Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
113/10.0TYVNG-ED.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL
INCIDENTE DE HABILITAÇÃO
HABILITAÇÃO DE SUCESSORES
RESOLUÇÃO
BANCO DE PORTUGAL
Nº do Documento: RP20190115113/10.0TYVNG-ED.P1
Data do Acordão: 01/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º865, FLS.213-223)
Área Temática: .
Sumário: I - O Banco de Portugal dispõe do poder de transferência de direitos e obrigações de uma instituição de crédito, produzindo a decisão de transferência efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário (arts. 139.º, 140.º, e 145.º-O do RGICSF).
II - A substituição processual ocorrida por efeito directo de uma deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal que opere a dita transferência não carece de ser promovida através de incidente de habilitação de cessionário ou outro nos termos do artigo 269.º, nº2, do CPC.
III - A medida de resolução desencadeada pelo Banco de Portugal de uma dada instituição bancária deve abranger, por via de regra, os activos e os débitos intervencionados, devendo obstar a que se opere uma cisão entre eles particularmente se os mesmos resultarem de um mesmo vínculo contratual.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 113/10.0TYVNG-ED.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I – Relatório
Recorrente(s): Banco B…, S.A,
Recorrido(s): Massa Insolvente de C…, S.A.
Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia
*****
Nos presentes autos de insolvência relativos a C…, S.A. foi interposto o presente recurso do despacho através do qual, apreciando um requerimento junto aos autos pelo recorrente, o Tribunal a quo decidiu:
(...) indefere-se todo o requerido por Banco B…, S.A. e declara-se a mesma parte na acção, enquanto autora e reconvinda, em substituição de D… - Banco D…, S.A.
No requerimento de interposição de recurso apresentado pelo Banco B…, para além de alegações de recurso de apelação, foi igualmente pedida a reforma da decisão em crise junto do Tribunal da 1.ª instância e ao Tribunal da Relação (nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, ex vi artigo 613.º, n.º 3).
O tribunal recorrido proferiu despacho no qual invocando o disposto nos artigos 613.º, nº3, e 617.º, nº1, do CPC, indeferiu a reforma do despacho recorrido “porquanto o mesmo não enferma de qualquer dos lapsos contemplados pelo nº2 do artigo 616.º do CPC.”
*
Inconformado com aquela decisão que julgou o B…, S.A. parte na acção, este Banco veio dela recorrer, formulando as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho que determinou a substituição processual do Réu D… – Banco D…, S.A. nos termos da al. a) do artigo 145.º E do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”) e n.º 2 do art. 269.º do C.P.C.
II. O D… - Banco D…, S.A. (doravante, D…) instaurou acção para verificação ulterior de créditos contra a Ré MASSA INSOLVENTE DE C…, S.A. e outros, peticionando o pagamento do montante de €255.832,90 referente a 25% das Notas de Débito …………, ………… e …………, de 30/09/2009.
III. A Ré, na sua contestação, apresentou pedido reconvencional contra o A. D…, no valor de €767.496,30, alegando, em suma, que, além do montante apreendido de 25% (€255.832,90) entregue à R./Massa Insolvente, o D… apropriou-se ilegítima e ilegalmente do montante de 75 %.
IV. Em 19.10.2015, o D… apresentou a réplica de resposta à reconvenção.
V. Em 20.12.2015, ou seja, já na pendência dos presentes autos, foi aplicada ao D… uma Medida de Resolução.
VI. Ora, apenas em 02 de Maio de 2018, data em que foi recebida a notificação judicial remetida ao ora Requerente, foi este “(...) notificado, na qualidade de Autor, relativamente ao processo supra identificado, para comparecer neste tribunal no dia 15-05-2018, às 09:30horas, a fim de prestar depoimento de parte na audiência de discussão e julgamento”.
VII. Nunca, até então, tinha o Banco B…, S.A., enquanto parte, tido qualquer intervenção nesta acção instaurada pelo D… contra a massa insolvente e seus credores.
VIII. E só quando, em 15 de Maio de 2018, o Banco B…, S.A. constituiu, pela primeira vez, Mandatário para os presentes autos (cfr. procuração forense que acompanhou o requerimento junto sob a referência n.º 18789010), pode o Recorrente constatar a inexistência de qualquer fundamento fáctico ou decisão judicial que determinasse a sua intervenção no processo.
- DA ARGUIÇÃO DE NULIDADE
IX. Tendo então arguido, nos termos do artigo 195.º do CPC ex vi artigo 17.º do CIRE, a nulidade processual, cometida por acção, consubstanciada na notificação do ora Recorrente para prestar depoimento enquanto parte, ou por omissão, consubstanciada na falta de habilitação do ora Requerente para intervir, praticando-se acto que a Lei não permite ou preterindo-se, dessa maneira, formalidade que a Lei impõe, sendo que tal irregularidade influiu na decisão da causa, dado que o Banco B…, S.A. se viu coarctado no seu direito de discutir a sua legitimidade para os presentes autos.
X. Indeferiu o Tribunal a quo essa arguição de nulidade com o fundamento que “(...) a ter ocorrido qualquer das irregularidades que o Banco B…, S.A. reputa como nulidades processuais, as mesmas já se encontrariam sanadas, ao abrigo dos artigos 195.º, n.º 1., 196.º, 2.ª parte, e 197.º, n.º 1 e 2, do CPC, pois: por um lado, a própria parte, a partir de 17.02.2017, passou a identificar-se como “Banco B…, S.A.” e não reagiu às notificações que lhe foram endereçadas, a partir de 10.03.2017, com essa mesma denominação social (assim renunciando, tacitamente, à arguição da nulidade); por outro lado tendo Banco B…, S.A. sido convocado, mediante notificação de 27.04.2018, para prestação de depoimento de parte na audiência final, deveria ter arguido as nulidades processuais que entendesse verificadas até 15.05.2018 (cf. artigos 199.º, n.º 1, 149.º, n.º 1, 138.º, n.º 2, e 139.º, n.º 5, do CPC) - o que não ocorreu”.
XI. Sucede que Banco B…, S.A. e D… são duas Instituições Bancárias distintas, duas pessoas colectivas completamente independentes e que se mantêm autónomas e, não obstante o teor do requerimento apresentado por Ilustre Causídica em 17.02.2017 (ao qual foi atribuída a ref.ª 13963774), Mandatária, nos autos, do D…, o certo é o que o ora Apelante não tinha junto aos presentes autos qualquer procuração forense
XII. Ou seja, nunca a Ilustre Advogada dispôs ou, melhor, fez chegar aos presentes autos instrumento outorgado pelo Recorrente Banco B…, S.A. a conceder-lhe poderes forenses.
XIII. Pelo que se mostra errada a premissa da sentença quando refere que “(...) desde aquele requerimento de 17.02.2017, a il. Mandatária da autora-reconvinda “D…, S.A.” passou a identificar a sua constituinte como “Banco B…, S.A.” (cf. requerimento de fls. 129-130)”.
XIV. Ou seja, reitere-se que, nunca, até ter recebido a notificação para prestar depoimento de parte, tinha o Banco B…, S.A. tido qualquer intervenção, nomeadamente intitulando-se como Autor e Reconvindo, quer por si, quer por intervenção de Mandatário constituído nos autos, não tendo pois renunciado, tacitamente, à arguição da nulidade.
XV. Por outro lado, relativamente à mencionada intempestividade da arguição de nulidade, sempre se refira que, ainda que notificação judicial para depoimento de parte tenha a data de 27.04.2018, a mesma apenas foi registada a 30.04.2018, pelo que, estando a mesma notificada desde 02.05.2018, sempre poderia ter, tempestivamente, arguido nulidade até ao dia 17 de Maio de 2018, como o fez!
XVI. Por esse motivo, o Banco B…, S.A. reitera o seu pedido no sentido de ser sanada a nulidade arguida, dando-se sem efeito a alteração do nome do Autor e Réu Reconvindo para D…, prosseguindo os autos a impulso do mesmo enquanto não ocorrer nenhuma habilitação por sentença transitada em julgado.
- DA ARGUIÇÃO DE NULIDADE
XVII. Sem prescindir, caso se entenda (o que não se concede) não se estar perante qualquer nulidade processual, mas sim uma questão quer se prende com a substituição processual da Autora-reconvinda inicial por Banco B…, S.A., por força da mencionada deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 20.12.2015., sempre se refira que o Recorrente BANCO B…, S.A. não se conforma com o teor de tal despacho quer por discordar da forma como foi deferida e ordenada a sua intervenção nos presentes autos, quer por discordar da interpretação segundo a qual a responsabilidade imputada, na acção, ao D… – Banco D…, S.A. se transferiu para si através das deliberações do Banco de Portugal pelo menos abstractamente.
VEJA-SE:
- DA VIOLAÇÃO DE PRINCIPIOS JURIDICOS FUNDAMENTAIS
XVIII. Ora, é verdade que, através das Deliberações do Banco de Portugal de 19 e 20 de Dezembro de 2015, que submeteu o D… – Banco D…, S.A. à medida de resolução prevista na alínea a) do n.º 1 artigo 145.º E do “RGICSF”, o BANCO B…, S.A. adquiriu uma parte determinada e determinável de activos e passivos dessa instituição bancária.
XIX. No entanto, não poderá existir qualquer confusão entre as duas instituições bancárias - BANCO B…, S.A. e o D… – BANCO D…, S.A. - os quais são pessoas colectivas total e verdadeiramente autónomas, não podendo também aquela primeiro ser considerado sucessor universal deste último.
XX. Mas, não obstante essa total autonomia entre as duas pessoas colectivas em causa, o ora Recorrente BANCO B…, S.A. foi chamado à presente acção através de simples notificação, na qual, apenas e tão só, é declarado (...) parte na acção, enquanto autora e reconvinda, em substituição de D… - Banco D…, S.A.”.
XXI. Ou seja, in casu, o ora Recorrente foi confrontado com uma situação já consumada nos autos sem que, previamente, lhe tenha sido conferida qualquer possibilidade de se pronunciar relativamente à sua legitimidade para intervir, nos autos, como parte.
XXII. Tanto mais que, in casu, sempre será de indagar da legitimidade do Banco B…, S.A. para intervir, quer do lado activo, quer do lado passivo, já que o D… tem, nestes autos, uma dupla qualidade: por um lado é Autor (reclamando um crédito, ou seja, um activo); por outro lado, é Réu Reconvindo (sendo-lhe imputada uma divida, ou seja, um passivo).
XXIII. No que diz respeito ao montante peticionado pelo D… nos presentes autos, ou seja, o montante de €255.832,90, depositado à ordem da massa insolvente nos presentes autos, este activo transitou para o Banco B… aquando da aplicação da Medida de Resolução, em 20.12.2015, mas, em 17 de Julho de 2017, esse crédito foi cedido pelo Banco B…, S.A. à E…, conforme requerimento de habilitação de cessionário que segundo que está a aguardar apreciação.
XXIV. Assim, o Banco B…, S.A. já não é credor do montante peticionado nos presentes autos, e, como tal carece de legitimidade para intervir em juízo como parte activa ou apenas a manterá até decisão (que se crê de procedência) no apenso de habilitação.
XXV. Por seu turno, no caso do pedido reconvencional formulado dos autos, é claríssimo que a alegada responsabilidade civil do D…, a existir, não foi transmitida para o Banco B….
XXVI. Desde logo porque essa responsabilidade civil não se trata de um passivo incluído na categoria de elementos transmitidos ao Banco B…, nos termos do n.º 1 do Anexo 3 (activos e passivos registados na contabilidade do D…), cfr. infra se desenvolverá.
XXVII. Foi, dessa forma, o Recorrente confrontado com uma decisão tomada, salvo o devido respeito por diverso entendimento, completamente à revelia de princípios processuais e constitucionais, tais como o contraditório, a igualdade, a proporcionalidade, o direito a um processo equitativo e ainda a proibição da indefesa, previstos nos n.º 1 e 3 do artigo 3.º do C.P.C. e artigo 2.º e n.º 4 do art. 20.º da C.R.P.
XXVIII. Por outro lado, e salvo o devido respeito, não é só o princípio do contraditório que foi ferido com a decisão em riste e pelos mesmos motivos, mas também o princípio da igualdade, previsto nos termos do artigo 13.º, da CRP, e 4.º, do CPC.
XXIX. Nessa senda, por se mostrar violadora dos princípios e normas jurídicas constantes dos n.º 1 e 3 do artigo 3.º do C.P.C. e artigo 2.º e n.º 4 do art. 20.º da C.R.P., entende o ora Recorrente que deverá ser revogado o despacho recorrido e substituído por um outro que ordene a notificação do ora Recorrente para se pronunciar relativamente à pretensão aduzida no sentido de ser ordenada a sua substituição pelo BANCO B…, S.A. nos termos do n.º 2 do artigo 269.º do C.P.C.
- DA (IN) ADEQUAÇÃO DO MECANISMO DA SUBSTITUIÇÃO
XXX. Ainda que assim não se entenda, caso não venha a ser revogado o despacho recorrido com os fundamentos supra expendidos, crê ainda o Apelante que a decisão não deverá manter-se, porquanto o mecanismo adoptado pelo Tribunal a quo – simples substituição processual – não se mostra, in casu, adequada.
XXXI. Conforme resulta do despacho recorrido, a substituição operada fundamentou-se, com as devidas adaptações, no preceituado no artigo 269 n.º 2 do CPC., a qual, segundo a sentença “... não carece de ser promovida através de incidente de habilitação de cessionário ou outro, pois ocorre por efeito directo da citada deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, à semelhança do que sucede na substituição processual de uma pessoa colectiva por outra, com base em fusão ou transformação (cf. artigo 269.º, n.º 2, do CPC).”.
XXXII. Ora, é evidente, que a compra, pelo BANCO B…, S.A., de uma parte determinada e determinável de activos e passivos do D… – Banco D…, S.A., no âmbito da medida de resolução prevista na alínea a) do n.º 1 artigo 145.º E do “RGICSF”, não se reconduz a um caso de fusão ou transformação do Réu.
XXXIII. Ou seja, o BANCO B…, S.A. é uma pessoa colectiva totalmente autónoma do R. D… e que apenas adquiriu parte dos seus activos e passivos, pelo que nunca poderia ser ordenada a substituição processual, nos termos do n.º 2 do art. 269.º do C.P.C., antes, podendo e devendo, ser suscitada a habilitação de adquirente nos termos do art. 356.º do C.P.C., sendo o Recorrente notificado para, querendo, contestar os termos do incidente de habilitação.
XXXIV. Ainda se refira que, ao contrário do que sucedeu no caso do F… – em que foi criado um banco de transição para receber a maior parte do património do F… – no caso do D… não existe sequer um único sucessor, porquanto parte dos activos e passivos foi transferida para o Banco B…, parte foi transferida para a G… e parte permaneceu no D….
XXXV. No caso do D…, a medida de resolução foi adoptada nos termos do disposto no artigo 145.º-M do RGICSF (alienação parcial ou total da actividade), tendo-se optado pela transferência parcial e ademais para duas entidades (G… e Banco B…).
XXXVI. Assim, ao passo que no caso F…/H… ainda é medianamente defensável que a medida de resolução tem efeitos semelhantes a uma transformação ou fusão, no caso do D… isso seguramente não sucede, porquanto o património do D… foi dividido em três e distribuído por três entidades distintas (D…, B… e G…).
XXXVII. Nessa senda, por se mostrar inadequada a aplicação do mecanismo de substituição processual, deverá ser revogado o despacho recorrido e substituído por um outro que ordene a notificação das partes primitivas para, querendo, deduzirem incidente de habilitação de adquirente, nos termos do artigo 356.º do C.P.C.
- DA (NÃO) TRANSFERÊNCIA DA CONCRETA RESPONSABILIDADE IMPUTADA E DA CONCRETA POSIÇÃO PROCESSUAL PASSIVA NA ACÇÃO PARA O RECORRENTE BANCO B…, S.A..
XXXVIII. A responsabilidade em causa nos autos e que a Ré/Reconvinte imputa ao R. D… – Banco D…, S.A., a existir, não se transferiu para o Recorrente e, consequentemente, também não se poderá considerar transmitida ao mesmo a concreta posição processual passiva na acção.
XXXIX. Ora, o BANCO B…, S.A. não é sucessor universal do D… – Banco D…, S.A., tendo antes adquirido uma parte determinada e determinável de activos e passivos dessa Instituição Bancária no seguimento ou, melhor, como decorrência da aplicação da medida de resolução por parte do BANCO DE PORTUGAL.
XL. Importará também, desde já, salientar que a sucessão de eventos que conduziu à aplicação de uma medida de resolução ao D… – Banco D…, S.A. teve lugar durante e no contexto de um cenário de crise económica e financeira.
XLI. De facto, foram as crescentes dificuldades com que o D… – Banco D…, S.A. vinha a ser confrontado que conduziram à adopção, pelo Banco de Portugal, de medidas de resolução da instituição bancária, tal como aliás resulta devidamente evidenciado do teor da Deliberação da Reunião Extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 19 de Dezembro de 2015 (18h00).
XLII. Na verdade, não tendo sido possível concretizar a alienação do D… - BANCO D…, S.A. no quadro de um processo voluntário e sem a concessão de um auxílio estatal, impôs-se proceder à alienação da respectiva actividade no quadro da aplicação ao banco de uma medida de resolução dado que, sem a mesma, o destino imediato da instituição de crédito seria a liquidação.
XLIII. Ora, enquanto a medida de liquidação de uma instituição bancária visa, em primeira linha, a salvaguarda dos interesses dos credores da instituição, a medida de resolução cumpre outras finalidades e implica uma intromissão acrescida do poder público no tecido empresarial privado num contexto económico de crise no intuito de evitar, tanto quanto possível, que os bancos sejam resgatados por capitais públicos, entendendo-se que não se pode “continuar a viver num horizonte referencial em que os lucros são privados e os prejuízos são públicos” – Ana Mafalda Barbosa, “A Relevância da Natureza do Crédito Detido pelo Cliente de uma Instituição Bancária Objeto de uma Medida de Resolução”, in Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, V. 59 (2016), p. 69, Nota 7.
XLIV. De facto, àquela data, o D… – Banco D…, S.A. já não tinha liquidez suficiente para assegurar as operações na segunda-feira, dia 21 de Dezembro, pelo que o Banco de Portugal considerou que o D… – Banco D…, S.A. não poderia reabrir portas na segunda-feira sem que fosse alienado ou fosse tomada uma medida de resolução durante o fim-de-semana.
XLV. Ora, no dia 19 de Dezembro de 2015, não tendo sido possível concretizar o processo de alienação voluntária, tendo em considerações o supra exposto e em face das escassas alternativas disponíveis, o Banco de Portugal optou pela aplicação de uma medida de resolução na modalidade de alienação parcial ou total da actividade do D… – BANCO D…, S.A.
XLVI. Com efeito, pela deliberação do respectivo Conselho de Administração, tomada na reunião extraordinária de 19 de Dezembro de 2015, pelas 18:00 h, relativamente ao ponto da agenda “início ao processo de aplicação de uma medida de resolução ao D… – BANCO D…, S.A.” na modalidade de alienação total ou parcial da respectiva actividade, o BANCO DE PORTUGAL: “Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298(92, de 31 de Dezembro (RGICSF), e em face da necessidade premente das medidas agora tomadas para salvaguardar a continuidade da prestação dos serviços financeiras essenciais assegurados pelo D… – Banco D…, S.A., bem como para preservar a estabilidade do sistema financeiro português, a presente deliberação é considerada urgente nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados” e CONSIDERANDO, entre outros: “(...) 11. Os factos descritos nos números anteriores conduziram o D… a uma situação de incumprimento dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade, com a consequente entrada em liquidação, e demonstra que o D… se encontra «em risco ou em situação de insolvência» («failing or likely to fail»). 2. Nas presentes circunstâncias e em face das alternativas disponíveis, o Banco de Portugal considera que a aplicação de uma medida de resolução é a única solução capaz de proteger os depositantes e de assegurar a continuidade dos serviços financeiros essenciais para a economia prestados pelo D… (...), salvaguardando a estabilidade do sistema financeira com menos custos para o erário público. (...) 15. (...) a alienação parcial ou total da actividade da instituição é a medida mais adequada a esta situação, tendo em consideração a existência de potenciais interessados na aquisição de parte do património do D…, já manifestada no contexto do processo de alienação voluntária. (...) Banco I…, S.A. e Banco B…, S.A.” deliberou
“a) Declarar que o D… – Banco D…, S.A. se encontra «em risco ou em situação de insolvência» («failing or likely to fail»), nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 145.º - E, n.º 2, alínea a) do RGICSF;
b) Iniciar o processo de aplicação da medida de resolução prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 145.º - E do RGICSF ao D… – Banco D…, S.A.;
c) Promover diligências tendentes à alienação da atividade do D… – Banco D…, S.A. , junto do Banco I…, S.A., e do Banco B…, S.A.;
d) Aprovar o conteúdo dos documentos a entregar aos potenciais adquirentes (e também ao Banco B…, S.A.) com a descrição do processo de alienação e com orientações relativas ao conteúdo e à submissão das propostas de aquisição, como anexos à presente deliberação;
e) Dar acesso aos potenciais adquirentes (e também ao Banco B…, S.A.) a informações relevantes sobre a situação financeira e patrimonial do D… – Banco D…, S.A.“
XLVII. Posteriormente, na reunião extraordinária do Conselho de Administração do BANCO DE PORTUGAL, que teve lugar no dia 20 de Dezembro de 2015, pelas 23:30h, foi deliberado “b) Transferir para a J…, S.A. [actual G…, S.A. (“G…”)], os direitos e obrigações correspondentes a activos do D… – Banco D…, S.A., constantes do Anexo 2 à presente declaração (…); d) Alienar ao BANCO B…, S.A., os direitos e obrigações, que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, do D… – Banco D…, S.A., constantes do Anexo 3 à presente deliberação (…)”.
XLVIII. Ou seja, através das referidas deliberações, o património do D… - Banco D…, S.A. foi dividido em três grupos de activos/passivos: O que foi transferido para a G… (Anexo 2); O que foi transferido para o BANCO B…, S.A. (Anexo 3); e O remanescente, que permaneceu no D… Banco D…, S.A..
XLIX. Por conseguinte, o património do D… - BANCO D…, S.A. que não foi vendido ao BANCO B…, S.A. nem foi transferido para a G…, S.A., permaneceu no D… – BANCO D…, S.A., o qual continua a existir e a existir enquanto titular de direitos e obrigações.
L. Verifica-se, assim, que pela medida de resolução aplicada pelo BANCO DE PORTUGAL, apenas foram transmitidos para o BANCO B…, S.A. os activos e passivos que constam do Anexo 3 da declaração do Banco de Portugal, ou seja, para o Recorrente BANCO B…, S.A. apenas foram transferidos os “Activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do D…, registados na contabilidade” (sublinhado e realçado nossos) – cfr. ponto 1 do referido Anexo 3, com a sua redacção actual que foi clarificada pela deliberação tomada em reunião do Conselho de Administração do BANCO DE PORTUGAL de 04 de Janeiro de 2017, a qual visou a “Clarificação, rectificação e conformação dos perímetros de transferência dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do D… – Banco D…, S.A. para a G…, S.A. e para o Banco B…, S.A.”.
LI. Ora, como resulta do Anexo 3 da deliberação do Banco de Portugal de 20.12.2015, os “passivos” que foram transferidos para o BANCO B…, S.A. devem mostrar-se registados na contabilidade do D… – Banco D…, S.A..
LII. Ora, a responsabilidade emergente desta ação não se mostrava registada na contabilidade do D… – Banco D…, S.A., porque este Banco não a considerou como tal.
LIII. Esta referência à necessidade de registo na contabilidade do D… à data de 20.12.2015 resulta do facto de, apesar da Medida de Resolução aplicada ao D… consubstanciar um acto administrativo do Banco de Portugal, enquanto regulador do sistema financeiro português, ter subjacente uma transação inter-partes, objeto de prévia negociação e acordo entre o Banco de Portugal e o Banco B… (veja-se, nomeadamente, a exigência de “consentimento” do Banco B… para a alteração dos activos e passivos transferidos, conforme decorre do n.º 5 do Anexo 3 da Medida de Resolução).
LIV. Ou seja, as entidades envolvidas na medida de resolução valoraram o perímetro de activos e passivos adquiridos/transferidos com base no balanço do D… de forma a que, de acordo com a tutela da confiança, fosse excluída a transmissão de passivos não registados em balanço e/ou desconhecidos, pois os mesmos traduziriam montantes insusceptíveis de prever ou valorar no momento da dita resolução do Banco de Portugal.
LV. Assim, nos termos da medida de resolução, a primeira e fundamental condição para que uma responsabilidade do D… pudesse transitar para o Banco B… (que resulta logo do corpo do n.º 1 do Anexo 3, do qual as várias alíneas seguintes são apenas excepções) é que a mesma estivesse “registada na contabilidade do D…” em 20.12.2015.
LVI. Esta limitação bem se compreende porque de outra forma o adquirente poderia ser surpreendido com passivos contingentes ou ocultos, isto é, passivos que não eram do seu conhecimento, e, nessas circunstâncias, provavelmente ninguém arriscaria comprar o D… – BANCO D…, S.A. e, dessa forma, evitar a sua imediata liquidação e todos os prejuízos à mesma inerentes.
LVII. Sendo certo que, para além dessa cláusula geral, a resolução também deixou absolutamente claro que as responsabilidades emergentes de violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais ou responsabilidades ocultas e contingentes, como é o caso, não transitaram para o adquirente BANCO B…, S.A.
LVIII. Com efeito, resulta da alínea b) do n.º 1 do aludido Anexo 3 à Deliberação do Banco de Portugal, “As responsabilidades do D… perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o adquirente, com excepção dos seguintes (“Passivos Excluídos”): (vii) Quaisquer responsabilidades, contingências ou indemnizações, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais;” (xii) Todas as responsabilidades e garantias não conhecidas, as responsabilidades contingentes e litigiosas, as responsabilidades no âmbito de alienação de entidades ou de actividades e as responsabilidades decorrentes de quaisquer outras actividades, com excepção das que hajam sido constituídas pelo D… no âmbito da sua normal actividade bancária (incluindo as obrigações do D… ao abrigo de depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performance bonds e outras contingências similares) e na medida em que respeitem às áreas de negócio, activos, direitos ou responsabilidades transferidos para o adquirente em resultado da presente deliberação.
LIX. Com efeito, o próprio Banco de Portugal considerou ser de não transferir para o banco adquirente as responsabilidades, contingências ou indemnizações, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais e as responsabilidades não conhecidas e as responsabilidades contingentes e litigiosas.
LX. Sendo que a excepção à excepção contida nesta subalínea (xii) da alínea (b) do parágrafo 1 do Anexo 3 à deliberação de resolução, com a redacção que o Banco de Portugal lhe deu em 04.01.2017 deve ser interpretada no sentido de incluir apenas as responsabilidades constituídas pelo próprio D… - BANCO D…, S.A., no exercício da sua normal actividade bancária e na medida que respeitem a activos, direitos e responsabilidades que, efectivamente, se transmitirem em resultado da medida de resolução, o que não é o caso, como se verifica.
LXI. Na verdade, a responsabilidade do D… – BANCO D…, S.A. nos termos expostos pela Ré/Reconvinte decorre de facto única e exclusivamente imputado a essa entidade a título de responsabilidade civil.
LXII. É que a Ré justifica a existência do seu crédito no facto de, de acordo com a sua versão dos acontecimentos, o D… ter indevidamente retirado montantes constantes da sua conta para pagamento de dívidas da insolvência e, na contabilidade do D… à data da medida da resolução, não estava registada qualquer dívida deste à Ré.
LXIII. Isto porque, se o D… tiver procedido à compensação de créditos alegada pela Ré, o que terá feito, do ponto de vista contabilístico, foi eliminar o valor correspondente aos montantes compensados da rúbrica do passivo onde se encontrava reflectida a conta bancária da Ré, e eliminar idêntico montante da rúbrica do activo na qual se reflectia o valor do crédito que o D… deteria sobre aquela.
LXIV. Por outro lado, a existir algum crédito da Ré sobre o D…, este não sendo registado na contabilidade seria, simultaneamente uma “responsabilidade não conhecida”.
LXV. Decorre das exclusões previstas nas subalíneas (xii) da alínea (b) do ponto 1 do Anexo 3 da Medida de Resolução, que trata dos Passivos Excluídos, ou seja, dos não foram transmitidos para o Banco B…, que “Todas as responsabilidades não conhecidas e as responsabilidades contingentes e litigiosas [...]” (realçado e sublinhado nossos).
LXVI. Em suma, o Banco B… nunca poderia ser condenado no pedido reconvencional, pelos seguintes motivos:- a) Porque o D…, na sequência da medida de resolução, não deixou de existir, não tendo sido incorporado no B…; - b) Porque o Banco B…, na sequência da Medida de Resolução, apenas assumiu a qualidade de adquirente de determinados activos e passivos do D…; - c) Porque apenas foram transmitidos para o Banco B… “[a]tivos, passivos, elementos extrapatrimoniais sob gestão do D…, registados na contabilidade” (n.º 1 do aludido Anexo 3 da Medida de Resolução, já junta como Documento n.º 2); e d)) Porque não foram transmitidas para o Banco B…. “Todas as responsabilidades não conhecidas e as responsabilidades contingentes e litigiosas [...]” (subalínea (xii) da alínea b) do n.º 1 do aludido Anexo 3 da Medida de Resolução, já junta como Documento n.º 2).
LXVII. Ou seja, para além de não estar registado na contabilidade, o alegado crédito seria também, simultaneamente, uma responsabilidade decorrente de violação de disposições ou determinações regulatórias e uma “responsabilidade não conhecida”, bem como uma responsabilidade contingente e litigiosa, decorrendo claramente das exclusões previstas nas subalíneas supra referidas - (vii) e (xii) da alínea (b) do ponto 1 do Anexo 3 da MEDIDA DE RESOLUÇÃO, que trata dos Passivos Excluídos, ou seja, dos que não transitaram para o BANCO B…, S.A.
LXVIII. Todos estes fundamentos são alternativos, pelo que se um passivo for excluído por força de uma subalínea mas não for abrangido por outra, será considerado um passivo excluído, tudo conforme expressamente resulta da alínea b) do n.º 2 do Anexo 3 da declaração do Banco de Portugal.
LXIX. E, ao supra exposto, não obsta sequer a circunstância de se poder alegar que, com a medida de resolução, o D… – Banco D…, S.A. ficou sem activos, já que, decorre do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 145.º-D do RGICSF um princípio basilar que rege a aplicação de medidas de resolução: “nenhum accionista ou credor da instituição de crédito objecto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação”.
LXX. O BANCO B…, S.A. não é, pois, sucessor do D… – Banco D…, S.A. no que diz respeito à responsabilidade em causa nos presentes autos no pedido reconvencional, pelo que o pedido emergente desta ação só pode ser assacada ao D… – Banco D…, S.A. e não ao BANCO B…, S.A., por o “passivo” ou “responsabilidade” emergente em casa não se transferiu de um banco para o outro.
LXXI. A deliberação tomada pelo BANCO DE PORTUGAL que irresponsabiliza o BANCO B…, S.A., seja a que título for, por actos ilícitos ou desconhecidos praticados pelo D… – Banco D…, S.A., antes da aplicação da medida de resolução, desconhecidos e não registados na contabilidade, configura uma causa que determina a ilegitimidade do BANCO D…, S.A..
LXXII. Face a tudo o supra explanado, julga-se inquestionável que a eventual responsabilidade civil do D… pela alegada apropriação indevida de valores em causa autos não é legalmente passível de ser transferida para o Banco B…, S.A., pelo que este nunca será parte legítima na qualidade de Réu/Reconvindo.
LXXIII. Com efeito, as deliberações do Banco de Portugal a que fizemos referência indicam, sem margem para dúvidas, a falta de legitimidade substantiva do Banco B…, S.A. pelo facto de nenhuma responsabilidade lhe poder ser imputada, relacionando-se com o mérito da acção, diferentemente do que sucede com a legitimidade ad causam, pressuposto processual que não se prende com o mérito do pedido.
LXXIV. A ausência de legitimidade substantiva do Banco B… constitui uma excepção peremptória inominada que conduz à absolvição do pedido nos termos do artigo 576º, nº 1 e 3 do CPC., sendo, pois, o Recorrente parte ilegítima, ilegitimidade material/substantiva passiva do Réu, absolvendo, pois, o B… do pedido, tudo conforme o disposto no n.º 3 do artigo 576.º e artigo 579.º, todos do C.P.C.
LXXV. Devendo pois ser revogada a decisão que declarou a substituição processual do D… pelo BANCO B…, S.A. e substituída por uma outra que absolva o Recorrente do pedido.
LXXVI. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., Meritíssimos Desembargadores, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, sendo dado sem efeito o despacho que admitiu o Banco B…, S:A. a intervir na posição do A./Reconvindo Banco B…, S.A.
Termina a apelante requerendo que o despacho recorrido seja revogado e, em consequência, substituído por outro que absolva o Recorrente do pedido.
Foram juntos aos autos contra-alegações quer da recorrida quer de D…, S.A. os quais pugnam pela confirmação da sentença do tribunal de primeira instância.
Assim, a recorrida Massa Insolvente de C…, S.A. peticiona que se confirme a legitimidade processual do B…, S.A., na qualidade de A. e reconvindo.
Cautelarmente, apenas caso assim não se entenda, requer seja o processo remetido à primeira instância para admissão, nos termos dos art.ºs 316.º e ss. do CPCivil, da intervenção principal provocada, como associados da A. e da reconvinda, de: Banco B…, S.A., D…, S.A. e do Fundo de Resolução.
Por sua vez, D…, S.A. veio igualmente responder ao recurso terminando por peticionar:
(i) que se declare a extinção dos embargos de executado, seja a instância de recurso, seja a de 1.ª instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC;
Subsidiariamente,
(ii) se negue provimento ao recurso em apreço, mantendo- se a sentença proferida pelo Tribunal a quo;
(iii) se indefira o pedido de intervenção principal provocada do D…, por total ausência de suporte legal.
O tribunal recorrido veio, entretanto, pronunciar-se, no despacho em que admite o presente recurso, sobre o pedido deduzido pela ré-reconvinte Massa Insolvente quanto à intervenção principal provocada de Banco B…, S.A. ou de D… – Banco D…, S.A., conforme se entenda ser um ou outro que deva agir como A./reconvinda, e do Fundo de Resolução, como seus associados.
O tribunal em causa decidiu não admitir a intervenção principal provocada de D… – Banco D…, S.A. e do Fundo de Resolução, como associados da A.-reconvinda.
II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;
O objecto do recurso é delimitado pelas alegações e decorrentes conclusões, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam.
Deste modo, em causa nos autos temos, seguindo a ordem expressa pelo próprio recorrente por uma facilidade de raciocínio e de compreensão para os litigantes:
I) Da nulidade processual;
II) Da violação de princípios fundamentais;
III) Da substituição processual;
IV) Da apreciação da concreta responsabilidade imputada ao recorrente e da sua concreta posição processual passiva.
III – Fundamentação de facto e direito
I) Invoca o recorrente, nos termos do artigo 195.º do CPC, ex vi artigo 17.º do CIRE, a nulidade processual cometida por acção, consubstanciada na notificação do ora Recorrente para prestar depoimento enquanto parte, ou por omissão, consubstanciada na falta de habilitação do ora Requerente para intervir, sendo que tal irregularidade influiu na decisão da causa dado que o Banco B…, S.A. se viu coarctado no seu direito de discutir a sua legitimidade para os presentes autos.
O que decorre desta alegação será a invocação de que o apelante surge como parte na acção sem que, para tanto, tenha sido formal ou validamente demandado o que, no caso mais gravoso, configuraria uma falta de citação (artigo 188º do CPC).
Entendemos que, em substância, será outra a questão a dirimir conexionada com a operabilidade da substituição processual operada nos autos.
Decidido este dissídio, nuclear nos autos, seria contemplado o presente objecto recursal o qual não contende com a pretendida nulidade processual tanto mais que o recorrente tem vindo a litigar nos autos sem que seja coarctado o contraditório ou o seu interesse processual.
De todo modo, uma vez que o apelante foi convocado, mediante notificação recebida a 2 de Maio deste ano, para prestação de depoimento de parte, interveio na audiência de 15 de Maio de 2018 onde nada disse sobre a pretendida nulidade, a mesma deve considerar-se sanada.
Confirma-se, assim, a argumentação já expendida a esse propósito pelo tribunal “a quo” para a qual, no mais, se remete.
II) Entende ainda o apelante que a substituição processual operada nos autos configura uma situação revel aos princípios processuais e constitucionais, tais como o contraditório, a igualdade, a proporcionalidade, o direito a um processo equitativo e ainda a proibição da indefesa, previstos nos n.º 1 e 3 do artigo 3.º do C.P.C. e artigo 2.º e n.º 4 do art. 20.º da C.R.P.
Pretende-se assim a revogação do despacho recorrido, substituído por outro que ordene a notificação do ora recorrente para se pronunciar relativamente à pretensão aduzida no sentido de ser ordenada a sua substituição pelo Banco B…, S.A. nos termos do n.º 2 do artigo 269.º do C.P.C.
Esta questão tem vindo já a ser tratada pelos nossos tribunais superiores designadamente em arestos desta Relação do Porto. A substituição operada fundamentou-se, com as devidas adaptações, no preceituado no artigo 269 n.º 2 do CPC. Ora, tal solução de cuja bondade cuidaremos na alínea seguinte, não implica qualquer violação do princípio do contraditório, da igualdade, da proporcionalidade ou de um processo equitativo, antes decorrendo dos próprios termos da norma convocada (art. 269º, n.º 2 do CPC) em que a parte, “in casu” o recorrente, assume a posição antes detida pelo (anterior) sujeito processual; por assim ser, não terá que beneficiar “ex novo” dos direitos e faculdades de que esta última já antes exerceu no processo sem prejuízo da ponderação, a ser efectivada em momento processual próprio, daqueles argumentos que só à parte ora presente dizem respeito.
De outro modo, conceder-se-ia ao sucessor, chamado a assumir a posição processual do anterior Banco litigante, um tratamento excepcional, sem acolhimento legal (neste mesmo sentido, entre vários outros, leia-se Ac. da Relação de Guimarães de 5.11.2015, processo nº 1111/14.0TBBCL-A.G1 ou desta Relação de 16 de Novembro de 2015, processo 725/14.3TBLSD-A.P1).
Não se vê como, uma vez assentes os pressupostos substanciais da operada substituição legalmente consagrada, se possa invocar a violação dos princípios enunciados, improcedendo, também neste segmento, a presente apelação.
III) Nos presentes autos foi peticionada pelo D… a restituição do montante de €255.832,90 (duzentos e cinquenta e cinco mil oitocentos e trinta e dois euros e noventa cêntimos) correspondente a 25% do valor global de faturas emitidas no âmbito do “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente Caucionada (Desconto de Faturas)”, celebrado a 6 de abril de 2006 entre o D… e a Insolvente. Em reconvenção – e ao abrigo do artigo 266.º, n.º 2 alínea a) do CPC – a Ré peticionou a devolução do valor de 75% que deverá ser entregue à massa insolvente.
Neste enquadramento, o tribunal apelado entendeu que, analisando o teor da deliberação tomada na reunião extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 20.12.2015, e do seu Anexo 3, referente aos direitos e obrigações que constituem activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do “D…, S.A.” transferidos para Banco B…, S.A., o objecto da presente causa se integra, em abstracto, no conjunto de tais direitos e obrigações.
Argumenta a apelante designadamente que a “responsabilidade emergente desta ação não se mostrava registada na contabilidade do D… – Banco D…, S.A.” aquando da resolução do Banco de Portugal e que, por outro lado, a mesma decorreria de violação de disposições ou determinações regulatórias e uma “responsabilidade não conhecida”, bem como uma responsabilidade contingente e litigiosa.
Ou seja, em concreto, estaria em causa uma situação de exclusão prevista no ponto 1 do Anexo 3, já citado, da medida de resolução.
Tal exclusão seria, de acordo com a apelada Massa Insolvente, revertendo ao caso dos presentes autos, inconstitucional por “violação grave de garantias dos credores dimanadas do principio da proporcionalidade e da protecção da confiança.” Por sua vez, pelo D… é sustentado que essa responsabilidade sempre se manteria, por força não apenas do que resulta da medida de resolução mas, sim, do que impõe a própria lei designadamente do artigo 145-N, nº7 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF).
Procedendo a uma análise em abstracto, não vemos motivos, em linha com a primeira instância, para pôr em causa a substituição processual operada, isto sempre sem prejuízo do mérito do que se discute permanecer em aberto e dever ser dirimido no momento processual próprio, aquando da decisão final.
Como reiterado pela nossa jurisprudência, não só neste caso do D… como no caso do F…, esta substituição processual não carece de ser promovida através de incidente de habilitação de cessionário ou outro, pois ocorre por efeito directo da citada deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal (cf. artigo 269.º, nº2, do CPC).
Mas elucidemos os argumentos substanciais que conduzem à convalidação que iremos fazer da decisão recorrida.
Os mesmos podem desdobrar-se em três factores: um que decorre directamente da posição processual assumida pela apelante, um segundo que tem a ver com a medida de resolução e o modo como a mesma foi espoletada à luz do quadro jurídico-legal aplicável e, finalmente, um terceiro que pondera os considerandos que se relacionam com a própria natureza da actividade bancária na situação que os autos retratam e com a necessidade de uma efectiva protecção dos credores que se pretendeu minimamente assegurar com a medida desencadeada pela entidade reguladora.
Assim, temos que o banco apelante, no requerimento com a ref. 29169157, aceitou expressamente, nos pontos 32.º e 33.º, que: “no que diz respeito ao montante peticionado pelo D… nos presentes autos […] este activo transitou para o Banco B… aquando da aplicação da Medida de Resolução em 20.12.2015.”
Depois, alude a uma cedência do mesmo à E…, o que, diga-se, não lhe retira legitimidade para a causa, como decorre do previsto no artigo 263.º, n.º 1 do CPC: “no caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.”
Ou seja, o apelante aceita, sem rebuço, que o crédito peticionado na ação lhe foi transmitido por força da medida de resolução em Dezembro de 2015, o que implica, desde logo, que também a responsabilidade emergente do contrato de abertura de crédito celebrado entre a empresa ora insolvente e o D… teria que se ter transmitido na sua globalidade (Deliberação do Banco de Portugal ponto d) e seu Anexo III, n.º 1, alínea b)).
Depois, em segundo lugar, no contexto factual descrito, terá que se atender, como se alude nas contra-alegações, ao estatuído pelo RGICSF: a “eventual alienação parcial dos direitos e obrigações não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito objeto de resolução, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos (...)” (artigo 145.º-N, n.º 7). Deste modo, a medida de resolução deve ser lida à luz desta norma e tendo em conta o contrato em apreço nos autos, claramente de natureza creditória, e que corresponde ao âmago da actividade bancária normalmente desenvolvida pela instituição objecto de resolução. Aliás, o que se discute em sede reconvencional emerge de uma mesma causa jurídica: o citado contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada; não se vislumbra por que motivo operar uma cisão entre os activos e os débitos emergentes desse vínculo contratual.
Finalmente, temos que a natureza da medida decretada pelo Banco de Portugal deve sempre ser interpretada de modo a proteger aqueles que, negociando com a instituição alvo de intervenção, encontraram, através do mecanismo desencadeado pelo órgão regulador, uma possibilidade de ver os seus legítimos interesses protegidos. Esse desiderato implica a operacionalidade deste mecanismo de substituição nos moldes encetados pela primeira instância.
IV) Por fim, cumpre dizer que não é este o momento processual para apreciar a questão da legitimidade substantiva de Banco B…, S.A. quanto ao pedido reconvencional, pois trata-se de questão de mérito (não meramente processual), a decidir em sede de sentença.
Donde, não iremos curar de escrutinar desta matéria no presente recurso que se deve ater ao escrutínio da legitimidade processual do apelante e do mecanismo de substituição processual operado nos autos.
Uma nota final: foi peticionada a declaração da extinção dos embargos de executado.
Tal requerimento terá que ser apreciada na instância própria, após devido contraditório, ou seja, em sede de 1.ª instância, assegurando-se a dupla jurisdição e evitando-se conhecer de questões novas agora invocadas e ocorridas após a prolação do despacho recorrido (vide, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.05.2015, processo nº3820/07.1TVI.SB.L2.S1, em dgsi.pt).
Em síntese final, irá confirmar-se a decisão apelada.
*
Resta proceder à sumariação prevista no artigo 663º, nº7 do Código do Processo Civil:
......................................................................
......................................................................
......................................................................
V) Decisão
Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso deduzido e decide-se manter nos seus precisos termos a decisão apelada.
Custas pelo recorrente.
*
Porto, 15 de Janeiro de 2019
José Igreja Matos
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues