Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
676/13.9TTVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
INTERPRETAÇÃO
COMPLEMENTO DE REFORMA
ACIDENTE DE TRABALHO
DOENÇA PROFISSIONAL
Nº do Documento: RP20160118676/13.9TTVFR.P1
Data do Acordão: 01/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 232, FLS.357-365)
Área Temática: .
Sumário: I - Na interpretação das convenções colectivas deve aplicar-se o disposto nos arts. 236.º e ss. do Código Civil quanto à parte obrigacional, e o preceituado no artigo 9.º do Código Civil, no respeitante à parte regulativa, uma vez que os seus comandos jurídicos são gerais e abstractos e produzem efeitos em relação a terceiros.
II – Se o estrito escopo reparador da norma que prevê um complemento de pensão levaria, numa primeira análise, a uma total equiparação das consequências associadas aos dois tipos de infortúnio – acidente de trabalho e doença profissional –, a verdade é que, tratando-se da assunção convencional de uma obrigação que acresce ao regime estabelecido na lei para os casos de acidente de trabalho e doença profissional, deve ter-se uma particular atenção ao modo como as entidades contratantes da CCT desenharam o texto normativo que exprime os termos da sua auto-vinculação, a qual resulta, necessariamente, de um processo negocial e pode não corresponder à satisfação óptima das finalidades reparadoras.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 676/13.9TTVFR.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B…, intentou a presente acção declarativa condenatória contra «C…, Lda.», pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia de € 2.119,53 a título de complementos de retribuição vencidos e no pagamento dos complementos de retribuição vincendos à razão de € 201,86 mensais e, ainda, em custas e procuradoria.
Alega, para tanto, e em síntese: que trabalhou ao serviço da R. e em Novembro de 2012 lhe foi reconhecida uma doença profissional com IPATH; que a R., não o reconvertendo, lhe comunicou a caducidade do contrato de trabalho por carta de 3 de Dezembro de 2012; que à relação laboral existente entre as partes é aplicável a regulamentação colectiva de trabalho para o Sector Corticeiro (F… publicado no BTE, 1.ª série, n.º 47, de 22.12.2004, com as alterações publicadas nos BTE’S, 1.º Série, n.º 28 de 29.07.2005, n.º 46, de 15.12.2006, n.º 41, de 08.11.2007, n.º 41 de 08.11.2008, n.º 18, de 15.05.2010, n.º 1, de 08.01.2011, n.º 33, de 08.09. 2011 e n.º 32, de 29.08.2012); que a cláusula 73.ª do CCT dispõe no n.º 3 que, caso a reconversão por acidente não seja possível, a empresa pagará ao trabalhador um subsídio complementar de valor igual à diferença entre a retribuição à data da baixa e a soma das pensões por invalidez, reforma ou quaisquer outras que sejam atribuídas aos profissionais em causa, salvo se o trabalhador vier a auferir retribuição por outro serviço, e que esta norma tem aplicação nos casos de doença profissional, pelo que tem direito ao complemento entre a pensão que recebe do CNPRP e a retribuição que auferia à data da baixa, a partir da data da declaração oficial da incapacidade.
Na contestação apresentada, a R. veio alegar, em suma: que o preceituado no n.º 3 do art. 73 da referida F… apenas abrange os casos em que a reconversão por acidente não seja possível, pelo que o pagamento de complemento de pensão quando a reconversão por doença profissional não é viável não está prevista, não tendo a pretensão do autor cabimento; que do teor do art. 161.º da Lei n.º 98/2009 de 04.09 se retira que na doença profissional a obrigação da R. esgota-se no caso de impossibilidade de assegurar a ocupação e função compatível com o estado do trabalhador; que a IPATH decorrente da doença profissional não limita o trabalhador para o exercício de outras profissões não estando o A. impossibilitado de receber remuneração por trabalho prestado; que o trabalhador se encontra a receber subsídio de desemprego, o qual cumula com a pensão de doença profissional e tem a possibilidade de «a posteriori», tendo nascido em 22 de Julho de 1951, passar à reforma nos termos do art. 57.º do DL n.º220/2006; que o reclamado complemento é mensal abarcando apenas os 12 meses do anos e não os 14 meses indicados e que nunca a R. poderia ser condenada em complementos vincendos dado que tal estaria dependente de o A. não arranjar ocupação e rendimentos substitutivos dos que tinha na anterior empregadora.
Foi proferido em 15 de Novembro de 2014 despacho saneador (fls. 57 e ss.) em que se fixou à causa o valor de €5.000,01 e, entendendo a Mma. Julgadora a quo que os autos permitiam o conhecimento do pedido, emitiu desde logo sentença que concluiu com o seguinte dispositivo:
«Por força da factualidade apurada assim como dos preceitos legais e convencionais acima transcritos resulta procedente e provada a pretensão de B…, condenando-se a ré «C…, Lda.» a pagar ao autor a quantia de € 2.119,53 euros a título de complementos de retribuição vencidos desde 01-12-2012 até 15.09.2013, assim como no pagamento dos complementos de retribuição vincendos à razão de € 201,86 euros mensais.»
1.2. A Ré, inconformada interpôs recurso desta decisão e terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1ª A cláusula 73ª, nº 3, apenas prevê que exista o complemento de pensão no caso de não reconversão do trabalhador sinistrado em acidente de trabalho e já não no caso de doença profissional; o complemento de pensão, no caso de doença profissional, só existe no caso de incapacidade temporária – nº 5 da cláusula referida.
2ª Por isso, não tendo sido negociado, não podia a sentença recorrida fazer de conta de que o foi ou devia ter sido, por igualdade de tratamento num caso (AT) e noutro (DP), que aliás nem existe: A vontade das partes outorgantes do CCT é soberana.
3ª Sem conceder, se assim não se entender, o valor do subsídio de desemprego deve ser descontado ao montante do complemento de pensão, em termos de, somado à pensão (por doença profissional), ser devido a título de complemento contratual apenas a diferença que existente para a remuneração à data da baixa; não se pode fazer de conta de que não aufere esse rendimento.
4ª O complemento contratual é mensal (12 vezes ano) - quer-se garantir a retribuição mensal à data da baixa, não a retribuição anual -, não havendo qualquer elemento que sugira que deva ser pago em 14 meses.
5ª Por último, nunca por nunca poderia a R. ser condenada em complementos de pensão vincendos, sem limite e sem condições, vitaliciamente, em valor fixo, porque sempre estariam dependentes de o A. não arranjar ocupação e rendimentos do trabalho substitutivos dos que tinha na R. e da liquidação do correspondente valor, em função de prestações compensatórias que recebesse (o próprio valor pode variar, como resulta do nº 3 da cláusula).”
1.3. O A. respondeu ainda à alegação da R., pugnando pela improcedência do recurso por esta interposto e manutenção da sentença recorrida.
Concluiu as suas alegações do seguinte modo:
“A) A cláusula 73.ª do CCT para a indústria corticeira, publicada no BTE n.º 18, 1.ª série, de 15.02.2010 dispõe que “em caso de incapacidade permanente absoluta ou parcial para o trabalho habitual proveniente de acidente de trabalho ou doença profissional ao serviço da empresa, a entidade patronal diligenciará conseguir a reconversão dos diminuídos para função compatível com as diminuições verificadas.”
B) A referida cláusula dispõe também no n.º 3 que “caso a reconversão por acidente não seja possível, a empresa pagará ao trabalhador um subsídio complementar de valor igual à diferença entre a retribuição à data da baixa e a soma das pensões por invalidez, reforma ou quaisquer outras que sejam atribuídas aos profissionais em causa, salvo se o trabalhador vier a auferir retribuição por outro serviço”
C) A questão que se coloca é, pois, saber se o nº 3 da clª 73ª do CCT para o sector da cortiça tem também aplicação nos casos de doença profissional.
D) O elemento literal não é o único na teoria da interpretação das leis não devendo esta cingir-se à sua letra mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico…”.
E) A epígrafe da cláusula refere expressamente as duas situações: complemento da pensão por acidente de trabalho ou doença profissional o que, aliás, sucede também com o nº 1; o nº 4 refere “em qualquer das situações” (obviamente de acidente ou doença ) acrescentando “os complementos referidos começarão a ser pagos…”; esses complementos não podem deixar de ser os referidos no nº 3 uma vez que os nºs 1 e 2 não aludem a subsídio complementar porque, se assim não fosse, utilizaria o singular (o complemento referido).
F) Fazendo apenas a interpretação literal do nº 3 excluir-se-iam as situações de doença profissional que estão incluídas no nº 4 e constam da epígrafe da cláusula.
G) A clª 73ª tem uma função “reintegradora” porque tem o objectivo de ressarcir os trabalhadores, incapacitados para o trabalho habitual, com um complemento de pensão que reponha a situação patrimonial (retribuição) na data em que ficou incapacitado.
H) Como se refere na douta sentença recorrida, “O que se pretende compensar é, não só a perda retributiva mas também a perda de capacidade de laboração … razão pela qual se entende que o nº 3 da clª 73ª não abarca as situações em que o trabalhador beneficia de subsídio de desemprego ou reforma” (sublinhado nosso).
I) O trabalhador não pode ver a sua retribuição diminuída, “mercê da impossibilidade da sua reconversão dada a incapacidade decorrente da doença profissional ou do acidente de trabalho. E por retribuição tem que se entender a que anualmente o mesmo auferiria, razão pela qual também os montantes pagos a título de subsídio de férias e subsídio de Natal terão que entrar no cômputo do complemento a pagar ao trabalhador.” (sublinhado nosso)
J) O trabalhador recebia anualmente quatorze retribuições, nelas, portanto, se incluindo, os subsídios de férias e de Natal. A pensão terá também que ser recebida em igual número de mensalidades, tal como, de resto, resulta do disposto na Lei (cfr art. 103º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro (Lei dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais).
K) A cláusula 73.ª, n.º 3 in fine é clara ao estabelecer que “a empresa pagará ao trabalhador um subsídio complementar (…) salvo se o trabalhador vier a auferir retribuição por outro serviço.”
L) E porque o complemento só é devido se e enquanto o trabalhador não vier a receber retribuição por outro serviço, à sentença compete definir o direito existente e para o futuro verificadas que sejam os condicionalismos de que a lei faz depender a sua atribuição.
M) A douta sentença recorrida fez inteira e correcta aplicação da Lei e do Direito.”
1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 91.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se em douto Parecer no sentido de se negar provimento ao recurso interposto.
Notificadas as partes, apenas a recorrente se pronunciou quanto a tal Parecer, do mesmo discordando.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, as questões que incumbe enfrentar são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – saber se, no caso de doença profissional, é devido o complemento de pensão previsto na cláusula 73.ª do identificado F… do Sector Corticeiro;
2.ª – em caso afirmativo, se deve ser descontado na prestação complementar o subsídio de desemprego;
3.ª – também em caso de resposta afirmativa à 1.ª questão, saber se o complemento de pensão é devido em 12 ou em 14 meses;
4.ª – igualmente em caso de resposta afirmativa à 1.ª questão, saber se pode o tribunal condenar desde já a recorrente no pagamento dos complementos de pensão vincendos.
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3. Fundamentação de facto
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Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
A) O autor foi admitido ao serviço da ré em 01.10.2003 para trabalhar remuneradamente e sob as ordens, direcção e autoridade desta última;
B) O autor é associado do Sindicato dos G… (fls.8);
C) A ré está inscrita na D…;
D) Às partes aplica-se a regulamentação colectiva de trabalho para o sector corticeiro (F… publicado no BTE n.º47 de 22.12.2004, 1.ª série e posteriores actualizações);
E) O autor tinha a categoria profissional de broquista e auferia mensalmente, e à data da baixa (Novembro de 2012) a quantia de €.696,45 euros (fls.10);
F) Por carta [do Departamento de Protecção contra os Riscos Profissionais, do Instituto da Segurança Social] datada de 8.11.2012 foi reconhecida ao autor uma IPA (incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual por doença profissional (fls.11).
G) A ré, por comunicação escrita datada de 03.12.2012, declarou ao autor a caducidade do contrato de trabalho por «impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o Autor prestar o seu trabalho» e que «não possui outro posto de trabalho compatível que não contenha o risco causador da doença profissional diagnosticada ao segundo outorgante.» (fls.12 e 13);
H) O autor recebe a pensão do Centro Nacional de Pensão dos Riscos Profissionais no montante mensal de €.494,59 euros;
I) Resulta da análise do documento junto aos autos a fls.42, datado de 29.04.2014, que, até tal data, o autor não se encontrava vinculado a qualquer entidade empregadora nem a receber outro subsídio ou prestação social, à excepção do subsídio de desemprego concedido a partir de 05.12.2012 e pelo período de 1080 dias, no valor mensal de €.456,60 euros.
[...]»
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4. Fundamentação de direito
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4.1. Nos presentes autos está essencialmente em causa saber se é devido pela recorrente ao recorrido o complemento de pensão previsto na cláusula 73.ª do F… do Sector Corticeiro, celebrado entre a D… e outra e a E… e outros (pessoal fabril), que se encontra publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 47, de 22 de Dezembro de 2004 (revisão global), com as alterações publicadas nos BTE’s, 1.º Série, n.º s 44, de 29 de Novembro de 2005, n.º 46, de 15 de Dezembro de 2006, n.º 41, de 08 de Novembro de 2007 (texto consolidado), n.º 41 de 08 de Novembro de 2008, n.º 18, de 15 de Maio de 2010 (revisão global), n.º 1, de 08 de Janeiro de 2011, n.º 33, de 08 de Setembro de 2011, n.º 32, de 29 de Agosto de 2012 e n.º 34, de 15 de Setembro de 2013 (texto consolidado).
O A. fez radicar o seu pedido no regime enunciado nesta cláusula e a R. defendeu que tal regime não abrange, para os casos de doença profissional, a previsão de um subsídio complementar de valor igual à diferença entre a retribuição à data da baixa e a soma das pensões por invalidez, reforma ou quaisquer outras que sejam atribuídas aos doentes profissionais cuja reconversão não tenha sido possível.
A sentença da 1.ª instancia, acolhendo a perspectiva do A. ora recorrido, entendeu que o complemento de pensão previsto no n.º 3 da cláusula 73.ª para o caso de não ser possível a reconversão profissional em caso de acidente de trabalho também era devido no caso de doença profissional. Para tanto, procedeu a uma interpretação correctiva da norma convencional, considerando não escritas no n.º 3 da referida cláusula as palavras “por acidente”, tendo em consideração o elemento sistemático da interpretação (aí ponderando a epígrafe da cláusula e o facto de os outros números 1, 2, 4 e 5 da mesma não fazerem distinção) e o entendimento de que não se justifica a diferença de tratamento da doença profissional face ao acidente de trabalho e foi intenção dos contratantes salvaguardar a situação patrimonial do trabalhador nos dois casos.
A recorrente, por seu turno, sustenta que a cláusula 73ª, nº 3, apenas prevê que exista o complemento de pensão no caso de não reconversão do trabalhador sinistrado em acidente de trabalho, e já não no caso de doença profissional, e que o complemento de pensão, no caso de doença profissional, só existe nas situações de incapacidade temporária – nº 5 da cláusula referida. E conclui que, não tendo sido negociado, não podia a sentença recorrida fazer de conta de que o foi ou devia ter sido, por igualdade de tratamento num caso (acidente de trabalho) e noutro (doença profissional), que aliás nem existe, devendo atender-se à soberana vontade das partes outorgantes do CCT.
Vejamos.
4.2. É o seguinte o teor da cláusula em causa:
«Cláusula 73.ª
Complemento da pensão por acidente de trabalho ou doença profissional
1- Em caso de incapacidade permanente absoluta ou parcial para o trabalhador proveniente de acidente de trabalho ou doença profissional ao serviço da empresa, a entidade patronal diligenciará conseguir a reconversão dos diminuídos para a função compatível com as diminuições verificadas.
2- Se a retribuição da nova função ao serviço da empresa for inferior à auferida à data da baixa, a entidade patronal pagará a respectiva diferença.
3- Caso a reconversão por acidente não seja possível, a empresa pagará ao trabalhador um subsídio complementar de valor igual à diferença entre a retribuição à data da baixa e a soma das pensões por invalidez, reforma ou quaisquer outras que sejam atribuídas aos profissionais em causa, salvo se o trabalhador vier a auferir retribuição por outro serviço.
4- Em qualquer das situações, os complementos referidos começarão a ser pagos a partir da data da declaração oficial da incapacidade.
5- No caso de incapacidade temporária resultante das causas referidas nesta cláusula, a empresa pagará, enquanto durar essa incapacidade, a diferença entre a retribuição atribuída à data da baixa e a indemnização recebida da seguradora a que o profissional tenha direito, caso esteja a trabalhar.»
É pacífico que as partes estiveram vinculadas através de um contrato de trabalho que se iniciou em 1 de Outubro de 2003 e cessou por caducidade em Dezembro de 2012, em consequência da «impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o Autor prestar o seu trabalho» e por a recorrente não possuir «outro posto de trabalho compatível que não contenha o risco causador da doença profissional diagnosticada ao segundo outorgante» [factos A) e G)].
É igualmente pacífico que se aplica ao caso sub judice o indicado F… do Sector Corticeiro uma vez que o autor é associado do Sindicato dos G… e a ré está inscrita na D… [factos B) e C)], sendo que quer o primeiro, quer a segunda subscreveram sempre aqueles instrumentos de regulamentação colectiva e suas alterações – cfr. o artigo 7º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 9 de Dezembro, que restringe o âmbito de aplicação pessoal das convenções colectivas de trabalho, “às entidades patronais que as subscrevem e às inscritas nas associações patronais signatárias, bem como aos trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações sindicais celebrantes, quer das associações sindicais representadas por associações sindicais celebrantes”, o mesmo sucedendo com o artigo 552.º do Código do Trabalho de 2003 e o artigo 496.º do Código do Trabalho de 2009, que igualmente acolheram o denominado “principio da filiação”.
4.3. Assente esta aplicabilidade, a tarefa que essencialmente se nos apresenta consiste em apreender e fixar o sentido e alcance da transcrita cláusula 73.ª do identificado instrumento de regulamentação colectiva, ou seja, em proceder à sua interpretação.
4.3.1. A sentença da 1.ª instância, debruçando-se sobre a questão em causa, teceu as seguintes considerações:
“Analisando a invocada cláusula 73, e tendo em mente os elementos racionais a que o transcrito Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça [reporta-se ao ac. de 2011.05.04, processo n.º 4319/07] faz apelo, verificamos desde logo que a mesma se intitula «Complemento da pensão por acidente de trabalho ou doença profissional», o que legitima desde logo a conclusão do intérprete de que o pagamento do complemento abarca quer as situações de acidente de trabalho quer as situações decorrentes de doença profissional.
Tal conclusão é reforçada pelo teor da cláusula no seu n.º1 e n.º5 que abrange ambas as causas (acidente e doença), do teor do n.º2 que não distingue entre um e outro, e do n.º4, que abarca qualquer das situações. Na fixação do sentido da cláusula em apreço deve o intérprete atender também ao elemento sistemático, e analisar em conjunto e de forma harmoniosa a globalidade do preceito. Assim o n.º 3 da cls. 73.ª não pode deixar de ser interpretado sem atender também aos demais números da mesma cláusula. E nestes não se estabelecem quaisquer diferenças de tratamento entre AT ou DP.
Do teor da referida cláusula retira-se ainda que a intenção das entidades contratantes terá sido salvaguardar a situação do trabalhador que, mercê da sua disponibilidade ao serviço da entidade patronal e da sua exposição aos especiais riscos que a actividade laboral pressupõe, na impossibilidade de reconversão da sua prestação, beneficie de uma compensação, garantida pela fonte do risco e principal beneficiária do trabalho prestado, e durante o período de tempo em que o trabalhador não aufira rendimentos por se encontrar a prestar outro serviço.
Com a referida cláusula quiseram os respectivos subscritores/empregadores compensar o trabalhador pela perda de capacidade para o trabalho anteriormente prestado, quer a mesma decorra de acidente quer de doença profissional, na impossibilidade da sua reconversão, e enquanto ao trabalhador não for possível prestar serviço de uma outra qualquer forma. O que se pretende compensar é, não só a perda retributiva mas também essa perda de capacidade de laboração, razão pela qual se entende que o n.º3 da cláusula 73 não abarca as situações em que o trabalhador beneficia de subsídio de desemprego ou reforma. Nestas situações não está o trabalhador a prestar outro serviço que exima a antiga empregadora do pagamento do complemento.
Também não se compreenderia que a situação de doença profissional tivesse uma menor protecção do que a situação de acidente de trabalho. Na verdade, a doença profissional decorre sempre e necessariamente da direta prestação da actividade do trabalhador na função que lhe é atribuída pela entidade patronal no exercício do seu poder de direcção, autoridade e disciplina, existindo um evidente nexo causal entre essa actividade e a doença diagnosticada.
Ao invés, o acidente pode ocorrer sem que seja na sequência direta da função prestada pelo sinistrado, como é o caso de alguns acidentes ocorridos «in itinere».
Do acima exposto decorre que a intenção das partes negociantes da Convenção vigente e aplicável ao caso em apreço exige que se faça uma interpretação correctiva, isto é, que o intérprete, chegando à conclusão de que a letra do preceito diz mais do que aquilo que, face ao espírito da lei, se queria dizer, faça corresponder a letra da lei ao espírito da mesma. No caso em apreço cumpre concluir que a letra da lei no n.º3 da Clausula 73 diz mais do que o seu espírito queria dizer, cumprindo ao intérprete, neste caso ao tribunal, ter por não escritas as palavras “ por acidente” constantes do referido número, uma vez que se considera que estão aí abrangidas quer as situações de acidente quer as de doença profissional.»
Não podemos acompanhar este juízo, como se passa a expor.
4.3.2. Está em causa a interpretação do n.º 3 da cláusula 73.ª do CCT, havendo que descobrir se o mesmo deve ser interpretado no sentido de que integra na sua hipótese, para além dos trabalhadores que tenham sofrido um acidente de trabalho, como nele expressamente enunciado, os trabalhadores que padeçam de uma doença profissional.
Na interpretação das convenções colectivas deve aplicar-se o disposto nos artigos 236.º e ss. do Código Civil quanto à parte obrigacional, e o preceituado no artigo 9.º do Código Civil, no respeitante à parte regulativa, uma vez que os seus comandos jurídicos são gerais e abstractos e produzem efeitos em relação a terceiros[1]. Como faz notar Menezes Cordeiro[2], em sede de convenções colectivas, aplicam-se “as regras próprias de interpretação e de integração da lei, com cedências subjectivas quando estejam em causa aspectos que apenas respeitam às partes que os hajam celebrado”.
Para interpretar a cláusula em causa, de cariz regulativo, há que ter presente, antes de mais, o que estabelece o artigo 9º, n.º 1 do Código Civil, nos termos do qual a “interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (nº 1 do preceito). Porém – como resulta do seu nº 2 - não pode “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
4.3.2.1. Lançando mão dos critérios hermenêuticos da interpretação da lei que emergem deste preceito da lei civil, o elemento linguístico (a letra da norma) surge como um elemento de peso, pois que o comando ali expresso tem uma natureza precisa e limitada – caso a reconversão “por acidente” não seja possível –, não havendo qualquer vocábulo que no n.º 3 da cláusula indicie a sua aplicabilidade aos casos de doença profissional. O quadro verbal do n.º 3 da cláusula 73.ª, ao limitar ao caso de “acidente” o complemento que prevê, de modo algum constitui arrimo para a pretensão do recorrido.
4.3.2.2. Quanto ao elemento lógico (o espírito da norma) em que se agrupam três categorias distintas de dados (o elemento racional, o elemento sistemático e o elemento histórico)[3], não é o mesmo de molde, na nossa perspectiva, a alterar o sentido interpretativo que resulta da letra da norma e também não conforta, por isso, a tese da sentença.
4.3.2.2.1. Assim acontece, desde logo, com o elemento histórico que, tratando-se de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, assume a nosso ver um relevo decisivo no apuramento da vontade do emitente da norma (in casu os outorgantes do Convenção Colectiva de Trabalho) e, consequentemente, na fixação do sentido e alcance da cláusula interpretanda.
Como o iter das negociações não é conhecido, por não ser objecto de publicação (ao invés do que sucede com os trabalhos preparatórios das leis), e nada foi alegado, nem provado, sobre as negociações havidas, a matéria de facto é omissa quanto às razões que levaram as partes contratantes da Convenção Colectiva de Trabalho a estabelecer o regime constante da cláusula 73.ª nos termos em que o mesmo nela ficou plasmado.
Seja como for, procurando nos textos anteriores da Convenção Colectiva de Trabalho em causa prescrutar qual terá sido essa vontade, cremos que é muito relevante no caso sub judice a constatação de que o enunciado linguístico constante da cláusula 73.ª se manteve intocado ao longo de largos anos de vigência deste instrumento de regulamentação colectiva e das múltiplas negociações que a seu propósito se foram efectuando ao longo desses anos.
Ressalvando alterações de pormenor que não bolem com o conteúdo regulativo da cláusula e que, designadamente, não interferem com a parte do seu n.º 3 que restringe a previsão do complemento de pensão nele previsto à hipótese de acidente de trabalho, cabe notar que no texto do F… do Sector Corticeiro, celebrado entre a D… e outra e a E… e outros (pessoal fabril), que se encontra publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 47, de 22 de Dezembro de 2004, a cláusula 73.ª tinha já a redacção que acima se transcreveu e que se manteve nas alterações publicadas:
- no BTE, 1.ª Série, n.º 44, de 29 de Novembro de 2005,
- no BTE, 1. ª Série, n.º 46, de 15 de Dezembro de 2006,
- no BTE, 1. ª Série, n.º 41, de 08 de Novembro de 2007 (texto consolidado),
- no BTE, 1. ª Série, n.º 41 de 08 de Novembro de 2008,
- no BTE, 1. ª Série, n.º 18, de 15 de Maio de 2010 (revisão global),
- no BTE, 1. ª Série, n.º 1, de 08 de Janeiro de 2011,
- no BTE, 1. ª Série, n.º 33, de 08 de Setembro de 2011,
- no BTE, 1. ª Série, n.º 32, de 29 de Agosto de 2012 e
- no BTE, 1. ª Série, n.º 34, de 15 de Setembro de 2013 (texto consolidado, no qual a cláusula 73.ª se manteve ipsis verbis, com excepção do ajustamento à grafia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1990).
Ou seja, ao longo dos anos de 2004 e até 2013 (já depois de instaurada a presente acção), aquela hipótese do complemento de pensão consagrada no n.º 3 da cláusula 73.ª manteve-se em termos que a limitam ao caso de acidente de trabalho, a despeito de as partes contratantes se reunirem para negociar este mesmo instrumento de regulamentação colectiva tantas vezes quantas as alterações a que nele procederam, sendo certo que em todos estes anos houve alterações convencionais e que, senão em todas, em pelo menos três ocasiões (2007, 2010 e 2013) foi seguramente tido em vista todo o texto do clausulado.
Mas, mesmo antes de 2004, a Convenção Colectiva de Trabalho entre a Associação dos Industriais e Exportadores de Cortiça do Norte e Outra e o Sindicato dos G… e Outros, que se encontra publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 17, de 8 de Maio de 1978 continha uma cláusula, também sob o mesmo número ordinal – 73.ª – que já previa exactamente nos mesmos termos (apenas referindo a mais no n.º 1 que o mesmo se reportava a trabalhador “habitual”, referência que ulteriormente, em 2004, deixou de constar do n.º 1 da cláusula).
É de notar que logo no BTE, 1.ª Série, n.º 4, de 29 de Janeiro de 1979 foi publicada uma acta adicional com alterações várias e rectificações a esta Convenção Colectiva de Trabalho que, como ali é dito, resulta de aspectos em que o texto “não correspondeu ao efectivamente acordado” e que nada diz quanto à cláusula 73.ª, a qual se manteve nos subsequentes textos desta convenção de 1978 que foram ulteriormente publicados:
- no BTE, 1. ª Série, n.º 39, de 22 de Outubro de 1979,
- no BTE, 1. ª Série, n.º 14, de 15 de Abril de 1980,
- no BTE, 1. ª Série, n.º 36 de 29 de Setembro de 1980,
- no BTE, 1. ª Série, n.º 45, de 08 de Dezembro de 1997,
- no BTE, 1. ª Série, n.º45, de 08 de Dezembro de 1998,
- no BTE, 1. ª Série, n.º 44, de 29 de Novembro de 1999,
- no BTE, 1. ª Série, n.º 42, de 15 de Novembro de 2000,
- no BTE, 1. ª Série, n.º 42, de 15 de Novembro de 2001,
- no BTE, 1. ª Série, n.º 42, de 15 de Novembro de 2002 e
- no BTE, 1. ª Série, n.º 42, de 15 de Novembro de 2003.
É igualmente relevante verificar que numa outra Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a mesma associação de empregadores, a “D…” e a “H…” vigente no Sector Corticeiro (aplicável ao pessoal de escritório), a cláusula que contempla estes subsídios complementares – aí a cláusula 56.ª – tem a mesma redacção que a cláusula 73.ª da Convenção Colectiva de Trabalho aqui em análise, limitando também o seu n.º 3 aos casos em que a reconversão por “acidente” não é possível, a previsão do pagamento pelo empregador ao trabalhador de “um subsídio complementar de valor igual à diferença entre a retribuição à data da baixa e a soma das pensões por invalidez, reforma ou quaisquer outras que sejam atribuídas aos profissionais em causa, salvo se o trabalhador vier a auferir retribuição por outro serviço” – vejam-se os instrumentos de regulamentação colectiva publicados nos BTE’s, 1. ª Série, n.º 32, de 29 de Agosto de 2012, n.º 31, de 22 de Agosto de 2013 e n.º 41, de 08 de Novembro de 2014.
Conferindo a análise desta CCT para o pessoal de escritório uma visão mais ampla do regime previdencial assumido negocialmente pelas empresas do Sector Corticeiro em que se inclui a ora recorrente, cremos que é possível da mesma retirar um contributo interpretativo no sentido de aferir da vontade real dos outorgantes ao preverem o subsídio complementar em análise no clausulado da CCT para o pessoal fabril do mesmo Sector, aqui em causa, igualmente o limitando aos casos em que a reconversão por “acidente” não é possível.
4.3.2.2.2. Mas também o elemento sistemático, ao invés do dito na sentença, denota que a situação das doenças profissionais, esteve presente no espírito dos outorgantes do instrumento de regulamentação colectiva e que, para tal situação, não pretenderam os mesmos prever o subsídio complementar a que alude o n.º 3 da cláusula 73.ª.
É certo que a epígrafe da cláusula menciona o “[c]omplemento de pensão por acidente de trabalho ou doença profissional”, mas a verdade é que, como diz a recorrente, a cláusula, de facto, regula quer um caso quer o outro – o que confere sentido útil à epígrafe –, embora para a doença profissional apenas preveja a existência do complemento no caso do período de incapacidade temporária (nº 5), ao passo que para o acidente o prevê também a título definitivo ou permanente quando não é possível a reconversão do trabalhador (nº 3).
Com efeito, sob a epígrafe que refere globalmente as duas situações de infortúnio, o n.º 1 da cláusula prevê a obrigação de reconversão dos diminuídos, expressamente, em ambos os casos: “de acidente de trabalho ou de doença profissional”. O n.º 2 está umbilicalmente ligado ao n.º antecedente, prevendo os valores a pagar ao trabalhador reconvertido, pelo que igualmente se aplica a ambas as situações. Por seu turno o n.º 5 prevê também um subsídio complementar à indemnização por incapacidade temporária resultante das “causas referidas nesta cláusula”, abrangendo sem dúvida as duas hipóteses. Já o n.º 3, emitido neste contexto de regulação autónoma e precisa e referenciando tão só o caso da impossibilidade de “reconversão por acidente”, denota claramente que apenas a esta hipótese, de acidente, se quer reportar o subsídio complementar nele enunciado.
Quanto ao n.º 4, também este ligado ao n.ºs que o antecedem, reporta-se “a qualquer das situações” ali referidas, ou seja, tem o seu âmbito traçado pelo expressamente clausulado nos números antecedentes da cláusula.
Assim, neste contexto sistemático de regulação precisa, a epígrafe da cláusula, na qual se mostram referenciadas as duas situações, não tem a virtualidade de conferir ao seu n.º 3 um alcance maior do que o nele previsto literalmente, ao invés do que entendeu a sentença. Não só porque a cláusula, no seu todo, contempla efectivamente as duas situações – o que faz em moldes diversos nos seus diferentes números e restringindo um deles ao caso do acidente de trabalho –, como ainda porque o relevo conferido à epígrafe da norma a interpretar, na tarefa hermenêutica, nunca é absolutamente decisivo.
Perante a análise global da cláusula 73.ª, cremos que os outorgantes fizeram constar do texto convencional o que queriam dele fazer constar, sendo nesses exactos termos que se auto-vincularam. Se as partes quisessem que no caso do nº 3 – de não ser possível a reconversão – houvesse complemento de pensão também na doença profissional, tê-lo-iam dito expressa e inequivocamente, como o fizeram nos n.ºs 1 e 5 para a obrigação de reconversão e inerente pagamento da diferença remuneratória e para a obrigação de pagamento do complemento por incapacidade temporária. Apesar da abrangência da epígrafe, o cuidado revelado nos n.ºs 1 e 5 da cláusula em expressamente abarcar os dois casos nela contemplados, indicia também a intencionalidade da restrição que ficou a constar do n.º 3.
Deste modo, também em termos sistemáticos, tudo aponta para a restrição da norma convencional aos casos de acidente de trabalho. Por uma questão de coerência interna, se o CCT faz nos n.ºs 1 e 5 uma previsão que inequivocamente abrange as duas hipóteses, não se nos afigura legítima uma interpretação que igualmente abarque a hipótese de doença profissional no único número da cláusula que expressamente restringiu a sua aplicabilidade a uma só das referidas hipóteses: a de acidente de trabalho.
4.4.2.2.3. Finalmente, lançando mão do elemento racional e procurando a razão de ser do estabelecimento da referida norma – elemento em que a 1.ª instância essencialmente se fundou para concluir pela interpretação correctiva a que procedeu – ressalta da mesma que o fim visado com a sua previsão se traduz, efectivamente, em aproximar o mais possível a situação funcional e patrimonial do trabalhador que sofre um acidente de trabalho ou passa a padecer de uma doença profissional, daquela que se verificava anteriormente à verificação de tais infortúnios.
Simplesmente, não pode perder-se de vista que tal finalidade é alcançada no caso através de uma auto-vinculação negocial de entes colectivos, com a colocação de obrigações que excedem as previstas na lei (artigo 284.º do Código do Trabalho de 2009 e Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro) a cargo dos empregadores do sector ao serviço de quem os trabalhadores exercem as suas funções.
Ora, se é certo que o estrito escopo reparador levaria, numa primeira análise, a uma total equiparação das consequências associadas aos dois tipos de infortúnio, a verdade é que, tratando-se da assunção convencional de obrigações que acrescem ao regime estabelecido na lei para os casos de acidente de trabalho e doença profissional, deve ter-se uma particular atenção ao modo como as entidades contratantes desenharam o texto normativo que exprime os termos da sua auto-vinculação, a qual resulta, necessariamente, de um processo negocial e pode não corresponder à satisfação óptima das finalidades reparadoras.
Acresce que neste âmbito da assunção pelo empregador do dever de pagar um complemento de pensão é compreensível que se estabeleça uma diferença de regime nos casos de acidente de trabalho e nos casos de doença profissional, na medida em que, enquanto no caso de acidente de trabalho há uma responsabilidade originária do empregador, no caso de doença profissional não é o empregador que assegura a reparação, estando a responsabilidade da reparação originariamente a cargo do Estado. Na verdade, os acidentes de trabalho e as doenças profissionais constituem duas realidades diferentes a que correspondem regimes reparatórios diversos: enquanto nos primeiros há um sistema responsabilidade objectiva do empregador (com um afloramento subjectivo nos casos de culpa do art. 18.º) embora com a obrigatoriedade de transferência dessa responsabilidade para uma seguradora, nas segundas há um sistema de responsabilidade social, sendo o Departamento de Protecção contra os Riscos Profissionais (DPRP), organismo do ISS, IP, que é originariamente responsável pela reparação e tem poderes para avaliar, fixar a incapacidade e suportar reparação – cfr. o artigo 283.º, n.ºs 5 e 7 do Código do Trabalho e os artigos 3.º e ss. e 93.º e ss. da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
Além disso, como nota a recorrente, no caso de acidente, não há dúvida de que o mesmo ocorreu ao serviço do empregador que vem a pagar o complemento, ao passo que no caso de doença profissional, pode esta ter sido contraída ao serviço de outra empresa e só vir a ser declarada quando o trabalhador já está a trabalhar para o empregador actual, podendo não se configurar como justo para este ter de arcar toda a vida com o pagamento de um complemento de uma pensão que se destina a reparar uma incapacidade contraída, essencialmente, ao serviço de outrem.
Destarte, mesmo perspectivando a razão de ser da cláusula e os motivos que poderão estar na origem da fixação convencional do regime que dela ficou a constar, surge como lógico e razoável que se tenha clausulado um regime que, no que diz respeito aos deveres complementares de natureza patrimonial a cargo do empregador, distinga o acidente de trabalho da doença profissional.
Cremos pois que o elemento racional, tal como foi agora ponderado, apenas legitima uma interpretação declarativa do texto da cláusula 73.ª da CCT em causa, na qual as partes contratantes, usando modos diversos de enunciar as suas hipóteses nos diferentes números que a compõem, demonstraram claramente que tiveram em vista consequências diferentes para os diferentes aspectos do regime, especialmente limitando no n.º 3 a previsão do pagamento pelo empregador ao trabalhador de “um subsídio complementar de valor igual à diferença entre a retribuição à data da baixa e a soma das pensões por invalidez, reforma ou quaisquer outras que sejam atribuídas aos profissionais em causa, salvo se o trabalhador vier a auferir retribuição por outro serviço”, aos casos em que a reconversão por “acidente” não é possível, não prevendo igual subsídio complementar para os casos de doença profissional.
4.3.3. Terminada a análise dos critérios interpretativos, entendemos que todos apontam para que o texto constitui expressão fiel da vontade negocial dos outorgantes, não se demonstrando que as partes tenham expressado na cláusula menos do que, no fundo, pretendiam. Não vemos, pois, razões para interpretar extensivamente o n.º 3 da cláusula 73.ª, de modo a ter no mesmo compreendida, para além da hipótese nele expressamente prevista do acidente de trabalho, a hipótese de doença profissional.
Nem, pelos mesmos motivos, vemos razões para seguir o caminho expresso na sentença que, para alcançar o desiderato de ter como compreendida na hipótese da norma convencional a doença profissional, procede ao que denomina de interpretação correctiva do n.º 3 da cláusula em análise, excluindo da mesma a referência que a circunscreve ao acidente de trabalho. Cabe lembrar que a interpretação correctiva – que ocorre quando o intérprete afasta o sentido real apurado para uma norma, com fundamento na injustiça, inoportunidade ou inconveniência desse sentido real – é, em princípio, inadmissível no que diz respeito aos textos legais (artigo 8.º, n.º 2 do Código Civil), sendo apenas adoptada, excepcionalmente, pelos defensores de orientações neo-jusnaturalistas quando o sentido real da lei é contrário a princípios ou regras de Justiça Natural ou de Direito Natural[4].
Em suma, todos os cânones hermenêuticos de que lançamos mão apontam no sentido de que a vontade real das partes outorgantes do instrumento de regulamentação colectiva coincide com o sentido para que aponta o quadro linguístico da norma, nada justificando que se proceda a uma interpretação extensiva da cláusula 73.ª, n.º 3 do CCT e, muito menos, a uma interpretação correctiva.
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4.4. Assim, estando o A. ora recorrido afectado de doença profissional [facto F)], não se lhe pode reconhecer o direito de, com base na identificada cláusula convencional da referida CCT do Sector Corticeiro, celebrado entre a D… e outra e a E… e outros (pessoal fabril), peticionar o complemento de pensão nela previsto, tão só, para os casos em que a reconversão por acidente não é possível.
Há que julgar provida a apelação.
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4.5. Uma vez que a interpretação a que se procedeu da cláusula 73.ª, n.º 3 da Convenção Colectiva de Trabalho para o Sector Corticeiro não confere a esta cláusula um sentido que acoberte a pretensão formulada pelo A. na presente acção, acarretando, por si só, se julgue improcedente o pedido nela formulado, mostram-se prejudicadas as enunciadas questões de saber se deve ser descontado na prestação complementar o subsídio de desemprego e se o complemento de pensão é devido em 12 ou em 14 meses, bem como de aferir da oportunidade da condenação no pagamento dos complementos de pensão vincendos – cfr. o artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto nos artigo 663.º, n.º 2 do mesmo diploma legal e ambos ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
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4.6. O recorrido ficou vencido no recurso, pelo que sobre o mesmo recaem as respectivas custas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013). Atender-se á contudo, à isenção de que o beneficia, nos termos da alínea f), do n.º 1 do art. 4º do Regulamento de Custas Processuais, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 6 e 7 do mesmo preceito.
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5. Decisão
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso interposto pela R. e, revogando-se a sentença da 1.ª instância, absolve-se a R. do pedido.
Sem custas, atenta a isenção de que beneficia o A., sem prejuízo, no entanto, do que houver por ele a pagar nos termos dos nºs 6 e 7 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais (reembolsos a título de custas de parte e encargos).

Porto, 18 de Janeiro de 2016
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
Jorge Loureiro
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[1] Entre outros, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.02.13, Recurso n.º 4220/07 - 4.ª Secção, e de 2007.09.12, Recurso n.º 1519/07 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
[2] In Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, p. 307.
[3] Vide sobre os elementos de interpretação da lei, Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 18.ª reimpressão, Coimbra, 2010, pp. 175 e ss. e Pires de Lima e Antunes Varela, in Noções Fundamentais de Direito Civil, I Volume, 6.ª edição revista e ampliada, Coimbra, 1973, pp. 158 e ss.
[4] Vide Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão, in Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 2000, pp. 70-71. Os defensores de uma grande liberdade de interpretação dos juízes na aplicação da lei em casos extremos de inadequação total do sentido real da norma à justiça do caso concreto também tendem a admitir interpretações correctivas.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I - Na interpretação das convenções colectivas deve aplicar-se o disposto nos arts. 236.º e ss. do Código Civil quanto à parte obrigacional, e o preceituado no artigo 9.º do Código Civil, no respeitante à parte regulativa, uma vez que os seus comandos jurídicos são gerais e abstractos e produzem efeitos em relação a terceiros
II – Se o estrito escopo reparador da norma que prevê um complemento de pensão levaria, numa primeira análise, a uma total equiparação das consequências associadas aos dois tipos de infortúnio – acidente de trabalho e doença profissional –, a verdade é que, tratando-se da assunção convencional de uma obrigação que acresce ao regime estabelecido na lei para os casos de acidente de trabalho e doença profissional, deve ter-se uma particular atenção ao modo como as entidades contratantes da CCT desenharam o texto normativo que exprime os termos da sua auto-vinculação, a qual resulta, necessariamente, de um processo negocial e pode não corresponder à satisfação óptima das finalidades reparadoras.
Porto, 18 de Janeiro de 2016

Maria José Costa Pinto