Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
28549/16.6YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL
OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
COBRANÇA COERCIVA
INADMISSIBILIDADE
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RP2017053028549/16.6YIPRT.P1
Data do Acordão: 05/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 772, FLS.12-15)
Área Temática: .
Sumário: Em acção que decorre sob o Regime dos Procedimentos Para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contratos de Valor Não Superior à Alçada do Tribunal de 1.ª Instância, aprovado pelo DL. 269/98, de 01 de Setembro, não é possível operar a compensação de um crédito invocado pelo réu, para compensação, enquanto excepção peremptória, já que o direito correspondente deve ser exercido por via da formulação de um pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2, al. c) do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 28549/16.6YIPRT.P1
Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro - Juiz 1

REL. N.º 420
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Fernando Samões
Vieira e Cunha
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
1. - RELATÓRIO
B…, LDA. (NIF ……….), intentou procedimento de injunção contra C…, LDA. (NIF ………..), reclamando o pagamento da quantia de €5.736,50, relativa à remuneração de serviços prestados no âmbito de um contrato de subempreitada, acrescida de custos de cobrança da dívida (€50,00) e de juros de mora vencidos (€158,47) e vincendos.
Sustentando essa pretensão, alegou ter sido contratada para a execução de serviços de pavimentação numa obra de que a requerida era empreiteira, tendo executado esses serviços e emitido as correspondentes facturas. Porém, apesar de lhas ter enviado, a requerida não lhe pagou o respectivo preço, o qual lhe é devido, acrescido de juros e despesas de cobrança, estas no valor de 50,00€.
A requerida veio deduzir oposição, na sequência do que o processo foi distribuído para passar a seguir termos como processo especial para cobrança de obrigações pecuniárias.
Em tal oposição alegou que a dona da obra em questão, que era o Município D…, teve dúvidas quanto á qualidade do material aplicado pela requerente nos trabalhos de pavimentação que lhe foram adjudicados. Assim, e porquanto a requerente não comprovou documentalmente (através da exibição de guias de remessa) a qualidade dos materiais que usou, foram feitos ensaios, por ordem do Município. Estes revelaram a falta de qualidade dos materiais usados e deficiente aplicação, pelo que o Município exigiu a remoção do pavimento aplicado e a colocação de um novo, de acordo com o caderno de encargos da obra. Para esse efeito, alega a requerida, ora apelante, ter contratado uma outra empresa, que executou o trabalho devidamente.
Mais alega que esses acontecimentos determinaram atrasos na execução da obra, em razão do que o Município lhe aplicou uma multa contratualmente prevista.
Pela realização daqueles ensaios, alega que o Município lhe debitou 1.885,59€; e bem assim que dos 44.105,93€ da multa pelo atraso, 2.441,13€ são imputáveis à requerente, dado o atraso que causou, o que –tudo – oportunamente lhe comunicou.
Nestas circunstâncias considera apenas dever 1.411,03€ à requerente, que se dispõe a pagar, o que apenas não aconteceu devido à discordância da requerente.
Perante os termos da contestação, o tribunal considerou que a dedução da pretensão creditória pela ré (requerida na injunção) só poderia fazer-se por via reconvencional, já que traduz o exercício de um crédito que é oposto ao da requerente. E acrescenta que a reconvenção não é admissível na forma de processo em curso. Já quanto ao crédito invocado pela autora, conclui que a ré nada lhe opõe, já que admite a dívida, porquanto na sua argumentação abate a essa dívida o valor de que ela própria entende ser credora. Por conseguinte, por um lado, não admitiu a arguição do crédito invocado pela requerida como excepção ao pedido da autora; por outro lado, condenou a ré neste pedido, concluindo que da respectiva argumentação nada resulta que a isso tenha constituído obstáculo.
Concluiu, assim, pela procedência da acção, condenando a ré C…, LDA. a pagar à autora B…, LDA. a quantia de €5.786,50 (cinco mil setecentos e oitenta e seis euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados sobre a quantia de €1.599,00 (mil quinhentos e noventa e nove euros) desde 28.04.2015, sobre a quantia de €4.137,50 (quatro mil cento e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos) desde 28.12.2015 e sobre o montante de €50,00 (cinquenta euros) desde a citação, de acordo com as taxas sucessivamente em vigor.
É dessa decisão que a ré C…, LDA., vem interpor recurso, que terminou formulando as seguintes conclusões:
A. Contesta-se na Sentença sob recurso e no despacho de fls. 214 e sgs. a não admissão pelo douto Tribunal a quo da defesa contida na oposição, no que concerne ao cumprimento defeituoso do contrato de subempreitada.
B. O Tribunal a quo considerou a defesa da Requerida como defesa por exceção perentória de compensação, no que concerne ao abatimento ao crédito da autora dos alegados créditos da ré, relativos ao ensaio e à multa contratual, e não admitiu a defesa da ora Recorrente.
C. A Recorrente invocou na sua Oposição uma exceção perentória, consubstanciada no cumprimento defeituoso do contrato de subempreitada que constitui a causa de pedir.
D. O cumprimento defeituoso do contrato de subempreitada – que se deveu à aplicação pela Recorrida de um material que não era o indicado pelo dono da obra e, como decorrência da substituição por conta da Recorrida do material aplicado, ao atraso no cumprimento da obrigação – seria suscetível de determinar a redução do preço contratual bem como o ressarcimento dos danos causados à Recorrente.
E. Caso tivesse apreciado a exceção invocada pela Recorrente, o douto Tribunal a quo estaria ainda, salvo melhor entendimento, a apreciar a relação jurídica invocada pela Recorrida.
F. Nada obstaria a que o douto Tribunal a quo apreciasse a exceção invocada pela Recorrente, ao invés de se ter decidido pela não admissão da defesa contida na oposição, no que concerne ao cumprimento defeituoso do contrato de subempreitada.
G. Deveria, por isso, o Tribunal a quo ter apreciado na íntegra a defesa da Recorrente, a qual, a ser considerada procedente após a produção de prova, determinaria a prolação de sentença que absolvesse na íntegra a Recorrente.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de vossas excelências, deve o presente recurso ser considerado procedente, e a douta decisão recorrida ser revogada nos termos expostos, determinando-se a admissão da defesa apresentada pela recorrente, com o que se fará inteira
A parte contrária não ofereceu resposta ao recurso.
O recurso foi admitido, como de apelação, com subida nos próprios autos do incidente e com efeito devolutivo.
Foi depois recebido nesta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Cumpre decidir.
2- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1 e 2, do C.P.Civil.
No caso, importa decidir se da contestação da requerida resulta a alegação de factos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito da autora, ou, nas palavras da apelante “uma excepção peremptória, consubstanciada no cumprimento defeituoso do contrato de subempreitada que constitui a causa de pedir (…) susceptível de determinar a redução do preço contratual bem como o ressarcimento dos danos causados à Recorrente.”
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O tribunal a quo deu por provada a seguinte matéria de facto, em termos que não se revestem de qualquer controvérsia:
1. A autora é uma sociedade do ramo da construção civil e obras públicas.
2. A autora celebrou um “contrato de subempreitada” com a ré, para a construção da nova ETAR de D…, tendo aquela contratado esta para proceder à execução de trabalhos de pavimentação da referida ETAR.
3. Na cláusula 7.ª do referido contrato ficou estipulado que o pagamento dos trabalhos contratados era realizado através de prestações variáveis, em função dos trabalhos realizados e medidos mensalmente.
4. Para tanto, era obrigação da autora emitir as facturas, que deveriam ser acompanhadas pelos autos de medição respectivos, o que fez.
5. Nestes termos, a autora emitiu:
a) a factura n.º …../.., de 28.04.2015, com vencimento na mesma data, no valor total de €1.599,00;
b) a factura n.º …../.., de 28.12.2015, com vencimento na mesma data, no valor total de €4.137,50.
6. Essas facturas não foram liquidadas, apesar de a ré ter sido interpelada para o efeito, através de cartas registadas com aviso de recepção.
7. A autora teve despesas com a cobrança da dívida, no montante de €50,00.
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Na estrutura da decisão recorrida, o primeiro elemento a exigir atenção traduz-se na afirmação de que o pedido da ré a obter o reconhecimento do seu direito ao recebimento dos valores correspondentes aos custos de ensaios e à parte de uma multa que entende dever ser imputada à autora exigiria a formulação de um pedido reconvencional, que não teve lugar.
A este propósito, dispõe o art. 266º, nº 1, al. c) do CPC, que a utilização da reconvenção é exigível quer quando o crédito invocado pelo réu se destina a ser compensado no do autor, quer quando se destina a obter o pagamento na parte em que o exceda. Com tal solução se superou a discussão sobre a questão de a compensação poder constituir mera excepção peremptória ou dever ser deduzida por via reconvencional.
Por outro lado, as particularidades da forma processual sob a qual tramitam os presentes autos, resultantes do DL. 269/98, de 01 de Setembro (Regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância), motivaram a afirmação do tribunal recorrido nos termos da qual a reconvenção não é admissível nos presentes autos, sendo certo, em qualquer caso, que a ré também a não deduziu.
Em sentido conforme com o da decisão recorrida se pronunciou o Acordão do TRP de12-05-2015, proc. nº 143043/14.5YIPRT.P1 (em dgsi.pt): “I - Face à redacção do art. 266º, nº 2, al. c) do actual Cód. do Proc. Civil é de concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação de créditos terá sempre de ser operada por via da reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis. II - Por esse motivo, no âmbito do processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98, no qual não é admissível reconvenção, não é possível operar a compensação de créditos por via de excepção quando o crédito invocado pelo réu é inferior ao do autor. (…).”
Há que constatar, em qualquer caso, que a apelante acaba por não argumentar, neste recurso, o que quer que seja sobre a afirmação de que a dedução de um direito de crédito de sinal contrário deva operar-se por reconvenção, nos termos do novo CPC, ou sobre a afirmação de a reconvenção não ser admissível na forma de processo especial sob a qual os presentes autos tramitam.
Afirma é que invocou foi a existência de defeitos, o que “seria susceptível de determinar a redução do preço contratual bem como o ressarcimento dos danos causados à Recorrente.” (al. D) das conclusões), e que tal deveria ser passível de apreciação enquanto excepção peremptória.
Acontece, porém, que, contrariamente ao que agora alega, a ré jamais sustentou que, por via dos defeitos existentes na obra executada pela autora, devesse ocorrer uma redução do preço. Pelo contrário, contabiliza a globalidade desse preço para, depois de lhe deduzir os custos com os ensaios e a multa, concluir que só é devedora da diferença. Ou seja, no que respeita ao crédito invocado pela autora, verifica-se, em substância, uma admissão da dívida, como bem interpretou o tribunal a quo. Aliás, por isso mesmo, nem se percebe como agora – na apelação -conclui que deverá ser absolvida do pedido, quando na oposição que oferecera afirmava que se considerava devedora de 1.411,03€, mas não do valor pedido.
Já no que respeita à dedução do valor correspondente ao “ressarcimento dos danos”, é que se verifica incontornavelmente uma pretensão de reconhecimento de um crédito, com o qual se operaria uma compensação no próprio crédito da autora. Mas, sobre isso, referiu o tribunal a quo que uma tal pretensão não pode ter lugar nesta causa, por esta não admitir a dedução de um pedido reconvencional.
Ora, mesmo a admitir-se a possibilidade de dedução de um pedido reconvencional neste tipo de processo especial, como defendem algumas opiniões (cfr. E…, blog do IPPC, em https://blogippc.blogspot.pt/2017/04/aecops-e-compensacao.html), por tal ser a solução mais eficiente para garantir a hipótese de exercício do direito correspondente, prevenindo o exercício do direito em momento ulterior e já em sede de embargos a eventual execução, nem por isso caberia reconhecer razão à apelante.
Com efeito, a regra da al. c) do nº 2 do art. 266º do CPC exclui a hipótese de exercício do direito por via da excepção peremptória e é inequivocamente aplicável a este tipo de processo. Por isso, por via de excepção, a pretensão da ré não pode ser acolhida.
E mesmo que se admitisse o exercício desse direito de crédito tendente á compensação por via reconvencional, a entender-se como compreendida, no poder de gestão processual do juiz, a adequação da tramitação do processo a uma tal solução, certo é que, neste caso, não só não foi deduzido qualquer pedido reconvencional, como a apelante continua a sustentar a admissibilidade do exercício do direito que invoca ope exceptionis. Por isso, também a hipótese de acolhimento da pretensão da ré por via da solução reconvencional é impossível de ter por verificada. E, consequentemente, também a esse título não pode acolher-se a pretensão da apelante.
Em qualquer caso, a ré não fica privada de tutela jurisdicional para o seu direito. Apenas terá de o exercer em acção autónoma (cfr Ac. deste TRP citado supra), sem prejuízo da hipotética admissibilidade de, em sede de execução, sendo caso disso, o exercer por via de embargos (como refere E…, ob. e loc. cit).
Temos, pois, de concluir, em consonância com a tese da decisão recorrida, pela inadmissibilidade da dedução de uma pretensão indemnizatória, pela ré, a título de excepção peremptória ao direito da autora.
Por consequência, porquanto nenhuma outra oposição foi deduzida contra esse direito (como por exemplo, a redução do preço em virtude do defeito) só poderia ele ser reconhecido, como foi, condenando-se a ré ao cumprimento da correspondente obrigação.
Por todo o exposto, cumpre concluir pela confirmação da decisão recorrida, na improcedência da apelação.
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Sumário (nº 7 do art. 663º do CPC):
- Em acção que decorre sob o Regime dos Procedimentos Para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contratos de Valor Não Superior à Alçada do Tribunal de 1.ª Instância, aprovado pelo DL. 269/98, de 01 de Setembro, não é possível operar a compensação de um crédito invocado pelo réu, para compensação, enquanto excepção peremptória, já que o direito correspondente deve ser exercido por via da formulação de um pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2, al. c) do CPC.
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em confirmar a decisão recorrida, em razão do que julgam improcedente a presente apelação.
Custas pela apelante.
Notifique.
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Porto, 30/05/2017
Rui Moreira
Fernando Samões
Vieira e Cunha