Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
589/17.5T8ESP-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: NULIDADE POR SIMULAÇÃO
REGIME DE ARGUIÇÃO DA NULIDADE
Nº do Documento: RP20210111589/17.5T8ESP-B.P1
Data do Acordão: 01/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade do contrato, por simulação, pode ser arguida por “qualquer interessado” e é, sempre, de conhecimento oficioso do tribunal (v. arts. 240º, 242º e 286º, todos do Código Civil), apenas se salva guardando as situações de proteção de terceiros de boa fé (v. art. 243º, daquele diploma legal), que de mera inoponibilidade dos efeitos da declaração da nulidade da simulação pelo simulador contra o terceiro de boa fé que os não pretenda (uma modalidade de ineficácia relativa) se trata, esta a especialidade do regime.
II - É “interessado” na declaração de nulidade do negócio simulado e, por isso, dotado de legitimidade para a arguir - seja por meio de ação seja por via de exceção, com densificação dos concretos factos que preenchem os respetivos requisitos (nº1, do art. 240º, do CC) -, o titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, possa ser afetada pelo negócio.
III - É terceiro interessado quem não ocupar a posição de simulador (quer originariamente quer por sucessão mortis causa) e que, sem intervenção no conluio simulatório, seja investido na titularidade de direitos transmitidos por negócio inválido, suscetíveis de serem afetados pela declaração de nulidade do negócio simulado.
IV – O ex-cônjuge de simulador, cônjuge à data da celebração do negócio simulado, sendo titular de um direito suscetível de ser afetado pelos efeitos desencadeados pelo negócio simulado (dada a natureza de bem comum do casal), com reflexos patrimoniais (designadamente civis e tributários) e não patrimoniais, em relação a si, é terceiro interessado. A circunstância de a celebração da compra e venda, na pendência do casamento, fazer o direito adquirido integrar o património comum do casal, com todas as consequências e efeitos (daí a intervenção provocada do ex-cônjuge para assegurar a legitimidade processual e a sua citação para contestar), impõe o reconhecimento de legitimidade ao cônjuge de simuladora-compradora para arguir a nulidade da compra e venda simulada, pretendendo não ser afetado pelo negócio simulado, o que justifica, também, o interesse em agir, na invocação da nulidade, no confronto dos simuladores, via exceção na ação de divisão de coisa comum, com uma fase declarativa.
V - Em matéria de legitimidade para a arguição da nulidade, impõe-se o afastamento de orientações restritivas, devendo ser seguida a orientação ampla pretendida pelo legislador, que transparece, desde logo, da imposição de conhecimento oficioso, por razões de interesse público (sendo declaração de efeito jurídico já produzido, a operar ipso iure e não sanável por confirmação, daí invocável a todo o tempo).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 589/17.5T8ESP-B.P1
Processo do Juízo de Competência Genérica de Espinho - Juiz 2

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (elaborado pela relatora - cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrentes: B… e C…
Recorridos: D… e outros

B… e C…, aquela requerida na ação de divisão de coisa comum e este chamado a intervir como parte principal por ser, também, comproprietário do imóvel, vêm interpor recurso da seguinte decisão:
“Refªs 9753590, 9801129 e 9892313
O chamado C…, divorciado, mas comproprietário do prédio objeto da requerida divisão, por o prédio ter sido comprado por escritura pública de 10/12/1985, lavrada a fls. 59 e segtes do Livro de Escrituras Diversas nº 94-B, do então Cartório Notarial de Espinho em que figuraram como compradores E… casada em comunhão de bens adquiridos com F…; de G… que também usava G1…; de H… casada em comunhão geral de bens com I…; de B… casada em comunhão de bens adquiridos com C…; de J… e de D…, em que outorgou a referida escritura K…, na qualidade pai e procurador dos referidos compradores, veio apresentar contestação à requerida divisão de coisa comum, pedindo que a contestação seja julgada procedente e provada e ser declarada nula por vícios de vontade a escritura pública que serve de título à ação especial de divisão de coisa comum, devendo a ação ser extinta por falta de título válido.
Para tanto, alegou que este processo especial de divisão de coisa comum baseia-se na escritura pública constante do Livro 94-B a folhas 59 e seguintes do extinto Cartório Notarial de Espinho, outorgada em 10 de Dezembro de 1985 e junta com a petição inicial; que nessa escritura pública foi declarado ao Notário pelo segundo outorgante K… que atuava como procurador de E… casada em comunhão de bens adquiridos com F…; de G… que também usava G1…; de H… casada em comunhão geral de bens com I…; de B… casada em comunhão de bens adquiridos com C…; de J… e de D….
Mais alegou que os primeiros outorgantes dessa escritura, L…, também conhecido por L1… e mulher M… declararam à Notária que vendiam à terceira outorgante N… o direito de habitação no prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº 2075º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o nº 2 055, do livro B-7 da freguesia de Espinho, que é o mesmo prédio desta ação de divisão de coisa comum, pelo preço de um milhão e seiscentos mil escudos e que vendiam aos mandantes do segundo outorgante a raiz ou nua propriedade do mesmo imóvel, pelo preço de dois milhões e cem mil escudos.
Que o procurador K… a essa data era casado em comunhão geral de bens com O…, e o casal tinha seis filhos, os quais figuraram no texto da escritura como mandantes do pai.
Que a terceira outorgante na referida escritura, N…, vivia maritalmente com o procurador K… na Rua .. nº …, da cidade de Espinho.
Que, por sua vez a esposa do K… vivia em …, concelho de Santa Maria da Feira, separada de facto do marido K….
Mais invocou o contestante que o procurador K… pretendia conceder à sua parceira, com quem vivia amantizado, casa enquanto fosse viva e que, para manter bom relacionamento com os filhos e para ter a certeza de que nem eles, nem a sua esposa iriam retirar tal direito de habitação à amante, mesmo que ele falecesse antes de todos, utilizou dinheiro do casal para pagar o preço do imóvel e apresentou-se à Notária como procurador dos filhos, os quais compravam a raiz do imóvel e a sua parceira comprava o direito de habitação no mesmo imóvel.
Que nem os representados, nem a referida N… pagaram qualquer preço, porquanto o valor pago aos primeiros outorgantes foi do casal do próprio K….
Que nenhum dos adquirentes do imóvel ou de direito sobre o imóvel pagou qualquer preço, porquanto o valor do imóvel pago aos vendedores foi pago pelo procurador, pai e sogro dos mandantes com dinheiro do seu património comum, como aliás já consta da Ata de conferência de interessados de 30 de Outubro de 2019 onde se diz “ não é suficiente a requerida B… vir dizer aos autos que o prédio foi adquirido com dinheiro exclusivo do pai da mesma, nem mesmo com a confirmação dos demais comproprietários presentes que assim foi.”.
Acrescentou o contestante que escriturar a aquisição do imóvel como compra e venda pelos filhos e pela sua amante, escondia à esposa do procurador a retirada do dinheiro do casal, visava garantir que a sua amante não seria desalojada e os seus filhos ficavam aplacados na sua eventual revolta por o pai utilizar dinheiro da família indo beneficiar terceira pessoa, por serem beneficiários da raiz do imóvel.
Que a escritura não correspondia à verdade, mas servia os interesses que o procurador pretendia atingir, conferindo maior segurança aos beneficiários, especialmente à sua amante, em prejuízo da esposa do procurador.
Que o preço constitui um elemento essencial do contrato de compra e venda, mas que nenhum dos interessados no processo de divisão de coisa comum pagou o preço ou parte do preço do imóvel que se acha em divisão.
Que o direito sobre o imóvel em divisão que se transmitiu aos interessados adveio-lhes a título gratuito.
Que a finalidade da referida escritura pública não foi a de formalizar uma compra e venda, antes foi utilizada essa forma de escritura pública de compra e venda para se atingirem outros objetivos, sendo que o objetivo foi o de afastar o cônjuge O… de qualquer interesse no imóvel, servir-se dos bens do casal para pagar o preço do imóvel, conceder à “amante” N… o direito de ter casa de habitação gratuita até à morte e doar a raiz do imóvel aos filhos, para garantir que por morte da N… ou do próprio procurador nenhum sucessor interferisse nas circunstâncias em que se achasse o imóvel.
Que nenhum dos filhos ou algum dos cônjuges dos filhos do K… despendeu qualquer valor na aquisição do imóvel, nem mesmo de pagamento de emolumentos ou de quaisquer impostos inerentes à transmissão.
Que a transmissão do imóvel foi feita por escritura pública de compra e venda que encobriu a doação que o já falecido K… quis fazer e efetuou à sua amante e aos seus filhos.
Que, por o contestante não ter pago qualquer preço, nem algum dos interessados no processo de divisão de coisa comum ter pago qualquer preço ou valor, não assiste ao contestante a legitimidade que lhe foi atribuída neste processo, porquanto o valor da aquisição não entrou na comunhão de bens adquiridos do desfeito casal do contestante, nem se encaixa de modo algum no disposto no artigo 1724º do Código Civil, nem ao contestante adveio qualquer direito verdadeiro sobre o referido imóvel.
Que todos os interessados no processo de divisão de coisa comum têm perfeito conhecimento de que a escritura pública de compra e venda constituiu uma forma inteligente do pai dos mandantes retirar ao seu casal o valor do imóvel e transmitir gratuitamente esse valor aos filhos e à amante, iludindo o Notário.
Concluiu o contestante que quer ele, quer o seu ex-cônjuge tinham perfeito conhecimento de que a quota parte do direito adquirido no imóvel foi adquirido sem qualquer esforço do casal, tal direito por ser bem próprio da ex-cônjuge do contestante não entrou na separação de bens subsequente ao divórcio do contestante, e que quer K…, quer a referida N… já faleceram, como já consta do processo.
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Foram notificados todos os interessados na divisão da contestação apresentada, vindo E…, F… e D…, a dizer que na escritura pública, datada de 10 de dezembro de 1985, de compra e venda do imóvel objeto dos presentes autos figuram como primeiros outorgantes L… e esposa M…, como segundo outorgante K…, na qualidade de procurador dos seus seis filhos e como terceira outorgante N….
Que, nessa data, o segundo outorgante K… era casado em comunhão geral de bens com O… e que esta aquisição foi levada a cabo com dinheiro do referido casal, muito embora o imóvel se destinasse à residência de K… e da sua amante N….
Acrescentaram E…, F… e D… que é fulcral salientar que O… tinha perfeito conhecimento desta relação extraconjugal do marido, embora não falasse com a amante, bem como que a atual viúva teve efetivo e real conhecimento da aquisição ora em causa, tendo prestado o seu consentimento para que o pagamento do respetivo preço fosse realizado com o dinheiro comum do casal, na condição de a propriedade do imóvel ficar para os seis filhos de ambos.
Mais disseram que também os filhos do casal, inclusivamente a Requerida B… e o ora interveniente principal, tiveram conhecimento do negócio e todos concordaram que ele se realizasse nos termos em que foi concretizado, tanto assim que nenhum dos Requeridos contestou a presente ação de divisão de coisa comum, por todos estarem na convicção de que são legítimos proprietários do imóvel em causa nos presentes autos, em regime de compropriedade.
Acrescentaram que corre termos no Cartório Notarial da Dr.ª P… um processo de inventário, para partilha por óbito de K… (não obstante ter sido recentemente requerida a remessa do processo para o tribunal) e, na relação de bens a partilhar junta ao referido processo, não foi relacionado o imóvel objeto da divisão nos presentes autos, precisamente pelo facto de todos os descendentes do de cujus estarem conscientes de que este não integra a herança, mas sim que é todos os filhos, em regime de compropriedade.
Mais disseram que, para a existência de simulação, exige a lei divergência entre a vontade real e a vontade declarada, o intuito de enganar ou iludir terceiros («animus decipiendi»), e acordo simulatório («pactum simulationis»), nos termos do art. 240.º, n.º 1, do Código Civil, mas que não entendem que in casu estejam verificados os pressupostos para existência de um negócio simulado, uma vez que a transmissão do imóvel foi feita com o conhecimento e prévio consentimento da viúva O… e dos respetivos filhos, e não houve qualquer intenção de enganar ou prejudicar terceiros, pelo contrário.
Que não existiu qualquer vício entre a vontade real e a vontade declarada por parte do comprador K…, na medida em que este exprimiu exatamente a sua vontade, em consonância do acordado com a sua esposa e com os seus filhos, atuando como procurador destes últimos, não existindo qualquer negócio simulado, mas, mesmo que assim não se entendesse, antes se entendesse que estamos perante um negócio simulado (o que não se concebe), esta seria uma situação de simulação relativa, nos termos do artigo 241.º do Código, pois que, no fundo, dado que o pagamento do preço foi unicamente feito com dinheiro do casal K… e O…, o segundo outorgante quis efetuar uma compra para os seus filhos e conceder um direito de habitação à sua amante, tendo sido observada a forma exigida por lei para o respetivo negócio, nos termos do artigo 875.º, do Código Civil.
Concluíram E…, F… e D… que deve a contestação apresentada pelo interveniente principal ser julgada improcedente por não provada e, consequentemente, prosseguirem os presentes autos sem mais demoras e expedientes dilatórios.
Apreciando:
Desde logo, o contestante que invocou a existência de simulação da compra e venda do prédio objeto da divisão, não teve intervenção no negócio alegadamente simulado, até porque nem sequer foi representado no negócio por k….
Por outro lado, o contestante não é herdeiro legitimo ou legitimário de k…, pai e procurador dos interessados na divisão, como não é herdeiro legitimário de O…, quando esta falecer.
Portanto, não tem legitimidade para invocar a simulação do negócio em causa. Acresce que o contestante também não tem interesse em agir ao invocar a simulação, pois que a alegada simulação não o prejudicou direta ou indiretamente, antes o favoreceu, caso a mesma tenha ocorrido.
Ora, dispõe o artigo 242º do Código Civil que:
“1-Sem prejuízo do disposto no artigo 286.º, a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta.
2-A nulidade pode também ser invocada pelos herdeiros legitimários que pretendam agir em vida do autor da sucessão contra os negócios por ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar.”.
Por seu lado, estabelece o artigo 286º do Código Civil que “A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.”, sendo que não pode deixar de entender-se que a lei se está a referir ao “titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afetada pelo negócio” – Antunes e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, página 263 e, no mesmo sentido, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, 2.ª reimpressão, Coimbra Editora, pág. 620 – ou seja o sujeito de qualquer relação jurídica que, de algum modo, possa ser afetado pelos efeitos que o negócio tendia a produzir.
Então, perguntar-se-á se o contestante é titular de alguma relação jurídica influenciada pelo eventual negócio simulado ou se foi ou é afetado pelos efeitos do negócio alegadamente simulado.
A resposta só pode ser negativa, pois que a eventual procedência da simulação só o prejudicaria, não o favoreceria.
Assim, não tem o contestante C… qualquer interesse em agir.
Aqui chegados, face ao exposto, necessário é concluir que C… tem legitimidade para invocar a simulação da compra e venda do prédio objeto de divisão – artigo 30º nº 1, 2ª parte, do CPC e artigos 242º e 296º, ambos do Código Civil.
Posto isto, face à falta de legitimidade [que não pode ser suprida por convite ao chamamento] e interesse em agir do contestante para invocar a exceção de simulação do negócio de compra e venda do prédio objeto de divisão, bem como o facto de a contestação em toda a sua extensão se debruçar sobre a alegada simulação, não há que apreciar tal exceção, esvaziando-se o conteúdo da contestação.
Custas a cargo do contestante – artigo 527º do CPC. Notifique.

Refªs 111486178, 10222630, 10232803 e 10239616:
Atenta a posição dos diversos interessados, o que inviabiliza um eventual acordo, prossigam os autos.

Refªs 10239616 e 10488108:
Ainda que as próprias partes possam apresentar requerimentos nos autos, desde que não se levantem questões de direito, o certo é que o requerimento em causa, para além de tratar de contactos com o ilustre advogado da parte contrária quando a requerente tem mandatário constituído, não só é deselegante como também é inócuo aos autos.
Quanto às alegadas irregularidades dos requerimentos apresentados pelo ilustre advogado Dr. Q…, tais questões deverão ser colocadas pelo seu ilustre mandatário Dr. S…, se entender haver lugar.
Posto isto, não sendo de admitir tal requerimento, por para além de inócuo ao andamento dos autos, é impertinente e não é legalmente admissível, determino o desentranhamento do mesmo.
Acresce que com tal requerimento a interessada B… deu lugar a atividade do Tribunal.
Assim, vai a mesma condenada em custas do incidente, fixando-se as mesmas em 2 UC – artigo 534º nºs 1 e 2 do CPC e artigo 7º nº 4, do RCP.
Notifique”.
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Pretendem os Apelantes a revogação da referida decisão, por erro de julgamento quanto à legitimidade do apelante e dada a omissão de pronúncia quanto à nulidade, por simulação, com vista à sua substituição por outra que declare nula, por simulação relativa, a comprado imóvel subiudice, e, consequentemente, se declare o erro na forma do processo, por o processo próprio ser o de inventário, formulando, para tanto, as seguintes
CONCLUSÕES:
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O Requerido D… apresentou contra alegações, pugnando por que seja mantida a decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
- Da legitimidade para arguir a nulidade do negócio em que se funda a ação especial de divisão de coisa comum, por simulação, esta, sempre a conhecer ex oficio, e do interesse na sua invocação.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Decidiu o Tribunal a quo não ser de apreciar a defesa apresentada na contestação – a exceção da nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda do prédio objeto de divisão - por o contestante, ora apelante, interveniente C…, não ter legitimidade, faltando-lhe, também, interesse em agir, para a invocar, face ao que dispõem os artigos 30º nº 1, 2ª parte, do CPC e artigos 242º e 286º, ambos do Código Civil.
Insurgem-se os apelantes contra a decisão por se verificar legitimidade e interesse na apreciação da nulidade do negócio, da Apelante na qualidade de simuladora e do Apelante na de cônjuge daquela à data da celebração do negócio simulado e atenta a natureza do direito, comum do casal, tendo este, na contestação que apresentou, por não pretender ser afetado pelo negócio em causa a qualquer nível, visando a reposição da verdade, suscitado a nulidade e, uma vez que a arguiu, não podia o juiz deixar de a apreciar, mesmo oficiosamente, poder-dever não cumprido, havendo, quanto à questão da nulidade, omissão de pronúncia, que sempre culminaria na nulidade da decisão, nos termos do disposto no artigo 615º, d) do Código de Processo Civil, a declarar, devendo a condenação em custas ser revogada.
Cumpre, pois, começar por analisar o meio processual empregue pela Requerente – ação de divisão de coisa comum, para, de seguida, se apreciar da legitimidade para a arguição da simulação do negócio em que se funda a ação e do interesse na invocação da nulidade.

- Do meio processual – a ação de divisão de coisa comum

A ação em que nos movemos é uma ação especial de divisão de coisa comum, regulada nos arts. 925º a 930º, do Código de Processo Civil, abreviadamente CPC, diploma a que pertencem todos os artigos citados sem outra referência, destina-se a, adjetivamente, possibilitar aos consortes o exercício do seu direito potestativo de porem termo à comunhão, atribuído pelo art. 1412º, do Código Civil, abreviadamente CC.
Não favorecendo a lei a manutenção, prolongada indefinidamente, de situações de compropriedade, pelo potencial conflito que geram, com o consequente ineficaz aproveitamento das utilidades das coisas, inclui-se entre os direitos do comproprietário o de pôr fim à comunhão, exigindo a divisão da coisa, mesmo no caso de coisas indivisíveis, nos termos do art. 209º, sendo que se a coisa não for divisível em espécie, será dividido o respetivo valor[1].
Prevê o artigo 1413º que se a divisão de coisa comum não for feita amigavelmente o pode ser nos termos da lei de processo (cfr. nº1), sendo que, quando for judicial, é feita mediante o processo especial previsto nos artigos 925º e ss., com intervenção de todos os comproprietários, para que a ação atinja o seu efeito útil normal, tendo o processo dois desfechos possíveis: a divisão em substância da coisa comum ou a adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor. Para que seja possível a divisão em substância, a coisa deve ser divisível (v. art. 209º do CC). Tratando-se de imóveis, a divisibilidade terá de ser apreciada também à luz da legislação urbana aplicável (nomeadamente, das regras relativas aos loteamentos), bem como, se a coisa a dividir for um edifício, do regime da propriedade horizontal (v. art. 1417, do CC)[2].
Estatui o art. 925º, que “todo aquele que pretenda pôr termo à divisão da coisa comum requer, no confronto dos demais consortes que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com a repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas”.
Assim, a ação de divisão de coisa comum tem como pressuposto a existência de uma coisa comum e como objetivo proceder à divisão em substância dessa coisa ou, quando se apure ser esta indivisível, à respetiva adjudicação a um dos consortes ou venda a terceiros, com repartição do valor. A ação especial de divisão de coisa comum, que tem como finalidade a cessação da compropriedade, impondo-se, para tal, que nela intervenham todos os consortes (litisconsórcio necessário legal), o que lhe confere caráter universal.
E, embora a ação especial de divisão de coisa comum se destine a fazer atuar o direito do consorte a exigir a divisão, consagrado no art. 1412º do CC, quando não seja possível pôr termo à compropriedade por via extrajudicial, daí não resulta que a cessação da indivisão opere, necessariamente, pela divisão da coisa em substância. Tal só acontece quando a coisa comum é divisível, podendo, contudo a divisão em substância ser impossível de realizar em virtude da existência de prescrição legal (art. 1376º, n.º 1 do CC) ou pela própria natureza da coisa dividenda (art. 209º do CC). O conceito de divisibilidade, estatuído no art. 209º do CC, é um conceito jurídico e não um conceito naturalístico ou físico. Do ponto de vista jurídico para que se possa concluir pela divisibilidade de uma coisa corpórea necessário se torna que: a)- Não se altere a sua substância; b)- Não haja diminuição do seu valor (detrimento); c)-Não seja prejudicado o uso da coisa. A característica de divisibilidade de uma coisa comum afere-se segundo o critério enunciado no citado art. 209º e em função da quota-parte de cada um dos proprietários[3].
Face a isso, na ação de divisão de coisa comum distinguem-se dois processos especiais distintos:
- Um para o caso de a coisa objeto da ação ser divisível em substância (arts 925º, 926º a 929º);
- Outro para o caso de se tratar de coisa indivisível em substância (arts 925º, 926º e 929º).
E, como decorre dos arts. 925º a 930º, a ação de divisão de coisa comum desenvolve-se, sob o ponto de vista processual, em duas fases distintas:
- uma: a fase declarativa, a que se reportam os arts. 925º a 928º;
- outra: posterior, a fase executiva, regulada no art. 929º.
Na fase declarativa, define-se o direito do autor, cabendo determinar a natureza comum da coisa (a existência da invocada compropriedade), fixar as quotas dos consortes e determinar o caráter divisível ou indivisível, em substancia e jurídica, da coisa dividenda, tendo em consideração as suas características físico-materiais. É na fase declarativa, que terão de ser suscitadas, apreciadas e decididas todas as questões atinentes às exceções a modificar, impedir ou extinguir o direito pressuposto da ação de divisão de coisa comum (direito de compropriedade, existência de uma coisa comum), às concretas características físicas da coisa dividenda, designadamente, respetiva composição, área, limites e confrontações, bem como todas as questões respeitantes à natureza (ou não) comum da coisa, à identidade dos comproprietários e respetivos quinhões e ao caráter divisível ou indivisível dessa coisa. Encerrada esta fase já não é possível discutir as referidas questões, ficando precludido o direito dos réus a suscitá-las, exceto tratando-se de questões do conhecimento oficioso do tribunal e nos casos excecionais previstos no art. 573º do CPC[4]. E discutidas e decididas essas questões, segue-se a fase executiva.
Na fase executiva vai proceder-se ao preenchimento dos quinhões dos consortes em espécie ou equivalente. Tal fase inicia-se com a realização da conferência de interessados regulada no art. 929º. Nela, sendo a coisa divisível, na ausência de acordo entre os interessados presentes sobre a adjudicação em substância da coisa, são os quinhões adjudicados aos interessados por sorteio (n.º 1 do art. 929º); sendo a coisa indivisível e não sendo possível obter o acordo dos interessados na respetiva adjudicação a algum ou algum deles, preenchendo-se em dinheiro as quotas dos restantes, é determinada a venda da coisa, podendo os consortes concorrer a ela (n.º 2 daquele art. 929º), sendo que tal venda, nos termos do nº2, do art. 549º, é a efetuar “pelas formas estabelecidas para o processo de execução e precedida das citações ordenadas no art. 786º…”[5].
A Autora parte do pressuposto de que o imóvel a dividir é indivisivel e os Réus aceitam essa indivisibilidade.
In casu, a Autora, pretendendo exercer o direito a divisão de coisa comum, propõe ação especial de divisão de coisa comum, nos termos do art. 925º, pedindo a divisão do imóvel.
E fê-lo invocando ser comproprietária do mesmo e serem outros comproprietários dele os Réus, sendo que a ora apelante era, à data da celebração do negócio, casada com o, entretanto, chamado para intervir, do lado passivo, a título principal, e ora apelante, sendo o direito adquirido comum do casal que, por isso, citado foi para contestar.
O meio processual para por termo à compropriedade é a ação de divisão de coisa comum. Tendo a requerente expresso a pretensão de pôr termo à indivisão do imóvel comum, confrontando os outros consortes, e tendo seguido os termos da ação de divisão de coisa comum, esta é a forma processual apropriada ao pedido formulado[6].
E sendo que nenhum comproprietário é obrigado a permanecer na indivisão (art. 1412º do Cod. Civil), tem a Autora direito a por termo à indivisão que refere e a exercê-lo na ação de divisão de coisa comum, no confronto dos demais comproprietários.
A legitimidade processual constitui um pressuposto processual, de cuja verificação depende a possibilidade de o juiz conhecer do mérito da ação. A sua falta dá lugar à absolvição da instância.
Como se refere no Acórdão do STJ de 14/10/2004, processo 04B2212, in dgsi.net, relatado pelo saudoso Senhor Juiz Conselheiro Araújo de Barros (sendo os preceitos referidos de anterior redação do CPC) “A legitimidade processual, pressuposto de cuja verificação depende o conhecimento do mérito da causa (art. 288º, nº 1, al. d), do C.Proc.Civil) - que se não confunde com a denominada legitimidade substantiva, requisito da procedência do pedido - afere-se pelo interesse directo do autor em demandar e pelo interesse directo do réu em contradizer (art. 26º, nº 1, do mesmo diploma).
Sendo certo que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (nº 3 do citado art. 26º).
Assim, "ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última".[7].
Na verdade, "a relação controvertida, tal como a apresenta o autor e forma o conteúdo jurídico da pretensão deste é que é - em orientação jurídica - o objecto do processo, em face do qual (e, por isso, quase sempre determinável por simples exame da petição inicial) se aferem a legitimidade e os outros pressupostos que desse objecto dependam". Concluindo, "a parte é legítima quando, admitindo-se que existe a relação material controvertida, ela for efectivamente seu titular".[8].(…) Será, desta forma, apenas pelo exame da petição inicial (sujeitos, pedido e causa de pedir) que há-de decidir-se das excepções dilatórias em causa - ilegitimidade activa e ilegitimidade passiva. (…) Ora, como já acima referimos, a legitimidade constitui um pressuposto processual de cuja verificação depende que o tribunal conheça do mérito da causa, e profira, acerca dos pedidos deduzidos, uma decisão de fundo.
"Não se verificando algum desses requisitos, como a legitimidade das partes (") o juiz terá, em princípio, que abster-se de apreciar a procedência ou improcedência do pedido, por falta de um pressuposto processual para o efeito".[9]”[10].
Também no Acórdão da Relação de Lisboa de 19/2/2015, processo 143148/13.OYIPRT.L1-2, se decidiu constituir “a legitimidade processual, … um pressuposto processual relativo às partes, que se afere, na falta de indicação da lei em contrário, face à relação material controvertida tal como configurada pelo A., e cuja falta, determina a verificação da correspondente exceção dilatória, dando lugar à absolvição do Réu da instância, cfr. artigos 576º, n.º 2 e 577º, alínea e), ambos do Código de Processo Civil”.
Julgou “o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 02-06-2015,[11] que “É a legitimidade processual aferida pela relação das partes com o objecto da acção, consubstanciada na afirmação do interesse daquelas nesta, podendo acontecer situações em que a esses titulares não seja reconhecida a legitimidade processual, ao passo que, quanto a certos sujeitos, que não são titulares do objecto do processo, pode vir a ser reconhecida essa legitimidade.
Assim, a mera afirmação pelo autor de que ele próprio é o titular do objeto do processo não apresenta relevância definitiva para a aferição da sua legitimidade, que, aliás, não depende da titularidade, ativa ou passiva, da relação jurídica em litígio, sendo manifesta a existência de legitimidade processual nas acções que terminam com a improcedência do pedido fundada no reconhecimento de que ao autor falta legitimidade substantiva, pelo que, só em caso de procedência da acção, passa a existir fundamento material para sustentar, «a posteriori», quer a legitimidade processual, quer a legitimidade material, e ainda que, sempre que o Tribunal reconhece a inexistência do objeto da acção ou a sua não titularidade, por qualquer das partes, essa decisão de improcedência consome a apreciação da ilegitimidade da parte, pelo que, de uma forma algo redutora, as partes são consideradas dotadas de legitimidade processual até que se analise e aprecie a sua legitimidade substantiva.”[12].
A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor na petição inicial e é nestes termos que tem que ser apreciada.
Na verdade, a legitimidade, enquanto pressuposto processual, vê o seu conteúdo definido no art. 30º, o qual estabelece, no seu nº 1, que o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, sendo que o interesse direto de que deriva a legitimidade, segundo o nº 2, daquele preceito, consiste em as partes serem os sujeitos da relação jurídica material submetida à apreciação do tribunal.
Com efeito, estabelece este preceito que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha. O Autor é parte legítima se da procedência da ação advier, para si, utilidade. O Réu é parte legítima se da procedência da ação advier, para si, prejuízo.
E o nº 3, de tal preceito, estabelece, como regra supletiva, que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeitos da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como configurada pelo autor.
A legitimidade refere-se à relação jurídica objeto do pleito e determina-se pela averiguação dos fundamentos da ação. A determinação da legitimidade afere-se pelo pedido formulado e pela causa de pedir (objeto do litígio).
Com a ação, visa-se por fim à compropriedade existente sobre o imóvel, tendo a parte, comproprietário, direito a fazê-la cessar, e, portanto, a pedir, no confronto dos demais comproprietários, a divisão, sendo a causa de pedir da ação a compropriedade e o pedido a divisão.
Ora, após a apreciação da questão da legitimidade processual e admitida a intervenção do chamado, foi suscitada na decisão recorrida a da falta de legitimidade e de interesse para a arguição da nulidade do negócio em causa nos autos, objeto de recurso e a conhecer.
*
- Da legitimidade para arguir a nulidade do negócio em que se funda a ação especial de divisão de coisa comum, por simulação, questão a conhecer ex officio, e do interesse em a invocar

Proposta a ação, tem a parte contrária o direito de impugnar a existência da invocada compropriedade e de arguir as exceções que bem entender, designadamente, e sendo caso disso, o de invocar a nulidade do negócio.
Ora, o cônjuge da apelante– esta uma das outorgantes da escritura, embora representada pelo seu pai - é, também, parte interessada na ação, como já se mostra decidido nos autos, pois que, para ser assegurada a legitimidade passiva, tinha de estar no processo (dada a natureza do bem - comum), tendo a ação de correr, também, contra si. Reconhecida se mostra, pois, já, a sua legitimidade processual para a causa, e o interesse em nela intervir, como Réu, para apresentar a sua defesa, na contestação.
E, necessária a intervenção para assegurar a legitimidade processual, passiva, como foi decidido, vejamos se o mesmo é dotado de legitimidade para arguir a nulidade do negócio, por simulação, e se o Tribunal a quo tem de continuar a tramitar a ação, na fase declarativa, e de apreciar tal questão, seja por a mesma ter sido objeto de arguição, por via de exceção, seja por dever de oficio, para poder decidir da verificação ou não do pressuposto - a existência de uma coisa comum - da ação de divisão de coisa comum.
Entendeu o Tribunal a quo que “o contestante que invocou a existência de simulação da compra e venda do prédio objeto da divisão, não teve intervenção no negócio alegadamente simulado, até porque nem sequer foi representado no negócio por K…”, “não é herdeiro legitimo ou legitimário de K…, pai e procurador dos interessados na divisão, como não é herdeiro legitimário de O…o, quando esta falecer” e “Portanto, não tem legitimidade para invocar a simulação do negócio em causa. Acresce que o contestante também não tem interesse em agir ao invocar a simulação, pois que a alegada simulação não o prejudicou direta ou indiretamente, antes o favoreceu, caso a mesma tenha ocorrido”.
Ora, preceitua o artigo 240.º, do Código Civil, abreviadamente CC, diploma a que doravante nos referimos, na falta de outra referência, que:
1 – Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2 – O negócio simulado é nulo”.
Deste modo, exige este artigo, tal como unanimemente entendido pela Doutrina e Jurisprudência, averificação, no caso concreto, de três requisitos para que haja simulação, os quais têm de ser alegados, a densificar a causa de pedir da ação ou a matéria fáctica da exceção, e demonstrados:
a) - a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos contraentes, aquela integrando o negócio dissimulado e esta o negócio simulado;
b) - o acordo ou conluio (pactum simulationis) entre as partes;
c) - a intenção de enganar terceiros (animus decipiendi)[13][14][15].
Assim, a simulação surge como uma divergência intencional e bilateral entre a vontade real e a declaração negocial, assente num acordo entre o declarante e o declaratário e determinada pelo intuito de enganar terceiros[16].
E estatui o art. 242º, que esclarece a legitimidade para arguição da nulidade do negócio simulado que:
1. Sem prejuízo do disposto no artigo 286º, a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta.
2. A nulidade pode também ser invocada pelos herdeiros legitimários que pretendam agir em vida do autor da sucessão contra os negócios por ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar”.
Assim, nos termos da primeira parte do nº1, têm legitimidade para arguir a nulidade decorrente de simulação todos os interessados, nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 286º,ede acordo com o “regime comum da nulidade dos negócios jurídicos, a simulação pode ser conhecida e declarada oficiosamente pelo Tribunal – v. por todos, CARVALHO FERNANDES, 2004:77”[17].
Resulta, deste modo, que a simulação pode ser arguida e a remissão para o artigo 286º torna-a invocável a todo o tempo, por qualquer interessado (simuladores ou terceiros),e pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal [17], sendo que o vício em causa pode ser suscitado tanto por meio de ação como por via de exceção, não se sanando mediante confirmação da declaração.
Consagrando a lei a nulidade do negócio simulado, daí resulta que a nulidade,por simulação, pode ser invocada por qualquer interessado e ser oficiosamente declarada, conforme decorre da regra geral expressa no artigo 286.º,sendo que por “qualquer interessado”, não pode deixar de entender-se que a lei se está a referir ao “titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afetada pelo negócio” – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, pág. 263 e, no mesmo sentido, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, 2.ª reimpressão, Coimbra Editora, pág. 620 – ou seja o sujeito de qualquer relação jurídica que, de algum modo, possa ser afetado pelos efeitos que o negócio tendia a produzir[18].Interessado para este artigo é o sujeito de qualquer relação jurídica que de algum modo possa ser afetado pelos efeitos que o negócio tendia a produzir. Afetado na sua consistência jurídica ou mesmo só na sua consistência prática (R. Alarcão, Confirmação, 1º- 63, nota 68; Rodrigues de Bastos, Relações Jurídicas, 4º, 14º[19].
Terceiro interessado é o sujeito (que não ocupe a posição de simulador) cuja situação jurídica - de que já era titular antes de decesso do de cujus e que manteve após a abertura da herança – pode resultar afetada pela celebração do negócio simulado – neste sentido, v. Ac. do STJ de 03.06.1992, BMJ, nº 418, pp. 732-736. Devem considerar-se abrangidos pelo conceito de terceiros todos os sujeitos que, não ocupando a posição de simuladores (quer originariamente quer por sucessão mortis causa), sejam titulares de um direito suscetível de ser afetado pelos efeitos desencadeados pelo negócio simulado. O critério determinante é a existência de prejuízo para um direito próprio do terceiro, não confundível com o dos simuladores (e não transmitido mortis causa) – v. Acs do STJ de 29/5/2007 (07ª1334), de 04.05.2010 (2964/05.9TBSTS.P1.S1) e de 06.07.2011 (9343/04.3TBVNG.P1.S1) – este último, que reconhece legitimidade a um promitente comprador para a arguição da nulidade da compra e venda simulada, pela circunstância de a celebração da referida compra e venda frustrar a possibilidade de cumprimento do contrato prometido. Seguindo a lição de CARVALHO FERNANDES, 2004:79:”são interessados justamente na medida em que sejam sujeitos de uma relação jurídica afetada pelo ato simulado na sua consistência jurídica ou prática”[20].Por “qualquer interessado” entende-se não apenas a pessoa diretamente afetada mas ainda todo aquele que revele possuir um interesse meramente indireto ou mediato[21].
Assim, é jurisprudência, uniformizada, que até os próprios simuladores podem invocar em juízo, um contra o outro, a simulação, embora fraudulenta[22] e, uniforme, no sentido de ao abrigo do art. 240º nº 1 do Código Civil, como sucessor e terceiro interessado na proteção da sua legítima, mesmo depois da morte dos seus pais, poderá o Autor invocar a simulação do contrato de compra e venda outorgado pelos seus progenitores, ainda que a simulação não tenha ocorrido em prejuízo da respetiva legítima, sendo que, contudo, ficará o mesmo sujeito “às restrições probatórias existentes quanto à arguição ou à prova da simulação pelos próprios simuladores”[23].
Deste modo, sempre podendo ser suscitada pelos simuladores e seus sucessores (alegadamente aquele o caso da apelante, filha do falecido, que a representou na escritura),pode, também, sê-lo pelo apelante, então marido da apelante, que intervenção sequer teve no negócio e que por ele é afetado, dado o direito adquirido integrar o património comum do casal e, por isso, originar responsabilidades, também para si, de diversa ordem (civil, tributária,…). Deve o apelante ser considerado terceiro interessado, dado que, não ocupando a posição de simulador (quer originariamente quer por sucessão mortis causa), é titular de um direito relativamente ao património comum do casal suscetível de ser afetado pelos efeitos desencadeados pelo negócio simulado. É, na verdade, interessado na medida em que é sujeito de uma relação jurídica (patrimonial entre os cônjuges) afetada pelo ato simulado na sua consistência jurídica e prática, nos termos e pelas razões que o apelante bem refere nas suas conclusões, desde logo patrimoniais, designadamente as referentes a responsabilidades de variada ordem a que dá lugar, e também não patrimoniais.
Reconhece-se, pois, legitimidade ao cônjuge de simuladora-compradora para arguir a nulidade da compra e venda simulada, pela circunstância de a celebração da referida compra e venda fazer o direito adquirido integrar o património comum do casal, com todas as consequências e efeitos que daí advêm em relação a si.
E, na verdade, da aquisição de tal direito decorrem situações favoráveis, mas, também, as desfavoráveis bem referidas nas conclusões das alegações e, verificando-se simulação do negócio, nunca seria justo, legítimo e lícito impor-se-lhe o negócio, retirando-se-lhe o direito de defesa e o poder arguir a sua nulidade, com vista a impedir[24] a produção dos respetivos efeitos jurídicos.
Ora, não se verificando situação de inoponibilidade da simulação a terceiros (cfr. art. 243º, a consagrar um regime especial de proteção de terceiro adquirente de boa fé), no caso por ser, até, o próprio terceiro a argui-la, pode a nulidade ser suscitada, a todo o tempo,sendo insanável e de conhecimento oficioso.
Com efeito, nos termos do art. 286º, “A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal”, fundando-se este poder-dever em razões de interesse público, a salvaguardar.
O nº1, do art. 243º, limita-se a estabelecer um regime especial em relação ao regime geral das nulidades, mas apenas nas relações entre terceiros de boa fé e os simuladores, impedindo o simulador de arguir a simulação contra terceiro de boa fé[25], sempre podendo a arguição, contra os simuladores, ser efetuada por terceiro interessado na declaração de nulidade, ao abrigo do regime geral da nulidade (art.s 240º, nº2 e 286º)[26].
É terceiro, para efeito de arguição de nulidade do negócio simulado, quem não interveio no acordo simulatório (nem representa por sucessão quem nele participou), “quem não interveio no negócio simulado e, por isso, não agiu com intenção defraudatória”[27]. “Terceiro é o sujeito que, não sendo parte no negócio simulado e não tendo tido intervenção no conluio simulatório, foi investido na titularidade de direitos transmitidos por negócio inválido, porque celebrado subsequentemente ao negócio simulado, suscetíveis de serem afetados pela declaração de nulidade do negócio simulado”[28].
O referido art. 243º consagra a inoponibilidade dos efeitos da declaração da nulidade da simulação pelo simulador contra o terceiro de boa fé, sendo aquela uma modalidade de ineficácia relativa e consiste na insusceptibilidade de projetar, na esfera jurídica de alguns sujeitos, os efeitos de certo ato jurídico. (…) Numa palavra, o legislador autoriza a paralisação dos efeitos da declaração de nulidade do negócio viciado de forma unilateral, isto é, em relação a certos terceiros.
A simulação não deixa de se considerar inválida e nula, mas os efeitos da declaração de nulidade fundada na simulação (que se produziram com a extensão reconhecida pelo artigo 289º do CC) são paralisados e não afetam as esferas jurídicas do terceiro que esteja de boa fé, isto é, que desconheça a simulação no momento em que foi investido na titularidade do direito transmitido por negócio viciado (cf. nº2).
A norma visa proteger os terceiros de boa fé no confronto com os simuladores que, apesar de serem reconhecidos como sujeitos com legitimidade para arguirem a nulidade da simulação a que deram causa (cf. artigo 242º, nº1), não podem afetar os direitos adquiridos por certos terceiros. Justifica-se tutelar a confiança na regularidade da aquisição por parte dos terceiros de boa fé em deterimento dos simuladores (que atuam necessariamente de má fé, no sentido de serem conhecedores do vício do negócio que celebraram). (…) O artigo 243º constitui, por outro lado, norma especial em relação ao artigo 286º, porquanto exclui, do circulo de pessoas legitimadas para invocar a nulidade, os simuladores sempre que o pretendam fazer relativamente a um terceiro de boa fé – v. HEINRICH HÖRSTER, 2004:16[29] (sublinhado e negrito nosso).
Sendo beneficiados com a nulidade ou manifestando pretenderem prevalecer-se dos efeitos da nulidade do negócio simulado, “claro que os terceiros de boa fé, como interessados, podem propor a ação” nos termos do art. 242º[30], como podem apresentar-se na defesa, que pretenderem apresentar em ação contra si proposta, a argui-la.
E a “noção ampla de boa fé, que a lei perfilha neste caso, explica-se pelo confronto da posição do terceiro com a conduta sempre condenável ou reprovável dos simuladores”[31].
Acresce que é irrelevante para efeitos de arguição da simulação na relação entre os simuladores, como é o caso, a existência de boa ou má fé por parte do terceiro interessado – v. Carvalho Fernandes, 2004: 81-82, não se exigindo o desconhecimento não culposo da existência da simulação pelo terceiro, que nenhuma intervenção, nela, teve[32], para que se possa prevalecer dos efeitos da declaração de nulidade do negócio simulado. Na verdade, assim não podia deixar de ser, pois que até os próprios simuladores, entre si, podem arguir a simulação.
Ora, o que caracteriza a nulidade é a circunstância de operar sem necessidade de ser arguida,ipso iure, sendo invocável a todo o tempo,por qualquer pessoa interessada, referindo-se a invocação a um efeito jurídico já produzido anteriormente.
Está-se, na verdade, perante “nulidade atípica quando a consequência prevista na lei é a nulidade, mas essa mesma lei afasta parte ou a totalidade das regras enunciadas no ponto anterior. Trata-se de um caso de nulidade, mas com aplicação de regime distinto do regime geral. (…) Da circunstância de não poder ser invocada por alguém ou de ter de ser invocada por um interessado em concreto não resulta forçosamente que o tribunal não possa apreciar a situação”[33], não podendo, contudo, conhecer ex-officio da simulação numa ação onde não possa ser invocada pela parte a nulidade por efeito de simulação[34].
No caso, a simulação foi atuada por via de exceção, por quem, por ter a qualidade de comproprietário, foi citado para contestar, e, por isso, admitido a intervir no processo, com reconhecimento da legitimidade processual e do interesse em intervir na causa,tendo de ser conhecida a exceção deduzida, no legítimo exercício do direito de defesa, pelo ora apelante que sequer interveio no negócio e que pretende prevalecer-se dos efeitos da nulidade do negócio simulado, sendo legítima a pretensão de que o direito em causa não integre o seu património, contra a verdade e com prejuízo de terceiros, e de se não ver afetado pelos efeitos de o mesmo nele se ingressar.
Assim, sendo parte legitima na ação e, reconhecidamente, dotado de legítimo interesse em intervir, bem podia impugnar o próprio pressuposto da ação de divisão de coisa comum (compropriedade, decorrente de compra e venda),sendo dotado de legitimidade para arguir a nulidade do negócio por ocorrer, com facto impeditivo, a simulação,vício que suscita via defesa por exceção, sempre podendo ser invocado (se no momento próprio) pelos simuladores e sendo de conhecimento oficioso.
E, como bem se analisa no Ac. RG de 19/6/2019,a exceção dilatória inominada de interesse em agir, que reclama que o direito que se pretende exercer se encontre carecido de tutela judiciária,verifica-se quando a parte “se encontre numa situação justificada, razoável, fundada de lançar mão do processo para nele fazer valer o direito a que se arroga titular e carecido de tutela judiciária”[35].
Ora, no caso, o apelante, alegadamente comproprietário do imóvel objeto da ação de divisão de coisa comum, para não ser afetado na sua esfera jurídica, patrimonial e não patrimonial, pelo negócio que afirma simulado tinha absoluta, justificada, razoável e fundada necessidade de lançar mão do direito que apresentou a exercer, densificando os factos necessários ao conhecimento do vício do negócio. Fê-lo, com vista afastar os efeitos do ato simulado, de transmissão onerosa do direito de compropriedade para o seu cônjuge, que o afetaria a si, originando, desde logo, despesas e responsabilidades,sendo legítimo que as não pretenda suportar e que venha agir para que não ingresse, contra a verdade, no seu património aquilo a que direito não tem, daí o seu interesse na arguição da nulidade do negócio simulado e legitimidade para a suscitar, por via de exceção.
Tem, pois, a ação de prosseguir, para apreciação da defesa do apelante e para conhecimento da questão omitida da nulidade do negócio (não sendo, este o momento, de apreciar,eventual,abuso da invocação), tendo o apelante legitimidade para a invocar e interesse em tal, com vista a afastar os efeitos do negócio simulado em relação a si, a nível patrimonial e não patrimonial,e tendo o tribunal de a apreciar, a solicitação e, mesmo,oficiosamente,o que,por si,justifica e reclama o afastamento de orientações restritivas, em matéria de legitimidade para a arguição da nulidade. Antes deve ser seguida a orientação, ampla, consagrada na lei,no que respeita à legitimidade para a invocação da nulidade, por se tratar, apenas, de uma invocação de um efeito jurídico já produzido anteriormente, operar ipso iure, ou seja, sem necessidade de arguição, e que não é sanável por confirmação, daí ser invocável a todo o tempo.
Destarte, em matéria de legitimidade para a arguição da nulidade, impõe-se o afastamento de orientações restritivas, devendo ser seguida a orientação ampla pretendida pelo legislador, e que se justifica por razões de interesse público, daí ser invocável a todo o tempo e de conhecimento oficioso.
Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, ocorrendo a violação dos normativos invocados pelos apelantes, não podendo a decisão recorrida ser mantida, não podendo este Tribunal conhecer da questão por falta dos necessários elementos (v. nº2, do art. 665º, do CPC) e tendo a ação de prosseguir, para produção de prova sobre os factos controvertidos.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida e determinam o prosseguimento da fase declarativa da ação de divisão de coisa comum, para apreciação da arguida nulidade do negócio, por simulação.
*
Custas pelos apelados, pois que ficaram vencidos – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 11 de janeiro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
_______________
[1] Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, volume II, 2017, Almedina, pág.. 224
[2] Ibidem, pág 225.
[3] Ac. RG de 20/9/2004, proc. 1143/04-1, in dgsi.pt
[4] Ac. RP. de 02/05/2016, Proc. 564/10.0TBPVZ-A.P2, in dgsi.pt.
[5] Cfr Ac RL de 23/2/2017, processo 166/12.7T2MFR-E.L1-2, in dgsi.pt
[6] Ac. RL de 17/6/2015, processo 3 834/13.2TBFUN.L1-2, in dgsi.pt
[7] José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, "Código de Processo Civil Anotado", vol. 1º, Coimbra, 1999, pag. 52
[8] Castro Mendes, "Manual de Processo Civil", Coimbra, 1963, pags. 260, 261, 262
[9] Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, "Manual de Processo Civil", 2ª edição, Coimbra, 1985, pag. 104. Acrescentam, aliás, os autores, em nota, que "a falta do pressuposto processual não impedirá o juiz apenas de proferir sentença sobre o mérito da acção, mas também de entrar na apreciação e discussão da matéria que interesse à decisão de fundo, sustando nomeadamente a produção de prova sobre os fundamentos do pedido".
[10] Acórdão do STJ de 14/10/2004, processo 04B2212, in dgsi.net,
[11] Proc. 505/07.2TVLSB.L1.S1, in dgsi.pt
[12] Acórdão da Relação de Lisboa de 19/2/2015, processo 143148/13.OYIPRT.L1-2, in dgsi.net
[13] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, pág. 227 [14] Cfr. Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil Parte Geral, Universidade Católica., Anotação ao artigo 240º, pág. 553
[15] Cfr. Ac da RL de 22/6/2010, proc. 1236/09.4TVLSB.L1-7 e Acs. do STJ de 9/10/2003, proc. 03B2536 e de 26/11/2009, proc. 336/1999.S1, todos in dgsi.pt.
[16] Ana Filipa Morais Antunes, Idem, pág. 553
[17] Ibidem, pág. 563
[18] Manuel Pita, anotação ao artigo 242º, Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord.), volume I, Almedina, pág 297
[18] Ac. RG de 12/1/2017, proc. 2476/12.4TBBCL.G1, in dgsi.pt
[19] Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Atualizada, Ediforum, pág 217
[20] Ana Filipa Morais Antunes, Idem, pág. 563
[21] Ac. RG de 1/2/2006, Proc. 2420/05.dgsi.net, citado in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Atualizada, Ediforum, pág 217
[22] Ac. STJ de Uniformização de Jurisprudência de 10/5/1950, in dgsi.pt
[23] Ac. da RP de 18/5/2017, proc. 824/06.5TYVNG-S.P1, in dgsi.pt
[24] Castro Mendes, Teoria Geral, 1979, III, 679
[25] A situação jurídica dos terceiros de boa fé traduz-se nos seguintes pontos: a) Podem opor a simulação aos simuladores, a terceiros de má fé e a terceiros de boa fé se nisso tiverem interesse, nos termos dos artigos 240º, nº2 e 286º; b) Não lhes pode ser oposta a simulação nem pelos próprios simuladores nem por terceiros de má fé; c) Face aos simuladores e terceiros de má fé tem o terceiro de boa fé direito, em alternativa, de manter o negócio simulado válido, impedindo que oponham a sua nulidade, ou de o destruir, opondo ele a sua nulidade por simulação; d) Tem direito a ser indemnizado pelos simuladores e terceiros de má fé, de qualquer prejuízo que em virtude da simulação sofra. Castro Mendes, Teoria Geral, 1979, III, 334 e seg.
[26] Ac. STJ de 26/10/2004, proc. 04A1054, in dgsi.pt
[27] Ac. STJ de 12/9/2013, proc. 2154/08: Sumários, 2013, pág. 523, citado in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Atualizada, Ediforum, pág 166
[28] Ana Filipa Morais Antunes, Idem, pág. 569
[29] Ibidem, pág. 568 e seg.
[30] Pires de Lima e Antuners Varela, idem, pág 230
[31] Ibidem, pág 230
[32] Ana Filipa Morais Antunes, Idem, pág. 563 e 572
[33] Jorge Morais de Carvalho, Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord.), volume I, anotação ao artigo 286º Almedina, pág 352
[34] Castro Mendes, Teoria Geral, 1967, 3º, 203
[35] Ac. RG de 19/6/2019, proc 768/17.5T8PTL.G1, onde se escreve “o interesse processual, também designado pela doutrina italiana de “interesse em agir” e pela alemã de “necessidade de tutela judiciária”, configura um pressuposto processual inominado, isto é, que a lei processual civil nacional não prevê expressamente, mas que, ainda assim, não deixa de consagrar por via implícita.
Os pressupostos processuais, como se sabe, são “os elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida. Trata-se das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa” e, sem cuja verificação não lhe é lícito entrar na apreciação do mérito da causa.
Mediante o pressuposto processual inominado do interesse em agir, quer-se significar que ao intentar determinada ação judicial, o direito que o demandante nela pretende fazer valer tem de se encontrar carecido de tutela judiciária e daí a necessidade do mesmo se socorrer do processo.
Essa necessidade de recurso ao processo não tem de ser uma necessidade estrita ou absoluta, no sentido de que o recurso à via judiciária se apresente como a única via aberta ao demandante para realizar a sua pretensão, isto é, o direito que pretende fazer valer no processo. Mas tão-pouco se pode tratar de um interesse vago, remoto, subjetivo, moral, científico ou académico de recurso a essa via. Reclama-se que a necessidade de recurso à via judiciária se situe num estádio intermédio entre a necessidade absoluta do demandante de recorrer à via judiciária e a sua necessidade subjetiva de a ela se socorrer, ou seja, “exige-se uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a ação”, ou dito por outras palavras, o demandante tem de se encontrar num “estado de coisas reputado bastante grave, por isso, tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem jurídico que a ordem lhe reconhece”.
Com efeito, são duas razões ponderosas que justificam a consagração deste pressuposto processual, a saber: a) por um lado, avulta o interesse particular, pretendendo-se evitar que as pessoas sejam precipitadamente forçadas a vir a juízo, para organizarem, sob cominação de uma grave sanção, a defesa dos seus interesses, numa altura em que a situação da parte contrária o não justifica; e b) por outro lado, o interesse público, procurando-se evitar não sobrecarregar os tribunais, cujo tempo é escasso e que são mantidos a expensas da coletividade, com querelas que efetivamente não se encontram carecidas de verdadeira tutela judiciária.
Naturalmente que tratando-se de um pressuposto processual, a exceção dilatória do interesse em agir carece de ser apreciado por referência à data em que a ação é proposta.
Com efeito, é por referência ao momento da propositura da ação que se terá de verificar se o direito que o demandante pretende exercer na ação se encontra ou não carecido de tutela judiciária e, por conseguinte, se existe ou não uma situação justificada, razoável, fundada daquele de lançar mão à arma judiciária para fazer valer o direito que pretende exercer contra o demandado ou demandados”.