Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
388/10.5PAMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: PRESCRIÇÃO
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
CONTAGEM DO PRAZO
Nº do Documento: RP20181003388/10.5PAMAI.P1
Data do Acordão: 10/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: PROVIDO O RECURSO DO MP E REVOGADO O DESPACHO RECORRIDO
Indicações Eventuais: 1ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTO N.º 42/2018, FLS.247-250)
Área Temática: .
Sumário: I - As penas de substituição, como verdadeiras penas que são, encontram-se sujeitas ao decurso da prescrição.
II - Porém, só se inicia o prazo de prescrição da pena substituída quando esta possa ser cumprida, isto é, quando transitar em julgado o despacho a ordenar o seu cumprimento.
III - O despacho a ordenar o cumprimento da pena substituída deve ser proferido antes de prescrever a pena de substituição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal 388/10.5PAMAI.P1
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
O MP junto do Tribunal da Comarca do Porto – Maia – Instância Local Criminal – Juiz 1, recorreu para este Tribunal da Relação do Porto do despacho que, em 14-03-2018, julgou extinta, por prescrição, a pena aplicada ao arguido B…, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“ (…)
1. Por sentença proferida a 23 de Setembro de 2011, transitada em julgado em 3 de Dezembro de 2013, B… foi condenado, pela prática de um crime de desobediência previsto e punível pelo artigo 348.°, n.º 1- alínea b), do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão substituída por 90 dias de multa, à taxa diária de €7,00.
2. Por despacho datado de 9 de Maio de 2014 e rectificado em 23 de Junho de 2014, transitado em julgado em 24 de Setembro de 20 15, foi determinado, em consequência do não pagamento da pena de multa, 0 cumprimento da aludida pena de prisão, tendo-se procedido ao desconto de um dia no cumprimento da mesma.
3. Por despacho proferido a 14 de Marco de 2018, a Ex.ma Sr.ª Juiz declarou a extinção da pena de prisão aplicada a B…, por considerar que desde 28 de Novembro de 2013 já decorreram mais de 4 anos (prazo de prescrição previsto no artigo 122°, n.1-alfnea d) e nº2, do Código Penal), sem que tenha ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição previstos nos artigos 125° e 126°, do Código Penal.
4. 0 Ministério Publico não se conforma com esta decisão, por considerar que o prazo de prescrição de tal pena ainda não decorreu.
5. As penas de substituição constituem penas autónomas, a executar em vez da pena principal. Têm prazos de prescrição autónomos, contando-se autonomamente e aferindo-se autonomamente as causas de suspensão e interrupção previstas nos artigos 125° e 126°, do Código Penal.
6. O despacho a determinar o cumprimento da pena de prisão foi proferido e transitou em julgado ainda antes do decurso do prazo de prescrição da pena de multa, o qual ocorreria, caso não fosse proferido tal despacho, nem ocorresse qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição, em 3 de Dezembro de 2017.
7. Sendo a pena de multa uma pena de substituição, entre o momenta do trânsito em julgado da sentença condenatória e o do trânsito em julgado do despacho que determinou o cumprimento da pena de prisão (pena principal), a execução desta pena não pode ser legalmente iniciada, pelo que, durante tal período de tempo, o prazo de prescrição manteve-se suspenso, nos termos do artigo 125°, nº 1, alínea a), do Código Penal.
8. Consequentemente, só com o trânsito em julgado do despacho que determinou o cumprimento da pena de prisão e que se iniciou o prazo de prescrição desta pena principal, igualmente de 4 anos, nos termos do disposto no artigo 122°, nº 1, alínea d), do Código Penal.
9. Assim sendo, tendo o despacho que determinou o cumprimento da pena de prisão transitado em julgado em 24 de Setembro de 2015, claramente se constata que a pena principal ainda não prescreveu, uma vez que 0 prazo de prescrição de quatro anos ainda não se completou (cfr artigos 122°, n.º1, alínea d), n.º2 e 125°, nº1, alínea a), e n.º2, do Código Penal).
10. Face ao exposto, salvo 0 devido respeito, pelo entendimento sufragado pela decisão recorrida, entendo que 0 tribunal "a quo" fez uma errada interpretação e aplicação da lei aplicável ao caso em apreço.
11. Ao considerar a extinção, por prescrição, da pena de prisão em que foi condenado B…, a M.ma Juíza "a quo" violou, mediante err6nea interpretação, as normas constantes dos artigos 122°, n.º1, alínea d), e nº 2, e 125°, nº1, alínea a), e nº2, do Código Penal.
(…) ”.
1.2. O arguido/condenado não respondeu à motivação do recurso.
1.3. Nesta Relação, o Ex.º Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, citando, nesse sentido, vária jurisprudência.
1.4. Deu-se cumprimento do disposto no art. 417º, 2 do CPP.
1.5. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
O despacho recorrido é do seguinte teor:
“ (…)
Compulsados os autos verifica-se que o arguido B…, foi condenado pelo cometimento de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348°, n°1, alínea b), do C. Penal, numa pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 dias de multa à taxa diária de 7,00€, por sentença proferida em 23 de Setembro de 2011 (fls. 95 a 101), transitada em julgado em 28/11/2013 (atento fls. 158).
Porquanto o arguido não procedeu ao pagamento da pena de multa, foi determinado o cumprimento da pena de 2 meses e 29 dias de prisão (atento o disposto no artigo 80°, n°2, do C. Penal).
Assim e atenta a pena em que o arguido foi condenado, de acordo com o disposto no artigo 122°, n°1, alínea d) e n°2, do C. Penal, o prazo de prescrição é de quatro anos. Ora desde 28 de Novembro de 2013 até então já decorreram mais de quatro anos, sem que tenha ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição, previstos nos artigos 125° e 126°, do C. Penal.
Face a todo o exposto, declaro extinta, por prescrição, a pena de prisão em que foi condenado B….
Notifique.
Oportunamente arquive.
(…)”.
2.2. Matéria de direito
É objecto do presente recurso o despacho (acima integralmente transcrito) que declarou extinta, por prescrição, a pena de prisão em que foi condenado B…. O MP insurge-se contra tal decisão, por entender que não ocorreu ainda a prescrição da pena de prisão aplicada ao arguido. No essencial, sustenta que, tendo o arguido sido condenado numa pena de prisão substituída por multa, há que ter em conta a autonomia de cada uma destas penas (a de prisão e a de multa), para efeitos de prescrição. Daí que, a seu ver, perante o incumprimento da pena de substituição (multa), o prazo de prescrição da pena substituída (prisão) só se inicie com o trânsito em julgado da decisão que ordenou o seu cumprimento.
As questões suscitadas neste recurso não são novas.
Por acórdão desta Relação, relatado pela mesma Relatora deste recurso, foram apreciadas tais questões, nos seguintes termos:
“ (…)
Relativamente à prescrição da pena, alega o recorrente que, sendo o prazo da prescrição de 4 anos, conforme preceitua o art. 122º do C.P, a mesma estará prescrita desde 3 de Maio de 2013. Justifica este entendimento num acórdão da Relação de Coimbra (acórdão de 17-03-2008, de 17-03-2008, publicado in CJ, Ano XXXIV, Tomo II, pág. 40), segundo o qual “o prazo da suspensão da pena inicia-se nas penas suspensas na sua execução com o términus do prazo da suspensão, pelo que, o supra referido, nos presentes autos, terá começado a correr a partir do dia 3 de Maio de 2009”. Daí que, (continua o recorrente) sendo de 4 anos o prazo estipulado para este efeito, conforme o preceituado no art. 122º, n.º 1, al. d) do C.P, a pena estará prescrita desde 3 de Maio de 2013.
Vejamos este ponto.
A decisão recorrida enfrentou esta questão e, acompanhando a posição do MP, entendeu que o prazo da prescrição das penas suspensas na sua execução só começa a correr a partir do momento em que possa ser cumprida a pena principal. Daí que, não tendo havido ainda revogação da suspensão da execução da pena, o prazo da prescrição (em boa verdade) ainda nem sequer se tenha iniciado. Com efeito, concluiu o despacho recorrido: “Tendo em conta que nos presentes autos não foi proferida qualquer decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão (…) conclui-se que o prazo de prescrição das penas em que os arguidos foram condenados nestes autos ainda não se iniciou, por nem sequer haver decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão decretada nos presentes autos, mantendo-se assim suspenso, nos termos doart.125º, 1, al. a) do C.P.
Na resposta ao recurso, o MP invocou a propósito o Acórdão do STJ, de 19-04-2007, de onde resulta que “entre o momento da prolação da sentença condenatória e o da revogação da suspensão ali concedida, por incumprimento da condição imposta, a execução da pena de prisão não podia legalmente ser iniciada, pelo que durante tal período o prazo prescricional se manteve suspenso nos termos do n.º 1, alínea a) do art. 125º do C.P.”
No mesmo sentido decidiu o Acórdão do TRL, de 27-11-2013, proferido no processo n.º 6249/02.4TDLSB-EL1-3: “I. No caso de aplicação de uma pena de prisão suspensa, a execução da pena principal aplicada, porque substituída, não pode iniciar-se enquanto perdurar a suspensão. II. Em caso de revogação da suspensão, o prazo de prescrição da pena de prisão aplicada só poderá iniciar-se com o trânsito em julgado do despacho que revogou a pena de substituição, e não com a sentença condenatória. III. Desde a prolação da sentença condenatória até à revogação da suspensão da execução da pena, o prazo prescricional mantém-se suspenso durante este período de tempo, nos termos do nº 1, al. a) do artº 125º do Código Penal, por a execução da pena de prisão não poder legalmente iniciar-se”.
Concordamos com este entendimento.
Na verdade, só depois de revogada a suspensão da execução da pena de prisão, esta pena pode começar a ser cumprida e, portando, só a partir dessa ocasião o prazo de prescrição pode iniciar-se (art. 125º, 1, a) do C.P). Todavia, este entendimento é válido apenas para a pena de prisão cujo efectivo cumprimento ficou suspenso. Essa pena de prisão, na verdade, só pode prescrever decorrido o respectivo prazo, o qual só pode começar a correr depois do trânsito em julgado do despacho que revogue a pena de substituição.
Fica todavia por esclarecer a questão que verdadeiramente o recorrente coloca neste recurso, qual seja o da prescrição da pena autónoma e distinta que é a pena de substituição. Na verdade, sendo a suspensão da execução da pena uma verdadeira pena de substituição, também deve colocar-se, relativamente a ela, a questão da prescrição; questão colocada no recurso e relativamente à qual a decisão recorrida nada disse.
O acórdão da Relação de Lisboa, de 26-10-2010, proferido no processo n.º 25/93.0TBSNT-A.L1-5, depois de enumerar a jurisprudência segundo a qual o prazo da prescrição da pena de prisão (pena principal) suspensa, só podia começar a correr depois de revogada a suspensão, referiu o seguinte:
“ (…)
Não acaba aqui, porém, a matéria da prescrição.
É que, se a pena principal não prescreveu, importará indagar se a pena de substituição não terá prescrito, questão que também é de conhecimento oficioso.
Trata-se de matéria pouco tratada, mas de inegável importância, a merecer algumas reflexões.
Como já se disse, repetidamente, a suspensão da execução da pena é, ela própria, uma pena autónoma, de substituição, distinta da pena principal de prisão.
Para além dos casos previstos na Lei n.º 31/2004, de 22 de Julho (crimes de genocídio, contra a humanidade e de guerra), não existem penas imprescritíveis.
Assim, também as penas de substituição, como verdadeiras penas que são, encontram-se sujeitas ao decurso da prescrição.
Já se realçou que a extinção da pena a que se refere o artigo 57.º, n.º1, do C. P., não é automática. Por um lado, tal extinção tem que ser declarada; por outro, essa declaração só é possível depois de decorrido o prazo da suspensão e desde que se verifique que não há «motivos que possam conduzir à sua revogação», o que significa que, decorrido o período de suspensão, o tribunal deve averiguar da existência de qualquer condenação que obste àquela decisão, ou processo ou incidente pendentes que possam determinar a revogação, porque neste caso a pena só é declarada extinta «quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou prorrogação do prazo de suspensão» (artigo 57.º n.º 2 do C.P.).
Como salientou a Relação de Évora, em Acórdão de 25 de Novembro de 2003 (proc. 2281/03-1, www.dgsi.pt), em lado nenhum se estabelece qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada a suspensão da execução da pena, designadamente nos artigos 56.º e 57.º do C.P., a não ser o eventual decurso do prazo de prescrição da pena, pois estas (as penas) estão sujeitas a prazos de prescrição.
O que significa, afinal, que o condenado não pode ficar, indefinidamente, à espera que se declare a extinção da sua pena ou que a pena de substituição seja revogada, aguardando ad aeternum que o tribunal se decida, finalmente, num ou noutro sentido.
Entendemos, pois, que da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artigo 122.º, n.º1, alínea d), do C. Penal.
Neste sentido, já se pronunciou a Relação de Coimbra, em Acórdão de 4 de Junho de 2008, do mesmo relator deste (Processo 63/96.1TBVLF.C1, disponível em www.dgsi.pt; referindo-se à prescrição da pena de substituição, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 17.03.2009, Processo 328/98.8GAACB-B.C1, disponível em www.dgsi.pt; também com muito interesse, o parecer do Procurador Geral Adjunto Dr. João Rodrigues do Nascimento Vieira, de 3.09.2009, no Processo - 1229/92.9SDLSB-A.L1, disponível na página da Procuradoria Geral Distrital de Lisboa).”
A nosso ver, é este o entendimento que deve seguir-se, pelas razões ali referidas: o condenado não pode ficar indefinidamente à espera que se declare a extinção da sua pena, ou que a pena de substituição seja revogada. A partir do momento em que decorreu o prazo de suspensão da execução da pena, inicia-se o prazo de prescrição desta pena de substituição, isto é, inicia-se um prazo dentro do qual a referida pena (desde que não totalmente cumprida, v.g. por não terem sido cumpridas as injunções que a condicionavam) ainda pode ser revogada ou modificada.
(…)”.
Mantemos o entendimento referido no citado acórdão que, de resto, está em consonância com a jurisprudência citada pelo Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação. Deste entendimento resulta, em suma, o seguinte: (i) só se inicia o prazo de prescrição da pena substituída quando esta possa ser cumprida, isto é, quando transitar em julgado o despacho a ordenar o seu cumprimento; (ii) no entanto, esse despacho a ordenar o cumprimento da pena substituída (aqui, a pena de 90 dias de prisão, ou mais precisamente 89 dias, por força do desconto de um dia) deve ser proferido antes de prescrever a pena de substituição (no caso, 90 dias de multa).
Ora, no presente caso, quando foi ordenado o cumprimento da pena de prisão (pena substituída), ainda não tinha ocorrido a prescrição da pena de multa. Esse despacho foi proferido em 9 de Maio de 2014 e transitou em julgado em 24 de Setembro de 2015, sendo que a prescrição da pena de 90 dias de multa só ocorreria em 3 de Dezembro de 2017 (quatro anos depois do trânsito da sentença condenatória, nos termos do art. 122º, 1, d) do C.P).
Assim, e tendo começado a correr o prazo de 4 anos de prescrição (art. 122º, 1, do CP) em 24 de Setembro de 2015, a prescrição da pena de 90 dias de prisão só ocorrerá em 24 de Setembro de 2019, se entretanto não se verificarem causas de suspensão ou interrupção da mesma – art. 122º, 1, d) do C.P.
Nestes termos, o recurso do MP deve ser julgado procedente.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que determine a normal tramitação dos autos.
Sem custas.
*
Porto, 03/10/2018
Élia São Pedro
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