Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
872/20.2T8AGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONSTITUIÇÃO OU RECONHECIMENTO DE OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA
Nº do Documento: RP20211028872/20.2T8AGD-A.P1
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A escritura pública donde apenas constam declarações dos outorgantes no sentido de constituírem uma hipoteca para garantia do pagamento de quantias que possam vir a ser devidas por força de um outro contrato celebrado, não é título executivo nos termos do art. 703.º n.º 1 al. b) do CPCivil, porque essa escritura não importa na constituição ou reconhecimento duma obrigação pecuniária e, por assim ser, também não pode ser vir de base à reclamação de créditos (cfr. artigo 788.º nº 2 do CPCivil).
II - O documento que constituiria ou reconheceria a existência da obrigação exequenda seria, no caso, o contrato de contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão de particular de papel comercial, porém, dado ter sido celebrado por documento particular e já depois das alterações ao Código de Processo Civil decorrentes da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013 de 26/6, deixou de ter força de título executivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 872/20.2T8AGD-A.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro-Juízo de Execução de Águeda
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
O ISS–IP Centro Distrital … com demais sinais nos autos por apenso à execução que B… move contra C…, Lda., com sede na …, Arruamento ., Lote ., Albergaria-A-Velha reclamou o seguinte crédito:
- € 271.048,46 referentes a contribuições e quotizações não pagas enquanto entidade empregadora nos meses de maio/19 a agosto/20, a que acrescem os juros de mora vencidos no valor de 9.471,32€ e os vincendos;
- 271,99€ de juros de mora devidos por contribuições pagas fora do prazo legal para o efeito.
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A B… reclamou o seguinte crédito:
I -
- € 14.871,85 a título de capital;
- € 586,39 de juros;
- € 490,44 a título de cláusula penal;
- € 43,09 de imposto de selo, titulado pelo contrato de mútuo com hipoteca junto aos autos como documento 11 do articulado de reclamação de créditos;
II-
- € 949.885,21 de capital;
- € 6.768,75 de Comissão subscrição garantia;
- € 64.486,65 de juros de mora;
- € 233,43 de Juros mora sobre a subscrição da garantia;
- € 9,34 de Imposto Juros mora:
- € 270,75 de imposto de selo, titulados pelo contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão de particular de papel comercial, com um valor conjunto de emissões de papel comercial, no montante máximo de €1.800.000,00, que acompanha o articulado de reclamação de créditos como documento 33 e cujo teor damos aqui por reproduzido para os devidos efeitos.
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D…, Lda reclamou o seguinte crédito:
- 26.434,95 €, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos titulados pelo cheque dado à execução nº 717/19.6T8AGD deste Juízo de Execução.
- 110.487,54€ de capital, acrescidos dos juros de mora vencidos vincendos; 250,00€ de outras quantias e 150,00€ de taxa de justiça titulados pelo requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva, dado à execução nº 717/19.6T8AGD deste Juízo de Execução.
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A credora reclamante D…, Lda. deduziu impugnação quanto ao crédito reclamado pela B…, alegando em síntese que os documentos juntos não fazem prova bastante do crédito de que se arroga.
A B… impugnou o crédito reclamado por D…, Lda, alegando, em suma, que o mesmo não se encontra suficientemente documentado, designadamente com a fatura a ele subjacente.
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Foram notificadas estas credoras para juntarem aos autos o extrato bancário– B… e a factura-D…, Lda, o que fizeram.
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Conclusos os autos foi proferida a seguinte decisão:
Em face do exposto:
1 - Não reconheço o crédito reclamado em II pela B…;
2 - Reconheço os demais créditos reclamados, procedendo à graduação nos seguintes termos:
1º - Crédito exequendo garantido pela garantido pela hipoteca registada sob a AP. 1897 de 2015/02/24, com a limitação prevista no artigo 693/2 do Código Civil, quanto aos juros de mora;
2º - Crédito exequendo reclamado em I) pela B… garantido pela hipoteca registada sob a AP. 1906 de 2015/02/24, com a limitação prevista no artigo 693/2 do Código Civil, quanto aos juros de mora;
3º Crédito reclamado pelo ISS;
4º - Eventual remanescente do crédito exequendo garantido por penhora;
5º - Créditos reclamados por D…, Lda. garantidos pela penhora com a AP. 3086 de 2020/07/15 realizada à ordem do processo de execução 717/19.6T8AGD deste Juízo de Execução.
As custas saem precípuas e são a cargo do reclamado e da credora B…, na proporção do decaimento, fixando-se em 40% para o reclamado e 60% para credora reclamante”.
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Não se conformando com o assim decidido veio a B…, interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se o segundo crédito reclamado pela B… está ou não devidamente titulado.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido:
A- Na execução a que os presentes autos correm por apenso, foi realizada a penhora em 03.06.2020 do prédio urbano sito no "…" afeto a armazéns e atividade industrial, inscrito na matriz predial com o artigo 3977 da União de Freguesias … descrito na Conservatória do Registo predial de Albergaria-a-Velha sob o nº6280.
B)- Para garantia do pagamento do crédito exequendo incide uma hipoteca voluntária registada sob a AP. 1897 de 2015/02/24.
C)- A executada encontra-se inscrita no ISS-IP, encontrando-se em dívida:
- € 271.048,46 referentes a contribuições e quotizações não pagas enquanto entidade empregadora nos meses de maio/19 a agosto/20, a que acrescem os juros de mora vencidos no valor de 9.471,32€ e os vincendos;
- 271,99€ de juros de mora devidos por contribuições pagas fora do prazo legal para o efeito.
D)- Para garantia do pagamento do crédito reclamado em I) pela B… foi registada hipoteca voluntária sobre o prédio identificado em A) sob a AP. 1906 de 2015/02/24.
E)- Para garantia do pagamento do crédito reclamado em II) pela B… foi registada hipoteca voluntária sobre o prédio identificado em A) sob a AP. 3863 de 2019/03/29.
F)- Para garantia do pagamento dos créditos reclamados por D…, Lda. foi registada a penhora com a AP. 3086 de 2020/07/15 realizada à ordem do processo de execução 717/19.6T8AGD deste Juízo de Execução.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se o segundo crédito reclamado pela B… está ou não devidamente titulado.
Como se evidencia da decisão recorrida aí se propendeu para o entendimento de que, no que se refere ao crédito reclamado em II) pela B…, a mesma apresenta como título executivo um contrato de contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão de particular de papel comercial, com um valor conjunto de emissões de papel comercial, no montante máximo de € 1.800.000,00, celebrado por documento particular, em 28.03.2019, o qual, não se encontrando autenticado existe insuficiência do documento dado à reclamação de créditos como título executivo.
É contra este entendimento que se insurge a recorrente alegando, no essencial, que apresenta como título executivo uma escritura pública de constituição de hipoteca– documento autêntico–e não um contrato celebrado por documento particular, não autenticado, ou seja, o crédito reclamado tem subjacente o referido contrato, contudo ele faz parte integrante de uma escritura pública, exarada por Notário, por meio da qual foi constituída uma hipoteca, que é garantia real constituída sobre o referido crédito.
Que dizer?
Salvo o devido respeito por diferente opinião, a razão está do lado do tribunal recorrido.
A recorrente com o seu requerimento inicial e no que se refere ao crédito reclamado em II juntou dois documentos:
a)- Um contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão de particular de papel comercial;
b) uma escritura de hipoteca constituída sobre o imóvel com a seguinte descrição: Prédio urbano sito no “…”, freguesia e concelho de Albergaria-a-Velha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha sob o n.º 6280 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 399 da União de freguesia ….
Dito isto, como é evidente, dos termos desta última escritura não consta qualquer declaração que seja sequer equiparável à celebração de um qualquer contrato donde resulta um crédito a favor da recorrente.
Dessa escritura constam apenas as declarações negociais típicas da constituição duma garantia real relativa a um crédito acordado anteriormente, precisamente o relativo ao citado contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão de particular de papel comercial supra referido.
A reclamada não se declarou devedora de qualquer quantia perante a recorrente termos estritos da escritura de constituição da hipoteca, limitou-se, como referido, a constituir uma garantia real para o caso de haver incumprimento das obrigações que poderiam emergir do citado contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão de particular de papel comercial.
Ora, nos termos do artigo 703.º n.º 1 al. b) do CPCivil a execução pode ter por base “documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”.
Acontece que, a mera constituição duma garantia real para o caso de incumprimento de um qualquer contrato não constitui uma declaração de dívida ou o reconhecimento da obrigação de cumprimento.
Como foi decidido, e bem, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7/12/2000[1], ainda que no quadro do Código de Processo Civil anterior: “As escrituras públicas de constituição de hipoteca por terceiro para garantir o pagamento das quantias pelo devedor, só são títulos executivos, nos termos do art. 50.º do Cód. Proc. Civil, se das mesmas ou do outro instrumento constar o montante e a exigibilidade da dívida que garantem.
De outro modo, são apenas meros instrumentos de garantia de uma dívida cuja existência terá de ser comprovada por outro título que revista as características exigidas no art. 46.º al. c) do mesmo Código”.

A escritura pública ajuizada não é instrumento de constituição de qualquer obrigação, ainda que futura, não prova a existência de qualquer obrigação, limita-se a constituir uma hipoteca, que é um direito acessório, que confere ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro.
Nem o documento complementar (citado contrato) recebe da escritura qualquer força probatória, como não se integra nela, ao invés do que, parece fazer crer a recorrente.
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Poderia ainda assim dizer-se que a obrigação pecuniária pode ser encontrada no mencionado contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão de particular de papel comercial.
Todavia, ainda que assim pudesse ser, desde que entrou em vigor a Lei n.º 43/2013 de 26/6, que aprovou o Novo Código de Processo Civil, os documentos particulares, assinados pelos devedores, que importem na constituição de obrigações pecuniárias, deixaram de poder servir de título executivo, ao contrário do que até então resultava do artigo 46.º n.º 1 al. c) do C.P.C. com a redação do Dec. Lei n.º 38/2003 de 8/3.
Atualmente, ressalvados os títulos de crédito, ou outros documentos a que, por disposição legal, se reconheça força executiva [artigos 703.º n.º 1 als. c) e d) do CPCivil], os documentos particulares não podem servir de título executivo, sendo que não pode haver execução sem título a que a lei reconheça força executiva bastante (artigos 10.º n.º 5 e 703.º n.º 1 do mesmo diploma legal).
Ora, o Novo Código de Processo Civil já estava em vigor quando foi celebrado o citado contrato que tem data de 28/03/2019 não podendo este servir, portanto, de título executivo e, por lógica implicância, de base à reclamação (cfr. artigo 788.º, nº 2 do CPCivil).
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Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pela recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente, por não provada a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela recorrente (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 28 de Outubro de 2021.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais (dispensei o visto)
Jorge Seabra (dispensei o visto)
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[1] In www.dgsi.pt