Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7/13.8GEVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: BORGES MARTINS
Descritores: CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Nº do Documento: RP201506177/13.8GEVFR.P1
Data do Acordão: 06/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Se a actividade de tráfico de droga é desenvolvida por vendedor de rua que faz dessa actividade modo de vida, não existe uma precaridade de meios (usa veiculo automóvel e dissemina-a por várias localidades), e fá-lo de forma profissional como forma de angariar meios para a sua subsistência, não deve ser qualificada de tráfico de menor gravidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Comum Colectivo n.º 7/13.8GEVFR.

Comarca de Aveiro – Santa Maria da Feira.

2.ª Secção criminal –J2.

Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:

Nestes autos, foi publicada a seguinte decisão:

Nos termos do exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal coletivo em:
1. Absolver os arguidos B… e C… da acusação na parte em que lhes é imputada a prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22.01;
2. Condenar o arguido B… pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artº 25º, al. a), do DL nº 15/93, de 22.01, com referência ao artº 21º, nº 1, e às tabelas I-A e I-B anexas àquele diploma legal, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo;
3. Condenar a arguida C… pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artº 25º, al. a), do DL nº 15/93, de 22.01, com referência ao artº 21º, nº 1, e às tabelas I-A e I-B anexas àquele diploma legal, na pena especialmente atenuada de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo e subordinada a regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRS, o qual, uma vez homologado, fará parte constante deste acórdão;
(…) Mais acordam os juízes que compõem este tribunal coletivo em:
- Declarar perdidos a favor do Estado os produtos estupefacientes apreendidos, nos termos do disposto no artº 35º, nº 2, do Decr.-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, e ordenar a respetiva destruição (cfr. artº 62º, nº 6, do mesmo diploma legal);
- Indeferindo-se o requerido a fls 483 e ss., declarar perdidos a favor do Estado todo o dinheiro e artefactos apreendidos (com exceção da bolsa cor-de-rosa apreendida à arguida), incluindo a viatura automóvel de matrícula ..-..-EH, nos termos do disposto no artº 109º, nº 1, do Código Penal, e dos artgs 35º, nº 1, e 36º, nº 1, do Decr.-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, já que se relacionam com a atividade de traficância em causa (o dinheiro é produto dessa atividade; a viatura automóvel era essencial para que os arguidos nela se deslocassem ao Porto para se abastecerem de produtos estupefacientes e para que posteriormente se deslocassem aos pontos de venda; e o telemóvel era utilizado nas comunicações com vista à receção das encomendas e à marcação dos encontros onde se concretizavam as transações);
- Indeferir o requerimento do MP de declaração de perdimento a favor do Estado da quantia de €46.800,00, nos termos do artº 111º, nº 2, do Código Penal, já que não estão reunidos os respetivos pressupostos (desde logo em face do ponto 1.2.3. dos factos não provados);
- Determinar a devolução à arguida C… da bolsa cor-de-rosa que lhe foi apreendida, sem prejuízo porém do direito de retenção a que alude o artº 34º do RCP.

Recorreu desta decisão o MP, em síntese, considerando que o tipo legal preenchido pela conduta dos arguidos é antes o do art.º 21.º, n.º1 do DL n.º 15/93, de 22.1; que o arguido B… deverá consequentemente ser condenado na pena de 5 anos de prisão, suspensa por igual período de tempo, mediante regime de prova; que a arguida C… deverá ser condenada na pena de 3 anos, suspensa na sua execução, mediante regime de prova.
Os arguidos responderam, em síntese, se opondo à convolação, louvando a solução recorrida, por se tratar de tráfico a escala muito reduzida e de modestas dimensões.
O Exmo PGA emitiu Parecer, aderindo à argumentação da motivação de recurso, sublinhando que a avaliação da situação de facto não permite que se qualifique como consideravelmente diminuída a sua ilicitude.
Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não se registando Resposta.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Foi a seguinte a fundamentação de facto da decisão recorrida:

1.1. Factos provados:
Da acusação
1.1.1. Desde data não concretamente apurada mas pelo menos desde o início do mês de abril de 2013 até ao dia 12.06.2013 – data em que vieram a ser detidos em flagrante delito pela GNR no âmbito dos presentes autos – os arguidos B… e C… dedicaram-se à venda de heroína e cocaína a terceiros.
1.1.2. Durante o referido período temporal, os arguidos deslocaram-se em média duas vezes por dia ao Porto, mais propriamente aos Bairros … e …, onde adquiriam heroína e cocaína com vista à sua posterior revenda.
1.1.3. Após procederem à respetiva divisão do produto em doses individuais, os arguidos procediam à venda do mesmo a terceiros, em locais previamente combinados com estes telefonicamente, mas a maior parte das vezes nas localidades de Rio Meão, S. Paio de Oleiros, Paços de Brandão, Mozelos e S. João de Ver, concelho de Santa Maria da Feira, deslocando-se, para o efeito, no veículo de matrícula ..-..-EH.
1.1.4. Assim, designadamente, os arguidos, durante o referido período temporal, venderam heroína e/ou cocaína aos seguintes indivíduos e nos seguintes circunstancialismos:
- No dia 20.05.2013, pelas 14h47m, os arguidos deslocaram-se na referida viatura à Rua …, em S. Paio de Oleiros, parando junto do nº ... Ato contínuo, foram abordados por D…, conhecido por “D1…”, consumidor de heroína, a quem entregaram quantidade não apurada deste produto estupefaciente e receberam logo o preço respetivo;
- No dia 22.05.2013, pelas 12h43m, os arguidos deslocaram-se na referida viatura à Rua …, em S. Paio de Oleiros. Quando imobilizaram a viatura, foram de imediato abordados por E…, consumidor de heroína, a quem entregaram quantidade não apurada deste produto e receberam o respetivo preço;
- No dia 29.05.2013, pelas 13h44m, fazendo-se transportar no já mencionado veículo, os arguidos tomaram a direção à Rua …, em …, concelho de Ovar. Quando imobilizaram a viatura, foram abordados por um indivíduo que saiu do nº …. e dirigiu-se ao lugar dianteiro do passageiro, onde se encontrava a arguida C…. Após uma breve troca de palavras, a arguida entregou-lhe quantidade não apurada de produto estupefaciente e recebeu o respetivo preço;
- Ainda no mesmo dia, pelas 17h30m, os arguidos deslocaram-se na referida viatura à Rua …, em S. João de Ver, estacionando junto a uns prédios de habitação aí existentes. Ato contínuo, foram abordados por F…, conhecido por “G…”, a quem entregaram quantidade não apurada de produto estupefaciente e receberam os respetivo preço. Logo após tal transação, os arguidos seguiram caminho pela Rua …, em direção a …. A dada altura do percurso, imobilizaram a viatura e foram de imediato abordados por um indivíduo cuja identidade é desconhecida, a quem entregaram quantidade não apurada de produto estupefaciente;
- No dia 03.06.2013, cerca das 18h, os arguidos deslocaram-se na referida viatura a S. João de Ver. Quando imobilizaram a dita viatura, junto da pastelaria “H…”, foram de imediato abordados pelo já referido F… e ainda por I…, este último conhecido por “I1…”, consumidores de estupefacientes, a quem entregaram quantidade não apurada deste tipo de produtos e receberam o respetivo preço;
- No dia 05.06.2013, cerca das 12h33m, os arguidos deslocaram-se no mesmo veículo à Rua …, em …, concelho de Ovar, junto ao “J…”. Ato contínuo, o arguido B… saiu do veículo e abeirou-se de um indivíduo cuja identidade é desconhecida, a quem entregou quantidade não apurada de estupefaciente, recebendo em troca o respetivo preço. Quando já se encontrava regressado ao interior do veículo, foi novamente abordado por outro indivíduo de identidade desconhecida, com quem transacionou produto estupefaciente nos mesmos moldes anteriormente descritos;
- No dia 06.06.2013, pelas 9h33m, os arguidos deslocaram-se na referida viatura a …, em Esmoriz, concelho de Ovar. Quando imobilizaram a viatura, junto do café “K…”, foram de imediato abordados por um indivíduo de identidade desconhecida, a quem entregaram quantidade não apurada de estupefaciente, recebendo o respetivo preço;
1.1.5. No dia 12.06.2013, pelas 11h, os arguidos dirigiram-se na referida viatura, desta feita acompanhados por L… e por M…, ao Bairro …, no Porto, onde adquiriram quantidade não apurada de produto estupefaciente.
1.1.6. Já no percurso de regresso, na altura em que saíram do ramal de acesso da … para …, foram intercetados pelas autoridades policiais.
1.1.7. Na sequência dessa operação, foram os arguidos sujeitos a revista e o veículo sujeito a busca.
1.1.8. A arguida C… encontrava-se na posse de três embalagens de heroína, com o peso total de 1,5 gramas, que se encontravam acondicionadas dentro de um ovo de plástico, e de sete bases de cocaína com o peso total de 0,7 gramas, que se encontravam acondicionadas num tubo de plástico, e ainda a quantia de €75 em notas.
1.1.9. No mesmo período temporal ou em parte dele, os arguidos foram ainda fornecedores de heroína e/ou cocaína, recebendo €5 por cada dose individual de heroína e €10 por cada dose individual de cocaína vendida, com uma periodicidade semanal variável mas de pelo menos uma vez, aos seguintes indivíduos: L…; M…; AC…; N…; O…; P…; Q…; S…; T…; U…; V…; W…; e E….
1.1.10. Durante o lapso temporal em que se dedicaram a esta atividade, os arguidos venderam o estupefaciente a um preço superior ao da respetiva aquisição, auferindo o lucro correspondente, em montante não concretamente apurado.
1.1.11. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, com perfeito conhecimento da natureza e características dos produtos estupefacientes em causa e, não obstante saberem que a respetiva aquisição, detenção, cedência, transporte e venda lhes era vedada, adquiriram, detiveram e venderam a terceiros tais substâncias, nas circunstâncias e no período temporal acima referidos.
1.1.12. Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Do percurso de vida e das condições socioeconómicas do arguido B… e respetivos antecedentes criminais
1.1.13. O arguido é oriundo de Esmoriz, provindo de uma família constituída, além do próprio, pelos seus progenitores e por um irmão. O seu processo de socialização decorreu no seio daquele agregado, o qual era de modesta condição socioeconómica, exercendo os seus progenitores uma atividade profissional como operários. A dinâmica familiar era essencialmente normativa, apesar de alguns conflitos conjugais existentes entre os progenitores, decorrentes do temperamento ciumento do progenitor.
1.1.14. Desistiu dos estudos após a conclusão do 6º ano de escolaridade, após o que frequentou um curso de formação profissional (de torneiro mecânico), mas que não chegou a concluir.
1.1.15. Aos 14 anos de idade iniciou o seu percurso laboral como operário da “Y…”, situação que se manteve durante cerca de 9 anos. Em paralelo, trabalhou numa superfície comercial local (“Z…”) durante cerca de 13 anos, acabando por ser despedido há cerca de 2 anos por falta de assiduidade, o que coincidiu com um período de alguma desestruturação afetiva, mantendo de forma paralela vários relacionamentos amorosos.
1.1.16. Contraiu casamentos aos 20 anos de idade e divorciou-se 9 anos depois. Fruto desse casamento nasceu uma filha, atualmente com 9 anos de idade, com quem não mantém qualquer relacionamento de conivência.
1.1.17. Cerca de 6 meses após o seu divórcio (em 2008), envolveu-se com uma jovem da zona de … (concelho de Espinho), tendo sido nessa época que travou conhecimento com elementos ligados à problemática da toxicodependência, dos quais se afastou após a sua detenção no âmbito dos presentes autos.
1.1.18. Posteriormente manteve dois relacionamentos afetivos de curta duração, do qual resultou o nascimento de duas filhas, uma com 4 e outra com 1 ano de idade.
1.1.19. O arguido vive há cerca de ano e meio com AB…, do qual tem uma filha nascida a 04.11.2013. O relacionamento deste casal é conturbado em face dos relacionamentos paralelos do arguido.
1.1.20. À data dos factos (bem como na atualidade), o arguido residia com AB…, a filha e a avó daquela (reformada), na morada acima referenciada, a qual se trata de uma habitação antiga, com modestas condições de conforto, inserida num meio semiurbano, pertença desta última.
1.1.21. À data dos factos, como na atualidade, o arguido encontrava-se desempregado, realizando tarefas ocasionais. Procura ativamente trabalho, estando inclusive inscrito no Centro de Emprego. A companheira do arguido, à data dos factos, trabalhava como empregada de balcão num café, tendo explorado o mesmo entre julho de 2013 e setembro/outubro de 2014 (o arguido trabalhou nesse café entre abril a setembro/outubro de 2014). Presentemente, ela é empregada de balcão numa superfície comercial em S. João de Ver.
1.1.22. A única fonte de rendimento mensal fixa daquele agregado é o salário da companheira (€450 por mês), beneficiando do apoio da progenitora do arguido e da avó da companheira.
1.1.23. O quotidiano do arguido é organizado em função da procura de trabalho e das rotinas ligadas à filha com quem vive, inexistindo qualquer atividade de laser estruturada.
1.1.24. Há alguns meses o arguido teve um outro relacionamento conjugal, do qual resultou o nascimento de um filho, o que provocou nova conturbação no relacionamento conjugal, que entretanto estabilizou.
1.1.25. O arguido, para além da filha com quem vive, não mantém relacionamento com os restantes filhos, nem contribui financeiramente para o respetivo sustento.
1.1.26. Apesar de conotado no seu meio de origem com a problemática da toxicodependência e com comportamentos antissociais, no seu atual meio de residência inexistem referências negativas à sua pessoa.
1.1.27. Após a detenção do arguido, este começou a ingerir bebidas alcoólicas em excesso e passou a tomar antidepressivos, o que teve implicações negativas no seu relacionamento familiar, situação que no presente se mantém controlada.
1.1.28. No âmbito do PS nº 9/13.4GEVFR, do extinto 1º Jz Criminal de SMF, por sentença datada de 30.07.2013, transitada em julgado a 01.10.2013, pela prática a 11.07.2013 de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artº 348º, nºs 1, al. b), e 2, do CP, com referência ao artº 22º do DL nº 54/75, de 12.02, foi condenado na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €5, num total de €500.

Do percurso de vida e das condições socioeconómicas da arguida C… e respetivos antecedentes criminais
1.1.29. A arguida é natural do concelho de Ovar, sendo oriunda de um agregado familiar onde existiram algumas lacunas quer ao nível material quer ao nível relacional. O progenitor apresentava problemas de alcoolismo, o que condicionava negativamente o ambiente familiar.
1.1.30. Desta forma, tinha a arguida 9 anos de idade, quando os seus pais se separaram, passando a mesma numa fase inicial a residir com o progenitor, acolhendo-se entretanto junto da progenitora.
1.1.31.Frequentou o sistema de ensino até frequentar o 9º ano de escolaridade.
1.1.32. Quando tinha 12 ou 13 anos de idade, encetou uma relação afetiva com o companheiro da sua mãe, o que esta desconheceu durante cerca de 2 anos, após o que se despoletou a rutura relacional entre esta e o companheiro e também com a arguida, que entretanto se passou a acolher (juntamente com o ex-companheiro da sua mãe) em diferentes locais nos concelhos de Ovar e Espinho.
1.1.33. Deu à luz um filho quando tinha 16 anos de idade, fruto do mencionado relacionamento, criança que entretanto foi entregue para adoção.
1.1.34. A relação afetiva com o ex-companheiro da sua mãe perdurou até março de 2013, sendo certo que durante esse período experienciou as dificuldades próprias da toxicodependência do companheiro, o que levou inclusive a arguida a prostituir-se como forma de obter dinheiro para a aquisição de produtos estupefacientes.
1.1.35. A arguida, entretanto, afastou-se do seu então companheiro, mas encetou entretanto nova relação afetiva com indivíduo associado também à problemática da toxicodependência.
1.1.36. À data dos factos, a arguida mantinha um relacionamento afetivo com o coarguido B…, sendo certo que nessa altura ela acolhia-se junto de pessoas amigas na Rua …, nº .. – .º, em … – Ovar, também conotadas com a problemática da toxicodependência (consumo e tráfico).
1.1.37. Desde março último que vive integrada no agregado familiar de uma tia paterna, composta atualmente por 7 elementos, vivenciando também uma condição socioeconómica modesta. Vivem numa casa arrendada, com modestas condições de habitabilidade. São apoiados por diversas entidades locais de cariz social, quer em géneros alimentares, quer em termos monetários.
1.1.38. A arguida está inscrita no Centro de Emprego de Ovar, mas não conseguiu ainda colocação laboral. Não obstante, mantém um quotidiano pouco estruturado e não tem qualquer fonte de rendimento.
1.1.39. No atual contexto residencial, a imagem da arguida é neutra.
1.1.40. Não tem antecedentes criminais.

1.2. Factos não provados:
Não se provou qualquer outro facto relevante para a boa decisão da causa nem qualquer facto que esteja em contradição com os factos acima expostos, designadamente:
1.2.1. Para além do referenciado nos pontos 1.1.4. e 1.1.9. dos factos provados, em concreto, qual a identificação de outros consumidores que tenham adquirido produtos estupefacientes aos arguidos;
1.2.2 Qual a quantidade diária e por que preço os arguidos adquiriam no Porto a heroína e a cocaína que destinavam à respetiva revenda;
1.2.3. Qual o lucro auferido pelos arguidos em cada dose de produto estupefaciente transacionado e qual o lucro global que auferiram com a atividade de traficância em causa nos autos.
1.3. A convicção do tribunal:
O tribunal ponderou de forma conjugada os seguintes elementos de prova:
Os arguidos, conforme direito que lhe assiste, optaram por não prestar declarações na audiência de julgamento.
De todo o modo, várias testemunhas consumidoras de produtos estupefacientes confirmaram ter adquirido aos arguidos heroína e/ou cocaína, respetivamente pelo preço de €5 e €10, sensivelmente no período temporal referenciado na acusação ou em parte dele (algumas, poucas, referiram até um período temporal mais alargado, como foi o caso, por exemplo, da testemunha AC…).
Nesse sentido depuseram então as testemunhas AD… (esta testemunha referiu mesmo que chegou a vender heroína e cocaína por conta do arguido B… em 2013, confirmando ter vendido esse tipo de substâncias, nesse circunstancialismo, a algumas das testemunhas inquiridas. Mais referiu que chegou a deslocar-se com ele ao Bairro … três vezes por dia para adquirirem produto estupefaciente com vista à posterior revenda. Não referiu porém por que preço foi adquirida e que quantidade), L… (esta testemunha – que confirmou adquirir produtos estupefacientes aos arguidos – acompanhava-os quando estes foram detidos pela GNR, confirmando que tinham ido ao Porto adquirir produto estupefaciente), N… (o contacto telefónico desta testemunha consta da lista de contactos constante do telemóvel do arguido B…, conforme se pode ver a fls 79 – “N1…”, ……… -, o que significa que era cliente habitual, já que o relacionamento entre uns e outros circunscrevia-se à compra e venda de produtos estupefacientes), M… (esta testemunha confirmou adquirir cocaína e heroína a ambos os arguidos e encontrava-se com eles aquando da respetiva detenção. A este propósito, confirmou que se tinham deslocado ao Bairro …, no Porto, para adquirir droga, mas referiu que metade do produto apreendido era seu, no valor de €30. Ora, ficamos com a nítida sensação que, nesta parte, o seu depoimento não merece crédito, visto que toda a droga foi encontrada na posse da arguida C…), Q…, AE… (o contacto desta testemunha consta da lista de contactos do telemóvel apreendido ao arguido, conforme se pode verificar a fls 79, onde esta testemunha é identificada com a alcunha de “AE1…”, o que significa que era cliente habitual dos arguidos), T…, P…, U…, AF…, Q…, E… (esta testemunha, sem crédito, referiu já não ter a certeza se eram os arguidos as pessoas a quem adquiria heroína e cocaína, facto de que não temos dúvidas visto que o seu número de telemóvel consta da lista de contactos do telemóvel do arguido, conforme se pode ver a fls 80, sob a identificação “E1…” – ……… -, o que só pode significar que a testemunha em causa era cliente habitual dos arguidos, não tendo pois referido tudo o que sabia acerca da respetiva atividade de traficância), D… (esta testemunha fazia-se acompanhar da testemunha E…, assegurando inicialmente que nada adquiriu aos arguidos, para depois referir não saber se a testemunha E… – com quem acompanhava - adquiria ou não produtos estupefacientes a eles. Porém, esta testemunha foi confrontada com o teor das suas declarações prestadas na fase de inquérito, constantes de fls 337 e 338, as quais nos mereceram credibilidade, pois ficamos com a nítida sensação que ela, na audiência de julgamento, procurou encobrir os arguidos), I… (o seu contacto telefónico consta da lista de contactos do telemóvel do arguido, sob a identificação “I1…”, constante de fls 79, o que significa que era cliente habitual dos arguidos, já que entre uns e outros inexistia qualquer outro relacionamento que não se prendesse com a compra e venda de estupefacientes), AG…, AC…, O…, (esta testemunha referiu não saber se eram os arguidos quem lhes vendeu heroína e cocaína na zona de …, facto de que o tribunal se convenceu na medida em que ela referiu que se fazia acompanhar da testemunha N… e que era esta quem saía da viatura e se dirigia aos traficantes. Ora, esta testemunha confirmou aquisições de droga aos arguidos, tanto assim que o seu contacto telefónico constava da lista de contactos do telemóvel do arguido. De resto, também o contacto da testemunha O… – ……… – consta da lista de contactos constante do telemóvel do arguido, conforme se pode verificar a fls 78, o que significa que a testemunha em causa bem sabia a quem adquiria produtos estupefacientes…), V…, S…, W… (esta testemunha, para além de ser abastecida de produtos estupefacientes – a arguida C… chegou mesmo a estar acolhida em sua casa uns meses em 2013 -, com conhecimento de causa referiu que na sua residência apareciam alguns toxicodependentes para serem abastecidos pelo arguido B…) e AH… (trata-se do ex-companheiro da arguida C…, de modo que, com conhecimento de causa, referiu-se à atividade de traficância dos arguidos, aliás, num período temporal mais alargado relativamente ao descrito na acusação).
Daí a matéria dada como provada no ponto 1.1.9. dos factos provados.
Do depoimento de grande parte destas testemunhas resulta ainda que o arguido ou se fazia transportar num “Fiat …” (cfr. documento de fls 18), ou no “Citroën …” apreendido (cfr. os documentos de fls 16 e 485, bem como o exame de fls 203 e 204).
Para além disso, as movimentações referenciadas no ponto 1.1.4. dos factos provados foram constatadas pela GNR (cfr. os relatórios de vigilância de fls 97 a 106 e 198, em conjugação com o depoimento da testemunha AI…, agente da GNR), sendo certo que, em face do modus operandi e das regras da experiência comum, a outra conclusão não se pode chegar que não seja a de que se trataram de transações de produtos estupefacientes (contactos breves e esquivos, do “toma lá dá cá”, sendo certo que nesse período temporal os arguidos dedicavam-se ao tráfico, conforme confirmado por várias testemunhas, acima referenciadas).
Porém, não foi possível apurar a concreta identificação de outros consumidores, para além dos referenciados nos pontos 1.1.4. e 1.1.9. dos factos provados, visto que não emergiu de qualquer outro meio de prova, daí o teor do ponto 1.2.1. dos factos não provados.
Ademais, do teor dos documentos de fls 15, 107 e 108 resulta que a viatura utilizada pelos arguidos e apreendida (de matrícula ..-..-EH) deslocava-se em média ao Porto duas vezes por dia. Não exercendo os arguidos qualquer atividade profissional e muito menos na zona do Porto e tendo constatado a GNR que se deslocavam aos Bairros … e … para adquirirem produtos estupefacientes (cfr. o depoimento da testemunha AI…, que chegou a fazer um seguimento onde constatou isso mesmo; cfr. ainda o depoimento das testemunhas que acompanhavam os arguidos aquando da respetiva detenção, bem como o depoimento da testemunha AJ…), tanto assim que as autoridades policiais montaram com sucesso a operação que viria a culminar com a detenção dos arguidos na posse dos produtos estupefacientes ali adquiridos, é plausível a matéria constante dos pontos 1.1.2. e 1.1.3. dos factos provados.
Ignoramos porém qual a quantidade que os arguidos normalmente adquiriam no Porto (apenas sabemos qual a quantidade de produto adquirido no dia da respetiva detenção), bem como qual o lucro auferido pelos arguidos em cada dose individual de heroína e cocaína revendido e qual o lucro global que auferiram com a sua atividade de traficância, visto que sobre esta matéria inexistiu qualquer meio de prova, daí o teor dos pontos 1.2.2. e 1.2.3. dos factos não provados.
Quanto ao que foi apreendido aos arguidos, na sequência da operação montada pela GNR (referenciada aliás pela testemunha AI…), naturalmente que o tribunal estribou a sua convicção no teor dos respetivos autos de apreensão (cfr. fls 71 e 75 e a reportagem fotográfica de fls 72 e ss, os testes rápidos de fls 94 e 95 e o relatório pericial de fls 192).
Por outro lado, a quantia monetária apreendida à arguida prende-se necessariamente com a sua atividade de traficância, visto que os arguidos foram detidos quando transportavam a droga que haviam adquirido no Porto com vista à sua revenda e não tinham qualquer outra fonte de rendimento).
Já quanto ao percurso de vida dos arguidos e respetiva condição socioeconómica, valoraram-se os relatórios sociais de fls 526 a 531 (arguido B…) e 543 a 548 (arguida C…).
A este propósito, as testemunhas arroladas pelo arguido B… e que lhe serviram de abonação (AB…, companheira do arguido; AK…, amiga da companheira do arguido; e AL…, avó da companheira do arguido) nada de novo acrescentaram, antes pelo contrário, pois traçaram do arguido um perfil de “bom pai”, quando é certo que não tem qualquer contacto com os filhos fruto doutros relacionamentos nem contribui para o respetivo sustento (de todo o modo, conforme emerge do respetivo relatório social, o arguido revela apego à sua filha fruto do relacionamento com a sua atual companheira, cuja certidão de nascimento consta de fls 486).
Por fim, quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, valoraram-se os certificados de registo criminal de fls 24, 25, 33, 36, 359 a 361 e 493 a 495 (a condenação do arguido por crime de desobediência prendeu-se com a utilização da viatura apreendida – cfr. o teor da cópia da respetiva acusação a fls 180 e ss., o qual deve ser compaginado com o respetivo CRC atualizado)

Fundamentação:

1. Da qualificação jurídica dos factos.

Não se constata a existência, neste julgamento, dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º2 do CPP, os quais são de conhecimento oficioso, mas têm que resultar directamente do texto da decisão recorrida, só por si ou conjugadamente com as regras da experiência.
Foi a seguinte a polémica subsunção jurídica operada pelo tribunal recorrido:

Feita a fundamentação de facto, importa agora proceder à respetiva qualificação jurídica, pois, conforme refere Cavaleiro Ferreira, “o facto só é definível na sua unidade ou pluralidade em função dum critério, duma perspectiva que em Direito tem de provir da própria lei” (Concurso de Normas Penais, in Scientia Juridica, XXIX, nºs 164 e 165, pág.1180), sendo certo que, conforme ensinamento de Eduardo Correia, ter-se-á de ter em conta que para o Direito Penal o facto só interessa se perspetivado como desvalor (cfr. Direito Criminal, I, págs. 231 a 237), sendo o ponto de partida de toda a elaboração do direito criminal “a conduta, o comportamento humano, a acção em sentido lato como juízo teleológico, como negação de valores ou interesses pelo homem.”
Assim:
Estabelece o artº 21º, no seu nº 1, do DL nº 15/93, de 22.01, que “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
Na sequência da aprovação e ratificação da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas o legislador tipificou no artº 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22.01., o crime de tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, tendo criado nos artgs 24º e 25º do mesmo diploma legal dois subtipos (um agravado e outro privilegiado).
Trata-se de um crime de perigo comum e abstrato, na medida em que visa antecipar a proteção legal de diversos bens jurídicos com dignidade penal, como por exemplo, a vida, a integridade física e a liberdade de determinação dos consumidores de estupefacientes (em suma, visa-se a proteção da saúde pública), ainda que em concreto não se tenha verificado o perigo de violação desses bens jurídicos (vide, neste sentido, entre outros, o acórdão do T.C. de 6.11.91, B.M.J. nº 411, págs. 56 a 73).
De notar que para que o tipo objetivo se preencha, basta a mera detenção ilícita daqueles produtos estupefacientes, desde que não seja para exclusivo consumo pessoal, não sendo pois necessário que a detenção do produto estupefaciente se destine à posterior venda.
Por seu turno, estabelece o artigo 25º, do mesmo diploma legal, que “Se nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstancias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:
a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;
b) (…)”.
O preceito em causa não é mais do que uma “válvula de segurança” do sistema, na medida em que evita que situações de menor gravidade (e portanto com nítida menor ilicitude) sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuante especial (vide João Luís Moraes Rocha, Droga - Regime Jurídico, citando Lourenço Martins, pág. 86, 1994 Livraria Petrony).
Visa-se pois punir menos severamente comportamentos que, embora enquadráveis na previsão legal do artº 21º, revestem-se de uma considerável menor ilicitude, ou seja, comportamentos que se traduzem num menor desvalor da ação, desvalor esse que terá de ser avaliado pela imagem global do facto, aferida através dos meios utilizados, da modalidade ou das circunstâncias da ação e da qualidade ou quantidades das substâncias (neste sentido, ac. do STJ de 16.06.2008, com texto integral em www.dgsi.pt, proc. nº 08P1228).
Ora, s.m.o., a factualidade apurada apenas permite enquadrar a conduta dos arguidos na subsunção legal prevista no citado artº 25º, al. a), do DL nº 15/93, de 22.01.
Na verdade, em face do modus operandi e lapso temporal da atividade de traficância em causa, constata-se que os arguidos mais não foram que meros traficantes de rua, sendo certo que os meios empregues naquela atividade são rudimentares.
Parece-nos assim que a respetiva conduta se subsume à previsão legal do artº 25º, al. a), do DL nº 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma.
Por outro lado, os arguidos agiram com consciência do facto e da respetiva ilicitude e com a intenção de o realizar, pelo que agiram com dolo direto (cfr. artº 14º, nº 1, do Código Penal).

Salvo o devido respeito, são merecedores de acolhimento os argumentos avançados pelo MP, no sentido da inaplicabilidade do artº 25º, al. a), do DL nº 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma.
Impõe-se esta conclusão, por três motivos particulares:
Em primeiro lugar, dos únicos parágrafos que deste excerto nos merecem censura – o antepenúltimo e o penúltimo – apenas o primeiro contém matéria de fundamentação. Parece partir do pressuposto que o tráfico de rua implica subsunção ao tipo do art.º 25.º. Contudo, tal não é exacto – não há implicação absoluta de tal premissa para essa subsunção. Veja-se o caso do Ac. do TRP, de 12.2.2014, publicado na CJ, Tomo I, pág. 327, em que foi relator o Des. Dr. Ernesto Nascimento, e no qual explicitamente se referiu que o crime de tráfico de menor gravidade só abrange situações em que o tráfico de estupefacientes se processa em termos de a ilicitude ser consideravelmente diminuída; assim, não é crime de tráfico de menor gravidade o do pequeno vendedor de rua que faz dessa actividade modo de vida.
Em segundo lugar, os autos evidenciam tudo menos precariedade de meios. Os arguidos deslocavam-se de veículo automóvel a fim de adquirir drogas duras numa grande cidade e disseminá-la numa área geográfica constituída por várias localidades e variados consumidores. A sua actividade económica não se pode enquadrar num conjunto de transacções de concretização local; antes de criação de uma rota comercial, com vista à distribuição pelos consumidores. O facto de o veículo ter sido declarado perdido a favor do Estado diz tudo sobre a (não existente) modéstia dos meios empregues.
Finalmente, dúvidas não existem que os arguidos resolveram exercer a actividade em regime profissional, como forma de angariar meios para a sua subsistência. Esses meios mostraram ser eficazes, pois a sua dedicação rondou os dois meses, deslocando-se mais de que uma vez por dia à fonte de abastecimento – apenas a intervenção policial interrompendo tal estratégia delituosa.

2. A medida concreta da pena.

Os critérios de cumprimento do disposto no art.º 71.º do CP foram os seguintes:

(…) importa agora determinar a medida da pena a aplicar, de acordo com o disposto no artigo 71º do Código Penal, tendo presente que “as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Assim, a medida da pena há-de ser dada pela medida da tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz na tutela das expectactivas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada” (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, p. 227) – cfr. artº 40º, nºs 1 e 2, do CP.
Nessa conformidade, para a determinação concreta da pena, balizada pela moldura penal abstrata, importa apreciar três fatores: a culpa manifestada pelos arguidos na prática do crime em causa, como limite máximo da pena concreta; as necessidades de prevenção geral, como limite mínimo necessário para tutelar o ordenamento jurídico, de modo a repor a confiança no efeito tutelar das normas violadas em relação aos valores e bens jurídicos que lhes subjazem; e as necessidades de prevenção especial manifestadas pelos arguidos, que vão determinar, dentro daqueles limites, qual o quantum da pena necessário para os reintegrar socialmente, se for caso disso, e/ou ter sobre eles um efeito preventivo no cometimento de novos crimes.
Nessa conformidade, nos termos do nº 2, do artº 71º, do C.P., há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (na medida em que já foram valoradas pelo legislador ao fixar os limites abstratos da moldura legal), funcionem como atenuantes ou agravantes, circunstâncias essas que estão elencadas exemplificativamente no nº 2 do referido preceito legal.

2.2.2. Determinaçao concreta da pena:
2.2.2.1. No que respeita ao arguido B…
Tendo em conta a quantidade e a natureza das drogas apreendidas (cocaína e heroína), o facto de o arguido ter agido com o dolo direto e o modus operandi, o juízo de censurabilidade ético-jurídica e, portanto, de culpabilidade, é mediano.
Por outro lado, no que concerne às necessidades de prevenção geral positiva, há que ponderar o facto de que a natureza deste crime é geradora de grande insegurança na comunidade, na medida em que a sua prática amiúde conduz ao cometimento de outros crimes direta ou indiretamente com ele conexos, entre os quais os crimes contra o património (para González Zorrilla, o fim último da norma penalizadora do tráfico não é a saúde pública, mas antes a segurança pública - ver João Luís de Moraes Rocha, ob. cit., pág. 62, no qual se refere a posição daquele autor). Assim, as necessidades de prevenção geral positiva são altas, pois que, como resulta do que acima se referiu, a reposição da confiança dos cidadãos na norma violada e a efetiva tutela dos bens jurídicos cuja proteção se visa assegurar pela incriminação deste tipo de condutas assim o impõe.
Além disso, ao nível das necessidades de prevenção especial, há que ponderar os seguintes fatores:
- O arguido revela um percurso de vida que se desestruturou a partir de determinada altura, quando tomou contacto com o submundo da droga;
- Não tem antecedentes criminais relevantes (aliás, inexistentes à data dos factos);
- Tem uma condição socioeconómica modesta, sem meios económicos próprios que lhe permitam subsistir licitamente e sem o auxílio de terceiros.
Nessa medida, quer-nos parecer que as ditas necessidades de prevenção especial têm alguma relevância.
Tudo visto, variando a moldura penal entre 1 e 5 anos de prisão, parece-nos adequada a imposição de uma pena de 3 anos de prisão.

Por outro lado, dispõe o artigo 50º, n.º 1, do Código Penal, na versão introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro, que: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, ou seja, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (cfr. artº 40º, nº 1, do CP).
Este preceito consagra um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos, configurando a mesma uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.
Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a censura do facto e a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
No caso em apreço, verifica-se que o pressuposto formal estabelecido por aquela disposição se encontra preenchido, dado que a pena imposta é inferior a 5 anos de prisão.
Ademais, s.m.o., também nos parece que estão preenchidos os inerentes pressupostos materiais em face do que se disse a propósito das necessidades de prevenção especial – que aqui convocamos e damos por reproduzido por uma questão de simplicidade -, pelo que concluímos que é possível efetuar-se um juízo de prognose favorável no que respeita ao futuro comportamento do arguido, de sorte que nos quer parecer que a censura do comportamento em causa e a ameaça da execução daquela pena de prisão satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tal como enunciadas no artº 40º, nº 1, do Código Penal.
Como tal, a pena de prisão de 3 anos deverá ser suspensa na sua execução, por igual período de tempo (cfr. artº 50º, nºs 1, 4 e 5, do Código Penal.
Além disso, neste caso, mostrando-se o arguido socialmente inserido, parece-nos desnecessária a imposição do regime de prova (cfr. artº 53º, nºs 1 e 3, do Código Penal).

2.2.2.2. No que respeita à arguida C…
Tendo presente o modus operandi, as circunstâncias da sua ação e o dolo direto recortado nos factos, entendemos que o grau de censurabilidade da sua conduta é mediano.
Quanto às necessidades de prevenção geral, valem aqui as considerações já tecidas a propósito do arguido B… (expressas no ponto precedente) e que aqui damos por reproduzidas por uma questão de simplicidade.
No que respeita às necessidades de prevenção especial, afigura-se-nos que elas se apresentam com alguma relevância, não obstante a arguida C… ser primária, na medida em que encontra-se inativa, dependente economicamente de terceiros e tem um percurso de vida relativamente marginal (chegou a ser prostituta).

Ademais, há que considerar que ela, a data dos factos, tinha 20 anos de idade.
Ora, o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado, o que vai de encontro às pesquisas do domínio das ciências humanas e da política criminal (prendendo-se com o estado de maturidade do jovem delinquente, em abstrato com menor capacidade para refrear as suas pulsões e com maior tendência para a prática de atos irrefletidos), no qual a capacidade de ressocialização do homem é pressuposto necessário, sobretudo quando este se encontra no limiar da sua maturidade.
À data dos factos, a arguida não tinha (como não tem) antecedentes criminais.
Assim, é tendo sobretudo em conta a idade da arguida à data dos factos e a circunstância de ser primária – num contexto de vida difícil - que entendemos que a pena a impor deverá ser especialmente atenuada, nos termos do artº 4º, do DL nº 401/82, de 27.10., e do artº 73º, nº 1, als. a) e b), do Código Penal.

Assim, tudo ponderado, parece-nos justa a imposição de uma pena de 2 anos de prisão.

Tal pena, como se viu, não é superior a 5 anos.
Consequentemente, convocamos aqui as considerações tecidas no ponto precedente a propósito do artº 50º do Código Penal.
Ora, também no que a esta arguida concerne, tendo presente sobretudo a sua juventude e o facto de ser primária, entendemos que a ameaça da execução da dita pena de prisão e a censura dos atos cometidos satisfazem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que tal pena deverá ser suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, mas sujeita obrigatoriamente a regime de prova, o qual se deve orientar primordialmente para a aquisição de competências académicas/profissionais da arguida com vista à sua inserção no mercado de trabalho, a fim de que consiga auferir os seus próprios meios de subsistência, por forma a afastá-la da prática de atos marginais com vista à obtenção de meios económicos (cfr. artgs 50º, nºs 1, 4 e 5, e 53º, nºs 2 e 3, do Código Penal).

Nesta fase processual, entende-se que este conjunto de critérios para determinação da medida concreta da pena não merece censura – apenas se devendo sublinhar, em jeito de aditamento, a postura de identificação dos arguidos com os seus crimes, não assumindo qualquer responsabilidade (confessando, mostrando arrependimento), o que quer dizer que não se esforçaram por fazer crer ao tribunal tratar-se de uma conduta isolada da sua vida ou de um ciclo fechado.
Exceptua-se desta adesão ao excerto mencionado expressão encontrada para a determinação concreta das penas, a qual face ao que fica agora referido, deixa de merecer a nossa concordância.
Por força da convolação operada supra, entendem-se correctos os montantes propostas pelo MP no seu recurso, a saber cinco anos de prisão para o arguido e três anos de prisão para a arguida – mostrando-se impossível a fixação mais próxima do limite mínimo, dada a mencionada postura de não distanciamento dos factos.
No mais se mantendo a decisão, designadamente, o regime de suspensão das penas, incluindo sujeição a regime de prova.

Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo MP e em consequência:
- Condenar os arguidos B… e C… pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22.01;
- Designadamente, o arguido B… na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo;
- A arguida C… na pena especialmente atenuada de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo e subordinada a regime de prova;
- no mais mantendo a decisão recorrida.

Sem tributação.

Porto, 17 de Junho de 2015
Borges Martins
Ernesto Nascimento