Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0714737
Nº Convencional: JTRP00041502
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: ASSISTENTE
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
PECULATO
BURLA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
Nº do Documento: RP200807020714737
Data do Acordão: 07/02/2008
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 538 - FLS 137.
Área Temática: .
Sumário: I - O assistente que se limitou a aderir à acusação do Ministério Público por um crime de falsificação de documento, estando em causa a falsificação de vários documentos, não tem legitimidade para recorrer da sentença que condenou o arguido pela prática de um crime dessa natureza, na forma continuada, com vista a obter a condenação por tantos crimes de falsificação quantos os documentos falsificados.
II - Se a conduta do arguido preenche simultaneamente um crime de burla qualificada da previsão do art. 218º, nº 2, alínea a), e um crime de peculato do art. 375º, nº 1, do CP, é de considerar que cometeu só este último crime, devendo a pena concreta, porém, ser encontrada dentro da moldura penal correspondente àquele crime, por ser mais gravosa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal nº 4737/07


Acordam, em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
No .º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego, em processo comum e com intervenção de tribunal colectivo, foi submetido a julgamento o arguido B………., devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferido acórdão, no qual se decidiu absolvê-lo dos crimes de burla qualificada e de burla informática que lhe vinham imputados e condená-lo na pena única de 2 anos e 8 meses, com execução suspensa por 3 anos, correspondente às penas parcelares de 2 anos e 2 meses de prisão pela prática de um crime continuado de peculato, especialmente atenuado, p. e p. pelos arts. 375° n° 1, 30° nº 2, 72° nºs 1 e 2 al. c), 73° nº 1 als. a) e b) e 386° nº 1 al. a), todos do C. Penal, e de 1 ano e 2 meses de prisão pela prática de um crime continuado de falsificação de documento, na forma qualificada e especialmente atenuado, da previsão dos arts. 256º nºs 1 al. a), 3 e 4, 30º n° 2, 72º nºs 1 e 2 al. c), 73º n° 1 als. a) e b), 255º al. a) e 386º n° 1 al. b), todos do C. Penal.
Inconformada com o acórdão, nas partes em que absolveu o arguido dos crimes de burla informática e de burla qualificada e, considerando a conduta do arguido integradora apenas de um crime de falsificação, na forma continuada, o condenou em conformidade, dele interpôs recurso a assistente, Câmara Municipal C………., pretendendo que seja revogado naquelas partes e substituído por outro que condene o arguido pela prática do crime de burla qualificada, bem como que se determine o reenvio para novo julgamento relativamente à factualidade atinente ao crime de burla informática e que, decidindo-se existir concurso real de infracções no que concerne à factualidade atinente à falsificação de documentos, se ordene a baixa dos autos para que a 1ª instância proceda nos termos do disposto no art. 359º nºs 1 e 3 do C.P.P., para o que formulou as seguintes conclusões:

NO QUE TANGE AO CRIME DE BURLA INFORMÁTICA
1. Os factos subsumíveis ao referido tipo de ilícito foram pela decisão recorrida situados em data não apurada do ano de 2003 (cfr. facto 28) dos provados, 1° parágrafo).
2. A conduta do arguido, no que ao crime de peculato se refere, foi considerada como integrando a figura do crime continuado, sendo o último do comportamento ou acto de execução da continuação criminosa ocorrido pelo menos em 14 de Janeiro de 2004 (cfr. facto 24) dos provados)
3. Ao concluir que o arguido não praticou este ilícito (o de burla informática) porque o enriquecimento ilegítimo já tinha ocorrido com as apropriações descritas em 2) a 26), e constando afinal do texto da própria decisão recorrida que parte dessas apropriações de 2) a 26) são posteriores aos factos integradores do crime de burla informática, a decisão incorreu em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, que gera a sua nulidade (cfr. art.º 410°, nº 2, al. b) do CPP e 668°, nº 1, al. c) do CPC) e determina nessa medida a repetição do julgamento.
NO QUE TANGE AO CRIME DE FALSIFICAÇÃO
4. O arguido falsificou os seguintes documentos:
a) requisições internas: 22 (factos de 2), 4), 6), 7), 8), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25) e 26) dos provados), que o arguido preencheu pelo seu próprio punho;
b) propostas de cabimento: 25 (factos de 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25) e 26) dos provados), que autorizou por carimbo e a sua assinatura;
c) requisições externas: 24 (factos de 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25) e 26) dos provados), que autorizou por carimbo e a sua assinatura;
d) “recibos verdes”: 4 (factos de 2), 3), 9) e 10) dos provados), que faziam parte das duas cadernetas que ele próprio havia requisitado administração fiscal como contribuinte com rendimentos da categoria B de IRS, que foram apreendidas na posse do arguido, na sequência da busca domiciliária efectuado nos autos), por si integralmente preenchido e onde desenhou assinaturas como sendo dos inventados prestadores de serviços D………., E………. e F……….;
e) facturas: 20 (factos de 4), 5), 6), 7), 8), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 19), 20), 21), 22), 23), 24) e 25) dos provados), que o arguido emitiu e totalmente forjou nos exactos termos que em tais pontos da matéria de facto provada se descreve;
f) notas de honorários: 2 (factos de 3) e 9) dos provados), que ele próprio elaborado e que assinou como se dos prestadores de serviços se tratasse, assim os ficcionando, bem como aos números de contribuinte que inventou;
g) ordens de pagamento de facturas: 15 (factos de 2), 3), 4), 5), 8), 9), 10), 13), 16), 19), 20), 21), 22), 23) e 25) dos provados), que autorizou por carimbo e a sua assinatura;
h) cheques: 15 (factos de 2), 3), 4), 5), 8), 9), 10), 13), 16), 19), 20), 21), 22), 23) e 25) dos provados), que assinou para a respectiva emissão e que depositou nas suas contas bancárias, tendo exarado no verso dos mesmos, na parte do endosso, assinatura como se do ficcionado prestador do serviço ou fornecedor (ou seu representante legal) se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro nos mesmos titulada.
i) Recibos: 2 (factos de 4) e 5) dos provados), que o arguido emitiu e totalmente forjou e nos quais pôs uma assinatura, nos exactos termos que em tais pontos da matéria de facto provada se descreve:
5. Resulta da lei uma clara diferenciação da tutela penal em função da natureza do documento falsificado (cfr. os nºs 1 e 3 do artigo 256° do CP);
6. A realização plúrima do mesmo tipo de crime constitui um concurso de infracções, e não um crime continuado; não existem relações de consumpção entre o crime de peculato e o crime de falsificação pelo que a continuidade criminosa verificada quanto ao crime de peculato não impõe que exista tal continuidade no que ao crime de falsificação de documentos se refere;
7. Dos autos não resultam quaisquer factos provados que, relativamente aos cento e vinte e nove documentos, permita considerar-se verificada a continuação criminosa.
8. A diversidade de documentos em causa, a diferente natureza dos mesmos, uns enquadráveis no elenco constante do nº 3 do artigo 256º do CP (desde logo os cheques) e outros não, a diversidade dos momentos temporais em que cada falsificação ocorreu, impõem que deva ser à luz do que se dispõe no artigo 30º, nº 1 do CP que a conduta do arguido essa parte deve ser enquadrada e punida.
9. A decisão recorrida violou, pois, por erro de interpretação e aplicação o disposto em tal norma substantiva, devendo ser revogada e substituída por outra que considere verificado o concurso real de infracções no que aos crimes de falsificação se refere e que, em consequência, ordene a baixa do processo para que a primeira instância proceda nos termos do disposto no artigo 359º, nºs 1 e 3 do CPP.
NO QUE SE REFERE AO CRIME DE BURLA
10. O arguido conseguiu a apropriação criminalmente ilícita do dinheiro através do apossamento indevido de cheques para cuja emissão era insuficiente a sua assinatura; para tal, foi necessário não apenas completar com total aparência de verdade o ciclo de documentos falsos que provavam a despesa, mas também que, face aos mesmos, o tesoureiro, sob o engano provocado pela aparência de verdade provocada por tal ciclo de documentos falsos, tivesse assinado os cheques e, para além disso, que os ditos cheques fossem confiados pelos funcionários da assistente ao arguido, agindo aqueles na pressuposição de que este se encarregaria de os fazer chegar aos beneficiários em nome de quem eram emitidos;
11. Astúcia e engenho é o que ao arguido não falta, revelados na gravidade dos factos provados e na extraordinária complexidade da trama por ele urdida e na quantidade e diversidade de recursos que como falsificador e burlão revelou na construção do artifício fraudulento de que se serviu.
12. Os meios utilizados foram todos eles dirigidos à construção do engano e à inevitabilidade de lhe virem a ser entregues os cheques de que se apropriou, para o que era necessário que quando chegada a hora de emissão do cheque e tendo ele que ter a intervenção do tesoureiro, este nem por um momento duvidasse da verdade dos factos falsos que o arguido laboriosa e com empenho quase diário, inventou e que ninguém tivesse qualquer reserva em lhos confiar para que os fizesse chegar aos seus supostos beneficiários.
13. Ao absolver o arguido do crime de burla qualificado de que vinha acusado, a decisão recorrida não procedeu à correcta aplicação do direito aos factos provados, tendo incorrido em erro de julgamento e violado o disposto nos artigos 217°, n° 1 e 218°, nºs 1 e 2, al. a), com referência ao art.º 202°, al. b) do Código Penal
14. Deve pois ser revogada e substituída por outro que condene o arguido também por tal crime, de burla qualificada.

O recurso foi admitido.
Na resposta, o MºPº na 1ª instância pronunciou-se no sentido da manutenção do acórdão recorrido, concluindo como segue:

A) O presente recurso restringe-se à matéria de direito, já que a assistente não discorda da matéria de facto dada como provada, a qual não lhe merece qualquer discordância.
B) Pese embora tal asserção, ainda assim, invoca a assistente uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, que, na sua versão gera a sua nulidade e determina a repetição do julgamento, circunscrevendo-se, neste âmbito ao crime de burla qualificada, pelo qual o arguido foi, de resto, absolvido.
C) Só se verifica contradição insanável da fundamentação se o facto de que o Tribunal se serviu para o seu raciocínio lógico estiver em oposição inultrapassável com outro facto expressamente dado como provado ou não provado.
D) Afigura-se-nos que nada disto ocorreu no caso em apreço, sendo destituído de fundamento o presente recurso, e o que a recorrente faz não é senão outra coisa que sustentar ficticiamente a existência de vícios, só porque a sentença lhe é desfavorável nesta parte, por ter optado pela absolvição do arguido....
E) Aliás, parece-nos, com o devido respeito, que a questão levantada não passa de uma bizantinice, já que a recorrente não questiona que a finalidade e a intenção do arguido, ao viciar o registo informático das operações descritas, quedou-se por evitar que os fornecimentos e serviços que ficcionou relativamente à G………., Lda. e H………., Lda., ultrapassassem o montante anual de 50.000 € e fosse descoberta a sua actuação, por obrigatoriedade das mesmas serem objecto de mapas recapitulativos se os respectivos fornecimentos excedessem tal valor ...
F) Ou seja, como bem refere o douto Acórdão, não foi com esta adulteração que o arguido logrou obter para si a apropriação das importâncias em dinheiro em causa nos autos, em nenhum dos casos discriminados nos autos - nos quais se incluiu o visado fornecedor H………., Lda.; nem tal contribuiu, de algum modo, para que o arguido conseguisse tais intentos.
G) A ser assim, é linear e manifesto que se apega a assistente a insignificante e estéril pormenor, para aventar uma ficcionada contradição para tentar inquinar o douto Acórdão, que nenhum reparo merece e que, por isso, deverá ser mantido.
H) Relativamente à segunda questão nuclear suscitada no âmbito deste recurso passa por ponderar e decidir se, os factos porque o arguido foi condenado, e consubstanciadores do crime de falsificação, constituiu um único crime, um crime continuado ou um concurso de infracções.
I) É que a realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir: um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial; um só crime na forma continuada, se toda a actuação não obedeceu ao mesmo dolo mas este estiver interligado por factores exteriores que arrastam o agente para a reiteração da conduta: ou um concurso de infracções se não se verificar qualquer dos casos anteriores.
J) Conforme ficou bem explanado no douto Acórdão a propósito do crime de peculato, a cuja fundamentação integralmente se adere, demonstrado ficou que a actuação do arguido se adequa à prática de um crime continuado, desde logo pela homogeneidade da execução, da unidade de dolo (propósito final) que se manteve o mesmo desde o início embora fosse sendo renovado, a lesão do mesmo bem jurídico (independentemente da diversidade dos documentos e a diferente natureza dos mesmos que nos parece perfeitamente irrelevante) e sempre a mesma a entidade lesada (Câmara de C……….) bem como a situação exterior que se manteve também ela inalterada, o que permitiu que o arguido tivesse persistido na sua conduta e lhe facilitou a execução e bem, ainda, lhe diminuiu consideravelmente a culpa.
L) Pelo que fica dito, dos factos em causa nos autos, não podemos pugnar por uma punição autónoma, e desdobrada como pretende a assistente em 129 crimes de falsificação, e conceber tal punição nos termos pretendidos é um óbvio exagerado persecutório.
M) Por último, e em relação ao crime de burla qualificada pelo qual o arguido foi absolvido, foi tão exaustiva a fundamentação constante no douto Acórdão, que correríamos o risco de ser redundantes ou prolixos, pretender acrescentar o que quer que fosse neste âmbito. Correndo esse risco, apenas diremos que, a não se ter o entendimento do douto Acórdão e a pugnar por uma condenação, em concurso real, pelo crime de burla, parece-nos que sempre estaria o arguido a ser punido duas vezes pelos mesmos factos, e sob pena de uma violação flagrante da regra ne bis in idem.
N) Pelo que V.ªs Ex.as, mantendo o douto Acórdão recorrido nos seus precisos termos, assim farão
JUSTIÇA

O arguido apresentou resposta, na qual defendeu a manutenção da decisão recorrida, que concluiu da seguinte forma:

1)- Com todo o respeito, entende-se que é manifesta a improcedência do presente recurso (n° 1, do art° 420° do C.P.P.), pelo que, deverá ser rejeitado em conferência (al. a), do n° 4, do art° 419° do C.P.P.), limitando-se o Acórdão a identificar o Tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da Decisão (nº 3, do art° 420° do C.P.P.);
2)- Aliás, estranha-se o presente recurso e o “especial” zelo que, ao interpô-lo, demonstra a Assistente, quando há uma “nova” Câmara eleita posteriormente à prática dos factos apreciados nos presentes autos, sobretudo tendo em conta a matéria dada como provada nos nºs 36), 39) e 40) do douto Acórdão recorrido;
3)- O vício de contradição insanável entre os fundamentos e a decisão não se confunde com erro de subsunção ou de qualificação jurídica (em nosso entender inexistente) dos factos provados;
4)- Só há contradição insanável entre os fundamentos e a decisão (vício previsto no art° 410°, nº 2, al. b), do C.P.P.), quando os motivos invocados sobre o convencimento alcançado estão em contradição entre si ou com a decisão relativa à matéria de facto;
5)- Em nosso entender, relativamente à absolvição do Arguido pelo crime de burla informática, p e p no art° 221°, nº 1 e 5, al. b), do C.P., o Douto Acórdão não padece do vício “contradição insanável entre a fundamentação e a decisão”, pois “não constam do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar ao mesmo facto como provado e não provado (…)”;
6)- Não há, por isso, que repetir o Julgamento, porque não se verificam os pressupostos exigidos pelo nº 1, do art° 426° do C.P.P.;
7)- Inexiste qualquer erro de interpretação e aplicação do disposto no art° 30 do C.P., ao se ter considerado no Acórdão recorrido a prática pelo Arguido de um crime de falsificação na forma continuada (art°s 256°, nºs 1, al. a), 3 e 4 e 30°, n° 2, ambos do C. P.);
8)- Não sendo de ordenar a baixa do processo para dar cumprimento ao disposto no art° 359°, n° 1 e 3 do C.P.P.;
9)- Não há erro de julgamento ao absolver-se o Arguido do crime de burla qualificada de que vinha acusado, pois não se verificam “in casu” os pressupostos “erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados” pelo arguido e também se em consequência desse erro ou engano astucioso outrem foi determinado à prática de actos que causaram prejuízo do Município assistente;

O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da audiência.
Cumpre decidir.

2. Fundamentação
São os seguintes os factos que o Tribunal colectivo deu como provados:

1) Ao tempo dos factos que adiante se descreverão, o arguido desempenhava, em regime de substituição, o cargo de director do departamento administrativo na Câmara Municipal C………., para o qual fora nomeado, por despacho do então Presidente desta, datado de 2-12-2002.
Logo a 3-12-2002, e após ter tido conhecimento do despacho de delegação de competências proferido pela Presidência, junto a fls. 148 a 150, o arguido persuadiu o então Presidente da Câmara a introduzir-lhe uma alteração por entender que a respectiva redacção passaria a conformar-se melhor com a letra da lei, mas conseguindo também, desse modo, uma maior capacidade de intervenção na autorização das despesas.
Elaborou, então, a proposta junta a fls. 151 corporizada em despacho que apresentou, com a consequente adenda já escrita, devidamente editado e pronto a assinar, e que submeteu à consideração do mesmo Presidente da Câmara, alegando que o teor deste despacho se aproximava mais das orientações preconizadas por este, no que dizia respeito à descentralização e desconcentração das competências.
Pelo menos alguns dias depois, o arguido, abusando das competências delegadas e dos privilégios funcionais que detinha por inerência do cargo que ocupava, e utilizando os conhecimentos de que dispunha, decidiu arrecadar dinheiros municipais, o que fez de forma diversificada, nos termos a seguir descritos.
2) Assim, em data incerta, mas anterior a 16 de Janeiro de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia requisitar a D………. - fornecedor que ficcionou e a que atribuiu o n° de contribuinte ………, e a residência na Rua ………., …, Porto -, a elaboração de estudo sobre procedimentos internos de auditoria, no valor de 4.500 €, datando-a, no entanto, de 16 de Dezembro de 2003.
O arguido apresentou, em simultâneo, o recibo verde AGQ ……., que fazia parte de uma caderneta que ele próprio havia requisitado à administração fiscal como contribuinte com rendimentos da categoria B de IRS (que faziam parte de 2 livros de recibos verdes originários que foram apreendidos na posse do arguido, na sequência da busca domiciliária efectuada nos autos, e onde tinha desenhado uma assinatura como sendo do inventado prestador do serviço, D………., datando-o do mesmo dia.
Em face da requisição elaborada pelo arguido, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com n° …, datada de 16-1-2003, o qual também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …, documentos estes em que o arguido após a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
E também nesse dia foi elaborada a respectiva ordem de pagamento de facturas com o n° .. e, em simultâneo, feita a retenção de 20% (900€) de IRS para entrega ao Estado, processando-se o recibo de operações de tesouraria n° ..
Nesse seguimento, a repartição de contabilidade emitiu, assim, o cheque n° ………., sobre o I………., à ordem do aludido prestador do serviço, D………., na importância de 3.600€.
A ordem de pagamento e o cheque foram assinados pelo próprio arguido e após, foram enviados à Tesouraria, pelos serviços de contabilidade.
A solicitação do arguido, o cheque foi-lhe entregue pelo Tesoureiro, por ter alegado que o entregaria directamente ao prestador do serviço, até porque fora ele também o portador do recibo.
Com a saída da respectiva despesa foi operado o débito com o fornecedor, saldando-se o mesmo e a ordem de pagamento conferida pelas pessoas com capacidade para tal.
No dia 17-1-2003, o arguido depositou o cheque na sua conta com o n° ……., agência da J………. de ………., tendo exarado no verso do mesmo, na parte do endosso, uma assinatura, como se do ficcionado prestador do serviço se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro no mesmo titulada.
3) No dia 3 de Fevereiro de 2003, o arguido despachou a nota de honorários, cuja copia consta de fls. 81 do Apenso III, no valor de 2.500€, relativa a serviços de consultoria na área da organização, que, previamente, ele próprio havia elaborado e que assinou com uma rubrica ilegível como se do prestador de serviços se tratasse, assim ficcionando, desta feita, um tal E………., Dr., a que atribuiu o número (por si inventado) de contribuinte ………, e a residência na Rua ………., .., em Vila Real, remetendo-a à contabilidade para cabimentação.
Em face do despacho exarado pelo arguido, foi emitida informaticamente, pelo funcionário da contabilidade, a respectiva proposta de cabimento com nº …, datada de 3-2-2003, o qual também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …, documentos estes em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
E, no dia seguinte, foi elaborada a respectiva ordem de pagamento de facturas com o n° … e, em simultâneo, feita a retenção de 20% (500€) de IRS para entrega ao Estado, processando-se o recibo de operações de tesouraria n° ...
Nesse seguimento, a repartição de contabilidade emitiu o cheque n° ………., sobre a J………., à ordem do prestador do serviço, o ficcionado E………., na importância de 2.475€.
A ordem de pagamento e o cheque foram assinados pelo próprio arguido e, após, foram enviados à Tesouraria, pelos serviços de contabilidade.
O arguido apresentou, nesse mesmo dia, o recibo verde AHE ……. que fazia parte de uma caderneta que ele próprio havia requisitado à administração fiscal como contribuinte com rendimentos da categoria B de IRS, e onde tinha desenhado uma assinatura como sendo a do prestador do serviço, E………., datando-o do mesmo dia.
A solicitação do arguido, o cheque foi-lhe entregue pelo Tesoureiro, por ter alegado que o entregaria directamente ao prestador do serviço, até porque fora ele também o portador do recibo.
Com a saída da respectiva despesa foi operado o débito com o fictício fornecedor, saldando-se o mesmo e a ordem de pagamento conferida pelas pessoas com capacidade para tal.
No dia 5-2-2003, o arguido depositou o cheque na sua conta com o nº …….., agência do K………. de Vila Pouca de Aguiar, tendo exarado no verso do mesmo, na parte do endosso, uma assinatura, como se do (ficcionado) prestador do serviço se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro no mesmo titulada.
4) Ainda no dia 3 de Fevereiro de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia requisitar a elaboração de estudo prévio relativo ao arranjo urbanístico do nó de ………., comunicando aos serviços que esse estudo já havia sido encomendado ao G………., Lda., por 4.600€, mais IVA, no montante global de 5.474€.
Em face da requisição elaborada pelo arguido, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com n° …, datada de 4-2-2003, o qual também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …, documentos estes em que o arguido após a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 13-2-2003, o arguido remeteu à contabilidade a factura com o n° …., datada 7-2-2003, por si emitida e totalmente forjada, concebida por cópia a partir de outras desse prestador de serviços, existentes na CM C………., já que esta sociedade era fornecedora habitual do Município, e de que digitalizou o cabeçalho e o rodapé, elaborando em computador as restantes partes da factura - assim criando a aparência do papel timbrado e respectivo logótipo - e apondo na mesma um carimbo que previamente mandara efectuar (que veio a ser apreendido na sua posse, na busca domiciliária ordenada nos autos e documentada no auto de fls. 400), por cima do qual desenhou uma rubrica ilegível, e referente à ficcionada elaboração do estudo.
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios e no mesmo dia lançada a crédito do fornecedor.
No dia 21-2-2003, o arguido determinou, oralmente, que fosse emitida a respectiva ordem de pagamento de facturas, que foi elaborada com o n° … e que fosse emitido o respectivo cheque.
A repartição de contabilidade emitiu, assim, o cheque n° ………. sacado sobre o L………., à ordem do G………., Lda, na quantia de 5.474€, ou seja de 4.600€ + 874 € de IVA.
A ordem de pagamento e o cheque foram assinados pelo próprio arguido e, após, foram enviados à Tesouraria, pelos serviços de contabilidade.
Nesses serviços foi assinada a inerente ordem de pagamento e com a saída já respectiva despesa foi operado o débito com o fornecedor, saldando-se o mesmo, e foi emitido o ofício, assinado pelo arguido, fazendo a remessa do aludido cheque e a solicitar o envio do correspondente recibo.
Ao invés de ter sido enviado tal ofício e remetido o cheque, o arguido apropriou-se do cheque que, no dia 24-2-2003, depositou na sua conta com o n° …….., agência do K………. de Vila Pouca de Aguiar, tendo exarado no verso do mesmo, na parte destinada ao endosso, uma assinatura e carimbo, como se do prestador do serviço se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro no mesmo titulada.
No dia 22 de Abril de 2004 o arguido remeteu à contabilidade o recibo …., datado de 7-3-2003, por si fabricado e forjado, à semelhança do procedimento descrito em 4. c), no qual apôs uma assinatura, como se do prestador do serviço se tratasse.
5) No dia 11 de Fevereiro de 2003, o arguido determinou a cabimentação da elaboração do projecto de execução do arranjo urbanístico do Nó de ………., que seria efectuado pelo G………., Lda., por 24.500€, mais IVA.
Em face do despacho do arguido, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com n° …, datada de 11-2­2003, o qual também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …, datada de 13/02/2003, documentos estes em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 17-2-2003, o arguido remeteu à contabilidade a factura com o nº …., datada 13-2-2003, por si emitida, totalmente forjada e concebida, utilizando os mesmos procedimentos já atrás descritos e referente à ficcionada elaboração do projecto, em que figuravam honorários orçados em 24.500€ + 4.655€ de IV A á taxa de 19%.
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios, em 25-2-2003, tendo sido creditada a conta do G………., Lda, no aludido valor.
No dia 5-3-2003, o arguido determinou, oralmente, que fosse emitida a respectiva ordem de pagamento de facturas, que foi elaborada com o n° … e que fosse emitido o respectivo cheque.
A repartição de contabilidade emitiu, assim, o cheque n° ………., sobre a J………., à ordem do G………., Lda, na quantia de 29.155€, ou seja de 24.500€ + 4.655€ de IVA.
A ordem de pagamento e o cheque foram assinados pelo próprio arguido e, após, foram enviados à Tesouraria, pelos serviços de contabilidade.
Nesses serviços foi assinada a inerente ordem de pagamento e com a saída da respectiva despesa foi operado o débito com o fornecedor, saldando-se o mesmo, e foi emitido o ofício, assinado pelo arguido, fazendo a remessa do aludido cheque e a solicitar o envio do correspondente recibo.
Ao invés de ter sido enviado tal oficio e de ter remetido o cheque, o arguido apropriou-se daquele cheque que, no dia 6-3-2003, depositou na sua conta com o n° …….., da agência do K………. de Vila Pouca de Aguiar, tendo exarado no respectivo verso, na parte destinada ao endosso, uma assinatura e carimbo, como se do prestador do serviço se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro que aquele titulava.
No dia 22 de Abril de 2004 o arguido remeteu à contabilidade o recibo …, datado de 13-3-2003, por si fabricado e forjado à semelhança do procedimento já atrás descrito, em que apôs uma assinatura, como se do prestador do serviço se tratasse.
6) Em data incerta, mas anterior ou no próprio dia 13 de Fevereiro de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia adquirir a M………., L.da (sociedade detida por familiares seus e maioritariamente pela firma N……….e, Lda., da qual o arguido era sócio e gerentes os seus pai e irmão) e que se encontrava então inactiva), com o n° de contribuinte ……… e com sede na Rua ………., .., Penafiel, 300 m2 de gesso cartonado, pelo preço de 4.800€.
Em face de tal requisição, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com o n° …., datada de 13-2-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o nº …, documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 22-4-2003, o arguido confirmou a entrega do aludido material e remeteu à contabilidade a factura com o n° …, datada 14-2-2003, por si emitida e totalmente forjada, que elaborou em computador, e apondo na mesma um carimbo que previamente havia mandado efectuar, o qual veio a ser apreendido na sua posse, na sequência da busca domiciliária ordenada nos autos, e em cima do qual desenhou, ele próprio, uma rubrica ilegível.
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios, em 22-4-2003, tendo sido creditada a conta corrente da indicada M………., Lda., no aludido valor, ou seja 4. 800€ + 912€ de IVA, no total de 5. 712€.
7) No dia 21 de Fevereiro de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho, a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia adquirir à referida M………., Lda, 285 m2 de gesso cartonado, pelo preço de 4.560€.
Em face de tal requisição, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com nº …., datada de 14-3-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …., documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 22-4-2003, o arguido confirmou a entrega do aludido material e remeteu à contabilidade a factura com o n° …, datada de 18-3-2003, por si emitida e totalmente forjada, nos mesmos moldes já descritos em 6).
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios, em 22-4-2003, tendo sido creditada a conta corrente da sociedade M………., Lda., no aludido valor, ou seja 4.560€ + 866,40€ de IVA, no total de 5.426,40€.
8) No dia 7 de Abril de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho, a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia adquirir a mesma M………., Lda., 305 m2 de gesso cartonado, pelo preço de 4.880€.
Em face de tal requisição, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com o nº …., datada de 8-4-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …., documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 22-4-2003, o arguido confirmou a entrega do aludido material e remeteu à contabilidade a factura com o n° …, datada de 14-4-2003, por si emitida e totalmente forjada, nos moldes já descritos em 6).
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios, em 22-4-2003, tendo sido creditada a conta corrente da M………., Lda., no aludido valor, ou seja 4.880€ + 927,20€ de IV A, no total de 5.807,20€.
E, no dia 23-5-2003, o arguido ordenou a emissão da respectiva ordem de pagamento de facturas, que visavam pagar à M………., Lda., as facturas a que se reportam as cópias de fls. 107, 111 e 115 do apenso III, com o n° …., que foi elaborada e, consequentemente, a emissão do respectivo cheque.
A repartição de contabilidade emitiu, assim, o cheque n° ………., sobre a J………., à ordem da aludida sociedade, alegadamente fornecedora dos bens, na importância que totalizava de 16.945,60€.
A ordem de pagamento e o cheque foram assinados pelo próprio arguido e, após, foram enviados à Tesouraria pelos serviços de contabilidade.
Nestes serviços foi assinada a inerente ordem de pagamento e com a saída da respectiva despesa foi operado o débito com o fornecedor, saldando-se o mesmo, e foi emitido o oficio, assinado pelo arguido, fazendo a remessa do aludido cheque e solicitando o envio do correspondente recibo.
Em vez de ter sido enviado tal oficio e remetido o cheque, o arguido apropriou-se do aludido cheque que no dia 27-5-2003 depositou na sua conta com o n° ………, agência do K………. de Vila Pouca de Aguiar, tendo exarado no verso do mesmo, na parte do endosso, uma assinatura e carimbo, como se do fornecedor de bens se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro no mesmo titulada.
9) No dia 22 de Abril de 2003, o arguido despachou a nota de honorários cuja cópia consta de fls. 119 do apenso III no valor de 3.465€, relativa a serviços de assistência jurídica, que previamente havia, ele próprio, elaborado e a qual assinou com uma assinatura como se do prestador de serviços se tratasse, assim ficcionando um tal O………., a que atribuiu o número, por si inventado, de contribuinte ......... e a residência na Rua ………., …, .°, Porto, remetendo-a à contabilidade para pagamento.
Em face da nota de honorários e do despacho na mesma exarado, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com n° …., datada de 22-4-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o nº …., documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
Em obediência ao mesmo despacho, foi emitida, no dia seguinte, a respectiva ordem de pagamento de facturas com o n° …, que foi elaborada e, em simultâneo, feita a retenção de 20% (700€) de IRS para entrega ao Estado, processando-se o recibo de operações de tesouraria n° … .
Nesse seguimento, a repartição de contabilidade emitiu o cheque n° ………., sobre a J………., à ordem do ficcionado prestador do serviço (O……….), na quantia de 3.465€.
A ordem de pagamento e o cheque foram assinados pelo próprio arguido e, após, foram enviados à Tesouraria pelos serviços de contabilidade.
O arguido apresentou, nesse mesmo dia, o recibo verde AHE ……. que fazia parte de uma caderneta que ele próprio havia requisitado à administração fiscal como contribuinte com rendimentos da categoria B de IRS, e onde tinha desenhado uma assinatura como sendo do prestador do serviço, O………., datando-o do dia 22-4-2003.
A solicitação do arguido, o cheque foi-lhe entregue pelo tesoureiro, por ter alegado que o entregaria directamente ao prestador do serviço, até porque fora ele também o portador do recibo.
Com a saída da respectiva despesa foi operado o débito com o fornecedor, saldando-se o mesmo e a ordem de pagamento conferida pelas pessoas com capacidade para tal.
No dia 24-4-2003, o arguido depositou o cheque na sua conta com o nº …….., na agência do K………. de Vila Pouca de Aguiar, tendo exarado no verso do mesmo, na parte do endosso, uma assinatura, como se do ficcionado prestador do serviço se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro no mesmo titulada.
10) No dia 12-05-2003, o arguido despachou o recibo verde AGQ ……., que fazia parte da referida uma caderneta que ele próprio havia requisitado à administração fiscal como contribuinte com rendimentos da categoria B de IRS, preenchendo-o e assinando-o com uma rubrica ilegível, como sendo do prestador do serviço, assim ficcionando um tal F………., a que atribuiu o número de contribuinte, por si inventado, ………, e a residência na Rua ………., … - .° Porto, relativo a serviços de consultadoria na área de Organização e Gestão de Recursos Humanos, no valor de 4.500€, remetendo-a à contabilidade para cabimentação.
Em face de tal despacho, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a respectiva proposta de cabimento com o n° …., datada de 12-5-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …., documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
Nessa sequência, foi emitida a respectiva ordem de pagamento de facturas com o n° …, que foi elaborada e, em simultâneo, feita a retenção de 20% (900€) de IRS para entrega ao Estado, processando-se o recibo de operações de tesouraria n° …, bem como o respectivo cheque.
A repartição de contabilidade emitiu, assim, o cheque n° ………., sobre o I………., à ordem do ficcionado prestador do serviço, na importância de 3.600€.
A ordem de pagamento e o cheque foram assinados pelo próprio arguido e, após, foram enviados à Tesouraria pelos serviços de contabilidade.
A solicitação do arguido, o cheque foi-lhe entregue pelo Tesoureiro, por ter alegado que o entregaria directamente ao prestador do serviço, até porque fora ele também o portador do recibo.
Com a saída da respectiva despesa foi operado o débito com o fornecedor, saldando-se o mesmo e a ordem de pagamento conferida pelas pessoas com capacidade para tal.
No dia 15-5-2003, o arguido depositou o cheque na sua conta com o nº ………, na agência do K………. de Vila Pouca de Aguiar, tendo exarado no verso do mesmo, na parte do endosso, uma assinatura, como se do ficcionado prestador do serviço se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro no mesmo titulada.
11) No dia 13 de Maio de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia requisitar a elaboração de estudo prévio relativo ao arranjo urbanístico da ………., à G………., Lda., por 4.800€, mais IVA.
Em face da requisição elaborada pelo arguido, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a respectiva proposta de cabimento com o n° …., datada de 14-5-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …., documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 22-5-2003, o arguido remeteu à contabilidade a factura com o n° …, datada 22-5-2003, por si emitida e totalmente forjada, nos exactos moldes já descritos em 4), e referente à ficcionada elaboração do estudo.
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios e no mesmo dia lançada a crédito da fornecedora, no montante de 5.712€ (4.800€ + 912€ de IVA).
12) No dia 19 de Maio de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho, a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia requisitar a elaboração de estudo prévio urbanístico de ………., à G………., Lda., por 4.800€, mais IVA.
Em face de tal requisição, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com o n° …., datada de 21-5-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° ….., documentos em que o arguido após a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 22-5-2003, o arguido remeteu à contabilidade a factura com o nº …, datada do mesmo dia, por si emitida e totalmente forjada, com o procedimento descrito em 4), e referente à ficcionada elaboração do estudo.
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios e no mesmo dia lançada a crédito da fornecedora, no montante de 5.712€ (4.800€ + 912€ de IVA).
13) No dia 26 de Maio de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia requisitar a elaboração de estudo prévio urbanístico de ………. à mesma G………., Lda., por 4.900€, mais IVA.
Em face de tal requisição foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a respectiva proposta de cabimento com n° …., datada de 26-5-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …., documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 28-5-2003, o arguido remeteu à contabilidade a factura com o n° …, datada 27-5-2003, por si emitida e totalmente forjada, nos exactos moldes definidos em 4), e referente à ficcionada elaboração do estudo.
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios e no mesmo dia lançada a crédito da fornecedora, no montante de 5.831€ (4.900€ + 931€ de IVA).
E no dia 28-5-2003, o arguido ordenou a emissão da respectiva ordem de pagamento de facturas, que visavam pagar à G………., Lda, as facturas a que se reportam as cópias de fls. 137, 141 e 145 do apenso III, com o n° …., que foi elaborada.
Nesse seguimento, a repartição de contabilidade emitiu o cheque n° ………., sobre a J………, à ordem da G………., Lda, alegadamente fornecedora dos serviços discriminados, no montante de 17.255€.
A ordem de pagamento e o cheque foram assinados pelo próprio arguido e, após, foram enviados à Tesouraria pelos serviços de contabilidade.
Nesses serviços foi assinada a inerente ordem de pagamento e com a saída da respectiva despesa foi operado o débito com a fornecedora, saldando-se o mesmo, e foi emitido o oficio, assinado pelo arguido, fazendo a remessa do aludido cheque e solicitando o envio do correspondente recibo.
Ao invés de ter sido enviado tal ofício bem como ter remetido o cheque, o arguido apropriou-se do aludido cheque que depositou na sua conta com o nº ………, agência do K………. de Vila Pouca de Aguiar, tendo exarado no verso do mesmo, na parte do endosso, uma assinatura e carimbo, como se do (legal representante da) fornecedora de serviços se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro no mesmo titulada.
14) No dia 20 de Junho de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho a requisição interna do modelo em uso na CM C……., onde fez constar que pretendia requisitar a elaboração de estudo prévio de requalificação urbanística da zona do ………. a H………, Lda., por 4.900€, mais IVA.
Em face de tal requisição, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a respectiva proposta de cabimento com o n° …., datada de 23-6-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …., documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 7-8-2003, o arguido confirmou o recebimento do serviço e remeteu à contabilidade a factura com o n° .., datada de 30-6-2003, por si emitida e totalmente forjada, concebida por cópia a partir de outras facturas desse prestador de serviços, existentes na CM C………., já que esta sociedade era fornecedora habitual do Município, das quais digitalizou o cabeçalho e rodapé (assim criando a aparência de papel timbrado) e elaborando em computador as restantes partes da factura, apondo na mesma uma rubrica ilegível, como se do gerente se tratasse, referente à ficcionada elaboração do estudo.
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios e no mesmo dia lançada a crédito da fornecedora, no montante de 5.831€ (4.900€ + 931€ de IVA).
15) No dia 31 de Julho de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho, a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia adquirir à já atrás mencionada M………., Lda., 90 manilhas de 1.00, para recuperação de condutas de águas residuais, pelo valor de 4.931,10€ + IVA.
Em face de tal requisição, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com o nº 3490, datada de 5-8-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …., documentos em que o arguido após a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 15-9-2003, o arguido confirmou a entrega do aludido material e remeteu à contabilidade a factura com o n° …., datada de 6-8-2003, por si emitida e totalmente forjada, nos moldes descritos em 6), que aqui se dá por reproduzida para os legais efeitos.
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios, em 15-9-2003, tendo sido creditada a conta corrente da indicada sociedade, no aludido valor, ou seja 4.931,10€ + 936,91 € de IVA, no total de 5.868,01€.
16) Ainda, no dia 31 de Julho de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho, a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia requisitar o fornecimento do anteprojecto relativo à requalificação urbanística do ………. à H………., Lda., por 14.700€, mais IVA.
Face a tal requisição elaborada pelo arguido, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com o n° …., datada de 5-8-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …., documentos em que o arguido após a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 7-8-2003, o arguido confirmou o recebimento do serviço requisitado e remeteu à contabilidade a factura com o n° .., datada 6-8-2003, por si emitida e totalmente forjada, que concebeu nos termos já descritos em 14), e referente à ficcionada elaboração do estudo.
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios e no mesmo dia lançada a crédito da fornecedora, no montante de 17.493€ (14.700€ + 2.793€ de IVA).
E nesse mesmo dia, o arguido ordenou a emissão da respectiva ordem de pagamento de facturas, que visavam pagar à H………., Lda., as quantias a que se reportavam as cópias de fls. 152 e 160 do apenso III, com o n° …., que foi elaborada, e do respectivo cheque.
Nessa sequência, a repartição de contabilidade emitiu, assim, o cheque n° ……......., sobre a J………., à ordem da H………., Lda., alegadamente fornecedora dos serviços discriminados, no montante de 23.324€.
A ordem de pagamento e o cheque foram assinados pelo próprio arguido e, após, foram enviados à Tesouraria pelos serviços de contabilidade.
Nesses serviços foi assinada a inerente ordem de pagamento e com a saída da respectiva despesa foi operado o débito com a fornecedora, saldando-se o mesmo, e foi emitido o oficio, assinado pelo arguido, fazendo a remessa do aludido cheque e solicitando o envio do correspondente recibo.
Ao invés de ter sido enviado tal oficio bem como ter remetido o cheque, o arguido apropriou-se do aludido cheque que depositou na sua conta com o n° ………, agência do K………. de Vila Pouca de Aguiar, tendo exarado no verso do mesmo, na local destinado ao endosso, uma rubrica, como se do fornecedor de serviços se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro no mesmo titulada.
17) No dia 13 de Agosto de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho, a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia requisitar a elaboração de estudo prévio de requalificação urbanística em ………., à dita H………., Lda., por 4.500€, mais IVA.
Em face de tal requisição, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com o nº …., datada de 26-8-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …., documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 15-9-2003, o arguido confirmou o recebimento do serviço e remeteu à contabilidade a factura com o n° .., datada de 29-8-2003, por si emitida e totalmente forjada, que concebeu nos moldes já descritos em 14), e referente à ficcionada elaboração do estudo.
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios e no mesmo dia lançada a crédito da fornecedora, no montante de 5.355€ (4.500€ + 855€ de IVA.
18) No dia 13 de Agosto de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia adquirir à já referida M………., Lda., 120 cones de 1,00, 100 argolas de 1,00 e 15 manilhas de 1.00, para recuperação de condutas de águas residuais, pelo valor de 4.883,85€ + IVA.
Face a tal requisição, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a respectiva proposta de cabimento com o n° …., datada de 26-8-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …., documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 15-9-2003, o arguido confirmou a entrega do aludido material e remeteu à contabilidade a factura com o nº …., datada de 27-8-2003, por S1 emitida e totalmente forjada, actuando nos moldes descritos em 6).
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios, em 15-9-2003, tendo sido creditada a conta corrente da indicada sociedade, no aludido valor, ou seja 4.833,95€ + 927,93€ de IVA, no total de 5.811,78€.
19) Ainda, no dia 15 de Setembro de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho, a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia requisitar o fornecimento do projecto relativo à requalificação urbanística do ………. à H………., Lda., por 19.500€, mais IVA.
Face a tal requisição elaborada pelo arguido, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a respectiva proposta de cabimento com o n° …., datada desse mesmo dia, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …., documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 17-9-2003, o arguido confirmou o recebimento do serviço requisitado e remeteu à contabilidade a factura com o n° .., datada de 17-9-2003, por si emitida e totalmente forjada, concebendo-a conforme se descreveu em 14), e referente à ficcionada elaboração do estudo.
A factura em causa foi registada, pelos serviços próprios, no dia seguinte e lançada a crédito da fornecedora, no montante de 23.205€ (19.500€ + 3.705€ de IVA.
E nesse mesmo dia, o arguido ordenou a emissão da respectiva ordem de pagamento de facturas, que visavam pagar a H………., Lda., as quantias a que se reportam as cópias de fls. 167 e 175 do apenso III, com o n° …., que foi elaborada, e do respectivo cheque.
Nesse seguimento, a repartição de contabilidade emitiu o cheque n° ………., sobre o I………., à ordem da H………., Lda., alegadamente fornecedora dos serviços discriminados, na quantia que totalizava de 28.560€.
A ordem de pagamento e o cheque foram assinados pelo próprio arguido e, após, foram enviados à Tesouraria pelos serviços de contabilidade.
Nesses serviços foi assinada a inerente ordem de pagamento e com a saída da respectiva despesa foi operado o débito com a fornecedora, saldando-se o mesmo, e foi emitido o oficio, assinado pelo arguido, fazendo a remessa do aludido cheque e solicitando o envio do correspondente recibo.
Ao invés de ter sido enviado tal oficio bem como o cheque, o arguido apropriou-se do aludido cheque, que depositou na sua conta com o n° ………, agência do K………. de Vila Pouca de Aguiar, tendo exarado no verso do mesmo, na parte destinada ao endosso, uma rubrica, como se do fornecedor de serviços se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro naquele titulada.
20) No dia 15 de Outubro de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia requisitar o fornecimento do projecto relativo à requalificação urbanística em ………. (reformulação da rede viária) à H………., Lda., por l5.000€, mais IVA.
Em face de tal requisição, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a respectiva proposta de cabimento com o n° …., datada desse mesmo dia, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …., documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 22-10-2003, o arguido confirmou o recebimento do serviço requisitado e remeteu à contabilidade para pagamento a factura com o n° …, datada 16-10-2003, por si emitida e totalmente forjada, concebida nos moldes já descritos em 14), e referente à ficcionada elaboração do estudo.
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios e nesse mesmo dia lançada a crédito da fornecedora, no montante de 17.850€ (15.000€ + 2.850€ de IVA).
E nesse mesmo dia, atento o teor do despacho do arguido que ordenava o pagamento imediato da factura, foi emitida a respectiva ordem de pagamento de facturas, com o nº …. .
Nesse seguimento, a repartição de contabilidade emitiu o cheque n° ………., sobre a J………., à ordem da H………., Lda., alegadamente fornecedora dos serviços requisitados, na quantia de 17.850€.
A ordem de pagamento e o cheque foram assinados pelo próprio arguido e, após, foram enviados à Tesouraria pelos serviços de contabilidade.
Nesses serviços foi assinada a inerente ordem de pagamento e com a saída da respectiva despesa foi operado o débito com a fornecedora, saldando-se o mesmo, e foi emitido o oficio, assinado pelo arguido, fazendo a remessa do aludido cheque e solicitando o envio do correspondente recibo.
Ao invés de ter sido enviado tal oficio bem como ter remetido o cheque, o arguido apropriou-se deste, que depositou, no dia 23-10-2003, na sua conta nº ………, agência do K………. de Vila Pouca de Aguiar, tendo exarado no verso do mesmo, na local destinado ao endosso, uma rubrica como se do (representante da) fornecedora de serviços se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro no mesmo titulada.
21) No dia 30 de Outubro de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia adquirir à dita M………., Lda., 200 sacos de cimento, 150 cones de 1,00 e 120 metros de tubo de 2,00, pelo valor de 5.157€, com IVA.
Face a tal requisição, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com o n° …., datada de 31-10-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …., documentos em que o arguido após a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 7-11-2003, o arguido remeteu à contabilidade, para pagamento, a factura com o nº …., datada de 3-11-2003, por si emitida e totalmente forjada, concebida nos termos descritos em 6).
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios tendo sido creditada a conta corrente da indicada sociedade, no aludido valor, ou seja 4.333,61€ + 823,99€ de IVA, no total de 5.157€.
E no dia 10-11-2003, atento o teor do despacho do arguido que ordenava o pagamento da factura, foi emitida a respectiva ordem de pagamento de facturas, com o nº …., que visava pagar à M………., Lda as quantias a que se reportam as cópias das facturas de fls. 156, 171 e 188 do apenso III.
Nesse seguimento, a repartição de contabilidade emitiu o cheque n° ………., sobre a J………., à ordem da M………., Lda., alegadamente fornecedora dos bens adquiridos, na quantia de 16.836,79€.
A ordem de pagamento e o cheque foram assinados pelo próprio arguido e, após, foram enviados à Tesouraria pelos serviços de contabilidade.
Nesses serviços foi assinada a inerente ordem de pagamento e com a saída da respectiva despesa foi operado o débito com a fornecedora, saldando-se o mesmo, e foi emitido o oficio, assinado pelo arguido, fazendo a remessa do aludido cheque e solicitando o envio do correspondente recibo.
Ao invés de ter sido enviado tal oficio bem como o cheque, o arguido apropriou-se deste, que depositou, no dia 14-11-2003, na sua conta com o n° ………., agência do K………. de Vila Pouca de Aguiar, tendo exarado no verso do mesmo, no local destinado ao endosso, uma rubrica e aposto um carimbo como se do fornecedor de bens se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro no mesmo titulada.
22) No dia 24 de Novembro de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho, a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia adquirir à M………., Lda., 100 manilhas de 1,00, pelo valor de 5.749€, com IVA incluído.
Face a tal requisição, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com o n° …., datada de 26-11-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …., documentos em que o arguido após a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 5-12-2003, o arguido remeteu à contabilidade para pagamento a factura com o n° …., datada de 27-11-2003, por si emitida e totalmente forjada, elaborada nos precisos moldes descritos em 6), que aqui se dão por reproduzidos.
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios tendo sido creditada a conta corrente da referida sociedade, no aludido valor, ou seja 4.831,09€ + 917,91€ de IVA, no total de 5.749€.
E no dia 9-12-2003, atento o teor do despacho do arguido que ordenava o pagamento da factura, foi emitida a respectiva ordem de pagamento de facturas com o n° …. .
Nesse seguimento, a repartição de contabilidade emitiu o cheque n° ………., sobre o I………., à ordem de M………., Lda., alegadamente fornecedora dos bens adquiridos, na quantia de 5.749€.
A ordem de pagamento e o cheque foram assinados pelo próprio arguido e, após, foram enviados à Tesouraria pelos serviços de contabilidade.
Nesses serviços foi assinada a inerente ordem de pagamento e com a saída da respectiva despesa foi operado o débito com a fornecedora, saldando-se o mesmo, e foi emitido o oficio, assinado pelo arguido, fazendo a remessa do aludido cheque e solicitando o envio do correspondente recibo.
Em vez de ter enviado tal oficio e remetido o cheque, o arguido apropriou-se deste último, que depositou na sua conta nº ………, agência do K………. de Vila Pouca de Aguiar, tendo exarado no verso do mesmo, no local destinado ao endosso, uma rubrica e aposto um carimbo como se do (representante da) fornecedora de bens se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro no mesmo titulada.
23) No dia 24 de Novembro de 2003, o arguido preencheu pelo seu próprio punho, a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia requisitar o fornecimento do projecto relativo à requalificação urbana de ……… à H………., Lda., por 21.000€, mais IVA.
Em face de tal requisição, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a respectiva proposta de cabimento com o nº …., datada de 26-11-2003, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o nº …., documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 5-12-2003, o arguido remeteu à contabilidade a factura com o n° …, datada 26-11-2003, por si emitida e totalmente forjada, concebida nos exactos termos descritos em 14), e referente à ficcionada elaboração do estudo.
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios nesse mesmo dia e lançada a crédito da fornecedora, no montante de 24.990€ (21.000€ + 3.990€ de IVA.
E em obediência ao despacho exarado pelo arguido, foi emitida a respectiva ordem de pagamento de facturas com o nº …., que foi elaborada.
E, nesse seguimento, a repartição de contabilidade emitiu o cheque n° ………., sobre a J………., à ordem da H………., Lda., alegadamente fornecedora dos serviços discriminados, na quantia de 24.990€.
A ordem de pagamento e o cheque foram assinados pelo próprio arguido e, após, foram enviados à Tesouraria, pelos serviços de contabilidade.
Nesses serviços foi assinada a inerente ordem de pagamento e com a saída da respectiva despesa foi operado o débito com a fornecedora, saldando-se o mesmo, e foi emitido o oficio, assinado pelo arguido, fazendo a remessa do aludido cheque e solicitando o envio do correspondente recibo.
Em vez de ter enviado tal oficio e remetido o cheque, o arguido apropriou-se deste último, que depositou, no dia 9-12-2003, na sua conta com o nº ………, agência do K………. de Vila Pouca de Aguiar, tendo exarado no verso do mesmo, no local destinado ao endosso, uma rubrica, como se do (representante da) fornecedora de serviços se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro no mesmo titulada.
24) No dia 7 de Janeiro de 2004, o arguido preencheu pelo seu próprio punho a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia requisitar o fornecimento do projecto urbanístico para a ………. à H………., Lda., por 17.500€, mais IVA.
Em face de tal requisição, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com o n° …, datada do dia seguinte, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …, documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 14-1-2004, o arguido remeteu à contabilidade para pagamento a factura com o n° ., datada 9-1-2004, por si emitida e totalmente forjada, concebida nos exactos termos descritos em 14), e referente à ficcionada elaboração do estudo.
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios e, no dia 19-1-2004, lançada a crédito da fornecedora, no montante de 20.825€ (17.500€ + 3.325€ de IVA.
25) E nesse mesmo dia 7 de Janeiro de 2004, o arguido preencheu pelo seu próprio punho, a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia requisitar o fornecimento do estudo prévio urbanístico para o ………. à H………., Lda., por 4.500€, mais IVA.
Perante tal requisição, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com o n° …, datada do dia seguinte, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o n° …, documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
No dia 14-1-2004, o arguido remeteu à contabilidade para pagamento a factura com o n° ., datada 9-1-2004, por si emitida e totalmente forjada, concebida nos exactos termos descritos em 14) e referente à ficcionada elaboração do estudo.
A factura em causa foi registada pelos serviços próprios e, no dia 14-1-2004, lançada a crédito da fornecedora, no montante de 5.355€ (4.500€ + 855€ de IVA.
E no dia 20-1-2004, atento o teor do despacho do arguido que ordenava o pagamento imediato das facturas, foi emitida a respectiva ordem de pagamento de facturas com o n° … e que visava pagar à indicada H………., Lda., as quantias a que se reportavam as cópias das facturas de fls. 206 e 210 do apenso III.
Nesse seguimento, a repartição de contabilidade emitiu o cheque n° ………., sobre a J………., à ordem da H………., Lda., alegadamente fornecedora dos serviços requisitados, na quantia de 26.180€.
A ordem de pagamento e o cheque foram assinados pelo próprio arguido e, após, foram enviados à Tesouraria pelos serviços de contabilidade.
Nesses serviços foi assinada a inerente ordem de pagamento e com a saída da respectiva despesa foi operado o débito com a fornecedora, saldando-se o mesmo, e foi emitido o oficio, assinado pelo arguido, fazendo a remessa do aludido cheque e solicitando o envio do correspondente recibo.
Em vez de ter enviado tal oficio e remetido o cheque, o arguido apropriou-se deste, que depositou na sua conta nº ………, agência do K………. de Vila Pouca de Aguiar, tendo exarado no verso do mesmo, na parte destinada ao endosso, uma rubrica como se do fornecedor de serviços se tratasse, apropriando-se da quantia em dinheiro no mesmo titulada.
26) E, por último, nesse mesmo dia 7-1-2004, o arguido preencheu pelo seu próprio punho a requisição interna do modelo em uso na CM C………., onde fez constar que pretendia adquirir à M………., Lda., 300 m2 de gesso cartonado, pelo valor de 4.832€ + IVA.
Perante tal requisição efectuada pelo arguido, foi emitida informaticamente pelo funcionário da contabilidade a proposta de cabimento com o n° …, datada de 14-1-2004, que também elaborou e assinou, como é norma da actuação dos serviços, a requisição externa com o nº …, documentos em que o arguido apôs a inerente autorização, por carimbo e assinatura.
Esta operação acabou por não ter seguimento, face à descoberta pelos serviços da Câmara Municipal C………. da actuação do arguido, supra descrita.
27) Nenhum destes serviços, cujo elenco antecede, foi prestado nem os materiais requisitados pelo arguido foram fornecidos, apesar de terem sido efectivamente pagos pelo Município.
28) Por outro lado, em datas não apuradas do ano de 2003, o arguido adulterou os registos informáticos relativamente a 6 operações de aquisição e serviços, assim interferindo no resultando do tratamento de dados informáticos e provocando incorrecções no programa que suporta a execução do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais.
E viciou tais registos de forma a enganar o controlo e disfarçar os fornecimentos fictícios e apropriações de dinheiros municipais que havia concretizado em datas anteriores, visando evitar que o valor anual de 2003, relativamente aos fornecimentos da G………., Lda e da H………, Lda., ultrapassasse os 50.000€.
Pretendia, desta forma, que tais fornecedores não fossem objecto do mapa recapitulativo a enviar à administração fiscal, fazendo passar o seu movimento para menos dos aludidos 50.000€.
Por o arguido ter verificado que os fornecimentos fictícios que com a sua actuação atribuíra à G………., Lda ascendiam a 51.884€, transferiu as despesas atinentes aos ficcionados projecto de execução do Nó de ………., no valor de 29.155€, e estudo prévio do Nó de ………., no valor de 5.474€, para o fornecedor fictício E………. .
E verificando, de igual forma, que os fornecimentos fictícios que atribuíra com a sua actuação à H………., Lda. ascendiam a 94.724€, transferiu as despesas atinentes aos ficcionados estudo prévio da zona do ………., no valor de 5.831 €, anteprojecto da Zona do ………., no valor de l7.493€, estudo prévio de ………., no valor de 5.355€ e projecto da zona do ………., no valor de 23.205€, para outros fornecedores habituais do Município de C………., mais propriamente para P………., Lda. e Q………., Lda..
Na transferência das despesas, salvaguardou a possibilidade de, nas contas correntes destes fornecedores, as despesas não ultrapassassem a aludida importância.
29) Assim é que o arguido adulterou os registos informáticos relativos ao fornecimento fictício no valor de 5.474 €, que originariamente atribuiu à G………., Lda e a que correspondeu a proposta de cabimento com o n° … e a requisição externa com o n° …, passando-os para o fornecedor que ficcionou, E………. .
30) E adulterou os registos informáticos relativos ao fornecimento fictício no valor de 29.155€, que originariamente atribuiu à G………., Lda e a que correspondeu a proposta de cabimento com o n° … e a requisição externa com o n° …, passando-os para o fornecedor que ficcionou, E………. .
31) Adulterou também os registos informáticos relativos ao fornecimento fictício no valor de 5.831€, que originariamente atribuiu à H………., Lda., e a que correspondeu a proposta de cabimento com o n° …. e a requisição externa com o n° …., passando-os para o fornecedor habitual do Município, P………., Lda.
32) Adulterou, igualmente, os registos informáticos relativos ao fornecimento fictício no valor de 17.493€, que originariamente atribuiu à H………., Lda., e a que correspondeu a proposta de cabimento com o n° …. e a requisição externa com o n° …., passando-os para o fornecedor habitual do Município, P………., Lda..
33) O arguido adulterou os registos informáticos relativos ao fornecimento fictício no valor de 5.355€, que originariamente atribuiu à H………., Lda., e a que correspondeu a proposta de cabimento com o n° …. e a requisição externa com o n° …., passando-os para o fornecedor habitual do Município, Q………., Lda..
34) E adulterou os registos informáticos relativos ao fornecimento fictício no valor de 23.205€, que originariamente atribuiu à H………., Lda., e a que correspondeu a proposta de cabimento com o nº …. e a requisição externa com o n° …., passando-os para o fornecedor habitual do Município, Q………., Lda..
35) Com a actuação descrita até 27), inclusive, o arguido apropriou-se da quantia de 225.459,39€ (duzentos e vinte e cinco mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e trinta e nove cêntimos) que utilizou em seu proveito, causando um prejuízo de valor idêntico ao Município.
E desapossou indevidamente o Município de 3.000€ (três mil euros), relativos ao montante de IRS retido aos 4 fornecedores que ficcionou, e que foram, na sequência, entregues ao Estado.
36) O arguido repôs a totalidade dos montantes acabados de mencionar, bem como dos respectivos juros de mora no valor de 17.191,81 (dezassete mil cento e noventa e um euros e oitenta e um cêntimos), tendo tal reposição sido efectuada nos seguintes termos:
Em 17-02-2004, mediante a factura/recibo na 1379, repôs a importância de 100.000,00€ (cem mil euros), através do cheque n° ………., sacado sobre o K……….;
Em 26-02-2004, mediante a factura/recibo n° …., repôs a importância de 88.045,79 (oitenta e oito mil e quarenta e cinco euros e setenta e nove cêntimos) e mediante a guia de reposição abatida nos pagamentos na 12, repôs a quantia de 26.180,00€ (vinte e seis mil cento e oitenta euros), tudo através do cheque n° ………., sacado sobre o K……….;
Em 27-02-2004, mediante a factura/recibo n° …., repôs a importância de 11.233,6€ (onze mil duzentos e trinta e três euros e sessenta cêntimos), através do cheque n° ………., sacado sobre o K……….;
Em 31-05-2004, mediante a factura/recibo n° …., repôs a importância de 3.000,00€ (três mil euros), através do cheque nº ………., sacado sobre o K……….
E em 31-05-2004, mediante a factura/recibo n° …., procedeu ao pagamento de juros de mora, no valor de 17.191,81€ (dezassete mil cento e noventa e um euros e oitenta e um cêntimos), através do cheque n° ………., sacado sobre o K………. .
37) O arguido quis e conseguiu arrecadar o produto financeiro de 24 distintos procedimentos de despesa, apropriando-se de 15 cheques de que não era o tomador, depositando-os em contas suas e integrando as verbas que neles estavam tituladas no seu património, ao longo de quase todo o exercício do cargo de Director do Departamento Administrativo para que foi nomeado, em regime de comissão de Serviço, em 2-12-2002.
Para o efeito, ficcionou quatro pseudo prestadores de serviços, com os quais desencadeou outros tantos procedimentos, inventou os seus respectivos números de contribuintes, os serviços que lhes requisitou e os respectivos pagamentos, tendo utilizado, para tanto, 4 recibos que a si próprio tinham sido atribuídos pela administração fiscal, na sua qualidade de contribuinte de IRS com rendimentos da categoria B, para documentar os ficcionados recebimentos por parte dos ditos fornecedores.
Ficcionou 13 aquisições de serviços a dois fornecedores habituais do Município – G………., Lda e H………., Lda.
Utilizou uma firma inactiva – M………., Lda., de que era sócia uma outra sociedade (N………., Lda.) a que ele estava ligado, a quem fez 7 requisições fictícias de bens, das quais foram efectuados 3 pagamentos, não tendo o último sido consumado por ter sido descoberta a actuação do arguido.
Forjou assinaturas em notas de honorários, facturas, recibos e cheques. Fabricou e forjou, digitando, cabeçalhos e rodapés e preenchendo os demais dizeres no computador, assim logrando imitar papel timbrado de fornecedores que usou para emitir notas de honorários, facturas e recibos que engendrou.
De igual forma, forjou carimbos das sociedades G………., Lda e M………., Lda que apôs em facturas, recibos e cheques.
E fê-lo sempre com intenção de causar prejuízo ao Município e obter para si beneficio a que não tinha direito, forjando os inerentes documentos, simulando as necessárias operações burocráticas e imitando as assinaturas necessárias, de modo a conferir aparente legitimidade a toda a sua actuação.
Quis e conseguiu convencer os funcionários que trabalhavam no departamento que ele próprio dirigia, que estavam encarregados de processar os documentos relativos às despesas por ele inventadas, da aparente legalidade dos mesmos e, bem assim, da sua actuação.
Usou competências próprias e que nele foram delegadas pelo Presidente da Câmara de C………., para se apropriar dos dinheiros do Município, abusando de tais poderes e da confiança que nele foi depositada, violando os mais elementares deveres de probidade e fidelidade.
Agiu de forma livre, consciente e voluntária, sabendo não serem permitidas por lei tais condutas e renovando em cada uma das suas descritas e homogéneas actuações os propósitos/intenções que se deixaram apontados, aproveitando-se da confiança que nele tinham os responsáveis da edilidade C1.........., designadamente o então seu Presidente e do facto da sua actuação não ser suspeita nem ter sido entretanto descoberta por ninguém da Autarquia.
38) O arguido viciou o registo informático das 6 operações referidas em 28) a 34) com o propósito de evitar que os fornecimentos e serviços que ficcionou relativamente às sociedades G………., Lda. e H………., Lda. ultrapassassem o montante anual de 50.000€ e fosse descoberta a sua actuação, por obrigatoriedade das mesmas serem objecto de mapas recapitulativos se os respectivos fornecimentos excedessem tal valor.
39) O arguido confessou a totalidade dos factos tal como se encontram descritos de 1) a 38), mostrou-se sinceramente arrependido e envergonhado de toda a sua relatada conduta, de tal modo que tem evitado até os contactos com amigos e conhecidos, tendo pedido públicas desculpas dos seus actos e contribuiu, desde a instauração do processo disciplinar até à audiência de julgamento nestes autos, para a descoberta da verdade.
40) Ao apropriar-se das aludidas importâncias, o arguido quis destinar, pelo menos parte delas, ao pagamento de débitos dos seus pais que tinham ficado com a totalidade dos seus bens imóveis penhorados a favor da banca por dívidas da sociedade familiar N………., Lda., em que eles (os pais) tinham dado o respectivo aval constituindo-se, assim, também como devedores.
41) O arguido é consultor da sociedade T………., SA, na cidade de ………., em Angola e aufere a retribuição mensal ilíquida de 4.500€.
É a principal fonte de sustento do seu agregado familiar que é constituído pela mulher - que é funcionária administrativa no Município assistente, com contrato a termo - e por duas filhas menores, de 17 e 10 anos, respectivamente, que são estudantes e estão a seu cargo.
O arguido e a cônjuge são titulares de um apartamento nesta cidade de C………., cujo empréstimo estão a amortizar, e de dois veículos.
42) Antes de exercer as aludidas funções no Município assistente, o arguido tinha sido chefe da área administrativa e financeira na Câmara Municipal U………., desde 1996, e adjunto do respectivo Presidente Camarário, de 1998 a Janeiro de 2002, sendo tido como funcionário dedicado, competente e zeloso pelas pessoas que com ele ali trabalharam.
É pessoa educada, laboriosa e respeitadora, estando integrado no meio onde tem a sua vida familiar (C……….), apesar de actualmente estar a trabalhar em Angola.
43) Possui, como antecedente criminal, uma condenação, datada de 19/12/2002, em pena de multa (220 dias à taxa diária de 8,00€), pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, cometidos a 12/05/2001, tendo aquela pena sido já declarada extinta, por pagamento, em 03/11/2006.

Não se provaram quaisquer outros factos alegados na acusação e na contestação, particularmente que:

a) O arguido tenha persuadido o então Presidente da CM C………. a introduzir a alteração referida em 1) ao despacho de delegação de competências já com a velada intenção de levar a cabo os actos que ficaram descritos em 2) e seguintes.
b) Com tal alteração ao despacho inicial de delegação de competências, o arguido tenha ludibriado e manipulado o referido Presidente.
c) A adulteração dos registos informáticos nos termos indicados em 28) a 34) tenha contribuído, de algum modo, para que o arguido se apropriasse das quantias mencionadas em 35).

A convicção do tribunal foi explicada como segue:

A convicção do Tribunal Colectivo assentou no conjunto da prova produzida e examinada na audiência de julgamento, nos seguintes termos e pelas razões que passam a indicar-se:
Em primeira linha e relativamente a todos os factos provados descritos de 1) a 38) - e nos precisos termos que ficaram relatados -, nas declarações confessórias do arguido que, um a um, os assumiu a todos, na sessão da audiência de julgamento em que compareceu (por ter vindo passar férias a Portugal). O arguido explicou pormenorizadamente como levou a cabo toda a sua actuação, os meios que engendrou para tal, os meios de que socorreu e como logrou apropriar-se das indicadas importâncias monetárias. Explicou também quando, em que circunstâncias e, pelo menos em parte, por que motivos lhe surgiu a ideia de executar os actos que ficaram descritos. Referiu que o seu propósito apropriativo se foi renovando periodicamente, quer por se ter sucedido bem (na apropriação) nas situações anteriores, quer por continuar a manter a confiança dos responsáveis camarários, incluindo do então Presidente da edilidade C1.........., quer, ainda, por a sua actuação continuar sem ser descoberta por ninguém [por este motivo, não se procedeu à comunicação a que alude o art. 358º na 1 do C.Proc.Pen. no que diz respeito ao que se deixou dado como provado na parte final do na 37)].
As declarações do arguido, no que diz respeito ao que ficou provado sob o nº 1) foram integralmente confirmadas pela testemunha V………. que era, ao tempo, o Presidente da Câmara Municipal C………., sendo certo que foi também em função do que esta testemunha referiu, mais uma vez em termos concordantes com as declarações do arguido, que não se deu como provado o que está exarado nas als. a) e b) do ponto III, pois foi peremptório em afirmar que foi da sua iniciativa a delegação inicial de competências, constantes do doc. junto a fls. 148 a 150, e que a alteração sugerida pelo arguido e corporizada no doc. junto a fls. 151 também estava conforme com a Lei indicada em ambos os documentos que então vigorava, não tendo concedido àquele mais poderes que os que quis conceder-lhe nem mais que os que a lei permitia. Neste nº 1) relevou, ainda, o doc. junto a fls. 147, de nomeação do arguido para o cargo, em regime de substituição, de director do departamento administrativo.
Relativamente ao relatado nos nas 2) a 27), as declarações confessórias do arguido foram corroboradas pelos funcionários que então exerciam funções na secção administrativa e de contabilidade da Câmara Municipal C………., sob a direcção daquele, ou seja, pelas testemunhas W………., X………., Y………., Z………., AB………., AC………., AD………. e AE………., as quais, com conhecimento directo dos factos (acerca de cada um daqueles em que tiveram intervenção; mas sabendo também dos actos em que os demais também intervieram) e com referência aos documentos que constam dos autos, particularmente às cópias que integram o apenso III e cujos originais estão quase todos juntos a fls. 859 a 986 do 5° volume, com que foram confrontadas (e que adiante se mencionarão), descreveram, pormenorizada e fundadamente, em que consistiu, em cada uma das situações, a actuação do arguido e a própria actuação de cada uma delas, mencionando os dizeres que cada um deles (particularmente o arguido) manuscreveu nesses documentos, tudo nos precisos termos que constam daqueles números dos factos provados.
Em concomitância com as declarações do arguido e com os depoimentos das indicadas testemunhas, atendeu-se, com as explicações uniformemente dadas por aquele e por estas, ao teor dos seguintes documentos (cujos originais estão, na sua maior parte juntos, como se disse, ao 5° volume, existindo duplicação de cópias dos mesmos no 2° volume):
. de fls. 72 (requisição), 73 (recibo verde), 75 (proposta de cabimento), 76 (requisição externa), 77 (ordem de pagamento de facturas), 78 (idem), 79 (recibo) e 80 (cópia do cheque) do apenso III, 400 (auto de busca e apreensão) e 463 (listagem de movimentos na conta do arguido na J………. de Vila Pouca de Aguiar), relativamente ao que se deu como provado sob o nº 2);
. de fls. 81 (nota de honorários), 82 (proposta de cabimento), 83 ( requisição externa), 84 e 85 (ordem de pagamento de facturas), 86 (recibo) e 87 (cópia do cheque) e 88 (recibo verde), todos do apenso III, e 503 (listagem de movimentos na conta do arguido no K………. de Vila Pouca de Aguiar), no que diz respeito aos factos do n° 3);
. de fls. 89 (requisição interna), 90 (proposta de cabimento), 91 (requisição externa), 92 (requisição externa), 93 (ordem de pagamento de facturas), 94 (cópia do cheque), 95 (ofício de remessa de cheque), 96 (recibo) do apenso III, 400 (auto de busca e apreensão) e 503 (listagem de movimentos na já referida conta no K……….), acerca dos factos do nº 4);
. de fls. 97 (proposta de cabimento), 98 (requisição externa), 99 (factura), 100 (ordem de pagamento de facturas), 101 (cópia do cheque), 102 (ofício de remessa do cheque), 103 (recibo) do apenso III, 452, 453 (cópia do cheque) e 504 (listagem de movimentos na mesma conta do K………., quanto ao enunciado em 5);
. de fls. 104 (requisição interna), 105 (proposta de cabimento), 106 (requisição externa), 107 (factura), todos do apenso III, relativamente ao que consta do n° 6);
. de fls. 108 (requisição interna), 109 (proposta de cabimento), 110 (requisição externa), 111 (factura) do mesmo apenso III, no que tange ao n° 7);
. de fls. 112 (requisição interna), 113 (proposta de cabimento), 114 (requisição externa), 115 (factura), 116 (ordem de pagamento de facturas), 117 (cópia do cheque) e 118 (ofício de remessa do cheque) do apenso III e 507 (listagem de movimentos na dita conta do K……….), no que diz respeito aos factos do nº 8);
. de fls. 119 (nota de honorários), 120 (proposta de cabimento), 121 (requisição externa), 122, 123 (ordem de pagamento de facturas), 124 (recibo), 125 (cópia do cheque), 126 (recibo verde) do apenso III e 505 (listagem de movimentos na mesma conta do K……….), acerca do relatado em 9);
. de fls. 127 (recibo verde), 128 (proposta de cabimento), 129 (requisição externa), 130, 131 (ordem de pagamento de facturas), 132 (recibo), 133 (cópia do cheque) do apenso III e 507 (aludida listagem de movimentos), referentemente ao que está exarado em 10);
. de fls. 134 (requisição interna), 135 (proposta de cabimento), 136 (requisição externa) e 137 (factura) do apenso III, quanto ao descrito em 11);
. de fls. 138 (requisição interna), 139 (proposta de cabimento), 140 (requisição externa), 141 (factura) do apenso III, no que diz respeito aos factos do n° 12);
. de fls. 142 (requisição interna), 143 (proposta de cabimento), 144 (requisição externa), 145 (factura), 146 (ordem de pagamento), 147 (cópia do cheque), 148 (ofício de remessa do cheque) do apenso III, 450 e 451 (cópia digitalizada do mesmo cheque) e 507 (listagem de movimentos na já referida conta bancária), acerca do que está descrito em 13);
. de fls. 149 (requisição interna), 150 (proposta de cabimento), 151 (requisição externa) e 152 (factura) do aludido apenso, relativamente à factologia do n° 14);
. de fls. 153 (requisição interna), 154 (proposta de cabimento), 155 (requisição externa) e 156 (factura) do apenso III, quanto à materialidade do n° 15);
. de fls. 157 (requisição interna), 158 (proposta de cabimento), 159 (requisição externa), 160 (factura), 161 (ordem de pagamento), 162 (cópia do cheque), 163 (ofício de remessa do cheque) do referido apenso III, 454 (cópia digitalizada do mesmo cheque) e 512 (listagem do movimentos na conta do arguido no K……….), no que se reporta ao na 16);
. de fls. 164 (requisição interna), 165 (proposta de cabimento), 166 (requisição externa) e 167 (factura) do citado apenso, no que diz respeito à factualidade do nº 17);
. de fls. 168 (requisição interna), 169 (proposta de cabimento), 170 (requisição externa) e 171 (factura) do mesmo apenso, no que tange aos factos do na 18);
. de fls. 172 (requisição interna), 173 (proposta de cabimento), 174 (requisição externa), 175 (factura), 176 (ordem de pagamento) do apenso III, 390 (cópia digitalizada do cheque), 492 (talão de depósito) e 513 (listagem de movimentos na conta do arguido no K………., acerca da matéria fáctica do na 19);
. de fls. 178 (requisição interna), 179 (proposta de cabimento), 180 (requisição externa), 181 (factura), 182 (ordem de pagamento), 183 (cópia do cheque), 184 (ofício de remessa do cheque) do apenso III, 456, 457 (cópia digitalizado do mesmo cheque), 493 (talão de depósito) e 515 (listagem de movimentos na mesma conta no K……….), relativamente à factologia do nº 20);
. de fls. 185 (requisição interna), 186 (proposta de cabimento), 187 (requisição externa), 188 (factura), 189 (ordem de pagamento), 190 (cópia do cheque), 192 (ofício de remessa do cheque) do apenso III, 448, 449 (cópia digitalizada do mesmo cheque) e 517 (listagem de movimentos na conta já várias vezes citada), acerca da materialidade do nº 21);
. de fls. 193 (requisição interna), 194 (proposta de cabimento), 195 (requisição externa), 196 (factura), 197 (ordem de pagamento), 198 (ofício de remessa do cheque) do referido apenso, 495 (talão de depósito) e 519 (listagem de movimentos na aludida conta bancária), quanto ao dada como provado sob o nº 22);
. de fls. 199 (requisição interna), 200 (proposta de cabimento), 201 (requisição externa), 202 (factura), 203 (ordem de pagamento), 204 (cópia do cheque), 205 (ofício de remessa do cheque) do apenso III, 458 (cópia digitalizada do mesmo cheque), 495 (talão de depósito) e 519 (listagem de movimentos na conta bancária já mencionada), no que diz respeito à factualidade do nº 23); . de fls. 206 (requisição interna), 207 (proposta de cabimento), 208 (requisição externa) e 209 (factura) do referido apenso, acerca do que consta do nº 24);
. de fls. 210 (requisição interna), 211 (proposta de cabimento), 212 (requisição externa), 213 (factura), 214 (ordem de pagamento), 215 (cópia do cheque), 216 (ofício de remessa do cheque) do apenso III, 460, 461 (cópia digitalizada do mesmo cheque), 496 (talão de depósito) e 520 (listagem de movimentos na mesma conta do arguido), relativamente ao relatado em 25);
. de fls. 217 (requisição interna), 218 (proposta de cabimento) e 219 (requisição externa) do apenso III, quanto à factologia do n° 26).
Em concordância com o que as testemunhas funcionárias da CM C………. acima identificadas disseram acerca dos escritos (incluindo assinaturas e rubricas) constantes dos diversos documentos que contaram com a intervenção do arguido - e, por isso, reforçando a credibilidade do que disseram e confirmando que o fizeram com conhecimento directo desses factos -, atendeu-se, outrossim, ao relatório pericial do LPC da PJ junto a fls. 716 a 726, em cuja conclusão se admite como provável que as escritas analisadas dos documentos aí referenciados (e atrás apontados) sejam da autoria do arguido (e tiveram-se também em conta os demais objectos apreendidos - livros de recibos verdes e carimbos).
Mais se considerou o teor dos documentos juntos a fls. 571 a 573, 589 a 591 e 591-B a 591-F, comprovativos da situação registral (contratos constitutivos e sucessivas alterações; incluindo identificação de sócios e gerentes) das sociedades G………., Lda., N………., Lda. e M………., Lda..
Com respeito à materialidade fáctica que se deixou provada atinente à sociedade H………., Lda., relevou, ainda, o depoimento da testemunha AF………. (gerente de tal sociedade) que além de ter confirmado que aquela sociedade já havia prestado serviços de arquitectura e planeamento ao Município assistente, declarou que as facturas que se encontram juntas a fls. 979 a 986 (que são originais de cópias, atrás citadas, que estão juntas ao referido apenso III) são forjadas, por o seu corpo central, as dimensões dessa parte central e a colocação do nome da tipografia serem diversos dos das facturas verdadeiras daquela sociedade e por as rubricas que nelas constam como sendo do pretenso gerente também não serem verdadeiras.
De menor relevância, na parte da factualidade que se deixou apontada [nºs 1) a 27)], mostrou-se o depoimento de AG………. (inspector de finanças superior principal aposentado) que realizou a auditoria à contabilidade da Câmara Municipal C………. de Dezembro de 2002 a Fevereiro de 2004, o qual, relatando embora algumas das descritas actuações do arguido, prestou um depoimento mais genérico que as testemunhas que se deixaram referenciadas no início desta fundamentação.
Também de limitada relevância no mesmo segmento dos factos provados se mostrou o testemunho de AH………. (inspector da PJ) que depôs acerca das buscas que efectuou no âmbito deste processo (documentadas nos autos a fls. 399 e 400), às então duas residências do arguido e do que numa delas foi encontrado e apreendido, no que coincidiu com o teor do auto de fls. 400 [além disso, mas com relevância para a factologia que consta do na 39), depôs acerca da colaboração que o arguido prestou à PJ na fase de inquérito).
Da materialidade fáctica descrita nos nºs 28) a 34) as testemunhas inquiridas nada de relevante demonstraram saber, pois as que sobre ela se pronunciaram limitaram-se a fazer considerações genéricas de conhecimento dessas adulterações, mas sem saberem em concreto em que consistiram e quais as empresas que o arguido envolveu nessas viciações. Por isso, nesta parte, estribou-se o Tribunal essencialmente nas declarações do arguido que confessou tudo o que se deixou dado como provado naqueles números do ponto II. O arguido declarou, no entanto - no que não foi contrariado por nenhuma outra prova (testemunhal ou documental) -, que as adulterações ali plasmadas foram efectuadas em momentos posteriores aos das apropriações que ficaram referenciadas nos nºs 2) a 27), em nada tendo, por isso, relevado para essas mesmas apropriações monetárias, e que o único propósito que esteve subjacente a essas viciações foi o que se deixou apontado em 38), facto este que se deu como provado por o Tribunal ter acreditado no teor das suas declarações e das explicações que deu em julgamento. Por via disso, não se deu como provado o que consta da al. c) do ponto III deste acórdão.
Neste segmento da factualidade provada, tiveram-se também em consideração os documentos juntos a fls. 17 [quanto ao nº 29)], 11 e 12 [quanto ao nº 30)], 34 e 35 [quanto aos nºs 31) e 32)], 41 e 42 (quanto aos nºs 33) e 34)] do 10 volume e o auto de exame pericial de fls. 629 e 630 (ficheiros de facturas forjadas em nome da G………., Lda. encontrados num dos PC's apreendidos ao arguido).
Quanto ao que fixou enunciado nos números 35) e 36), foram no mesmo sentido das declarações confessórias do arguido os depoimentos das testemunhas supra indicadas relativamente aos factos dos nºs 1) a 27), as quais, também aqui, depuseram com conhecimento directo dos factos devido às funções que exerciam então da edilidade C1………. . Mais se considerou, pela sua manifesta relevância e por ter sido integralmente confirmado pelas testemunhas W………. (que a emitiu) e V………., o conteúdo da certidão que se encontra junta a fls. 680 e 681 que menciona o montante de que o arguido se apropriou, o valor global da sua dívida para com a edilidade e quando e como procedeu o arguido à reposição de tudo o que se havia apropriado.
Da conjugação da confissão do arguido com os depoimentos das apontadas testemunhas e com a documentação que se deixou referenciada, não teve o Tribunal qualquer dúvida em dar como provado o que está relatado no n° 37) - quando ao n° 38) já dissemos as respectivas fontes -, por corresponder ao que resultou inequivocamente de tais meios de prova.
A factualidade exarada nos nºs 39) a 42) radicou no que disseram o arguido e as testemunhas de defesa que foram ouvidas em julgamento (Cons. AI………., AJ………., Dr. AK………. e AL……….; a primeira, além de amigo é primo do arguido e sobrinho dos pais deste, cuja família e situação económica conhece perfeitamente, o mesmo acontecendo quanto aos problemas por que passaram por dívidas da sociedade N………., Lda.; a segunda é amigo do arguido há mais de 15 anos e trabalhou com ele na Câmara Municipal U………. desde 1996 até à data em que ele veio exercer funções na Autarquia de C……….; a terceira foi presidente da CM U………. de 1994 a Janeiro de 2002, tendo sido sob a sua presidência que o arguido exerceu funções de chefe da área administrativa e financeira e de adjunto do presidente; e a quarta é amigo do arguido desde a infância e é também amigo dos seus pais e conhecedor das dificuldades por que passaram por dívidas da sociedade N………., Lda.), as quais, por causa do seu (apontado) relacionamento com o arguido demonstraram conhecimento de tais factos e depuseram por forma que convenceu o Tribunal da veracidade dos seus depoimentos.
Com base no CRC junto a fls. 1108 e 1109 deu-se como provado o que se encontra escrito em 43).
Não se fez alusão aos depoimentos das demais testemunhas (arroladas pela acusação) inquiridas em julgamento por os seus depoimentos terem sido demasiado genéricos, de ouvir dizer e em nada terem contribuído para o apuramento da matéria de facto que se deixou dada como provada ou para esclarecimento desses mesmos factos.
Do porquê de não se terem dado como provados os factos das als. a) a c) do ponto III já atrás se fez menção.

3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:
- contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
- erro de subsunção jurídica quanto à falsificação de documentos;
- preenchimento do crime de burla qualificada.

3.1. Começaremos pelo fundamento do recurso indicado em segundo lugar, uma vez que em relação ao mesmo se coloca uma questão prévia que, embora não tenha sido invocada, é de conhecimento oficioso, e que se prende com a admissibilidade do recurso neste particular.

A posição processual e as atribuições dos assistentes vêm definidas no art. 69º do C.P.P.. De acordo com o preceituado no seu nº 1, os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, ressalvadas as excepções previstas na lei; algumas dessas excepções constam do nº 2 da mesma norma, entre elas se contando a de interpor recurso das decisões que os afectem[3], mesmo que o Ministério o não tenha feito (al. c) do nº 2).
Por seu turno, os pressupostos de que depende, em geral, a possibilidade de recurso constam do art. 401º do C.P.P. No que toca ao assistente, aí se estabelece, na al. b) do nº 1, que o mesmo (tal como o arguido) tem legitimidade para recorrer das decisões contra ele proferidas[4], enquanto que o nº 2 do mesmo preceito contém uma restrição genérica, que condiciona a admissibilidade de recurso à existência de interesse em agir[5]. Assim, a admissibilidade do recurso depende de dois pressupostos processuais distintos: a legitimidade e o interesse em agir. Enquanto que o primeiro se afere a priori, perante a posição do sujeito processual em causa relativamente a uma concreta decisão que justifica que lhe seja conferida a possibilidade de dela interpor recurso, o segundo é avaliado a posteriori e traduz-se na utilidade e imprescindibilidade daquele meio de impugnação para fazer valer um (seu) direito ameaçado ou violado. A existência de interesse em agir não pode ser avaliada em abstracto[6], nem no âmbito restrito do processo penal, o qual “não pode ser entendido como um corpo fechado em que as suas decisões não importem reflexos noutros campos de direito que não os estritamente penais (reflexos a manifestarem-se no próprio processo em curso, mas em matéria não penal, ou em processo de outra natureza)”[7].
Estes dois pressupostos são cumulativos, não bastando a verificação de apenas um deles para considerar preenchido o direito ao recurso. Ou seja, "não basta ter legitimidade para se recorrer de qualquer decisão; necessário se torna também possuir interesse em agir (...) que se reconduz ao interesse em recorrer ao processo, já que o direito do requerente está necessitado de tutela. Não se trata, porém, de uma necessidade estrita nem sequer de um interesse vago, mas de qualquer coisa intermédia: um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, e que, assim, torna legítimo o recurso à arma judiciária. À jurisprudência é deixada a função de avaliar a existência ou inexistência de interesse em agir, a apreciação da legitimidade objectiva é confiada ao intérprete que terá que verificar a medida em que o acto ou procedimento são impugnados em sentido favorável à função que o recorrente desempenha no processo. A necessidade deste requisito é imposta pela consideração de que o tempo e a actividade dos tribunais só devem ser tomadas quando os direitos careçam efectivamente de tutela, para defesa da própria utilidade dessa actividade, e de que é injusto que, sem mais, possa solicitar tutela jurisdicional.”[8]

Para conhecer desta parte do recurso, há, pois, previamente, que determinar se, no caso e relativamente a ela, a assistente, tem legitimidade e, também, interesse em agir.
Compulsados os autos, verificamos que, na acusação que deduziu contra o arguido, a fls. 731-776, o MºPº lhe imputou, além do mais, a prática de um crime de falsificação na forma consumada p. e p. pelo art. 256º nº 1 als. a) e b) e nºs 3 e 4, conjugado com o art. 386º nº 1 al. b) do C. Penal.
E que a recorrente se limitou, a fls. 793-794, a requerer a sua constituição como assistente e o recebimento da acusação do MºP, declarando aderir a esta, e não tendo deduzido qualquer pedido indemnizatório.
A decisão recorrida veio a concluir que o arguido praticou aquele ilícito criminal, mas na forma continuada, e, considerando haver lugar à atenuação especial dos arts. 72º nºs 1 e 2 al. c) e 73º nº 1 als. a) e b) do C. Penal, fixou a respectiva pena em 1 ano e 2 meses de prisão.
O MºPº conformou-se com essa decisão e até veio defendê-la na resposta ao recurso.
Só a assistente veio, agora, manifestar o seu inconformismo, pretendendo que os factos – no essencial os mesmíssimos que já constavam da acusação - integram não apenas um, mas sim vários crimes de falsificação, tantos quantos os documentos falsificados pelo arguido, não evidenciando os autos que haja, em momento algum até à interposição do recurso, questionado a qualificação jurídica daqueles factos como integradora de um único ilícito criminal.
Ora, o arguido não foi condenado por crime diverso, mas sim pelo mesmo crime (embora na forma continuada) que lhe havia sido imputado na acusação que a ora recorrente abraçou, não tendo esta invocado qualquer concreto interesse próprio, merecedor de protecção, quanto a esta parte do recurso, nem se vislumbrando que a decisão recorrida haja beliscado os seus direitos e interesses de forma que exija reparação através dos meios judiciários.
É certo que a condenação do arguido por vários crimes de falsificação – que, frise-se, só agora a recorrente veio defender - podia conduzir à aplicação de uma pena mais elevada do que aquela que lhe foi aplicada pela prática de um só crime na forma continuada, e que a recorrente pode entender que as finalidades da punição afinal até seriam melhor conseguidas dessa forma, mas não é menos certo que estas não visam directamente dar satisfação ao ofendido pelo crime e que a assistente só teria legitimidade para recorrer, desacompanhada do MºPº, relativamente à espécie e medida da pena aplicada se demonstrasse um concreto e próprio interesse em agir.[9]
Pensamos, por isso, estar perante a hipótese que a lei visou prevenir quando restringiu a admissibilidade de recurso por parte do assistente às decisões que o afectem: a possibilidade de instrumentalização da causa penal ao serviço do desforço que o assistente através dela pretenda tirar.
Por isso, também, entendemos que, no caso, nem assiste legitimidade à recorrente (porque a decisão recorrida não foi proferida contra ela nem a afecta directamente), nem tem ela interesse em agir (porque não foi invocado nem se vislumbra que com aquela decisão haja sofrido qualquer ofensa a um seu direito ou interesse que demande reparação através dos meios judiciários), não sendo admissível o recurso na parte em questão.
Apesar de ter sido admitido o recurso, em bloco, essa decisão não vincula o tribunal superior (art. 414º nº 3 do C.P.P.), pelo que, nos termos conjugados dos arts. 420º nº 1 al. b), 414º nº 2 e 401º nºs 1 al. c) e do C.P.P., deverá ser rejeitado na parte respeitante a este fundamento.

3.2. A recorrente entende que o acórdão recorrido incorreu em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, em virtude de se ter dado como provado, no 1º parágrafo do ponto 28. dos factos provados, que os factos subsumíveis ao crime de burla informática se situaram em data não apurada do ano de 2003, e, simultaneamente, se ter concluído que o arguido não praticou o crime de burla informática porque o enriquecimento ilegítimo já tinha ocorrido com as apropriações descritas nos pontos 2. a 26. dos factos provados, quando parte destas são posteriores aos factos integradores daquele ilícito.

A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão está elencada no nº 2 do art. 410º do C.P.P., a par da insuficiência para a decisão da matéria de facto e do erro notório na apreciação da prova, como um dos vícios da decisão passíveis de serem detectados através do mero exame do próprio texto da mesma, sem recurso a quaisquer outros elementos constantes do processo, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão tanto pode existir ao nível da factualidade, como ao nível do direito que é apreciado na decisão proferida; pode reportar-se quer à fundamentação da matéria de facto, quer à contradição na matéria de facto com o consequente reflexo no fundamento da decisão de direito, quer aos meios de prova que serviram para formar a convicção do juiz.
Há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou de forma a excluírem-se mutuamente[10].

Analisando o texto da decisão recorrida, verificamos que o mesmo não contém a contradição com o sentido que a recorrente lhe atribui e que apenas resulta de uma leitura sincopada, que não procedeu à devida relacionação de todos os factos provados. Revelador disso mesmo é o facto de, na motivação do recurso, ter apontado como consistindo aquele vício na circunstância de o ponto 24. se reportar a uma data do ano de 2004 (portanto posterior ao momento temporal feito constar do ponto 28. como sendo aquele em que as adulterações foram efectuadas), centrando a sua atenção no pretenso prestador do serviço aí identificado, a H………., Lda, e no facto de 4 das adulterações dos registos informáticos levadas a cabo pelo arguido respeitarem a operações em que esta sociedade figurava como fornecedora, sem atentar que a concreta operação nele descrita (o projecto urbanístico para a ……….) não consta entre aquelas em relação às quais tais adulterações se verificaram.
Mas vejamos em detalhe o que consta do texto da decisão recorrida.
No ponto 28. dos factos provados fez-se constar que “em datas não apuradas do ano de 2003, o arguido adulterou os registos informáticos relativamente a 6 operações de aquisição e serviços, assim interferindo no resultando do tratamento de dados informáticos e provocando incorrecções no programa que suporta a execução do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais”.
Confrontando os demais parágrafos desse ponto 28. e os pontos 29. a 34., nos quais vêm individualizadas as adulterações efectuadas pelo arguido relativamente às operações sobre as quais elas incidiram, com os pontos 2. a 25., verificamos que as ditas adulterações incidiram apenas sobre 6 das 24 operações de aquisições e serviços ficcionadas pelo arguido ( sem contar aqui com aquela que não veio a surtir o efeito desejado ).
E, analisando em concreto que operações foram essas 6, verificamos, pelos elementos que constam dos pontos 28. a 34., que elas são, nem mais nem menos, que aquelas que vêm descritas nos pontos 4. (referente ao estudo prévio relativo ao arranjo urbanístico do nó de ………., requisitado pelo arguido em 3/2/03 e pago por cheque, no valor de 5.474 €, que o arguido depositou numa conta de que é titular em 24/2/03), 5. (referente ao projecto de execução do arranjo urbanístico do nó de ………., requisitado pelo arguido em 11/2/03 e pago por cheque, no valor de 29.155 €, que o arguido depositou numa conta de que é titular em 6/3/03), 14. (referente ao estudo prévio de requalificação urbanística da zona do ………., requisitado pelo arguido em 20/6/03 e cujo “custo”, de 5.831 €, veio a ser pago por cheque, emitido em 7/8/03, no valor de 23.324 €, que também englobou o valor da factura a que alude o ponto 16. e que o arguido depositou em conta de que é titular), 16. (referente ao anteprojecto relativo à requalificação urbanística do ………., requisitado pelo arguido em 31/7/03 e cujo “custo”, de 17.493 €, foi pago pelo cheque acima aludido), 17. (referente ao estudo prévio de requalificação urbanística em ………., requisitado pelo arguido em 13/8/03 e cujo “custo”, de 5.355 €, veio a ser pago por cheque, emitido em Setembro do mesmo ano, no valor de 28.560 €, que também englobou a factura a que alude o ponto 19. e que o arguido depositou em conta de que é titular) e 19. (referente ao projecto de requalificação urbanística do ………., requisitado pelo arguido em 15/9/03 e cujo “custo”, de 23.205 €, foi pago pelo cheque acima aludido).
Daqui se retira, por um lado, que todas as operações cujos registos informáticos foram adulterados pelo arguido se reportam a datas do ano de 2003; por outro, necessariamente, que as operações referentes a 2004 não foram objecto de tal tipo de actuação.
Desta forma seria perfeitamente possível que as adulterações tivessem sido efectuadas “em datas não apuradas do ano de 2003”.
No entanto, o texto da decisão recorrida evidencia uma contradição no que concerne à data em que o arguido efectuou as adulterações em causa. De facto, pese embora o que se fez constar do aludido ponto 28., na motivação de facto referiu-se que, no tocante à materialidade fáctica descrita nos pontos 28. a 34., o Tribunal se estribou “essencialmente nas declarações do arguido que confessou tudo o que se deixou dado como provado naqueles números do ponto II.” e que “O arguido declarou, no entanto - no que não foi contrariado por nenhuma outra prova (testemunhal ou documental) -, que as adulterações ali plasmadas foram efectuadas em momentos posteriores aos das apropriações que ficaram referenciadas nos nºs 2) a 27)”. Mais adiante, no enquadramento jurídico-penal, na análise do crime de burla informática que vinha imputado ao arguido, fez-se constar que “O prejuízo patrimonial sofrido pelo Município assistente não foi causado pelas adulterações/viciações ali relatadas e o arguido, ao realizá-las, não visou obter enriquecimento ilegítimo [este já tinha ocorrido com as apropriações descritas em 2) a 26)] tendo agido apenas com o propósito indicado em 38).”
Ora, se as apropriações descritas nos pontos 2. a 25. (deixando aqui de parte a operação descrita no ponto 26. na medida em que o resultado almejado não veio a ser alcançado por, entretanto, a actuação do arguido ter sido descoberta) ocorreram no período compreendido entre data incerta anterior a 16/1/2003 e 14/1/04, e se as ditas adulterações - de acordo com as declarações do arguido que não foram contrariadas por qualquer outro meio de prova e foram consideradas credíveis -, foram efectuadas em momentos posteriores a elas, é contraditório afirmar-se que elas foram efectuadas em datas não apuradas do ano de 2003.
No entanto, o vício detectado só determina o reenvio do processo para novo julgamento se não for possível decidir da causa, nos termos do disposto no nº 1 do art. 426º do C.P.P. E essa decisão é possível, procedendo à compatibilização da redacção do 1º parágrafo do ponto 28. com o que resulta dos meios de a prova que o tribunal atendeu (as declarações confessórias do arguido conjugadas com os documentos juntos a fls. 17, 11, 12, 34, 35, 41, 42 do 1º vol. e exame pericial de fls. 629-630) para dar como provados os factos constantes dos pontos 28. a 34., de forma a que o mesmo fique com a seguinte redacção: “em datas não apuradas posteriores a 14/1/04 e antes de a sua actuação ter sido descoberta, o arguido adulterou os registos informáticos relativamente a 6 operações de aquisição e serviços, assim interferindo no resultando do tratamento de dados informáticos e provocando incorrecções no programa que suporta a execução do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais”.
De qualquer forma, não é relevante a data precisa em que o arguido procedeu às adulterações em causa; o que importava apurar era se elas foram praticadas aquando das apropriações e se contribuíram de algum modo para que estas se pudessem concretizar (o que não foi dado como provado – cfr. al. c) dos factos não provados).
Ora, do texto da decisão recorrida resulta inequivocamente que as adulterações foram praticadas em datas posteriores às apropriações das quantias envolvidas nas operações relativamente às quais o arguido viciou os respectivos registos informáticos, e que elas se destinaram apenas a “enganar o controlo e disfarçar os fornecimentos fictícios e apropriações de dinheiros municipais que havia concretizado em datas anteriores” e a “evitar que o valor anual de 2003, relativamente aos fornecimentos da G………., Lda e da H………., Lda., ultrapassasse os 50.000€” (2º parágrafo do ponto 28.), procurando dessa forma o arguido impedir que “fosse descoberta a sua actuação, por obrigatoriedade das mesmas serem objecto de mapas recapitulativos se os respectivos fornecimentos excedessem tal valor” (ponto 38.). Aliás, isso mesmo foi declarado pelo arguido, como resulta do seguinte segmento da motivação de facto: “O arguido declarou, no entanto - no que não foi contrariado por nenhuma outra prova (testemunhal ou documental) -, que as adulterações ali plasmadas foram efectuadas em momentos posteriores aos das apropriações que ficaram referenciadas nos nºs 2) a 27), em nada tendo, por isso, relevado para essas mesmas apropriações monetárias, e que o único propósito que esteve subjacente a essas viciações foi o que se deixou apontado em 38), facto este que se deu como provado por o Tribunal ter acreditado no teor das suas declarações e das explicações que deu em julgamento. Por via disso, não se deu como provado o que consta da al. c) do ponto III deste acórdão.”
Ou seja, foi já depois de se ter apropriado das quantias referentes às operações em causa (e, portanto, consumado que estava o correspondente enriquecimento ilegítimo), e ao dar-se conta de que os fornecimentos que havia imputado à G………., Lda (descritos nos pontos 4., 5., 11., 12. e 13. e no valor somado de 51.884 €) e à H………., Lda (descritos nos pontos 14., 16., 17., 19., 20. e 23 e no valor somado de 94.724 €), relativos ao ano de 2003, ultrapassavam os 50.000 € - limite a partir do qual teriam obrigatoriamente de ser objecto do mapa recapitulativo a enviar à administração fiscal, o que implicaria um controlo acrescido e aumentaria o risco de a sua actuação vir a ser descoberta -, que o arguido, tendo em vista evitar esse controle e o inerente risco, resolveu adulterar os registos informáticos de algumas daquelas operações, por forma a que os “fornecimentos” respeitantes àquelas empresas se contivessem abaixo daquele limite. E, assim, transferiu informaticamente alguns dos fornecimentos fictícios atribuídos à G………., Lda, no valor total de 34.629 € (os descritos nos pontos 4. e 5.), para outro fornecedor fictício, E………., bem como alguns dos fornecimentos fictícios atribuídos à H………., Lda, no valor total de 51.884 €, para outros fornecedores habituais da recorrente, em concreto a P………., Lda (os descritos nos pontos 14. e 16.) e a Q………., Lda (os descritos nos pontos 17 e 19).
Deste modo, não tendo a adulteração dos registos informáticos referentes às 6 operações acima mencionadas contribuído para a apropriação que o arguido fez das quantias pertencentes à recorrente, nomeadamente a que respeita aos valores correspondentes a tais operações, tendo sido efectuadas em momento posterior àquele em que já tinha ocorrido o enriquecimento ilegítimo, é forçoso concluir que o arguido não as efectuou com a intenção de obter tal enriquecimento, nem foi através delas que causou prejuízo patrimonial à recorrente (pois esta já o havia sofrido), não se mostrando preenchidos os elementos típicos do crime p. e p. pelo art. 221º do C. Penal. Assim sendo, também não incorreu o tribunal recorrido em erro de direito ao considerar que o arguido não praticou o crime de burla informática que lhe vinha imputado.
Donde, e apesar da correcção que há-de ser introduzida na redacção do ponto 28. dos factos provados, inexiste fundamento para reenviar o processo para novo julgamento.

3.3. Por último, a recorrente insurge-se contra a absolvição do arguido do crime de burla qualificada que lhe vinha imputado, entendendo que se mostram preenchidos os respectivos elementos típicos, já que, para ele conseguir a apropriação do dinheiro, foi necessário, não apenas completar com total aparência de verdade o ciclo de documentos falsos que provavam a despesa, mas também induzir em erro, criando uma aparência de verdade, o tesoureiro e os funcionários da assistente, de forma a que o primeiro também apusesse a sua (imprescindível) assinatura nos cheques e os segundos os confiassem ao arguido, na pressuposição de que este os faria chegar às pessoas em nome de quem eram emitidos.

Através da leitura dos pontos 2. a 26. dos factos provados, verificamos que os procedimentos seguidos pelo arguido para lograr a apropriação das quantias em causa nos autos seguiram um padrão comum: o arguido começava por preencher uma requisição interna na qual fazia constar que pretendia requisitar a um pretenso fornecedor determinados bens ou serviços, ou despachava uma pretensa nota de honorários ou recibo verde por ele forjada; perante tal requisição ou documento com despacho exarado pelo arguido, o funcionário da contabilidade emitia informaticamente a respectiva proposta de cabimento e elaborava e assinava a respectiva requisição externa, apondo o arguido nesses documentos a inerente autorização, por carimbo e assinatura; na sequência, ou era registada a factura forjada e apresentada pelo arguido e creditada a conta corrente do pretenso fornecedor, sendo posteriormente emitido cheque à ordem deste para pagamento de vários “fornecimentos”, ou era elaborada ou o arguido determinava que fosse elaborada a respectiva ordem de pagamento, que ele assinava, e processado o recibo de operações de tesouraria, sendo logo emitido cheque à ordem do fornecedor que havia sido indicado, que o arguido assinava e que, junto com a ordem de pagamento, era enviado à tesouraria pelos serviços de contabilidade; logo que ocorria a saída da respectiva despesa, era operado o débito com o fictício fornecedor, saldando-se o mesmo e a ordem de pagamento conferida pelos funcionários com competência para tal; depois, ou o arguido solicitava o cheque ao Tesoureiro e conseguia que este lho entregasse, alegando que o entregaria à pessoa que nele figurava como beneficiário, até porque na maior parte das vezes havia sido ele ou iria ser ele o portador do recibo (documento que ele também forjava como se tivesse sido emitido pelo pretenso fornecedor), ou era emitido ofício, assinado pelo arguido, fazendo remessa do cheque e solicitando o envio do correspondente recibo, ofício que acabava por não ser enviado, apoderando-se o arguido do cheque e remetendo depois à contabilidade um recibo por ele forjado nos termos acima referidos; finalmente, o arguido, com o cheque em seu poder, exarava no verso do mesmo, na parte do endosso, uma assinatura como se do ficcionado beneficiário se tratasse, nalguns casos apondo também um carimbo como se a este dissesse respeito, e depositava esse título numa conta bancária de que era titular, assim se apropriando da quantia em dinheiro que o mesmo titulava.
A actuação do arguido, discriminada nos pontos acima referidos, e o propósito que a ela presidiu, vêm sintetizados no ponto 37. dos factos provados, que aqui recordamos:
“O arguido quis e conseguiu arrecadar o produto financeiro de 24 distintos procedimentos de despesa, apropriando-se de 15 cheques de que não era o tomador, depositando-os em contas suas e integrando as verbas que neles estavam tituladas no seu património, ao longo de quase todo o exercício do cargo de Director do Departamento Administrativo para que foi nomeado, em regime de comissão de Serviço, em 2-12-2002.
Para o efeito, ficcionou quatro pseudo prestadores de serviços, com os quais desencadeou outros tantos procedimentos, inventou os seus respectivos números de contribuintes, os serviços que lhes requisitou e os respectivos pagamentos, tendo utilizado, para tanto, 4 recibos que a si próprio tinham sido atribuídos pela administração fiscal, na sua qualidade de contribuinte de IRS com rendimentos da categoria B, para documentar os ficcionados recebimentos por parte dos ditos fornecedores.
Ficcionou 13 aquisições de serviços a dois fornecedores habituais do Município – G………., Lda e H………., Lda.
Utilizou uma firma inactiva – M………., Lda., de que era sócia uma outra sociedade (N………., Lda.) a que ele estava ligado, a quem fez 7 requisições fictícias de bens, das quais foram efectuados 3 pagamentos, não tendo o último sido consumado por ter sido descoberta a actuação do arguido.
Forjou assinaturas em notas de honorários, facturas, recibos e cheques.
Fabricou e forjou, digitando, cabeçalhos e rodapés e preenchendo os demais dizeres no computador, assim logrando imitar papel timbrado de fornecedores que usou para emitir notas de honorários, facturas e recibos que engendrou.
De igual forma, forjou carimbos das sociedades G………., Lda e M………. que apôs em facturas, recibos e cheques.
E fê-lo sempre com intenção de causar prejuízo ao Município e obter para si beneficio a que não tinha direito, forjando os inerentes documentos, simulando as necessárias operações burocráticas e imitando as assinaturas necessárias, de modo a conferir aparente legitimidade a toda a sua actuação.
Quis e conseguiu convencer os funcionários que trabalhavam no departamento que ele próprio dirigia, que estavam encarregados de processar os documentos relativos às despesas por ele inventadas, da aparente legalidade dos mesmos e, bem assim, da sua actuação.
Usou competências próprias e que nele foram delegadas pelo Presidente da Câmara C………., para se apropriar dos dinheiros do Município, abusando de tais poderes e da confiança que nele foi depositada, violando os mais elementares deveres de probidade e fidelidade.
Agiu de forma livre, consciente e voluntária, sabendo não serem permitidas por lei tais condutas e renovando em cada uma das suas descritas e homogéneas actuações os propósitos/intenções que se deixaram apontados, aproveitando-se da confiança que nele tinham os responsáveis da edilidade C1………., designadamente o então seu Presidente e do facto da sua actuação não ser suspeita nem ter sido entretanto descoberta por ninguém da Autarquia.

Vejamos agora os termos utilizados na fundamentação jurídica da decisão recorrida para concluir que os factos provados não integram o crime de burla qualificada que ao arguido foi imputado:

Ao arguido vem, ainda, imputada a comissão de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nºs 1 e 2 al. a), com referência ao art. 202º al. b).
O crime de burla traduz uma forma evoluída de captação do alheio em que o agente se serve do erro e do engano para que incautamente a vítima se deixe espoliar, e é integrado pelos seguintes elementos:
- intenção do agente de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo;
- por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou;
- com isso, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a terceiro, prejuízo patrimonial (cfr. Acs. do STJ de 12/12/2002 e de 20/03/2003, publicados in www.dgsi.pt/jstj.nsf).
Trata-se de um ilícito de execução vinculada e de resultado, exigindo a sua consumação um duplo nexo de imputação objectiva (segundo a teoria da adequação, consagrada no art. 10º nº 1); por um lado, entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património próprio ou alheio e, por outro, entre estes actos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial (Almeida Costa, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, tomo II, pgs. 293 a 295, §§ 13 e 14 das anotações ao art. 217º).
A propósito do elemento “astúcia”, que constitui a “pedra de toque” deste tipo de ilícito, declarou-se num dos doutos arestos acima citado (no Ac. do STJ de 20/03/2003) que a mesma se verifica:
- quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou são referidos pelo burlão factos falsos ou este altera ou dissimula factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado, de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro;
- e esses actos devem ser aptos a enganar, podendo o burlão utilizar expedientes constituídos ou integrados também por contratos civis.
Mais acrescenta o mesmo aresto que a linha divisória entre a fraude, constitutiva da burla, e o simples ilícito civil, uma vez que o dolo «in contrahendo» cível determinante da nulidade do contrato se configura em termos muito idênticos ao engano constitutivo da burla, inclusive quanto à eficácia causal para produzir e provocar o acto dispositivo, deve ser encontrada em diversos índices indicados pela Doutrina e pela Jurisprudência, tendo-se presente que o dolo «in contrahendo» é facilmente criminalizável desde que concorram os demais elementos estruturais do crime de burla.
E conclui que há fraude penal quando:
- há propósito «ab initio» do agente de não prestar o equivalente económico;
- se verifica dano social e não puramente individual, com violação do mínimo ético e um perigo social, mediato ou indirecto;
- se verifica uma violação da ordem jurídica que, por sua intensidade ou gravidade, exige como única sanção adequada a pena;
- há fraude capaz de iludir o diligente pai de família, evidente perversidade e impostura, má fé, «mise-en-scène» para iludir;
- há uma impossibilidade de se reparar o dano;
- e há intuito de um lucro ilícito e não do lucro do negócio.
Noutro acórdão do Supremo Tribunal (Ac. de 18/10/2001, publicado no mesmo “sítio”) decidiu-se que “a astúcia posta pelo burlão tanto pode consistir na invocação de um facto falso, como na falsa qualidade, como na falsificação da escrita, ou outra qualquer; interessa apenas que os factos invocados dêem a uma falsidade a aparência da verdade; (...) o burlão, actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro; é indispensável, assim, que os actos além de astuciosos, sejam aptos a enganar, não se limitando o burlão a mentir, mentindo com engenho e habilidade, revelando uma maior intensidade no dolo e uma maior susceptibilidade dos outros serem convencidos; longe de envolver, de forma inevitável, a adopção de processos rebuscados ou engenhosos, a sagacidade do agente comporta uma regra de “economia de esforço”, limitando-se o burlão ao que se mostra necessário em função das características da situação da vítima; a idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente afere-se tomando em consideração as características do concreto burlado”.
Em sentido semelhante pronuncia-se o Autor já atrás citado (Almeida Costa, in Comentário ..., pgs. 298 e 299), quando refere que “a conduta do agente comporta a manipulação de outra pessoa, caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica que combina a antecipação das reacções do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objectivo em vista” e que “longe de envolver, de forma inevitável, a adopção de processos rebuscados ou engenhosos, aquela sagacidade comporta uma regra de economia de esforço, limitando-se o burlão ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima”, podendo, no caso concreto, a “astúcia” coincidir com o “menos sofisticado dos procedimentos”.
A propósito do “erro ou engano” em que incorre o burlado em consequência da conduta astuciosa do agente, decidiu também o nosso Mais Alto Tribunal (Ac. de 11/10/2001, in CJ-STJ ano IX, 3, 192) que “por erro deve entender-se a falsa (ou a nenhuma) representação da realidade concreta, a funcionar como vício influenciador do consentimento ou da aquiescência da vítima” e que o engano “continua a equivaler à mera mentira (a uma mentira pré-ordenada)”, logo acrescentando que “para a comprovação do crime de burla ganha vulto a imprescindibilidade de uma factualização expressa e inequívoca das práticas integradoras da indução em erro ou da força do engano, pois só a partir da concretização dessas práticas e dos seus cambiantes envolventes é lícito e possível exprimir um juízo válido e seguro acerca da vulnerabilidade do sujeito passivo da infracção e, consequentemente, da eficácia frutuosa da relação entre os actos configuradores da astúcia delineada e do erro ou engano engendrados e a cedência do lesado na adopção de atitudes a ele ou a outrem prejudiciais” ou, por outras palavras, “é necessário que facticamente se objective a componente subjectiva de que unicamente a insídia do agente foi determinante do comportamento da vítima”.
O crime de burla pode configurar-se segundo uma de três modalidades. A mais evidente ocorre quando o agente provoca o erro da vítima por “palavras ou declarações expressas”, descrevendo-lhe uma falsa representação da realidade. Outra modalidade tem lugar quando o erro (ou engano) da vítima é ocasionado/determinado, não por declarações expressas, mas através de “actos concludentes” que traduzem “defeito de informação” relativamente ao significado ou ao conteúdo intrínseco da conduta do agente. A terceira e última modalidade é a designada “burla por omissão” que se verifica quando o agente, sem provocar o engano do sujeito passivo, se limita a aproveitar o estado de erro em que este já se encontra. Esta última modalidade só é punível quando sobre o agente incida um especial dever de informação (ou dever de garante) nos termos fixados no nº 2 do art. 10º. Embora próximas, as duas últimas modalidades não se confundem, pois enquanto na “burla por actos concludentes” é a conduta do agente que cria, assegura ou aprofunda o engano da vítima, na “burla por omissão” não intervém qualquer contributo positivo do agente na formação do erro da vítima (cfr. Autor e Obra citados, pgs. 301 a 309, §§ 17 a 21).
No caso «sub judice» importa, essencialmente, indagar se estão verificados os pressupostos “erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados” pelo arguido e se em consequência desse erro ou engano astucioso outrem foi determinado à prática de actos que causaram prejuízo do Município assistente.
A nossa resposta é, desde já, a de que não se mostram preenchidos estes dois pressupostos essenciais ao crime de burla.
Comecemos por nos socorrer de um caso que o STJ já apreciou (Ac. de 18/01/2001, CJ-STJ, ano IX, 1, 218). Nesse douto acórdão estava em causa a seguinte actuação de uma ajudante de um Cartório Notarial:
- ela preenchia as guias de pagamento do imposto de selo com valores inferiores aos efectivamente devidos, pagava e validava essa guia na Repartição de Finanças, e no Cartório acrescentava os montantes até fazer corresponder ao montante efectivamente devido pelo imposto e emitia então um cheque do Cartório no montante respectivo, cheque que não descontava, mas antes inutilizava. Desdobrava depois a quantia titulada nesse cheque em vários cheques do Cartório (de que assim se apossava ilegitimamente), que emitia em seu nome ou ao portador, depositando os mesmos em seu nome ou levantando em numerário;
- ou então fabricava guias de pagamento fictícias, que eram arquivadas no Cartório Notarial, como efectivamente pagas, quando nada tinha sido pago a título de imposto, levantando da conta do Cartório Notarial, em seu proveito, o dinheiro nelas referido;
- em relação à apropriação do dinheiro, aproveitou-se quer do facto de poder movimentar livremente a conta da J………. pertença do Cartório Notarial (quer em levantamentos de numerário, quer em cheques);
- o dinheiro de que se apropriou ilicitamente proveio da J………., onde o serviço a que a arguida pertencia tinha aberta uma conta de depósito;
- para concretizar os seus intentos, além de forjar guias de pagamento de imposto de selo, adulterou os seus valores, forjou um carimbo da tesouraria da repartição de finanças, usou indevidamente selos de validação e imitou rubricas de funcionários da mesma repartição.
Perante tal actuação, o STJ, além de outras considerações, concluiu que o dinheiro de que a referida arguida se apropriou indevidamente proveio da J………., que esta instituição não sofreu prejuízo patrimonial por virtude da prática de actos determinados pela arguida por meio ou engano astuciosamente provocados por esta, que as entregas e os pagamentos efectuados à arguida pela J………. não foram determinados por erro ou engano astuciosamente provocados por aquela e que foi a circunstância da arguida poder movimentar as contas do Cartório na J………. que determinou esta última a proceder às entregas de dinheiro àquela. E, por via disso, decidiu que em tal caso a arguida não cometeu qualquer crime de burla, não sem antes dizer, ainda, que “não se diga, assim e em contrário, quanto aos valores sob a guarda da J………. que para os retirar do seu domínio a arguida teve de lançar mão de manobras fraudulentas junto dos funcionários daquela instituição bancária, nomeadamente mediante a falsificação de documentos”.
No nosso caso também é verdade que o arguido se socorreu de diversas manobras junto dos funcionários que estavam sob a sua direcção na CM C………. para que eles não suspeitassem da sua continuada actuação ilícita, levando-os a praticar determinados actos burocráticos que precediam a emissão dos meios de pagamento e forjou igualmente diversos documentos, apôs assinaturas e rubricas falsas noutros e fez constar falsamente de documentos materialmente verdadeiros factos juridicamente relevantes. Contudo, aqui como ali, o arguido dominava toda a situação desde a nascença do acto (nomeadamente, desde a requisição do serviço ou fornecimento) até ao pagamento, tendo intervenção directa nesse «iter», sendo certo que ele próprio apunha a sua assinatura nos cheques por disso estar incumbido devido à delegação de competências de que beneficiava. No fundo, também aqui o dinheiro da CM C………. estava acessível ao arguido, o qual, por outros meios, também poderia ter chegado ao mesmo resultado. Além disso, os burlados (logo, os visados pelo eventual erro ou engano astuciosamente provocados pelo arguido com as apontadas falsificações/viciações) nunca poderiam ser os referidos funcionários da CM C………. já que não foram eles que directamente praticaram os actos que determinaram o prejuízo sofrido pela autarquia (e o consequente benefício patrimonial do arguido). Este prejuízo resultou dos levantamentos que o arguido logrou alcançar das contas bancárias do Município com os depósitos dos ditos cheques nas suas próprias contas bancárias. Daí que o erro ou engano (astuciosamente provocados) devessem incidir sobre as instituições bancárias que procederam à entrega (por transferência) das mencionadas quantias monetárias ao arguido para que existisse crime de burla cometido por este. Mas, de acordo com a factologia que ficou provada, o arguido não exerceu directamente sobre essas instituições bancárias nenhum erro ou engano que as tivessem levado a autorizar aquelas entregas em dinheiro. Os pagamentos/depósitos dos cheques foram efectuados porque estes tinham sido emitidos pela entidade titular das contas a que diziam respeito (o Município) e estavam assinados com duas assinaturas apostas uma dela pelo arguido (na qualidade de director do referido departamento camarário) e a outra por outro funcionário com competência para tal.
Por via do que se deixa exposto, entendem os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo que o arguido não cometeu o crime de burla que lhe vinha imputado e que, nesta parte, a douta acusação tem que improceder e ele ser absolvido de tal ilícito.

Esta fundamentação esquece, no entanto, alguns aspectos fundamentais da actuação do arguido. Toda a trama por ele urdida junto dos funcionários da recorrente de modo a que eles não tivessem dúvidas de que os actos que praticavam correspondiam ao processamento de verdadeiras operações de aquisição de bens e pagamento de serviços prestados foi essencial para que àquele fossem entregues cheques que se destinavam ao pagamento daqueles bens e serviços. É verdade que a simples entrega desses cheques, só por si, não seria causadora de prejuízo patrimonial para a recorrente, nem de enriquecimento ilegítimo para o arguido, isto se as quantias por eles tituladas não chegassem a passar para a disponibilidade deste último. Mas o arguido não ficou por aí. Como os cheques foram emitidos à ordem dos fornecedores de bens ou prestadores de serviços que o arguido indicou como sendo aqueles que os haviam fornecido ou prestado, não podia ele aceder às quantias que tais cheques titulavam sem engendrar mais um estratagema para conseguir que elas passassem para a sua disponibilidade, pois é certo e sabido que, se ele se limitasse a depositar tais cheques emitidos à ordem de outrem na sua conta, os mesmos não seriam pagos por não se mostrar justificada a sua posse por parte dele. Esse estratagema consistiu precisa e simplesmente no mínimo necessário e adequado (dentro da regra de “economia de esforço” na execução da actuação enganatória) para fazer crer aos funcionários bancários, perante os quais se ia apresentar a efectuar o respectivo depósito na sua conta, que os ditos cheques se encontravam legitimamente em seu poder, que era ele - e não já os iniciais beneficiários - o seu legítimo portador. Em concreto, consistiu em o arguido exarar no verso de cada um desses títulos, na parte do endosso, uma assinatura como se do ficcionado beneficiário se tratasse, apondo nalguns casos também um carimbo como se a este dissesse respeito. Com os cheques assim preenchidos e aparentemente endossados pelo respectivo beneficiário, nada fazendo suspeitar que assim não tivesse sucedido, o arguido depositou-os em contas bancárias de que era titular, apresentando-se, pois, perante as instituições bancárias onde os depositou, como se fosse o seu legítimo portador, assim conseguindo que estas procedessem à transferência das quantias envolvidas para aquelas contas e, portanto, para a sua disponibilidade. Ou seja, o arguido provocou uma série de enganos, primeiro junto dos funcionários da recorrente e depois junto das instituições bancárias onde depositou os cheques, fazendo crer aos primeiros que haviam sido efectivamente requisitados e fornecidos determinados bens e prestados determinados serviços e que os cheques emitidos se destinavam a pagá-los, e às segundas que era o legítimo portador desses títulos, por lhe terem sido endossados pelo respectivo tomador. O encadeamento de todos estes enganos provocados astuciosamente pelo arguido levou a que os burlados praticassem actos que causaram prejuízo patrimonial à recorrente, alcançando o arguido o resultado almejado – a apropriação de avultadas quantias pertencentes à recorrente, e que não lhe eram devidas.
É, pois, inquestionável que a conduta do arguido preenche os elementos típicos do crime de burla qualificada (pelo valor consideravelmente elevado, que se preenche nomeadamente em relação à situação descrita no ponto 5., levando em conta a continuação criminosa que foi considerada na decisão recorrida) que lhe foi imputado.
Resta então determinar se o arguido pode ser condenado pela prática, em concurso, dos crimes de peculato e de burla qualificada, com o que entramos na problemática do concurso de crimes.

De acordo com o nº 1 do art. 30º do C. Penal "O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente".
O comando contido nesta norma sofre duas importantes ordens de restrições, sendo uma delas constituída pelos casos de concurso aparente de infracções. “Nos casos de concurso aparente, são formalmente violados vários preceitos incriminadores, ou é várias vezes violado o mesmo preceito. Mas esta plúrima violação é tão-só aparente; não é efectiva, porque resulta da interpretação da lei que só uma das normas tem cabimento, ou que a mesma norma deve funcionar uma só vez.”[11]
Nesta temática assume especial relevo o princípio constitucional consagrado no nº 5 do art. 29º da C.R.P., de acordo com o qual “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, recorrendo-se a diversas regras (especialidade, consunção, subsidiariedade, alternatividade) para delimitar aqueles casos em que uma determinada conduta preenche formalmente várias normas penais, mas em que só uma delas deve ser aplicada, e para determinar qual delas deve prevalecer.

No caso, as normas em confronto protegem o mesmo bem jurídico – o património (tutelando, ainda, o peculato a probidade e fidelidade dos funcionários). De facto, confrontando a previsão dos arts. 375º nº 1 e a 217º nº 1 do C. Penal, logo sobressai que o primeiro abarca todos os actos que conduzam à apropriação ilegítima dos bens nele referidos, enquanto que o segundo também contempla uma apropriação dessa natureza, sob a designação de “enriquecimento ilegítimo”.
Toda a actividade do arguido foi delineada e executada tendo em vista sucessivas apropriações ilegítimas à custa do património de uma mesma entidade, a recorrente, e os benefícios ilegítimos por ele alcançados tiveram como contrapartida os prejuízos por ela sofridos, sendo que tais benefícios e prejuízos derivaram de apropriações ilegítimas de valores com a caracterização especial que advém da qualidade de funcionário que o arguido tinha.
Dada a abrangência do nº 1 do art. 375º, pensamos que este preceito absorve a norma que prevê a burla e que, no caso, a conduta do arguido deve ser subsumida (apenas) à sua previsão legal. No entanto, e para efeitos da moldura penal aplicável há que ter em conta o disposto na parte final daquele preceito, de acordo com o qual o agente do crime “é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”. Ora, sendo o crime de burla qualificada cuja previsão a conduta do arguido formalmente também preenche punível com pena mais grave (prisão de 2 a 8 anos), a moldura penal a ter em conta, por força da relação de subsidiariedade expressa estabelecida no segmento da norma acima transcrito, seria esta, e não a do tipo legal de peculato.
Como quer que seja, a pena que na decisão recorrida foi feita corresponder ao crime de peculato (2 anos e 2 meses de prisão) está contida dentro dessa moldura abstracta e apresenta-se equilibrada face aos contornos da situação concreta, culpa do arguido e exigências preventivas, inexistindo fundamento para que seja alterada.
Assim sendo, embora assista alguma razão à recorrente quando critica a fundamentação com base na qual a decisão recorrida afastou a incriminação da burla qualificada, decorre do que acabámos de expor que, também neste particular, a subsunção jurídica dos factos e a pena aplicada se devem manter.
*
Uma última questão. O arguido foi condenado na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão, com execução suspensa por 3 anos. Ao tempo em que o acórdão recorrido foi proferido, o período de suspensão da execução da pena podia ser fixado entre 1 e 5 anos, de acordo com a redacção que então tinha o nº 5 do art. 50º do C. Penal. Sucede que a nova redacção deste preceito, introduzida pela Lei nº 59/2007 de 4/9, veio estabelecer, em geral, a igualização entre a duração da pena de prisão fixada e o período de suspensão, sem que, no entanto, este possa ser inferior a um ano. A nova lei é mais favorável e, por isso, deve ser aplicada (nº 4 do art. 2º do C. Penal). Motivo pelo qual o período de suspensão de execução da pena deve ser reduzido para 2 anos e 8 meses.

4. Decisão
Por todo o exposto, rejeitam o recurso na parte em que vem invocado erro de subsunção jurídica quanto à falsificação de documentos, e julgam-no improcedente quanto ao mais, mantendo a decisão recorrida, mas alterando o 1º parágrafo do ponto 28. dos factos provados, que ficará com a seguinte redacção: “em datas não apuradas posteriores a 14/1/04 e antes de a sua actuação ter sido descoberta, o arguido adulterou os registos informáticos relativamente a 6 operações de aquisição e serviços, assim interferindo no resultando do tratamento de dados informáticos e provocando incorrecções no programa que suporta a execução do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais”, bem como o período de suspensão de execução da pena, que vai reduzido para 2 anos e 8 meses.
Vai a recorrente condenada em 5 UC de taxa de justiça, a que acrescem 3 UC nos termos do nº 4 (actual nº 3) do C.P.P..

Porto, 2 de Julho de 2008
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
Jaime Paulo Tavares Valério
José Manuel Baião Papão (Vencido apenas quanto á condenação nos termos do nº4 do art. 420º do CPP, por entender que só se aplica à rejeição do recurso “in totum”)

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[1] cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Exigência esta “que representa uma efectiva limitação, porventura ditada pela preocupação de evitar que o assistente, subvertendo a razão da sua intervenção de colaborador da justiça, use o processo para se desforçar” – cfr. Germano Marques da Silva, ob. cit., III, pág. 332.
[4] “Decisão proferida contra o assistente é a decisão proferida contra a posição que ele tenha sustentado no processo, mas é necessário entender esta posição em termos muito amplos” – Idem, ibidem, pág. 328.
“Estatui e esclarece a lei que o direito de recurso existe ainda que o assistente recorra desacompanhado do Ministério Público, sendo óbvio que para este efeito é irrelevante a natureza do ilícito penal em causa.
Pressuposto porém desse direito de recorrer, é que a decisão de que se trata AFECTE o assistente, cabendo aqui dizer que a expressão normativa "que os afectem" tem de considerar-se equivalente à consignada na alínea b) do n. 1 do artigo 401, do Código de Processo Penal ou seja a de "contra eles proferidas", pois não fazia sentido lógico que se revestissem de significado diverso (não se percebendo bem, como justamente anota (COSTA PIMENTA, in Código de Processo Penal Anotado, 2. edição, página 232, a razão do emprego de expressões diversas) já que uma decisão proferida contra um sujeito processual necessariamente o afecta e uma decisão que o afecte - nos seus interesses - não pode deixar de ser contra ele proferida, para além de que não ocorre razão para que os preceitos citados – artigo 69 n. 2, alínea c) e 401 n. 1, alínea b) - se envolvem de repercussão diferente.
As decisões que afectam os assistentes terão pois que ser as que contra eles se profiram e que, contra eles se proferindo, lhes atinjam os direitos e os interesses e lhes tolham e coarctem as pretensões desde que, claro está, sejam recorríveis.” - Ac. STJ de 30/10/97, proc. nº 97P482.
[5] Parece-nos que o assistente só terá interesse em agir quando o arguido for absolvido ou condenado por crime diverso daquele que foi objecto da sua acusação” – cfr. Germano Marques da Silva, ob. cit., págs. 332.
“Um dos casos em que se tem reconhecido, jurisprudencialmente, sem reservas, a legitimidade e o interesse em agir do assistente para interpor recurso desacompanhado do M.º P.º é aquele em que o arguido é absolvido (…)
A referida doutrina [firmada pelo Assento nº 8/89] tem sido estendida também a outras questões em que estão em causa sobretudo interesses públicos, em face dos quais o interesse particular do assistente não assume relevância. Por exemplo, a questão da qualificação jurídica dos factos provados (entre outros, os Acórdãos de 20/3/02, Proc. n.º 468/02; de 17/10/02, Proc. n.º 3208/02 - 5)” - Ac. STJ de 15/1/04, proc. nº 03P3288.
[6] “Com o recurso o recorrente visa a revogação da decisão impugnada e a sua substituição por outra. Importa que o recorrente tenha interesse na revogação e na nova decisão. Note-se, porém, que o interesse em agir, o interesse na revogação da decisão impugnada, não é um interesse meramente abstracto, interesse na correcção das decisões judiciais, mas um interesse em concreto, pelo efeito que se busca sobre a decisão em benefício do recorrente, salvo no que respeita ao Ministério Público.” Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 330.
[7] Assento nº 8/99, de 30/10/97, DR Iª s.-A de 10/8/99, que fixou a seguinte jurisprudência: “O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.”
[8] cfr. Simas Santos, Leal- Henriques e Borges de Pinho, Código de Processo Penal Anotado, 1996, 2º vol., pág. 475.
[9] De acordo com a jurisprudência fixada pelo Assento nº 8/99 de 30/10/97, no D.R. I-A de 10/8/99.
[10] cfr. Simas Santos, Recursos em Processo Penal., 5ª ed. págs. 63-64.
[11] cfr. Maia Gonçalves, Código Penal português anotado e comentado, 14ª ed., pág. 138.