Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
25136/15.0T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: ASSEMBLEIA-GERAL DO CONDOMÍNIO
ACTA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
HONORÁRIOS A ADVOGADO
Nº do Documento: RP2019021825136/15.0T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 02/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º690, FLS.167-175)
Área Temática: .
Sumário: I - A acta da assembleia de condóminos, para constituir título executivo, nos termos do artigo 6.º, nº 1 do DL nº 268/94, de 25/10, terá que conter a deliberação dessa assembleia quanto à fixação do montante das contribuições devidas pelos condóminos, em função da quota-parte de cada um deles.
II - Para que tal obrigação legal se mostre cumprida, basta que da mesma acta constem elementos bastantes que permitam chegar a tais montantes, através de simples operação aritmética.
III - Os honorários devidos a advogado e mais despesas decorrentes da interposição da execução não são despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum do condomínio, tal como definidas no artigo 6.º, nº 1, do DL 268/94. de 25/10, e não podem, por isso, mesmo que tenham sido aprovados em assembleia de condóminos e constem da respectiva acta, ser incluídos na execução movida contra o proprietário que deixar de pagar a sua quota parte no prazo fixado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 25136/15.0T8PRT-A.P1-Apelação
Origem: Comarca do Porto-Inst. Central-1ª Secção de Execução-J9
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B… Lda, Sociedade Comercial com sede na Avenida …, n.º …, Lisboa veio deduziu embargos por oposição à execução que contra si e contra C…, SA move o Condomínio do Edifício D…, com sede na Praça …, n.º …, Porto, pedindo a extinção daquela.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido:
1. Em 25/09/2014 reuniu-se a assembleia de condóminos do Condomínio exequente, tendo sido elaborada a acta junta a fls. 5 a 7 da execução, que aqui se dá por reproduzida.
2. Em 23/10/2014 reuniu-se a assembleia de condóminos do Condomínio exequente, tendo sido elaborada a acta junta a fls. 8 a 9 da execução, que aqui se dá por reproduzida.
3. A propriedade da fracção autónoma designada pelas letras CF do prédio descrito na CRP do Porto sob o nº 90/19850422-CF … acha-se inscrita a favor das executadas, por compra, na proporção de ½.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que importa apreciar e decidir consiste em:
a)- saber se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia.
Defendem os recorrentes que a decisão recorrida não se pronunciou acerca da tempestividade da junção do documento com a contestação aos embargos, assim como a sua ilegibilidade.
Analisando.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do artigo 615.º do CPCivil.
Nele dispõe-se que é nula a sentença quando: al. a) (…), b) (…), al. c) (…) e al. d) “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Nos termos do disposto naquele normativo, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infracção ao disposto no artigo 608.º, nº 2.
Ou seja, a nulidade prevista na alínea d) está directamente relacionada com o nº 2 do artigo 608.º, referido, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Importa, porém, enfatizar que a nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia a que alude a al. d) do citado o artigo 615.º por referência ao artigo 608.º, n.º 2, está configurada para a decisão de mérito do juiz que lavra a sentença sem decidir todas as questões que as partes lhe colocaram para resolução, ou decidindo questões que as mesmas não submeteram à respectiva apreciação, o que manifestamente não ocorre no presente caso em que o Mm.º Juiz se pronunciou, elencando-as, sobre todas as questões suscitadas na oposição por embargos e na contestação, decidindo-as.
Desta sorte, a arguida nulidade não se verifica.
Questão diversa é a de saber se ocorreu, no decurso do processo, uma omissão de pronúncia a configurar nulidade nos termos estatuídos no artigo 195.º do CPCivil, por o tribunal recorrido não se ter pronunciado sobre a admissão do documento que a exequente embargada junto com a sua contestação à oposição.
Ora, não há dúvida de que tendo o documento em causa sido junto com a contestação à oposição, a executada embargante e ora recorrente podia exercer o contraditório sobre tal junção como, aliás, o fez, dado tratar-se de documento oferecido com o último articulado no caso cabível (cfr. artigo 427.º do CPCivil).
E também não oferece dúvidas de que, perante o exercício do referido contraditório, o tribunal recorrido tinha o dever de emitir pronúncia sobre a admissibilidade, ou não, do documento em causa, pelo que, ao não assim ter procedido, ocorreu nulidade.
Acontece que a referida nulidade se encontra sanada.
Efectivamente, a embargante devia ter arguido a referida nulidade no prazo de 10 dias a contar da notificação que lhe foi feita do despacho exarado em 22/02/2016, o que manifestamente não fez (cfr. artigos 149.º, nº 1 e 199.º, nº 1 do CPCivil) pois que, só em sede de alegações vem suscitar tal questão.
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Improcedem, assim, as conclusões 9ª e 10ª formuladas pela apelante.
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A segunda questão colocada no recurso prende-se com:

b)- saber se a embargada exequente dispõe ou não de título executivo.

Como se evidencia dos autos os títulos dados à execução estão materializados nas actas de condomínio.
Ora, diz a recorrente que as referidas actas não podem ser consideradas títulos executivos, por falta dos requisitos exigidos, para o efeito, pelo diploma que regula tal matéria.
Diferente entendimento teve o tribunal recorrido que considerou tais actas como exequíveis.
Quid iuris?
De acordo com o nº 1 do artigo 6.º do Dec.-Lei nº 268/94, de 25/10 “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
No âmbito da acta, enquanto título executivo, cabem o montante das “contribuições devidas ao condomínio”, expressão esta que deve ser entendida em sentido amplo, incluindo as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício, as despesas com inovações, as contribuições para o fundo comum de reserva, o pagamento do prémio de seguro contra o risco de incêndio, as despesas com a reconstrução do edifício e as penas pecuniárias fixadas nos termos do artigo 1434.º Civil.[1]
Sobre o que significa a expressão “contribuições devidas ao condomínio” e especialmente a palavra “devidas”, a fim de a acta valer como título executivo, a jurisprudência não tem sido uniforme já que, parte dela, entende serem aquelas que venham a ser devidas em função de deliberação da assembleia de condóminos que fixa as comparticipações a pagar por cada condómino, enquanto outra entende que nela cabem apenas as que já estão vencidas e não pagas e, como tal, reconhecidas em deliberação de condóminos.
Propendemos, para entendimento de não ser exigível, para que a acta tenha força executiva, que a mesma faça menção expressa da dívida já vencida e ainda não paga por determinado condómino, para que deste se possa exigir o pagamento por via executiva, já que tal seria postergar por completo os objectivos de eficácia na cobrança e de pragmatismo relacional do condomínio e bem assim da valorização do princípio da confiança, que o legislador teve em vista com o D.Lei nº 268/94.[2]
Na verdade, todo o condómino sabe que tem de pagar as prestações anuais de condomínio correspondentes à sua fracção, e que anualmente se fixam valores para essa mesma contribuição e que as obras levadas a cabo no edifício que habita são para ser pagas nos termos definidos no artigo 1424.º.
De facto, seria muito restritiva e redutora a interpretação de que o artigo 6.º, nº 1, do citado DL nº 268/94, no sentido de apenas serem exequíveis as actas onde constem as dívidas já então apuradas, existentes e já vencidas.
Tal criaria imensas dificuldades administrativas, e precipitaria muitas administrações no impasse e paralisação, bastando pensar-se que sempre que necessário fosse exigir as prestações em dívida a um condómino, sempre seria necessário convocar uma assembleia, cumprindo toda a burocracia inerente, a fim de ser liquidado o montante exacto da dívida.
Portanto, constitui a acta de reunião de condóminos que define a comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, o respectivo montante e prazo de pagamento título executivo, sem prejuízo do exequente poder liquidar esse valor no próprio requerimento executivo.[3]
São, assim, requisitos de exequibilidade da acta da assembleia de condóminos:
- a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio;
- a fixação da quota-parte devida por cada condómino;
- a fixação do prazo de pagamento respectivo.
Ora, respeitando-se entendimento diverso, cremos que as actas dadas à execução e no seu conjunto cumprem com os referidos requisitos.
Não oferece dúvidas de que como título executivo, o condomínio exequente juntou 3 actas de Assembleia de condomínio, a saber: ata n.º 26, de 6 de Fevereiro de 2014; acta n.º 27 de 25 de Setembro de 2014 e acta n.º 28 de 23 de Outubro de 2014.
Também dúvidas não se suscitam de que a acta nº 26 é inócua para efeitos de ser considerada título executivo, pois que, nela nada é referido quanto ao montante em dívida.
Mas já o mesmo não se pode dizer em relação à acta n.º 27.[4]
Com efeito, na página 3 dessa acta pode ler-se que a fracção “CF”, em nome de B1…, Lda, tem uma dívida de 588,00€, correspondente a 3 prestações em atraso, sendo que, como se decidiu no acórdão da Relação de Lisboa de 01/07/2014[5] “Para constituir título executivo na cobrança das contribuições devidas ao condomínio, basta que a acta contenha o montante em dívida pelo condómino e a menção de que não foi pago–sem necessidade de tal acta documentar a deliberação de onde nasce a obrigação de pagamento”.
Por outro lado no que tange ao prazo de pagamento é expressamente mencionado no cabeçalho do mapa de quotizações, de ambas as actas, o valor das quotas e a indicação de que as mesmas se vencem mensalmente.
Diante do exposto, dúvidas não existem de que acta nº 27 bem como a acta nº 28 constituem título executivo no que diz respeito às prestações do condomínio em atraso referentes à fracção da embargante ora recorrente.
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Improcedem, desta forma as conclusões 11ª a 24ª formuladas pela apelante.
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Questiona, também a recorrente embargante a falta de título executivo no que concerne aos honorários e mais despesas decorrentes da interposição da execução.
E cremos, salvo o devido respeito por diferente opinião, que sob este conspecto assiste razão à embargante recorrente.
Analisando.
Tal como já supra se referiu, nos termos conjugados dos artigos 703.º, nº 1 al. d) do CPCivil, e 6.° do DL 268/94, de 25 de Outubro:
A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título estabelecido na sua quota-parte”.
O Decreto-Lei n°268/94, de 25 de Outubro, confessadamente, visa “procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal”.
Mas será que foi objectivo do legislador incluir nas “contribuições devidas ao condomínio” e ao aludir a “a pagamento de serviços de interesse comum”, consentir que nas actas/título executivo, se incluam as despesas judiciais e honorários com mandatários judiciais?
Quando o condomínio celebra um contrato de mandato forense com um advogado, apenas, entre tais contraentes se estabelece um vínculo contratual, sem dúvida no interesse do colectivo dos condóminos - o condomínio - mas, realidade totalmente diversa, é pretender que as despesas com o mandatário sejam, sem mais, serviços de interesse comum, na acepção que nos parece ter sido a querida do legislador - que foi relacionar tais despesas com as inerentes ao funcionamento intrínseco do condomínio, salvaguardando a operacionalidade e a rapidez de cobrança de dívidas do condomínio que, exclusivamente, se relacionam de maneira directa e imediata, com as obrigações dos condóminos, em relação às partes comuns.
E para estes efeitos, serviços de interesse comum são serviços postos à disposição de todos os condóminos, que eles poderão usar ou não usar, como acontece, por exemplo, com os serviços relacionados com equipamentos comuns, tais ascensores, as caldeiras de aquecimento, jardins colectivos, piscinas, antenas colectivas, os serviços de segurança e vigilância do imóvel.
Não é o que se passa com o serviço do advogado, consistente no patrocínio da execução instaurada para cobrança coerciva das quotas, não está à disposição de cada um dos condóminos.
Embora se reconheça que a cobrança das contribuições é do interesse do condomínio, o serviço prestado pelo advogado não é um serviço que qualquer um dos condóminos possa usar ou não usar. Os executados não são beneficiários dos serviços prestados pelo advogado.
Portanto, não obstante como supra já se referiu se entenda, tal como defende Sandra Passinhas[6], que deve ser amplo o campo de aplicação da expressão “contribuições devidas ao condomínio”, incluindo nele as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício, as despesas com as inovações, as contribuições para o fundo comum de reserva, o pagamento do prémio do seguro contra o risco de incêndio, as despesas com a reconstrução do edifício e as penas pecuniárias fixadas nos termos do artigo 1434.º, não pode ele ser tão abrangente que englobe que nas actas/título executivo, se incluam as despesas judiciais e honorários com mandatários.
Repare-se que não acção executiva que é tida em vista pelo n.º 1 do artigo 6.º do já citado D. Lei nº 268/94, de 25 de Outubro, o proprietário/condómino é executado por ter deixado de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte nas contribuições devidas ao condomínio, ou nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, ou ainda no pagamento de serviços de interesse comum.
Todavia, isso não é o que se passa com a presente acção executiva, na parte em que visa o pagamento dos honorários e da taxa do contencioso.
E contra isso não se argumente que da acta n.º 27 resulta que na página 4, 2.º parágrafo da mesma, está prevista a acção judicial contra condóminos em mora, e que as despesas relativas à interposição da respectiva acção serão imputadas ao devedor.
Com efeito, para tal desiderato não basta uma deliberação é também necessário previsão legal que a acomode, conferindo-lhe a força executiva respectiva o que, como já se referiu, não é o caso.
Acresce que, não se tratando de uma dívida já vencida, (na verdade, a acta alude apenas a que “todas as despesas de cobrança, contencioso, mandatária e solicitadora sejam imputadas aos condóminos devedores”) é manifesta a falta de título, já que as contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer outros montantes referidos no citado artigo 6.º, nº 1 do Dec. Lei n.º 268/94, têm de ser certas e exigíveis (artigo 713.º do CPCivil).
Aliás, diga-se, que fazer dotar as despesas com mandatários judiciais de força executiva, de maneira tão genérica e não limitada a montante certo, seria abrir a porta ao arbítrio, e procedimento lesivo da boa-fé e do princípio da confiança, não se excluindo a possibilidade de conluios, entre a administração do condomínio, ou do administrador, e quem fosse contratado como mandatário.
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Procedem, assim, as conclusões 25ª a 36ª formuladas pela recorrente e, com elas em parte, o respectivo recurso.
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IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta parcialmente procedente por provada e, consequentemente, revogando-se a decisão recorrida, deverá a execução prosseguir apenas para cobrança da quantia exequenda referente às prestações do condomínio em atraso e respectiva penalizações dela se excluindo todas as demais despesas e respectivos honorários quer a mandatário judicial quer a solicitador.
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Custas da apelação por embargante e embargado na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 18 de Fevereiro de 2019.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] Cfr. neste sentido Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, pág. 272 e 312.
[2] Cfr., neste sentido, entre outros, Ac. deste Tribunal de 21/4/2005, in www.dgsi.
[3] A indicação do valor em dívida corresponde a um mero exercício de liquidação, pelo que, poderá o mesmo ser realizado no próprio requerimento executivo.
[4] Importa referir que a acta nº 28 é, tão-somente, a continuação da Assembleia de 25/09/2015 a que se refere a acta nº 27.
[5] In www.dgsi.pt.
[6] Obra citada pág. 310.