Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
450/06.9TTGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PENSÃO
SEGURADOR
BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO
Nº do Documento: RP20140709450/06.9TTGDM.P1
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: A seguradora pode recusar pagar a pensão ao sinistrado, calculada nos termos normais, invocando o «benefício da excussão» se, não obstante a situação de insuficiência económica do empregador, não for possível concluir que todo o seu património é insuficiente para satisfazer o pagamento da pensão ao sinistrado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 450/06.9TTGDM. P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1218
Adjuntos: Dra. Paula Leal de Carvalho
Dr. Rui Penha

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
Na presente acção emergente de acidente de trabalho, que B… instaurou no Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo contra C… e Companhia de Seguros D…, S.A., foi proferida sentença, em 03.12.2008, a condenar A) O Réu a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de € 5.553,58, com início no dia 26.09.2006, a quantia de € 4.630,80, a título de subsídio de elevada incapacidade, a quantia de € 1.448,21, a título de diferenças nas incapacidades temporárias e juros de mora, à taxa legal; B) A Ré a pagar ao sinistrado, a título subsidiário, a pensão anual e vitalícia de € 3.141,99, com início no dia 26.09.2006, a quantia de € 4.630,80, a título de subsídio de elevada incapacidade e juros de mora, à taxa legal, e ainda a quantia de € 60,00 de despesas de transportes, sendo esta quantia acrescida dos juros legais e paga a título principal.
O sinistrado veio requerer, em 24.09.2013, a notificação da seguradora para proceder aos pagamentos das prestações em dívida, desde a data do sinistro, subtraindo-se a quantia de € 5.000,00 já recebida, com as consequentes actualizações, e ainda o Fundo de Acidentes de Trabalho para efectuar o pagamento das prestações vencidas e vincendas, alegando que por sentença proferida em 22.07.2013, proferido no processo 334/13.4TBMNC, foi declarado a situação de insolvência de C… e E….
A Seguradora, notificada, veio pedir o indeferimento da pretensão do sinistrado já que a mesma só responde pelas prestações devidas no caso de comprovada impossibilidade de pagamento por parte do responsável principal, o empregador, o que não se mostra demonstrado no processo, na medida em que o sinistrado instaurou em Tribunal um acção de impugnação pauliana tendo em vista a recuperação de bens no montante de € 92.500,00.
O FAT veio opor-se com o fundamento de que apenas pode assumir o pagamento das prestações em dívida da responsabilidade do empregador, após a dedução da totalidade das quantias apuradas em sede de acção executiva, no montante total de € 25.500,00 e depois de se apurar a ausência de bens por parte do responsável, situação que ainda não se encontra definida, dada a pendência da acção de impugnação pauliana instaurada pelo sinistrado.
Em 12.02.2014 o Mmº. Juiz a quo proferiu o seguinte despacho: “Conforme se constata dos documentos juntos aos autos e a informação prestada pelo processo de insolvência, o sinistrado destes autos reclamou ali os montantes que lhe são devidos, encontrando-se o processo de insolvência em fase de liquidação, tendo ainda instaurado acção de impugnação pauliana contra a Ré empregadora na qual pretende a recuperação de bens desta no montante de € 92.500,00. Assim, enquanto não se apurar os montantes que efectivamente venha a receber da sua entidade empregadora, quanto às pensões e demais montantes já vencidos e por esta devidos, não é possível accionar a responsabilidade subsidiária da Ré seguradora, nem a responsabilidade do FAT pelo restante. Assim, e nesta parte, indefere-se o requerido. Em todo o caso, atenta a situação de insolvência da Ré patronal, e não podendo esta proceder ao pagamento das pensões que se vençam entretanto, determina-se que o FAT e a Ré seguradora passem a pagar ao sinistrado, a partir desta data, as pensões que lhe são devidas”.
A Ré seguradora, inconformada, veio recorrer, pedindo a revogação do despacho, concluindo do seguinte modo:
1. No despacho recorrido, o Tribunal reconhece a existência de um processo de insolvência contra a entidade empregadora do sinistrado, no qual foram por este reclamados os montantes que lhe são por aquela devidos, encontrando-se o dito processo em fase de liquidação.
2. Foi igualmente reconhecida a existência de acção de impugnação pauliana contra a Ré empregadora, com vista à recuperação de bens desta no montante de € 92.500,00.
3. Pelo que se impõe aguardar pelo desfecho dos mencionados processos, uma vez que os mesmos se destinam a ressarcir o sinistrado dos montantes a que tem direito.
4. O próprio despacho recorrido reconhece não ser, no caso, possível accionar a responsabilidade meramente subsidiária da recorrente, indeferindo nesse sentido o requerido pelo sinistrado.
5. Todavia, vem o despacho recorrido, em contradição com o entendimento por si pugnado, determinar o pagamento ao sinistrado, por parte da recorrente e do FAT, das pensões devidas a partir da data do despacho.
6. O artigo 37º, nº2 da Lei nº100/97, de 13.09, expressamente estipula que, nos casos previstos no artigo 18º, nº1, a responsabilidade recai sobre a entidade empregadora, sendo a seguradora apenas subsidiariamente responsável.
7. Só depois de esgotados os bens da entidade empregadora, ou de devidamente comprovada a sua impossibilidade de pagar ou vir a pagar os montantes devidos, é que pode ser accionada a responsabilidade meramente subsidiária da seguradora – acórdãos da RL de 19.09.2007 e da RP de 06.06.2011 e de 22.10.2010.
8. Pelo que não pode ser determinado o pagamento das pensões devidas a partir da data do despacho por parte da recorrente, uma vez que a sua responsabilidade é meramente subsidiária e não se encontra comprovada a impossibilidade da entidade empregadora pagar ou vir a pagar os montantes que deve ao sinistrado.
9. Sendo o despacho recorrido absolutamente contraditório e violando o disposto no artigo 37º, nº2, da Lei nº100/97.
Por despacho da relatora o recurso foi admitido como de agravo.
Corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Para além do que consta no presente relatório importa ainda consignar a seguinte factualidade.
1. O acidente que vitimou o sinistrado ocorreu em 23.09.2005.
2. O sinistrado instaurou processo especial de insolvência contra o aqui Réu e contra E…, processo com o nº334/13.4TBMNC.
3. Em 30.01.2014 o Tribunal Judicial de Monção informou o Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo, e no que respeita aos presentes autos, que o processo referido em 2 aguarda que o administrador de insolvência proceda à liquidação do activo.
4. O Réu C… havia transferido para a Ré seguradora a sua responsabilidade por acidente de trabalho ocorrido com o sinistrado, nos termos da apólice ……………., emitida em 11.08.2005.
* * *
III
Questão a apreciar.
Da responsabilidade subsidiária da Ré seguradora.
Defende a Ré seguradora não ser possível ordenar, como o fez o Mmº. Juiz a quo, a sua notificação para proceder ao pagamento das pensões devidas a partir da data do despacho recorrido, uma vez que responsabilidade da recorrente é meramente subsidiária e não se encontra comprovada a impossibilidade da entidade empregadora pagar ou vir a pagar os montantes que deve ao sinistrado. Vejamos então.
Segundo o disposto no artigo 37º, nº2 da Lei nº100/97 de 13.09 “Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18º, nº1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na presente lei”.
Sob a epígrafe “Direito de regresso” determina o artigo 21º da Apólice Uniforme de Seguro de Acidentes de Trabalho Para Trabalhadores Por Conta de Outrem – Regulamento nº27/99, Norma nº12/99-R do ISP, de 08.11.1999 – o seguinte: “1. Após a ocorrência de um acidente de trabalho, a seguradora apenas tem direito de regresso contra o tomador de seguro: a)…b) Pelo valor das indemnizações ou pensões legais e dos demais encargos, quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observância das regras sobre a higiene, segurança e saúde nos locais de trabalho; c)…2. Nos casos previstos na alínea b) do número anterior, a seguradora responde subsidiariamente, depois de executados os bens do tomador de seguro, apenas pelas prestações a que haveria lugar sem os agravamentos legalmente estipulados para essas situações, e sempre tomando por base a retribuição declarada” [o referido artigo não sofreu qualquer alteração com a publicação das Normas nº11/2000-R de 13.11, nº16/2000-R de 21.12, nº13/2005-R de 18.11 e nº1/2009-R de 08.01].
Vítor Ribeiro, a propósito das Bases XVII e XLIII da Lei nº2127 de 03.08.1965 – com idêntico regime ao consagrado nos artigos 18º e 37º, nº2 da Lei nº100/97 – referia o seguinte: “Nos casos de acidente ocorrido por culpa da entidade patronal ou seu representante (Base XVII) não há, como é bom de ver, qualquer sobreposição de formas diferentes de responsabilidade. Isto é, o sinistrado não fica titular de dois direitos ou de duas vias diferentes de reparação sobre a entidade patronal” (…) “A responsabilidade subsidiária da seguradora que, de qualquer modo, em tais casos apenas é exigível «depois de excutidos os bens do segurado», é apenas uma solução legal casuística, determinada por razões de equidade e pela necessidade de garantir ao sinistrado uma medida reparatória mínima em caso de insolvência total ou parcial, da entidade patronal subjectivamente responsável” (…) – Acidentes de Trabalho, Reflexões e notas práticas, 1984, página 232/233.
Do acabado de referir decorre que a seguradora, nas situações previstas no artigo 18º e 37º, nº2 da Lei nº100/97, beneficia do «benefício da excussão».
al benefício – tratado a respeito da fiança no artigo 638º do C. Civil – “Consiste no direito que pertence ao fiador de recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal” [Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8ª edição, página 823].
Mas, no caso concreto, por sentença datada de 22.07.2013, proferida no processo 334/13.4TBMNC, foi declarado a situação de insolvência de C… e E….
A declaração de insolvência do aqui empregador – responsável pelo pagamento da pensão agravada ao sinistrado – traduz-se, objectivamente, na impossibilidade do mesmo cumprir as suas obrigações vencidas e permite concluir que o insolvente está numa situação de incapacidade económica.
Relativamente à incapacidade económica do responsável pelo pagamento da pensão já esta Secção Social se pronunciou, precisamente no acórdão proferido em 07.01.2008 no processo 2508/07.
Nesse acórdão se consignou que a referida incapacidade económica tem de ser verificada em processo judicial de falência ou processo equivalente (a execução), ou processo de recuperação de empresa, aí se defendendo que: (…)” não tendo a entidade empregadora pago espontaneamente as prestações derivadas de acidente de trabalho, importa contra ela deduzir execução, só depois se podendo saber se existe impossibilidade de pagamento com fundamento em incapacidade económica” (…) “Em síntese, não tendo sido instaurada execução, não estão reunidos todos os pressupostos para que ao FAT pudesse ter sido ordenado o pagamento das prestações devidas pela R. aos AA., uma vez que não se encontra objectivamente caracterizada em processo judicial equivalente ao processo de falência, a impossibilidade de pagamento por motivo de incapacidade económica da entidade devedora” (…).
Tal posição aqui se reafirma, ou seja, o requisito em análise tem de ser objectivamente caracterizado por recurso a um dos processos referidos no artigo 39º, nº1 da LAT, o que, e como já referido, aconteceu no caso em análise.
No mesmo sentido é o acórdão do STJ de 20.5.2009, onde se diz o seguinte: (…) “Abordando, em linhas gerais, o disposto nos transcritos arts.39º, nº1 da LAT, e 1º, nº1, al. a) do DL nº142/99, retira-se que eles regem a responsabilização do FAT pelas prestações infortunísticas em caso de impossibilidade de o sinistrado (ou seus beneficiários legais) obter o seu pagamento do respectivo responsável, seja por incapacidade económica deste objectivamente caracterizada nos aí referidos processos (processo judicial de falência, ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa)”, acrescentando-se ainda neste acórdão que “ afigura-se-nos que são de considerar «processos equivalentes» aos de falência, para os efeitos em causa, por exemplo, os de execução para pagamento de quantia certa e os de liquidação judicial de sociedade” (…) – CJ, acórdãos do STJ, ano 2009, tomo 2, páginas 269 a 272.
No entanto, e não obstante se encontrar demonstrado que o empregador se encontra numa situação de insuficiência económica, não se mostra provado que o património daquele é insuficiente para saldar a sua obrigação, até porque o sinistrado instaurou acção de impugnação pauliana contra a Ré empregadora na qual pretende a recuperação de bens desta no montante de € 92.500,00.
Em resumo: à data do despacho recorrido não é possível concluir, não obstante a situação de insuficiência económica do empregador, que todo o seu património é insuficiente para satisfazer o pagamento da pensão ao sinistrado, pelo que pode a seguradora recusar pagar a pensão ao sinistrado, calculada nos termos normais, invocando o «benefício da excussão».
Deste modo, e com tais fundamentos, procede a pretensão da agravante.
* * *
Termos em que se concede provimento ao agravo e se revoga o despacho recorrido na parte em que determinou a notificação da Ré seguradora para passar a pagar ao sinistrado as pensões devidas.
* * *
Sem custas o agravo.
* * *
Porto, 09-07-2014
Fernanda Soares
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha