teor dos depoimentos das testemunhas JJ, advogada, amiga do autor e de quem foi colaboradora de 2003/2004 a 2011; EE, advogado e amigo do autor; II, advogada que colaborou com o autor entre Outono de 2000 a meados de 2008; HH, solicitador e que foi AE em várias execuções nomeado pelo autor, que conhece há mais de 30 anos; FF, secretária/funcionária do autor desde finais de 2003 e ainda, embora mais subtilmente, as testemunhas DD, empresário, reformado e que já cliente do autor e GG, empresário, filho dos insolventes e que também já foi cliente do autor.
Relevante era, em nossa segura convicção, que o autor trouxesse aos autos factos que contrariassem, infirmassem, os factos objetivos invocados pela AI na sua missiva resolutória e tal não foi conseguido de forma segura, cabal e convincente.
É facto que o alegado “Contrato de Confissão de Dívida, Dação em Pagamento e Cessão de Créditos” foi celebrado em 4.03.2019, dentro do período de 2 anos anteriores à declaração de insolvência de BB e mulher CC que ocorreu a 26.10.2020.
À data da celebração do alegado contrato, é também facto que os insolventes não dispunham de qualquer património pessoal ou empresarial, desde logo porque em 2004 os mesmos haviam doado aos seus filhos todos os bens imóveis que possuíam, sendo ainda que nessa data o passivo acumulado e vencido pelos ora insolventes acendia a mais de €500.000,00.
Por outro lado, no âmbito do processo n.º 4034/17.8 T8VFR instaurada pelos ora insolventes contra KK e outros - ação de responsabilidade civil por factos ilícitos – e onde o autor era o mandatário do primeiro, que no dia aprazado para o julgamento foi alcançada um acordo entre as partes - nos termos do qual os ali réus se obrigaram a pagar ao devedor a quantia de €60.000,00 (uma prestação de €12.000,00 até ao dia 04.04.2019 e oito prestações iguais, mensais e sucessivas de €6.000,00, vencendo-se a primeira no dia 04.05.2019 e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes) através de cheque visado ou bancário à ordem do insolvente para o escritório do mandatário, aqui autor/apelante. Mais está provado nos autos que com essa mesma data de 04.03.2019 o autor/apelante emitiu a nota de honorários relativa aos processos por si tramitados e instaurados desde 1998 concluindo pela quantia de €36.000,00 à qual foi abatido o montante de €6.000,00 que o IGFEJ havia pago diretamente ao autor pela condenação dos réus como litigantes de má-fé na ação com o nº 2183/03.9TBOAZ, ficando por pagar a quantia de €36.900,00 (€30.000,00+IVA). Mais está provado ainda que, nessa mesma data o insolvente e o autor/apelante, através de documento escrito denominado de “Confissão de Dívida, Dação em pagamento e Cessão de Créditos” declararam que estando em dívida o referido montante de €36.900,00, cedia o insolvente ao autor/apelante parte do seu crédito, autorizando o autor a fazer suas as quantias que viessem a ser pagas nas primeiras prestações até perfazer o referido montante de €36.900,00.
É também facto provado que da referida nota de honorários constam serviços prestados pelo autor em vários processos onde o insolvente era cliente do autor, pelo menos desde 1998, sendo que tais processos terminaram em 21.12.1998, 18.05.2004, 11.11.2008, 11.04.2013, 2.02.2017 e 16.05.2018. Tendo ainda resultado do global dos depoimentos produzidos que, anteriormente a 1998 inexistia qualquer relação de confiança pessoal ou outra entre o autor/apelante e o ora insolvente.
Mais resultou provado que, para além das ações referidas na dita nota de honorários, ao longo de todos esses anos o autor representou os ora insolventes noutros processos pelos quais foi sendo pelos respetivos honorários e despesas.
Ora, de relevante no caso em apreço era apurar-se da veracidade/realidade do alegado acordo alcançado entre autor/apelante e o ora insolvente, relativamente ao pagamento dos honorários devidos pelos serviços prestados nos processos decorrentes daquele cheque sem provisão e que com algumas vicissitudes laterais, já não diretamente decorrentes desse evento, e que terão terminado com o acordo alcançado no processo n.º 4034/17.8 T8VFR em 4.03.2019, apenas com a resolução final de todos eles.
É nossa segura convicção de que o autor/apelante não logrou fazer a mínima prova segura, cabal e convincente da existência de tal acordo quanto ao modo e momento de pagamento desses honorários. As testemunhas que se referiram a tal evento acabaram por dizer que sabiam tal porque o mesmo lhes foi transmitido pelo próprio autor, ou pelo ora insolvente.
Quanto à total ausência de razoabilidade e plausibilidade da existência de tal acordo, fazemos aqui nossa a extensa e bem fundamentada motivação constante da decisão recorrida que além de revelar ter um conhecimento mais alargado e profundo da situação em concreto e das suas envolvências, a qual corresponde exatamente à convicção por nós alcançada após a audição da prova, produzida nos autos e sua interpretação à luz dos teor dos documentos juntos, e da verosimilidade e normalidade das situações da vida.
Na verdade, o autor, como advogado, exerce uma profissão liberal remunerada e é dessa atividade que, em princípio, aufere os rendimentos necessários para o seu sustento e da sua família.
Ora perante tudo o que o autor/apelante efetivamente conhecia da situação do insolvente ao longo de todos esses anos, máxime desde 2004, ocasião em que o mesmo doou aos seus filhos todos os bens imóveis que possuía e já tinha um volumoso passivo vencido, como se aquilatou em 1.ª instância, tal “… seria o suficiente para o autor, por muito que tivesse o insolvente por pessoa séria que sempre honraria os compromissos, ponderar que talvez estivesse a perder a garantia patrimonial do seu crédito. Porém, pasme-se, o autor deixou que os honorários se continuassem a avolumar sem demonstrar preocupação pela forma como “a final” iria receber os seus honorários”. Por outro lado, o autor também não poderia desconhecer que em 20013 o insolvente foi condenado e afetado pela falência culposa da sua empresa, e consequentemente condenado a indemnizar todos os credores dessa insolvência, à custa do seu património, pelos créditos não satisfeitos no montante de cerca de €800.000,00, até porque o autor, recorreu dessa decisão em representação do insolvente.
Questiona-se assim o que era o insolvente na sua relação ao autor e que alegadamente originou este tratamento privilegiado, mas absolutamente inverosímil. Ou seja, como se considerou, e bem, em 1.ª instância “…ao fim de 21 anos com a realização de uma transação, não é possível ainda assim aceitarmos, e não o fazemos porque disso não nos convencemos, que uma pessoa experiente como é o autor pudesse alguma vez ter aceitado trabalhar a favor de um cliente que nada tem de especial que o distinga de outros, ao longo de mais de 20 anos, instaurando ações extremamente complexas, sem nada receber e num período de tempo durante o qual o seu cliente, para além de ter doado a favor dos seus filhos todos os seus bens, acabou condenado a indemnizar os credores da empresa de que era gerente, pelas forças do seu património pessoal”.
E ainda como se refere em 1.ª instância, “…se o autor tinha o devedor como pessoa séria e sempre soube que o devedor lhe pagaria tudo quanto fosse devido, levando-o a nada receber ao longo de mais de 20 anos de trabalho (trabalho esse que, nas palavras de uma sua colaboradora, era a maioria do trabalho do escritório do autor) e confiando até com base na mera palavra que o devedor, ao fim de tantos anos não invocaria a prescrição de alguns dos créditos do autor, como se explica que para o autor fazer seus parte dos cheques que iriam ser enviados para o seu escritório (atente-se no teor da transação obtida em juízo) foi necessária a elaboração de um documento escrito de confissão de dívida, dação em pagamento e cessão de crédito?”,”… Qual foi a alteração na relação de confiança do A. no insolvente que ao fim de 21 anos o fez mudar de atitude…”. A resposta plausível apenas pode ser uma, para que o insolvente, conluiado com o autor/apelante, retirasse da esfera dos seus credores tal quantia, deliberadamente pretendendo prejudicar estes, salvaguardando, com base nesse acordo, o único património do devedor e que deveria reverter a favor de todos os credores desta insolvência.
Finalmente também não olvidamos a absoluta falta de verossimilidade o facto de o autor/apelante que dizia ter esperado cerca de 21 anos para apresentar ao seu cliente a conta de honorário, a tenha conseguido elaborar, exatamente no mesmo dia em que foi alcançado o acordo no processo que corria termos em Santa Maria da Feira “mas que o autor quando se dirigiu a Santa Maria da Feira para o julgamento daqueles autos não poderia saber que ia ser alcançado”, a nota de honorários em referência nos autos, relativa a cerca de 21 anos de trabalho e a inúmeros processos, atos e diligências processuais “e ainda tenha elaborado nesse mesmo dia o Contrato de Confissão de dívida, Dação em Pagamento e Cessão de Créditos”.
Destarte, pelo global da prova produzida nos autos, devidamente analisada e interpretada, é nossa segura convicção da realidade dos factos n.º 26 e 27 do elenco factual julgado provado em 1.ª instância, que assim se mantêm inalterados. E por igual forma, é também nossa segura convicção de que o autor/apelante não logrou fazer prova segura, cabal e convincente da realidade dos factos constantes das alíneas f) e j) do elenco factual julgado não provado em 1.ª instância, que assim se mantêm também inalterados.
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E assim, por tudo o que se deixa consignado, considerando ainda o teor do despacho de fundamentação da decisão que recaiu sobre a matéria de facto, o teor dos documentos juntos aos autos, e o teor dos depoimentos prestados em julgamento, e como é sabido, devendo o Juiz apreciar livremente todas as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, cfr. art.º 607.º n.º5 do C.P.Civil, julgamos que a decisão proferida em 1.ª instância sobre os factos em apreço neste recurso deve manter-se inalterada, já que não se vislumbra que a mesma enferme de erro e, muito menos, erro grosseiro ou manifesto, não merecendo esta, por isso, qualquer censura.
Improcedem as respetivas conclusões do apelante.


2.ª questão – De Direito
Mantendo-se inalterado o complexo factual julgado provado e não provado em 1.ª instância e vendo o teor das alegações e respetivas conclusões recursórias do autor/apelante concluímos que o mesmo não se insurgiu de “per se” contra a aplicação de direito ao tal complexo factual.
Logo, atento o que acima já deixámos consignado, temos de concluir que nenhuma censura nos merece a decisão recorrida no que concerne à aplicação do direito aos factos, resta-nos confirmar a decisão recorrida, porque em suma estamos perante uma resolução condicional recaindo sobre a massa insolvente a alegação e prova de que os atos praticados, o foram com má-fé e essa má-fé ocorre sempre que fosse conhecida, à data do ato, a situação de insolvência do devedor e o carácter prejudicial do ato, cfr. art.ºs 120.º, n.º 5 do CIRE, sendo que a prova da veracidade de tais factos foi plenamente realizada nos autos, atento o complexo factual provado.
Improcedem as respetivas conclusões do autor/apelante.

Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e consequentemente confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo autor/apelante.

Porto, 2023.04.18
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Rodrigues Pires