Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
176/15.2GCAGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
ASSISTENTE
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
DEFERIMENTO TÁCITO
PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RP20161109176/15.2GCAGD-A.P1
Data do Acordão: 11/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 697, FLS,117-120)
Área Temática: .
Sumário: I – O tribunal apenas tem competência material para apreciar os pedidos de apoio judiciário em sede de impugnação judicial da decisão administrativa.
II – O prazo para conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido é de 30 dias, contínuo, considerando-se tacitamente deferido o pedido na ausência de decisão (artº 25º1 e 2 Lei 34/2004 de 29/7), mas a falta de entrega dos documentos previstos no artº 1º da Portaria 1085-A/2004 de 31/8 (redacção do DL 288/2005 de 21/3) suspende o prazo de produção do deferimento tácito do pedido.
III – Não existe nenhuma obrigação legal de comunicação, a cargo do Tribunal ao requerente, para proceder ao pagamento da taxa de justiça, no caso de indeferimento do seu pedido de apoio judiciário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: processo nº176/15.2GCAGD-A.P1

Acórdão, deliberado em conferência da 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I. B… veio interpor recurso das decisões proferidas no inquérito identificado proferida pelo JIC da instância central, 2º secção de instrução criminal, J1, de Águeda, Tribunal da Comarca de Aveiro.
I.1. Decisões recorridas (que se transcrevem).
a) referência 90674509
“(…) Requerimento de constituição de assistente de fls.55:
A constituição de assistente depende do prévio pagamento de taxa de justiça, salvo se o requerente beneficiar de apoio judiciário – art.519º do CPP e 8º nº1 do RCP.
Não obstante notificado da decisão de indeferimento liminar do apoio judiciário que havia requerido, o requerente B… não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida.
Face ao exposto, indefere-se a requerida constituição de assistente. (….)”
b) referência 91049332
“(…) O pedido do requerente- de constituição como assistente – foi já indeferido nos termos do despacho judicial de fls. 97 que como em geral dos demais apenas é susceptível de impugnação através de recurso.
O requerimento em causa consubstancia um novo pedido sobre a mesma matéria existindo litispendência entre os requerimentos até ao trânsito em julgado do referido primeiro despacho.
Assim sendo, rejeita-se liminarmente o requerimento em análise – arts. 580º, 581º, 582º, 576º, nº2, 577º, i), e 590º, nº1, do CPC, ex vi art. 4º do CPP (…)”
I.2.Fundamentos do recurso.
O recorrente apresentou a 18/09/2015, junto da segurança social, requerimento para a concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxas de justiça, entre outros.
Requereu, a 05/11/2015, nos autos de inquérito, após despacho de arquivamento, a sua constituição como assistente e abertura da instrução, tendo junto o comprovativo do referido pedido de apoio judiciário e mencionado que havia ocorrido, pelo decurso do prazo, o deferimento tácito da pretensão em causa;
O ISS dirigiu-se pela primeira vez ao recorrente, solicitando informações complementares, a 01/12/2015;
O acto de indeferimento expresso de 09/01/2016 pelo ISS não revoga o acto de deferimento tácito ocorrido anteriormente;
Depois de o ISS vir informar nos autos que o apoio judiciário havia sido indeferido, deveria o recorrente ter sido notificado para que se pronunciasse sobre tal e pudesse auto liquidar a taxa de justiça devida.
I.2.Resposta do MºPº.
A instâncias do MºPº o ISS informou que em 01/12/2015 foram solicitadas informações complementares ao recorrente, no prazo de dez dias;
A 18/12/2015 foi o recorrente notificado que dispunha de dez dias para se pronunciar em 10 dias sobre a proposta de indeferimento, sob pena de conversão da mesma em decisão definitiva;
O recorrente nada veio dizer;
Foi proferido pelo ISS um acto de indeferimento expresso, sujeito a uma condição suspensiva (não entrega de documentos determinados) que se veio a verificar e que adquiriu eficácia no primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo referido na notificação de 19/10/2015.
Tendo o recorrente sido notificado da proposta de indeferimento e da sua conversão em definitiva na ausência de resposta, não existe qualquer obrigação legal de o notificar para proceder ao pagamento da taxa de justiça.
I.3. Parecer do MºPº nesta relação.
Foi aposto o visto.
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II. Do objecto do recurso.
Apesar de constituir a reacção a duas decisões judiciais, certo é que a procedência ou improcedência em relação à primeira compromete o conhecimento da segunda.
São duas as questões a apreciar:
-a primeira consiste na valoração jurídica da menção, pelo recorrente, em acto judicial, da formação tácita do acto de deferimento da protecção jurídica (modalidade de apoio judiciário) e seus efeitos face à decisão, ulterior, de indeferimento pela administração do pedido de protecção jurídica formulado;
- a segunda consiste na valoração da eventual omissão de notificação, pelo tribunal, ao recorrente da decisão que indeferiu o requerimento de protecção jurídica.
II.1. Valoração jurídica da menção, pelo recorrente, em acto judicial, da formação tácita do acto de deferimento da protecção jurídica (modalidade de apoio judiciário) e seus efeitos face à decisão, ulterior, de indeferimento pela administração do pedido de protecção jurídica formulado;
Com interesse para a decisão do mérito do recurso vejamos quais os factos documentalmente comprovados.
1. Por requerimento para abertura da instrução apresentado em tribunal no dia 05 de Outubro de 2015, o recorrente solicitou a sua constituição como assistente, juntou cópia do requerimento de protecção jurídica para dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (entrado nos serviços da segurança social no dia 18 de Setembro de 2015) e invocou o seu deferimento tácito com referência a 19 de Setembro de 2015.
2. A segurança social comunicou ao recorrente, por carta registada enviada em 1 de Dezembro de 2015, para juntar determinados documentos em 10 dias, com a cominação de que a falta da sua apresentação implicaria o indeferimento imediato do pedido de protecção jurídica no 1º dia útil seguinte ao termo daquele prazo de resposta, não se procedendo a qualquer outra notificação.
3. A segurança social comunicou ao recorrente, por carta registada enviada em 18 de Dezembro de 2015, a sua proposta de indeferimento do pedido de apoio e concedeu o prazo de 10 dias úteis para o mesmo se pronunciar por escrito, cominando que a falta de resposta implicaria a conversão da proposta em decisão definitiva, sem necessidade de lhe ser feita nova notificação.
O recorrente solicitou a protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário e, neste âmbito, a dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e atribuição de agente de execução – cfr. artigos 6º, nº1, e 16º, nº1, alíneas a) e g), da Lei nº34/2004, de 29 de Julho (doravante designada, por facilidade, LAJ).
Ao pedido de protecção jurídica por quem pretenda constituir-se assistente aplica-se o disposto no capítulo III (artigo 44º, nº2, da LAJ)
Nos termos da referida lei, o procedimento e decisão sobre o pedido é exclusivamente efectuada pela segurança social – artigo 20º da LAJ – o que bem se compreende por versar um acto administrativo (por tal motivo é o procedimento autónomo relativamente à causa a que respeita – artigo 24º da LAJ).
O prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias, é contínuo e não se suspende durante as férias judiciais. Decorrido o mesmo sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica – artigo 25º, nºs 1 e 2, da LAJ.
Esta regra do procedimento administrativo em sede de apoio judiciário (com natureza duplamente especial em relação às regras gerais do procedimento administrativo estabelecidas nos artigos 108º, nº1, alínea a) e 109º, do Código do Procedimento Administrativo, a primeira que considera concedida as aprovações ou autorizações dos órgãos administrativos se nos prazos concedidos por lei não forem proferidas as decisões, e a segunda que confere ao interessado a faculdade de presumir o indeferimento da sua pretensão nos casos de omissão de decisão no prazo de 90 dias, respectivamente) é susceptível de invocação pelo interessado:
1º. antes do proferimento de decisão (para o qual é obrigatoriamente ouvido nos casos em que a administração propõe uma decisão de indeferimento, total ou parcial, do pedido – artigo 23º, nº1, da LAJ);
2º. em sede de impugnação judicial (artigo 27º da LAJ).
O tribunal apenas tem competência material para apreciar os pedidos de apoio judiciário (os fundamentos da sua formação) em sede de impugnação judicial da decisão administrativa.
Desde a reforma efectuada com a Regulamento das Custas Processuais (aplicável ao processo penal), contemporâneas com aquelas outras inseridas no Código de Processo Civil, faz-se corresponder a taxa de justiça ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (cfr. artigos 6º do RCP e 529º, nº2, do CPC).
A constituição de assistente dá lugar ao pagamento de taxa de justiça nos termos fixados no RCP (artigo 519º, nº1, do CPP).
O pretendente a assistente terá de autoliquidar a taxa de justiça no montante de 1UC e juntar o documento comprovativo com o requerimento em causa ou, caso o não faça (a obrigação de apresentar o comprovativo, realidade distinta de não ter efectuado o pagamento da taxa de justiça e o não ter demonstrado), terá de o fazer em dez dias, acrescido da taxa de justiça de idêntico montante (artigo 8º, nºs 1, 3 e 4, do RCP).
Se, originariamente, tiver efectuado o pedido de apoio judiciário, deverá juntar comprovativo do mesmo, sendo-lhe aplicáveis, sem dúvida alguma, de acordo com a política legislativa seguida em sede de custas processuais, o disposto no artigo 552º do Código de Processo Civil (por força do disposto no artigo 24º, nº2, da LAJ e 4º do Código de Processo Penal).
Quer o exposto significar que o requerimento de constituição de assistente pode não ser acompanhado do comprovativo do pagamento da taxa de justiça nos casos em que tenha pedido o apoio judiciário para dispensa da taxa de justiça com decisão de deferimento ou nos casos em que o pedido formulado obedeça a um prazo de caducidade ou urgência (artigo 552º, nº5, do CPC).
Nestes casos, terá de apresentar documento comprovativo da concessão do apoio judiciário ou do requerimento em que o peticiona, respectivamente.
Qual o alcance, então, da norma que permite ao interessado efectuar a menção em tribunal do acto tácito (artigo 25º, nº3, da LAJ)?
Tal menção (que deverá ser cuidadosamente emitida, nos termos infra expostos) permite que o procedimento judicial prossiga sem necessidade de existência (ou conhecimento) da decisão do serviço da segurança social em casos de urgência.
Questão mais sensível no processo civil, tal menção permite que todo um procedimento urgente seja iniciado e findado sem que o tribunal conheça a decisão administrativa (ao contrário de uma acção declarativa comum ou especial, em que, sem prejuízo da citação dos réus, pode/deve o tribunal indagar sobre a decisão administrativa expressa em falta).
A transposição deste raciocínio para o processo penal é uma tarefa complicada, porque se não configura qualquer situação em que a urgência procedimental relacionada com a actividade de um assistente, com a sua posição processual e atribuições, obste à verificação do proferimento da decisão final em relação ao apoio judiciário.
Apesar de não competir aos tribunais a apreciação da formação tácita do acto administrativo (salvo em sede de impugnação judicial da decisão administrativa), sempre se dirá o seguinte, para que exista alguma honestidade e rigor na sua invocação.
O prazo para conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido é de 30 dias, contínuo, considerando-se tacitamente deferido o pedido na ausência daquela (artigo 25º, nºs 1 e 2, da Lei nº34/2004, de 29 de Julho).
Porém, de acordo com o artigo 1º da Portaria nº1085-A/2004, de 31 de Agosto (na redacção introduzida pelo Decreto- Lei nº 288/2005, de 21 de Março) a falta de entrega dos documentos na mesma aludidos quanto às pessoas singulares, suspende o prazo de produção do deferimento tácito do pedido de protecção jurídica. Tal solução é compreensível no sentido em que a formação de um acto tácito pressupõe a inércia do ente administrativo face a um procedimento susceptível de ser apreciado, cabendo ao requerente o ónus de possibilitar, através da oferta dos elementos de prova legalmente previstos, a formulação do juízo decisório.
Nos termos expostos, a decisão de indeferimento da constituição do recorrente como de assistente é inatacável.
II.2. Valoração da eventual omissão de notificação, pelo tribunal, ao recorrente, da decisão que indeferiu o requerimento de protecção jurídica.
De acordo com as regras legais expostas (artigo 24º, nº3, da LAJ e 552º, nº6, do CPC, este aplicável por força do disposto no artigo 4º do CP) deveria o recorrente, sem qualquer intervenção judicial, proceder ao pagamento da taxa de justiça no prazo de dez dias contados da data da notificação da decisão que indeferiu o seu pedido.
Não existe no procedimento judicial (civil ou penal) qualquer obrigação legal no que concerne à comunicação pelo tribunal do indeferimento administrativo do pedido de apoio judiciário, motivo pelo qual improcede o recurso nessa parte.
A segunda decisão recorrida é absolutamente consumida pelo não provimento da primeira (como já alertamos no início). Não o é, seguramente, pelos argumentos expendidos pelo julgador (litispendência, excepção dilatória que só ocorre em processos distintos ) mas pelo principio mais básico da função dos tribunais: o julgador, salvo lapsos materiais e sem prejuízo da reacção do destinatário, pronuncia-se definitivamente sobre as questões que lhe são submetidas (esgotamento da sua função jurisdicional em relação a uma concreta questão decidida no processo).
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III. Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirmam-se as decisões recorridas.
Custas a cargo do recorrente, fixando em 4,5 UCs a taxa de justiça (artigo 8º, nº9, e Tabela III do RCP).
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Porto, 09 de Novembro de 2016
João Pedro Nunes Maldonado
Francisco Mota Ribeiro