Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
295/14.2TTVRL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ENTIDADE CEDENTE
EMPRESA CESSIONÁRIA
OBRIGAÇÃO DE REPARAR OS DANOS
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
Nº do Documento: RP20180221295/14.2TTVRL.P1
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO 1ª
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º270, FLS.48-79)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos da previsão do n.º1, do art.º18.º, da LAT, mesmo nos casos em que o trabalhador sofre um acidente de trabalho durante a prestação da sua actividade à empresa cessionária e por actuação culposa desta, a entidade cedente, na medida em que continua a ser a empregadora, continua a ser responsável pela reparação dos danos emergentes, ainda que o possa ser solidariamente e não apenas a título individual.
II - A solidariedade ocorrerá quando a responsabilidade do empregador, para além das prestações normais previstas na legislação especial sobre acidentes de trabalho, concorra com alguma ou alguma das demais entidades indicadas no art.º18. (cada um responde pala integralidade dos danos e a prestação efectuada por um a todos libera).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 295/14.2TTVRL.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto Este – Penafiel - Instrução Central, Secção do Trabalho B…, por si e em representação do seu filho menor C…, intentou a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra D…-Sucursal em Portugal, pedindo a condenação daquela a pagar-lhe o seguinte:
- A) Uma pensão anual, vitalícia e actualizável calculada por referência ao salário referido no ponto 5 da petição e a percentagem de 30 %, no montante de €2.520,90, alterável a partir da idade da reforma, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como a subsídio de férias e de Natal, cada um igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, legalmente atribuída à viúva.
B) Para o seu filho C… a pensão anual e actualizável no montante de €1.680,60 devida a partir de 24 de Julho de dois mil e catorze, até completar 18 anos, ou entre os 18 anos e os 22, enquanto frequente o ensino secundário ou curso equiparado, ou entre os 18 anos e os 25 anos, enquanto frequente curso de nível superior ou equiparado, a ser paga mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês e no seu domicilio, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como o subsidio de férias e de Natal, cada um igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a ser pago nos meses de Junho e Novembro de cada ano, calculada com base na retribuição anual ilíquida auferida pelo sinistrado à data do acidente e a percentagem de 20%, legalmente atribuída a cada um dos filhos.
C) A quantia de €5.533,70 relativa a subsídio por morte calculada de acordo com o disposto no art.º 65, n.º 2, alínea a) da Lei 98/2009, de 4 de Setembro e artigo 3.º do DL 323/2009, de 24 de Dezembro, sendo metade para si e metade para o seu filho.
D) A quantia de €10,00 relativa a despesas de deslocação a Tribunal no dia da tentativa de conciliação.
E) A quantia de €1.490,00 relativa a despesas com o funeral.
F) Juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em dívida desde os respectivos vencimentos e até integral pagamento”.
Alegou, em síntese, que era cônjuge do sinistrado, F…, sendo o autor C…, aqui representado por si, filho de ambos, tendo nascido a 6 de Novembro de 2008.
O sinistrado, quando exercia a função de carpinteiro de 2.ª, sob as ordens, direcção e fiscalização da sua entidade patronal “E…, Unipessoal, Lda”, no dia 22 de Julho de 2014, às 15 horas e 30 minutos, em …, no Centro G… em …, encontrando-se a executar trabalhos de assoalhamento da cobertura da parte posterior das bancadas, colocando placas de madeira (ripado), foi vítima de uma queda para o solo na sequência de um deslizamento das placas que provocaram a sua projecção.
À data auferia a retribuição mensal de €496,50, percebida 14 vezes ao ano, acrescida da quantia de €6 x 22 dias, a título de subsídio de alimentação e percebida 11 vezes ao ano, o que perfaz o total ilíquido de €8.403.
Na sequência do evento foi encaminhado para o Hospital H… e posteriormente para o Hospital I…, acabando por falecer no dia 23 de Julho de 2014, em virtude das lesões sofridas pela queda.
O sinistrado actuava no cumprimento e de acordo com as instruções específicas fornecidas pela sua entidade patronal, a qual lhe havia ordenado que naquele dia executasse aqueles trabalhos.
A entidade patronal do sinistrado tinha a sua responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho transferida para a R. através de contrato de seguro, pela totalidade da retribuição auferida.
Em deslocação para a tentativa de conciliação a autora despendeu €10.
Pelo funeral do sinistrado a A. despendeu a quantia de €1.490,00.
A tentativa de conciliação frustrou-se em razão da seguradora não ter aceite a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho, na consideração de que a produção do evento foi originada por incumprimento das condições de segurança por parte do sinistrado.
Citada, a Ré seguradora contestou contrapondo, em síntese, que o acidente ocorreu por violação de regras de segurança previstas na lei para o desenvolvimento das tarefas de assoalhamento da cobertura (para construção de telheiro) da parte posterior das bancadas do Centro G… em … por parte do sinistrado, invocando assim a sua exclusiva negligência grosseira “decorrente da temerária e negligente execução dos trabalhos”. Mais invocou que o acidente foi também provocado pela entidade patronal “por inobservância das condições de segurança, higiene e saúde no trabalho”.
Concluiu pedindo a improcedência da acção com a sua consequente absolvição dos pedidos.
A fls. 128 e 129 foi então proferido despacho onde foi decidido, ao abrigo do disposto no art.º 127º, nº1, do Código de Processo de Trabalho, fazer intervir na acção e como ré a entidade empregadora “E…, Unipessoal, Lda”.
Citada, a entidade empregadora veio contestar, concluindo pela improcedência da presente acção e pela sua absolvição do pedido.
Alegou, no essencial, que o material que se encontrava empilhado na data do acidente (placas), e cujo deslize terá ocasionado a queda do trabalhador, era propriedade exclusiva do empreiteiro principal da obra, J…, Lda”. Esse material foi empilhado e colocado no local do sinistro pelos funcionários desta última, sem qualquer intervenção da sociedade contestante, ou dos seus funcionários. No momento do acidente o trabalhador acidentado encontrava-se a executar um trabalho completamente alheio à subempreitada negociada entre a aqui ré e a empreiteira principal. O trabalho que o sinistrado se encontrava a efectuar no momento do acidente foi realizado a mando e sob a direcção do encarregado da obra e funcionário da empreiteira J…, Ldª, Sr. K…, que com desconhecimento da aqui ré e à sua revelia, afastou os seus funcionários dos trabalhos que se encontravam a executar (picagem e limpeza das alvenarias das bancadas), ordenando que fossem colocar as ditas placas na cobertura, não podendo ser imposta à entidade patronal o planeamento e/ou controle da observância das regras de segurança na execução de tal tarefa, nem ser-lhe imputada qualquer omissão a esse nível. Nunca lhe foi dado a conhecer o plano de segurança da obra, designadamente para a execução de tal tarefa, nos termos impostos pela lei. A contestante muniu os respectivos trabalhadores de todo o equipamento de segurança individual necessário à realização dos trabalhos de que os incumbiu (picagem e limpeza): capacetes de protecção, sapatos com biqueira e palmilha de aço, colete reflector e protectores auriculares, tendo aqueles funcionários também disponíveis na própria obra os arneses a utilizar sempre que houvesse necessidade de realizar quaisquer trabalhos com risco de queda em altura, o que não era o caso das tarefas de cuja realização os trabalhadores estavam incumbidos na data do sinistro.
Concluiu defendendo que não violou qualquer disposição legal atinente à segurança no trabalho, bem assim que como observou as regras de segurança individual e os deveres de cuidado e diligência a que estava adstrita.
Notificada da contestação da entidade patronal, veio a ré seguradora apresentar requerimento pugnando pela sua absolvição, “porquanto o contrato de seguro de Acidentes de Trabalho (conforme a respectiva legislação/Apólice Uniforme) não cumpre, não garante, pelo que se encontram excluídas todas as situações de subempreitada como a pela Entidade Patronal invocada”.
Em resposta, veio a entidade patronal requerer que a ré seguradora concretizasse “os fundamentos da exclusão de responsabilidade de que alega beneficiar”.
I.2 Veio então a Autora B…, por si e em representação do seu filho menor, e L… requerer a intervenção principal espontânea da referida L…, filha do sinistrado, a qual aderiu na íntegra à P.I. apresentada, bem como ao articulado no requerimento que apresentam, onde requerem ainda a intervenção principal provocada de “J…, Lda”, peticionando a condenação solidária das Rés no pagamento:
- De uma pensão anual, vitalícia e actualizável calculada por referência ao salário do sinistrado e a percentagem de 30% no montante de €2.520,90, alterável a partir da idade da reforma, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como a subsídio de férias e de Natal, cada um igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, legalmente atribuída à viúva;
- Para o filho menor C… a pensão anual e actualizável no montante de €1.680,60, devida a partir de 24 de Julho de 2014, até completar 18 anos ou entre os 18 anos e os 22, enquanto frequente o ensino secundário ou curso equiparado, ou entre os 18 anos e os 25 anos, enquanto frequente curso de nível superior ou equiparado, a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como o subsídio de férias e de Natal, cada um igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a ser pago nos meses de Junho e Novembro de cada ano, calculada com base na retribuição anual ilíquida auferida pelo sinistrado à data do acidente e a percentagem de 20% legalmente atribuída a cada um dos filhos;
- A quantia de €5.533,70 relativa a subsídio por morte calculada de acordo com o disposto no art.º 65º, nº2, alínea a) da Lei 98/2009, de 4 de Setembro e artigo 3º do DL 323/2009, de 24 de Dezembro, sendo metade para si e metade para o seu filho;
- Da quantia global de €60.000 ser paga às Autoras e ao filho menor do sinistrado, a título de responsabilidade por danos morais sofridos por eles e pela vítima;
- A quantia de €10,00 relativa a despesas de deslocação a Tribunal no dia da tentativa de conciliação;
- A quantia de €1.490,00 relativa a despesas com o funeral;
- Juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em dívida desde os respectivos vencimentos e até integral pagamento;
- Subsidiariamente a condenação da R. seguradora no pagamento das despesas e quantias indicadas, nomeadamente pensão anual para a viúva, para o seu filho menor, subsídio por morte, despesas de deslocação, de funeral e respectivos juros de mora.
Para tanto invocam os Autores, em síntese, que em face da rejeição pela Ré seguradora da responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho que causou a morte ao sinistrado “em virtude do acidente ter sido provocado pela inobservância por parte da entidade patronal das condições de segurança, higiene e saúde no trabalho” e perante a alegação pela entidade empregadora na sua contestação de “que a responsabilidade pela verificação do evento que causou a morte ao trabalhador, seria imputável á entidade J…, Lda, entidade que teria celebrado com a E… um contrato de subempreitada que consistiria na execução por parte desta dos trabalhos relativos a demolições, saneamento básico, reabilitação de elementos estruturais, alvenarias e estruturas de betão armado da empreitada realizada no Centro G…, local onde ocorreu o sinistro”, vem a Autora requerer a intervenção principal provocada da aludida “J…”, vindo a Autora L… requerer a sua intervenção principal espontânea por, juntamente com a sua mãe, pretenderem formular contra as entidades responsáveis “E…” e “J…” um pedido de indemnização por danos morais, nos termos previstos no artº18º da Lei 98/2009, pedido que nos termos do artº496º, nº2, do CC deve ser formulado em litisconsórcio necessário activo, aderindo na íntegra aos articulados já apresentados nestes autos pela Autora sua mãe.
Deduzem pedido cumulativo contra as entidades “E…” e “J…” por danos não patrimoniais nos termos do artº18º da Lei 98/2009, invocando que o sinistro ocorreu devido à actividade culposa das aludidas entidades pela inobservância das mais elementares regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, sendo certo que no momento da execução dos trabalhos não estava presente um responsável tanto da entidade “E…”, como da “J…” para zelar pela segurança dos trabalhadores em causa, ocorrendo o acidente em virtude da falta de cumprimento por aquelas entidades das mais básicas regras sobre segurança e saúde no trabalho, pelo facto de o trabalhador sinistrado e de o trabalhador M… circularem a uma altura superior a 3 metros ao solo, sobre vigas de madeira e posteriormente sobre placas OBS, com inclinação superior a 30% sem qualquer medida de protecção colectiva, designadamente andaimes, guarda corpos, plataformas de trabalho e escadas de trabalhador, não tendo sido colocado por qualquer uma das entidades à disposição dos trabalhadores medidas de protecção individuais, nomeadamente botas, colete, luvas, cintos de segurança, arnês e linha de vida destinados a impedir uma queda de uma altura superior a 3 metros.
Mais alegam que o trabalho na cobertura da parte posterior das referidas bancadas, colocando placas de madeira (ripado) não obedecia a qualquer plano de segurança prévio, não tendo sido identificados tanto pela empreiteira principal como pela entidade patronal do sinistrado os riscos de tais operações, não tendo sido ministrada ao sinistrado qualquer formação de segurança relativamente ao trabalho que se encontrava a exercer, não tendo tais entidades implementado qualquer medida de protecção individual ou colectiva no local, tendo permitido que o sinistrado exercesse a sua actividade a 3 metros de altura, sem as medidas de protecção já elencadas, “o que só por si representa um perigo acrescido, já que uma eventual queda pode originar a morte”; para além da altura em que os trabalhadores prestavam a sua actividade, as entidades mencionadas colocaram no telhado, a mais de 3 metros de altura e com uma inclinação de 30%, cerca de 80 placas OBS com 2,50 metros de comprimento e 1,25 m de largura, posicionadas, sem fixação, na parte superior ao local em que os trabalhadores se encontravam e exerciam as suas funções, em infracção das regras de segurança e saúde no trabalho, previstas no DL 50/2005; era praticável no local a aplicação de medidas de segurança colectiva, nomeadamente guarda corpos ou barreiras para impedir a queda, que se deu devido à falta de implementação das mesmas, tendo o sinistrado sido mortalmente atingido pelo deslizamento das placas OBS, as quais lhe provocaram lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas.
Invocaram ainda que incumbia sobre a “J…” o dever de cooperar com a “E…” no sentido de zelar pela segurança e saúde dos que na obra se encontravam a trabalhar e enquanto empreiteira geral deveria coordenar com os restantes subempreiteiros a aplicação prática das medidas de segurança, higiene e saúde, o que não veio a acontecer e que a relação que a E… invoca na sua contestação com a entidade J… é uma relação conexa com a relação laboral existente entre entidade patronal e sinistrado, relação essa de complementaridade o que legitima a formulação por parte das autoras do presente pedido solidário, considerando os Autores as referidas entidades solidariamente responsáveis pelo pagamento do total da indemnização que abrange a totalidade dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares.
Em consequência, os Autores vêm peticionar a condenação solidária das rés seguradora, entidade patronal e empreiteira geral a pagar-lhes a quantia global de €60.000 “a título de compensação pelos danos morais sofridos”, para além do demais peticionado.
Notificada, veio então a Ré entidade patronal apresentar requerimento referindo nada ter a opor a ambas as intervenções requeridas. Defende, ainda “não ser já admissível a intervenção mediante articulado próprio”, constituindo o “pedido cumulativo” não pedido formulado no contexto da referida intervenção processual, mas “pretendendo, sim, concretizar uma ampliação do pedido primitivo formulado pelos Autores”. Invoca a “respectiva inadmissibilidade processual”, atento o disposto no artº265º do CPC, havendo que distinguir entre “ampliação” e “cumulação”, sendo “os pedidos formulados (..) cumulativos dos inicialmente formulados”, cumulação “inadmissível à luz da legislação adjectiva aplicável, porque violadora do princípio da estabilidade da instância”, mostrando-se ultrapassado o prazo do art.129º, nº3, do CPT.
Concluindo a Ré entidade patronal pela rejeição liminar dos pedidos formulados nas als.D) e E) do requerimento apresentado pelos Autores.
Seguidamente, após Despacho a determinar a notificação das rés para se pronunciarem sobre os incidentes de intervenção principal deduzidos, (fls.241), foram proferidos os Despacho de fls.242 que decidiu admitir o incidente de intervenção principal espontânea de L…, bem como o de fls.243 e 244 que decidiu admitir o incidente de intervenção principal provocada da sociedade J… e determinou a sua citação.
Citada, veio a interveniente J… contestar, concluindo pela improcedência da presente acção, com a sua consequente absolvição do pedido.
Invoca que enquanto entidade adjudicatária da empreitada em questão elaborou Plano de Segurança e Saúde específico para a execução da obra, que foi aprovado pelo dono da obra. No âmbito dessa empreitada celebrou com a Ré E… um contrato de subempreitada cujo objecto consistia na execução dos trabalhos relativos a demolições, saneamento básico, reabilitação de elementos estruturais, alvenarias e estraturas de betão armado da empreitada “Centro G…”. O sinistrado era trabalhador da R. E…, com a categoria profissional de carpinteiro, sendo que era ao serviço desta sob as suas ordens, direcção e fiscalização que se encontrava no local dos factos. Os trabalhos previstos e programados para o dia dos factos (22/07/2014) eram trabalhos de picagem e remoção do reboco antigo nas alvenarias das bancadas do aludido Centro Hípico. Anteriormente e face à previsão de execução das obras, foi colocada uma palete de placas OBS na cobertura da bancada do Centro Hípico, que se destinavam a ser aplicadas quando se iniciassem os trabalhos em altura. A palete de placas OBS foi colocada no ponto mais distante da frente de trabalho, com o intuito expresso de minimizar qualquer impacto/acidente. A palete de placas OBS foi colocada no estrito cumprimento das regras de segurança, de forma estável e imóvel, travada com barrote, trave de contrapeso (para nivelar a mesma) e ainda por encetar; a inclinação da cobertura era inferior a 15%. Os trabalhos na cobertura só iriam iniciar-se aquando o final dos trabalhos que estavam em execução-picagem e remoção dos rebocos; no entanto, a 22/07/2014, após o almoço, de forma inexplicável e seguramente para dar o seu melhor contributo para a execução da obra, sem a devida consciência dos riscos que corriam, dois trabalhadores da R. E… encetaram a palete e iniciaram os trabalhos de colocação das placas OBS. A execução deste tipo de trabalhos acarreta uma série de requisitos antes da sua realização, que os trabalhadores do subempreiteiro bem conheciam, designadamente os procedimentos de segurança a respeitar. A utilização das protecções de segurança, quer colectivas, quer individuais, são obrigatórias na empreitada e Ré exigiu sempre que todas as condições de trabalho e segurança fossem verificadas. A R. J… realizou visitas regulares de segurança às obras da empreitada, a última das quais havia ocorrido a 16/06/2014 conforme relatórios de vistoria. Promoveu também durante o decurso da empreitada diversas acções de formação aos trabalhadores dos subempreiteiros, sendo que nas acções de formação de 02/01/2014 e 10/06/2014 foram abordadas especificamente medidas de prevenção de acidentes de trabalho, perigos e riscos associados às tarefas a serem executadas.
No dia dos factos, após o almoço, o sinistrado e o seu colega M… encontravam-se sozinhos no local e iniciaram os trabalhos na cobertura sem utilizarem quaisquer equipamentos de protecção individual ou colectiva, “que bem conheciam porquanto eram trabalhadores experientes a quem inclusivamente no decurso da presente subempreitada havia sido dada formação; ademais, o trabalhador sinistrado era trabalhador da R. E… desde pelo menos 28/11/2005, sabia da obrigatoriedade do uso quer dos equipamentos de protecção individual, quer dos equipamentos de protecção colectiva, designadamente em obras em altura, desde logo porque tinha larga experiência na execução de obras e lhe tinha sido ministrada formação em segurança nesta empreitada”.
Considera que “o modo como o trabalhador sinistrado descurou a segurança a que estava obrigado e executou os trabalhos que originaram o acidentes, constituem um comportamento de risco, que este bem conhecia e foi causalidade adequada e exclusiva para a ocorrência do sinistro” e que “o procedimento adotado pelo trabalhador sinistrado na execução dos trabalhos não previstos e não programados para o dia dos factos foi da sua exclusiva responsabilidade e negligência grosseira”.
Conclui não poder ser-lhe imputada qualquer responsabilidade a nível de omissão, dado que não violou disposição legal atinente à segurança do trabalho, “o mesmo não sucedendo com o trabalhador sinistrado”.
Opôs-se, ainda, à admissibilidade do pedido cumulativo, considerando que os pedidos formulados nas alíneas D) e E) não constituem pedidos formulados no contexto da intervenção principal espontânea da A. L…, antes consistindo numa ampliação do pedido primitivo formulado pelos AA., que é processualmente inadmissível nos termos do artigo 265º do CPC, sendo os pedidos formulados “cumulativos dos inicialmente formulados”.
Notificada de tal contestação, veio a Ré E… apresentar o articulado de fls.354 e ss., concluindo como na sua contestação, impugnando o quadro circunstancial do acidente alegado pela Ré J….
Findos os articulados foi proferido despacho saneador, seguido de seleção da matéria de facto assente e controvertida.
Procedeu-se a julgamento, com observância do legal formalismo.
I.3 Subsequentemente foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
«Por todo o atrás exposto, julgo a presente ação procedente por provada e em consequência:
A) Condeno as Rés J…, Lda, E…, Unipessoal, Lda e D… plc, Sucursal em Portugal a pagar à Autora, B…:
a1) Uma pensão anual, vitalícia e actualizável no montante de €2.520,90 a ser paga mensalmente até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio devida a partir de 24 de Julho de 2014, alterável a partir da idade da reforma, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como o subsídio de férias e de Natal, cada um igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, acrescida de juros de mora a calcular sobre o montante mensal de cada uma dessas pensões à taxa legal de 4% ao ano desde a data de vencimento de cada uma dessas pensões mensais até integral e efectivo pagamento, sem prejuízo do direito de regresso da Ré Seguradora sobre a Ré Empregadora E….
a2) A quantia de €2.766,85, a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 24-07-2014 e até integral pagamento, sem prejuízo do direito de regresso da Ré seguradora sobre a Ré empregadora.
a3) A quantia de €1.490 a título de despesas de funeral, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 06-05-2015 e até integral pagamento, sem prejuízo do direito de regresso da Ré seguradora sobre a Ré empregadora.
a4) A quantia de €10 a título de despesas de deslocação, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 06-05-2015 e até integral pagamento, sem prejuízo do direito de regresso da Ré seguradora sobre a Ré empregadora.
B) Condeno solidariamente as Rés J…, Lda e E…, Unipessoal, Lda a pagar à Autora, B… em complemento da pensão referida em a1), uma pensão anual e actualizável a partir de 24 de Julho de 2014, no valor de €2.520,90, a ser paga mensalmente até ao terceiro dia de cada mês no seu domicílio, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, bem como o subsídio de férias e de Natal, igualmente no valor de 1/14 da pensão anual cada, a serem pagos nos meses de Junho e de Novembro, respectivamente, acrescida de juros de mora a calcular sobre o montante mensal de cada uma dessas pensões á taxa anual de 4% ano desde a data de vencimento de cada uma dessas pensões mensais até integral e efectivo pagamento.
C) Condeno as Rés J…, Lda, E…, Unipessoal, Lda e D… plc, Sucursal em Portugal a pagar ao Autor, C…:
c1) Uma pensão anual e actualizável no montante de €1.680,60, devida a partir de 24 de Julho de 2014, até completar 18 anos, ou entre os 18 e os 22 anos, enquanto frequente o ensino secundário ou curso equiparado, ou entre 18 e os 25 anos, enquanto frequente curso de nível superior ou equiparado, a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como o subsídio de férias e de Natal, cada um igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a ser pago nos meses de Junho e Novembro de cada ano, acrescida de juros de mora a calcular sobre o montante mensal de cada uma dessas pensões à taxa legal de 4% ao ano desde a data de vencimento de cada uma dessas pensões mensais até integral e efectivo pagamento, sem prejuízo do direito de regresso da Ré Seguradora sobre a Ré Empregadora E….
c2) A quantia de €2.766,85, a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 24-07-2014 e até integral pagamento, sem prejuízo do direito de regresso da Ré seguradora sobre a Ré empregadora.
D) Condeno solidariamente as Rés J…, Lda e E…, Unipessoal, Lda a pagar ao Autor, C… em complemento da pensão referida em c1), uma pensão anual e actualizável a partir de 24 de Julho de 2014, no valor de €1.680,60, a ser paga mensalmente até ao terceiro dia de cada mês no seu domicílio, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, bem como o subsídio de férias e de Natal, igualmente no valor de 1/14 da pensão anual cada, a serem pagos nos meses de Junho e de Novembro, respectivamente, acrescida de juros de mora a calcular sobre o montante mensal de cada uma dessas pensões á taxa anual de 4% ano desde a data de vencimento de cada uma dessas pensões mensais até integral e efectivo pagamento.
E) Condeno solidariamente as Rés J…, Lda e E…, Unipessoal, Lda a pagarem a quantia de €20.000 à Autora, B…, a quantia de €20.000 ao Autor C… e a quantia de €20.000 à Autora L…, perfazendo o montante total de €60.000, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes para os aludidos Autores da morte do sinistrado, a que acrescem os juros legais de mora, à taxa legal, a contar da data da prolação da presente sentença até integral e efectivo pagamento.
*
Valor da causa : €187.270,55 (artigo 120º do Código do Processo do Trabalho).
*
Custas pelas Rés J…, E… e Seguradora D…, na proporção do respectivo decaimentos, respectivamente, de 45% (Ré J…), 45% (Ré E…) e de 10% (Ré D…) (artigo 527º do CPC, ex vi artigo 1º, nº 2, al. a), do CPT e artigo 17º, nº 8 do Regulamento das Custas Processuais).
I.4 Inconformada com a sentença a Ré entidade empregadora E… UNIPESSOAL, LD. apresentou recurso de apelação, recorrendo ainda do despacho proferido na Audiência de Julgamento de 07.12.2016, na parte em que se pronuncia quanto à admissibilidade legal do articulado apresentado pela autora a fls. 171. e ss. O recurso foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
• Do despacho lavrado na ata de audiência de julgamento de 07.12.2016
1. A responsabilidade agravada prevista no art. 18º da L.A.T. e os factos em que a mesma assenta são inoponíveis à aqui Apelante, que os Autores não demandaram e cuja intervenção nunca requereram;
2. À data de apresentação do requerimento de fls. 172 e ss., a aqui Apelante já havia sido citada e contestado a ação, nunca tendo sido notificada – em nenhum momento ulterior do processo – para exercer o contraditório relativo aos factos invocados e aos pedidos formulados no aludido requerimento (mas tão-só em relação às intervenções aí requeridas);
3. Nos termos do disposto no art. 129º, nº 3 do C.P.T., “Se estiver em discussão a determinação da entidade responsável, ao autor e a cada um dos réus é entregue cópia da contestação dos outros réus, podendo cada um responder no prazo de cinco dias, mas apenas sobre aquela questão”, sendo que, à data da apresentação do requerimento de fls. 172 e ss., o prazo previsto no citado normativo há muito se encontrava ultrapassado;
4. Os pedidos formulados no ponto C4 do requerimento de fls. 172 e ss. não podem ser considerados como desenvolvimento ou consequência dos pedidos primitivos, atendendo não apenas a que assentam num distinto tipo de responsabilidade, como decorrem de factos que não foram sequer aventados previamente ao articulado das Rés seguradora e E… (designadamente, os insertos nos Pontos 20) e seguintes do requerimento em apreço);
5. A modificação objetiva da instância – com a formulação de novos pedidos e a ampliação da causa de pedir – operada pela apresentação do requerimento de fls. 172 e ss. é processualmente inadmissível, na medida em que viola os princípios da estabilidade da instância e do dispositivo, conforme previstos nos arts. 260º, 265º, n.ºs 1 e 2, e 552º, nº 1, al. d), todos do C.P.C. (aplicáveis ex vi art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.T.);
6. No âmbito dos pedidos formulados no ponto C4 do requerimento de fls. 172 e ss. o Tribunal a quo não pode condenar extra vel ultra petita, não só porque os mesmos pedidos reportam a indemnizações por danos não patrimoniais reclamados por familiares do sinistrado, mas igualmente porque a respetiva procedência depende, em todo o caso, da alegação e prova dos factos subjacentes aos direitos indemnizatórios reclamados, factos esses – eles próprios – inoponíveis à aqui Apelante, nos termos e com os fundamentos supra expostos;
• Da douta Sentença proferida (matéria de facto)
7. Do conjunto da prova produzida nos autos (designadamente, do doc. de fls. 337, conjugado com os depoimentos das testemunhas N… e O…) e da conjugação dos factos ora em apreço com os demais tidos por provados na douta Sentença proferida (designadamente, o vertido no Ponto 3.56) dos factos provados), resulta cristalina a demonstração da factualidade vertida no item 78º da base instrutória, factualidade essa que, como tal, deve ser incluída nos factos provados, com a seguinte redação: “A R. J… adoptou as medidas de segurança quando foram realizadas obras semelhantes na empreitada”;
8. A factualidade descrita no item 92º da base instrutória acha-se comprovada pelos depoimentos das testemunhas N… e P… e é amparada pelo contexto em que ocorreu o sinistro aqui em apreço (cfr. designadamente, 3.17), 3.22) e 3.56)), sendo o seu acolhimento a única solução coerente com o demonstrado no Ponto 3.21) dos factos provados, pelo que era incontornável dar como demonstrado que “Os trabalhos que ocasionaram o acidente não estavam previstos, programados ou haviam sido sequer destinados para o dia dos factos”;
9. Face à coincidência do sentido probatório dos elementos documentais (doc. de fls. 342) e testemunhais (depoimentos das testemunhas M… e P…) constantes dos autos a este propósito, dúvidas não podem existir quanto à denunciada imprecisão da factualidade inserta nos Pontos 3.42), 3.58) e 3.62) dos factos provados, a qual deverá, como tal, ser tida por não provada, dando-se por demonstrado, em substituição, que “No início da obra, foi ministrada ao trabalhador sinistrado e aos demais trabalhadores da ‘E…’ uma ação de formação em cujo âmbito foram abordados os perigos dos trabalhos em altura”;
10. Não apenas porque traduz um juízo puramente conclusivo, mas igualmente porque contraria a demais factualidade provada (designadamente, a contida nos pontos 3.5), 3.13), 3.15), 3.16), 3.17), 3.20), 3.21), 3.22), 3.33), 3.35), 3.43), 3.54), 3.55), 3.56), 3.57) e 3.60) dos factos provados), deve o Ponto 3.52) ser excluído da decisão relativa à matéria de facto;
• Da douta Sentença proferida (matéria de direito)
11. A aqui Apelante, na qualidade de entidade patronal do trabalhador sinistrado, não rejeita – nem poderia rejeitar – a responsabilidade que para si decorre do disposto no art. 7º da L.A.T. (Lei 98/2009, de 04/09), incidindo o presente recurso, tão-só, na reapreciação da responsabilidade agravada que, na douta decisão em crise, vem imputada à aqui Apelante, com fundamento no disposto no art. 18º do citado diploma legal – cfr. pontos B), D) e E) da decisão proferida;
12. Pese embora a apreciação do conjunto da prova produzida nos autos imponha as retificações supra requeridas na decisão relativa à matéria de facto, a verdade é que mesmo o conjunto dos factos tidos por provados na douta Sentença recorrida aconselhava (e aconselha) decisão distinta quanto à responsabilidade a assacar à aqui Apelante;
13. Crendo inegável a existência de uma óbvia e grosseira omissão na observância das regras de segurança adequadas à realização dos trabalhos que ocasionaram o sinistro, a aqui Apelante diverge do entendimento do Tribunal recorrido no que concerne à imputação da responsabilidade por essa mesma omissão;
14. À luz do enquadramento jurídico que acima se recuperou (cfr. excerto supra transcrito da douta decisão proferida), por estar em causa a apreciação da culpa ou negligência, a condenação dos diferentes intervenientes depende sempre da aferição da capacidade efetiva que os mesmos tinham de, por ação ou omissão, influenciar (positiva ou negativamente) a ocorrência do sinistro;
15. Se a responsabilidade agravada do art. 18º da L.A.T. não exigisse a aferição da capacidade efetiva que os agentes tinham de influenciar a ocorrência do sinistro, a mera existência de uma relação laboral justificaria, por si só e em todas as situações – e mormente nos casos de cedência de trabalhadores –, a responsabilidade agravada da entidade patronal, na medida em que sobre a mesma impende sempre o dever geral de acautelar as condições de segurança em que os respetivos funcionários exercem funções, entendimento nos termos do qual a responsabilidade agravada – que o legislador pretendeu que ficasse dependente da verificação da culpa do agente – passaria a ser imputada, na prática, como uma responsabilidade verdadeiramente objetiva, solução expressamente afastada pela letra e pela ratio do citado art. 18º;
16. A factualidade tida por provada (designadamente, a vertida nos Pontos 3.5), 3.13), 3.15), 3.16), 3.17), 3.20), 3.21), 3.22), 3.33), 3.35), 3.43), 3.54), 3.55), 3.56), 3.57) e 3.60) dos factos provados) traz à evidência é que a aqui Apelante adotou todos os cuidados que, com razoabilidade, lhe eram impostos e exigíveis no contexto dos conhecimentos que possuía relativamente aos trabalhos a levar a cabo, face ao contratado com a empreiteira J…, Ld.ª;
17. A aqui Apelante não só “muniu os respectivos trabalhadores de todo o equipamento de segurança individual necessário à realização dos trabalhos de picagem e limpeza, tendo entregue aos mesmos capacete de protecção, sapatos com biqueira e palmilha de aço, colete reflector e protectores auriculares” (cfr. Ponto 3.16) dos factos provados), como garantiu que a obra reunia todas as condições de segurança adequadas a evitar os riscos inerentes a todas as tarefas que os seus trabalhadores pudessem ser chamados a realizar (cfr. Pontos 3.17), 3.56) e 3.57) dos factos provados);
18. Aquilo que a aqui Apelante nunca teve oportunidade de acautelar foi a conduta imprevidente, intempestiva e absolutamente irresponsável do Encarregado da Obra (Sr. P… funcionário da J…, Ld.ª), que, conforme descrito no Ponto 3.22) dos factos provados, “com desconhecimento da ré E…, afastou os funcionários desta dos trabalhos que se encontravam a executar (picagem e limpeza das alvenarias das bancadas), ordenando que fossem colocar as ditas placas na cobertura” (sublinhado nosso), circunstância que a Apelante não podia prever – nem lhe era exigível que previsse;
19. Nos termos do douto Acórdão do STJ de 09.12.2010, (www.dgsi.pt/jstj-Processo nº 838/06.5TTMTS.P1.S1), “a implementação de medidas de proteção só é obrigatória quando o risco que visam salvaguardar efetivamente existir face a um juízo de prognose a formular no quadro do circunstancialismo existente aquando do acidente que seja conhecido ou que possa ou deva ser apercebido, e não face a um juízo a emitir com base em circunstâncias ou dados que só após o acidente se tornaram conhecidos ou cognoscíveis”;
20. É precisamente pela ausência de factualidade suscetível de corporizar qualquer atuação culposa (ou, sequer, negligente) da aqui Apelante que a respetiva condenação assenta, exclusivamente, na vigência da relação laboral com o trabalhador sinistrado;
21. Nos termos da factualidade demonstrada, não só não existia – pelo contrário – qualquer inobservância de medidas de segurança que a aqui Apelante pudesse constatar atempadamente, como à mesma não foi dado conhecimento da promoção dos concretos trabalhos – não programados nem contratualizados (note-se!) – que acabariam por redundar no evento infortunístico aqui em apreço, o que conduz à necessária conclusão de que a aqui Apelante não teve como influenciar – nem influenciou – a promoção de tais trabalhos nem as condições em que os mesmos foram executados;
22. Se é certo que a entidade patronal é objetivamente responsável pela reparação e demais encargos decorrentes do acidente de trabalho, é profundamente injusto e injustificado atribuir-lhe qualquer responsabilidade a título de culpa ou negligência subjacente à ocorrência do sinistro;
23. Pela consideração do conjunto da factualidade tida por provada nos autos, a condenação proferida contra a Apelante por responsabilidade agravada nos termos previstos no art. 18º da L.A.T. – cfr. pontos B), D) e E) da decisão proferida – viola a própria disposição legal em que assenta, a qual, ao invés, baseando-se na verificação de um comportamento culposo ou negligente, deveria ter sido interpretada e aplicada no sentido de isentar da responsabilidade aí prevista a aqui Apelante;
24. Mesmo na eventualidade de se admitir a viabilidade processual dos pedidos contra si formulados neste contexto – o que não se concede – e, em todo o caso, sem prescindir de tudo o supra requerido, impõe-se alterar a douta decisão proferida neste segmento, substituindo-a por outra que absolva a Apelante do petitório integrado no Ponto C4 do requerimento de fls. 172 e ss dos autos e acolhido nos pontos pontos B), D) e E) da douta decisão proferida;
25. Ainda que o Tribunal entendesse – como entendeu – existir a invocada responsabilidade subjetiva das sociedades E…, Ld.ª e J…, Ld.ª – o que não se concede –, sempre se impunha que tivesse fixado os distintos graus em que as respetivas atuações concorreram para a verificação do sinistro, condenando as Rés na proporção das respetivas culpas e não, indistintamente, enquanto responsáveis solidárias;
26. Se a responsabilidade prevista no art. 18º da L.A.T. é subjetiva, existe uma necessária relação entre a liquidação dessa mesma responsabilidade, por um lado, e a culpa do agente, por outro, relação essa que impõe que a obrigação de indemnizar não vá para além da referida culpa, devendo ser liquidada na sua exata medida;
27. O conjunto da factualidade provada nos termos supra transcritos evidencia que a aqui Apelante não teve intervenção direta e ativa na promoção dos trabalhos que ocasionaram o sinistro, a qual, de resto, desconhecia em absoluto;
28. Os factos provados (cfr., designadamente, Pontos 3.5), 3.13), 3.15), 3.16), 3.17), 3.20), 3.21), 3.22), 3.33), 3.35), 3.43), 3.54), 3.55), 3.56), 3.57) e 3.60) da decisão relativa à matéria de facto) demonstram que a Apelante fez tudo o que estava ao seu alcance para garantir não apenas que os respetivos trabalhadores se encontravam munidos dos equipamentos de segurança adequados à execução dos trabalhos contratualizados, mas igualmente que o estaleiro reunia – como, comprovadamente, reunia – as condições necessárias à execução, em segurança, de todas as tarefas que aqueles pudessem ser chamados a desempenhar;
29. Ao invés, o funcionário da Ré J…, Ld.ª protagonizou a conduta determinante da execução dos trabalhos que ocasionaram o acidente nas condições em que foram levados a cabo, dando causa ao sinistro que vitimou o trabalhador falecido;
30. Considerando a factualidade tida por provada nos autos (cfr., designadamente, Pontos 3.5), 3.13), 3.15), 3.16), 3.17), 3.20), 3.21), 3.22), 3.33), 3.35), 3.43), 3.54), 3.55), 3.56), 3.57) e 3.60) da decisão relativa à matéria de facto) e, bem assim, a sustentação da Sentença proferida a este propósito (cfr. excerto supra transcrito), dúvidas não restam de que, a existir – o que expressamente se contesta, nos termos e com os fundamentos supra transcritos –, a culpa da aqui Apelante na ocorrência do sinistro é muito diminuta;
31. Ao contrário do que sucede com a Ré J…, Ld.ª, a responsabilidade da aqui Apelante é estabelecida tendo como único fundamento a vigência da relação laboral;
32. O sinistro ficou a dever-se à atuação do funcionário da J…, Ld.ª, sem a qual o mesmo nunca teria ocorrido, ainda que a aqui Apelante tivesse omitido os respetivos deveres; por outro lado, a atuação da Apelante, se desligada da descrita conduta temerária do funcionário da J…, Ld.ª, nunca teria sido adequada a ocasionar o acidente em apreço;
33. Considerando tudo o supra exposto quanto aos diferentes graus de culpa das Rés na ocorrência do sinistro, a responsabilidade da Apelante deve ser fixada em proporção nunca superior a 10%, atribuindo-se, pelo menos, 90% da responsabilidade pelo evento infortunístico à Ré J…, Ld.ª e condenando as partes a satisfazer o crédito decorrente dos pontos B), D) e E) da condenação proferida na proporção das respetivas culpas;
34. Ao determinar a responsabilidade solidária das Rés E…, Ld.ª e J…, Ld.ª pelo pagamento da indemnização prevista no referido Ponto da condenação, a decisão recorrida violou, também aqui, o art. 18º nº 1 da L.A.T., que, conjugada com o disposto no art. 483º do C.C., deveria ter sido interpretada e aplicada no sentido de limitar a responsabilidade dos agentes à medida da respetiva culpa, com a consequente fixação dos graus de diferentes responsabilidade no que concerne ao pagamento das quantias previstas nos pontos B), D) e E) da condenação proferida.
NESTES TERMOS, REQUER-SE A V.EX.as SE DIGNEM CONCEDER INTEGRAL PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR O DOUTO DESPACHO LAVRADO NA ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO DE 07.12.2016, NA PARTE EM QUE DETERMINA A ADMISSIBILIDADE PROCESSUAL DO ARTICULADO APRESENTADO PELOS AUTORES A FLS. 172 E SS.,
SUBSTITUINDO TAL DECISÃO POR OUTRA QUE RECONHEÇA A INADMISSIBILIDADE PROCESSUAL DA MODIFICAÇÃO OBJETIVA DA INSTÂNCIA OPERADA PELO MESMO REQUERIMENTO, JULGANDO OS NOVOS FACTOS AÍ INVOCADOS E OS NOVOS PEDIDOS AÍ FORMULADOS INOPONÍVEIS, PELO MENOS, À AQUI APELANTE, TUDO COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS E, EM CONCRETO, COM A ABSOLVIÇÃO DESTA ÚLTIMA NO QUE RESPEITA AO PAGAMENTO DAS QUANTIAS CONTIDAS NOS PONTOS B), D) E E) DA CONDENAÇÃO PROFERIDA A FINAL.
SEM PRESCINDIR, MAIS SE REQUER A V.EX.as SE DIGNEM REVOGAR A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA AFINAL, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE ABSOLVA A APELANTE DAS CONDENAÇÕES CONSTANTES DOS RESPETIVOS PONTOS B), D) E E) OU, SUBSIDIARIAMENTE, FIXE A RESPONSABILIDADE DESTA ÚLTIMA EM PROPORÇÃO NUNCA SUPERIOR A 10%, ATRIBUINDO, PELO MENOS, 90% DA RESPONSABILIDADE PELO EVENTO INFORTUNÍSTICO À RÉ J…, LD.ª E CONDENANDO AS REFERIDAS RÉS A SATISFAZER O CRÉDITO DECORRENTE DOS PONTOS B), D) E E) DA CONDENAÇÃO PROFERIDA NA PROPORÇÃO DAS RESPETIVAS CULPAS, TUDO NOS TERMOS DAS CONCLUSÕES QUE ANTECEDEM E COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS
I.5 Os Autores apresentaram contra-alegações, finalizando-as com as conclusões seguintes:
Revogação do douto despacho lavrado na ata de audiência de julgamento de 07.12.2016.
A- As recorridas não teriam outra possibilidade de apresentar o pedido fundamentado nos termos do art.º 18.º da L.A.T. em momento processual prévio.
B- A recorrida B…, por si e em representação do seu filho, intentou a respectiva petição inicial, contra a ré seguradora, não tendo conhecimento de factos que surgiram posteriormente no processo.
C- A ré seguradora na contestação ao alegar que a recorrente seria responsável pela ocorrência do sinistro, e ao anexar o relatório da ACT que não havia sido anteriormente notificado à Autora, bem como, a recorrente que na sua contestação alega a existência de uma nova entidade responsável (J…) carrearam para os autos factos que não era do conhecimento da Autora, nem esta tinha a obrigação de os conhecer.
D- Esses novos factos legitimam que a autora por si e em representação do seu filho, deduza um pedido de intervenção provocada da entidade “J…”, bem como a inclusão de um novo pedido, cumulando ao existente, um pedido indemnizatório de 60.000 euros justificado pela ocorrência de danos não patrimoniais, que devem ser indemnizados em virtude de ter ocorrido negligência grosseira de ambas as entidades no cumprimento de normas básicas de segurança, nos termos do art.º 18.º da Lei 98/2008, de 04 de Setembro.
E- A recorrente no dia 10 de Dezembro de 2015 opõem-se à formulação de tal pedido, através de peça processual enviada via Citius, demonstrando assim ter tido conhecimento do peticionado e assumindo uma posição perante o mesmo, nomeadamente procedendo à sua impugnação, sendo falso que não tenha tido a oportunidade de exercer o contraditório. (Cfr. ponto 25 do seu requerimento: “Contudo, e por mero dever de patrocínio, vai desde já expressa e especificadamente impugnada toda a factualidade constante dos Pontos 20) e seguintes do aludido requerimento, a qual não corresponde à verdade.”)
F- A recorrente após ter sido oficiosamente notificada para se pronunciar relativamente aos incidentes de intervenção suscitados pelas recorridas, nada disse, sendo injustificada a alegação de que não tenha sido respeitado o princípio do contraditório, pois o pedido nos termos do art.º 18.º encontrava-se inserido na peça processual da qual foi notificada.
G- Na data de 1 de Junho de 2016, foram as partes notificadas da admissão do incidente de intervenção principal provocada e espontânea, nos termos do art.º 127 do C.P.T., incidente do qual consta o pedido nos termos do art.º 18.º formulado pelas autoras, notificação suficiente para se considerar que as rés foram demandadas.
H- A interpretação que a recorrente faz do n.º 3 do art.º 129.º do C.P.T. não é a mais acertada, isto porque, as recorridas peticionaram a indemnização por danos não patrimoniais em momento anterior à contestação da Ré “J…”, ou seja, em momento anterior ao último articulado.
I- O n.º 2 do art.º 28.º do C.P.T legitima o pedido efetuado pelas autoras.
J- O carácter público inerente ao processo especial para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho legítima o pedido formulado pelas autoras.
K- A recorrente ao ser notificada do despacho saneador, do qual consta da base instrutória (43.º a 60ª) factos relativos ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais formulados pelas autoras, teve oportunidade de relativamente aos mesmos exercer o contraditório, nada tendo reclamado.
L- As Autoras não tinham assim conhecimento até à contestação da seguradora e da recorrente, do teor do relatório do ACT (o qual menciona a violação de normas de segurança por parte das entidades responsáveis), bem como, do facto de existir uma cessão de trabalhadores da Ré “E…” à Ré “J…”, na qual estava incluído o trabalhador sinistrado, factos que justificam que não tenham formulado o pedido de indemnização por danos não patrimoniais no momento da petição inicial, mas apenas após a contestação da recorrente e antes da contestação da ré “J…”.
Da matéria de facto
M- Mesmo que se considere como provado que a recorrente ministrou formação sobre segurança no trabalho ao sinistrado, sobre o perigo de trabalhos em altura, o certo é que foi um responsável da “J…” quem deu a ordem aos trabalhadores para executarem um trabalho sem ter previamente assegurado o mínimo de elementos quer de segurança colectiva, quer de segurança individual, o que justifica a condenação da recorrente nos termos da douta sentença, a qual dá como provado que nenhuma das rés, incluindo a recorrente, ministrou ao trabalhador qualquer formação de segurança, ou apresentou qualquer plano prévio de segurança para aquele trabalho especifico, actos prévios legalmente exigidos em virtude da existência de risco de queda de trabalhadores na sua execução.
Da matéria de direito
N- A recorrente na qualidade de cedente estaria obrigada a verificar as condições de segurança e de trabalho do sinistrado.
O- O art.º 18.º da mencionada Lei 98/2009, de 04 de Setembro, responsabiliza solidariamente a empresa para o qual o sinistrado esteja no momento do sinistro a exercer a sua actividade e a empresa que é a entidade patronal do mesmo, a qual cedeu o trabalhador.
P- Para além de ficar provado o nexo de causalidade entre a conduta temerária na inobservância das mais elementares regras de segurança por parte da “J…” e a ocorrência do acidente, foi a própria recorrente, na qualidade de entidade patronal do sinistrado, quem não assegurou que no local onde o trabalhador iria no decurso do contrato de empreitada prestar o seu trabalho, estariam asseguradas as essenciais regras de segurança, saúde e higiene, facto suficiente para que possa ser condenada nos termos constantes da douta sentença.
Concluem pugnando pela improcedência do recurso, mantendo-se a sentença.
I.6 A Seguradora D…, Sucursal em Portugal, veio nos termos do art.º 634º, do CPC, apresentar requerimento de adesão ao recurso interposto pela entidade empregadora, a co-ré E…, declarando subscrever na íntegra as alegações de recurso por esta apresentadas. Declarou, ainda, nos termos e para os efeitos do nº 5 do artº 634º do CPC, requerer que seja admitida a sua posição como recorrente principal.
I.7 A J…, S.A., veio nos termos do disposto dos artigos 633.º do CPC e 81.º n.º 1 e n.º 4 do C.P.T., interpor RECURSO SUBORDINADO, relativamente despacho proferido na Audiência de Julgamento de 07/12/2012 no que concerne à admissibilidade legal do articulado apresentado pelas AA. a fls. 171 e ss, e da Sentença proferida a final.
Encerrou as alegações com as conclusões seguintes:
Do Despacho constante da acta de audiência de 07/12/2016
1. A R. ora recorrente foi citada para apresente acção em sede de incidente de intervenção principal provocada suscitado a fls. 172.º;
2. Aquando do referido requerimento de intervenção principal provocada as AA. efectuaram um novo pedido, que denominaram “pedido cumulativo”, onde peticionam a condenação solidária da RR. E… e J… nos termos do disposto no artigo 18.º da L.A.T.;
3. Novo pedido este, que, s.m.o., não tem cabimento legal nos moldes, termos e prazos em que foi deduzido.
4. Tais pedidos sustentados nos pontos 16) e seguintes do requerimento de fls 172 ss, e formulados nas alíneas D) e E) sob a designação de “pedido cumulativo” não constituem pedidos formulados no contexto da referida intervenção processual, antes sim, consistem numa ampliação do pedido primitivo formulado pela A. B…, ampliação esta que é processualmente inadmissível.
5. O peticionado neste articulado pelas AA. não se enquadra nas previsões do artigo 265.º do CPC (aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a) do C.P.T.), pois não há qualquer confissão feita por qualquer uma das RR. e também porque, os pedidos ali formulados não podem ser considerados como desenvolvimento ou consequência dos pedidos primitivos.
6. Tais pedidos são, na realidade, cumulativos dos inicialmente formulados, contudo, tal cumulação ora requerida é inadmissível à luz da legislação adjetiva aplicável, porque violadora do princípio da estabilidade da instância.
7. A petição inicial conforme apresentada, e à qual a A. L… aderiu através da sua intervenção principal espontânea, esta formatada e assente conforme supra se disse num tipo de responsabilidade – a objectiva – que não a que fundamenta o pedido constante no requerimento de fls. 172.º e ss.
8. Termos em que, deverão os pedidos formulados nas alíneas D) e E) do requerimento acima identificado ser considerados processualmente inadmissíveis nos termos formulados no requerimento de fls. 172 e ss, designadamente por violação expressa dos artigos 7.º, 8.º, 18.º da L.A.T, 260.º, 265.º n.º 1 2 n.º 2, e 552 n.º 1 d) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º n.º 2 a) do CPT, com as legais consequências.
Da Sentença - Matéria de Facto
9. Questiona-se no presente recurso a prova produzida relativamente aos factos 78.º e 92.º da base instrutória - factos dados como não provados pelo Exm.º Tribunal a quo, pois, tendo em conta a prova produzida e constante dos autos, testemunhal e documental, tais factos deveriam ter sido dados como provados e assim, excluída a responsabilidade da R. ora recorrente.
10. No ponto 78.º da base instrutória questionava-se se “A R. J… adoptou as medidas de segurança quando foram realizadas obras semelhantes na empreitada?”, sendo que seguramente por mero lapso o Tribunal a quo deu esta factualidade como não provada, porquanto esta contradiz a demais factualidade provada nos autos, designadamente a contida no Ponto 3.56 dos factos provados.
Tal factualidade está documentada a fls. 337 dos autos, documento esse que contém uma fotografia que foi analisada na audiência de julgamento, e que unanimemente foi aceite por todas as testemunhas inquiridas sobre ela como sendo uma imagem que retrata trabalhos semelhantes realizados na empreitada (veja-se o depoimento da testemunha N…, Diretor de Obra da Ré ora recorrente, cujo depoimento se encontra gravado em sistema digital de 14:41:56 a 16:03:41segundos, pelo que, deve a factualidade contida no ponto 78.º da base instrutória ser incluída nos factos provados, nos seguintes moldes: “A R. J… adoptou as medidas de segurança quando foram realizadas obras semelhantes na empreitada”;
11. E no ponto 92.º da Base Instrutória questiona-se se “Os trabalhos que ocasionaram o acidente não estavam previstos, programados ou haviam sido sequer destinados para o dia dos factos”, tendo o Exm.º Tribunal a quo dado tal factualidade como não provada, verifica-se desde logo e de uma forma cristalina uma contradição entre a resposta dada a este ponto da base instrutória e a factualidade tida como provada no ponto 3.21) dos factos provados, desde logo porque neste ponto se considera provado que “Os trabalhos previstos e programados para o dia dos factos, 22/07/2014, eram trabalhos de picagem e remoção do reboco antigo nas alvenarias das bancadas do Centro G…”.
12. Ora, ao dar como provado discriminadamente quais os trabalhos previstos e programados para o dia dos factos e ao excluir desses os trabalhos que originaram o acidente, impunha-se ao Exm.º Tribunal a quo que desse como provado a factualidade constante no ponto 92 da base instrutória, o que expressamente se requer, nos seguintes termos: “Os trabalhos que ocasionaram o acidente não estavam previstos, programados ou haviam sido sequer destinados para o dia dos factos”.
13. Questiona-se ainda a matéria de facto dada como provada os pontos, 3.42), 3.58) e 3.62) dos factos provados, porque destes resulta que não terá sido ministrada qualquer formação de segurança ao trabalhador sinistrado, o que não corresponde, salvo o devido respeito, minimamente à verdade, nem pode resultar, muito menos claramente quer da prova produzida em audiência de julgamento, quer da prova documental constante dos autos.
14. Isto porque, resulta inequivocamente provado nos autos que ao trabalhador sinistrado foi ministrada a competente formação e que foi abordada em tal formação os riscos inerentes aos trabalhos em altura, desde logo, foi ministrada formação ao trabalhador sinistrado tendente a destacar e evitar as causas de acidentes de trabalho, em geral, e os riscos associados aos trabalhos a realizar, em particular, conforme resulta claramente do documento de fls. 342 dos autos - registo da ação de formação efetuada aquando da entrada dos trabalhadores em obra, assinada pelo trabalhador sinistrado e que o Exm.º Tribunal a quo não ponderou ou sequer valorou.
15. Impõe-se assim que se dê a factualidade constante dos pontos 3.42), 3.58) e 3.62) dos factos provados, como não provada, devendo sim dar-se como provado que:
“Foi ministrada ao trabalhador sinistrado uma ação de formação em cujo âmbito foram abordados os perigos dos trabalhos em altura” – o que, expressamente, se requer.
16. Também a matéria de facto constante dos pontos 3.79), 3.80), 3.82) e 3.83) dos factos provados foi, s.m.o., erradamente valorada e erradamente julgada, porquanto desta resulta cristalinamente que teve o Exm.º Tribunal a quo por demonstrado que, para além do vencimento da A. B… o agregado familiar do sinistrado não beneficia, desde o falecimento deste último, de qualquer outro rendimento.
17. Sucede que, tal não tem a mínima aderência com a realidade que ficou demonstrada e provada em sede de audiência de julgamento, desde logo nas declarações de parte prestadas pela A. B…, integralmente valoradas pelo Exm.º Tribunal a quo, esta reconheceu expressamente que a sua filha maior, a também aqui A. L…, que integra o agregado familiar, após o falecimento do sinistrado passou a exercer uma profissão, auferindo um rendimento mensal igual ao salário mínimo nacional, à data de 530,00€.
18. Há assim, mais uma vez, uma patente e grave contradição sobre os factos constantes dos pontos 3.79), 3.80), 3.82) e 3.83) dos factos provados e a factualidade que efectivamente foi provada e demonstrada na audiência de julgamento, que urge corrigir, o que expressamente se requer.
19. Face ao teor das declarações de parte prestadas pela A. B…, única prova produzida quanto aos rendimentos do agregado familiar –, deverá a factualidade contida nos pontos 3.80), 3.82) e 3.83) ser tida por não provada, passando o ponto 3.79) a ter a seguinte redação: “3.79. A viúva aufere e auferia à data do sinistro o vencimento mensal pelo exercício da profissão de Costureira, da quantia de €531,26 e o sinistrado auferia o vencimento anual de €496,50 x 14 + €6,00 x 11 [53º]”, dando-se ainda por provado que: “Após o falecimento do sinistrado, a A. L… passou a exercer uma profissão remunerada, da qual retira o rendimento mensal correspondente à retribuição mínima mensal garantida, à data no valor de 530,00€, com o que ajuda nas despesas do agregado familiar”.
Da Sentença - Matéria de Direito
20. A apreciação do conjunto da prova produzida na presente acção impõe as correcções supra elencadas relativamente à matéria de facto, no entanto, também em matéria de direito se impõe uma outra decisão quanto à responsabilidade da R. ora recorrente.
21. Desde logo porque a entidade patronal do trabalhador sinistrado é a a R. E…, sendo que esta tinha transferido a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho para aqui também R. D….
22. A R. ora recorrente celebrou com a R. E… um contrato de subempreitada que se encontra junto aos autos a fls…. como documento n.º 2 da contestação da R. E… e cujo teor não foi analisado ou sequer valorado pelo Ex.º Tribunal a quo, resultando claramente das condições gerais de contratação o seguinte: dos pontos 11.1, 11.2, 11.2.1, 11.2.2, 11.6, 11.7 e 11.8 que incumbia ao subempreiteiro conforme contratualmente acordado cumprir e fazer cumprir aos seus trabalhadores todas as normas de legais e regulamentares de segurança de trabalho com vista a evitar os acidentes de trabalho.
23. Assim, era à R. E… e não à R. ora recorrente que se impunha a obrigação legal e contratual de fazer cumprir ao trabalhador sinistrado e fazer observar nos trabalhos por este executado todas as normas de segurança com vista a cumprir evitar acidentes de trabalho.
24. Acresce ainda que, nos factos dados como provados, no ponto 3.20 refere o Exm.º Tribunal a quo que “No momento do acidente, o trabalhador acidentado encontrava-se a executar um trabalho completamente alheio à subempreitada negociada entre a aqui ré E… e a empreitada principal [25º]”, esquecendo por completo que o contrato de subempreitada celebrado previa especificamente no ponto 6.9 das condições gerias de contratação a possibilidade de execução de trabalhos a mais.
25. A R. E… enquanto entidade patronal do trabalhador sinistrado não adoptou os cuidados, cumpriu as normas ou as regras de segurança a que estava obrigada legal e contratualmente.
26. A a entidade patronal é a primeira responsável pelos acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores - sublinhamos para destacar/ realçar a ligação íntima entre o empregador e os trabalhadores.
27. O trabalhador sinistrado era trabalhador da R. E… independentemente do local onde prestava trabalho.
28. Atenta a decisão proferia, A R. ora recorrente estará assim in casu a responder por um acidente de trabalho de um trabalhador que não é seu.
29. A douta sentença proferida confunde duas coisas claras e que para a R. ora recorrente são cristalinas: quem está obrigado a garantir as condições de segurança (implementado as respectivas medidas) e quem está obrigado à reparação de acidentes de trabalho, partindo da primeira para afirmar que o responsável pelas condições de segurança é também o responsável pelas prestações decorrentes de acidente de trabalho. Mas este, salvo o devido respeito, é um salto lógico impossível de dar e não encontra, como não podia encontrar, qualquer apoio na legislação aplicável.
30. É que as obrigações de segurança numa obra (e o seu cumprimento defeituoso) não alteram o contrato de trabalho nem o contrato de seguro, veja-se a este título ao Acórdão do STJ de 20/06/2015, disponível em www. dgsi. pt relativo ao processo 279/07.7 TTBJA.E1.S1 e ainda o acórdão da Relação de Lisboa, de 25 de Janeiro de 2006 (no mesmo local, proc. n.º 8792/2005-4), onde se lê «Ainda que a responsabilidade pela observância das condições de segurança num determinado local incumba a terceiro, continua a ser a entidade patronal do sinistrado a responsável directa perante este por determinar a execução da prestação laboral em local onde não foram previamente cumpridas as prescrições legais sobre higiene e segurança no trabalho».
31. O fundamental é sempre a responsabilidade da entidade empregadora por acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores, pois de maneira nenhuma se vê como um terceiro, sem prejuízo de outros tipos de responsabilidade, há-de ser responsabilizado por prestações que a lei não lhe impõe.
32. Em jeito de síntese se dirá que, no âmbito da L.A.T., a obrigação de reparar os danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais recai sobre as pessoas singulares ou colectivas de direito privado e de direito público, não abrangidas por legislação especial, relativamente a trabalhadores ao seu serviço, sendo que tais entidades são obrigadas a transferir a responsabilidade prevista naquela lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro.
33. Da exposta enunciação legal decorre que o vínculo obrigacional do qual emergem os direitos previstos na referida lei se estabelece entre o sinistrado ou os seus beneficiários legais, por um lado, e a entidade empregadora ou/e a seguradora, por outro, sendo que essa responsabilidade subsiste, inclusivamente, nas situações em que o acidente foi causado por outros trabalhadores ou por terceiros.
34. Ainda que a responsabilidade pela definição e observância das regras de segurança incumbisse a um terceiro, tal facto não eximia o empregador da sua responsabilidade infortunística perante os seus trabalhadores, ainda que coubesse a um terceiro a direcção e orientação da actividade destes (cfr., o Acórdão deste Supremo Tribunal de 17 de Março de 2010, proferido na Processo n.º 436/09.1YFLSB- 4.ª Secção, também citado no Acórdão recorrido, acessível em www.dgsi.pt; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2008, proferido no Processo n.º 836/08, acessível em www.dgsi.pt).
35. A sentença proferida viola os artigos 7.º, 8.º e 18.º da L.A.T. artigos 260.º, 265.º n.º 1 2 n.º 2, e 552 n.º 1 d) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º n.º 2 a) do C.P.T. devendo assim ser alterada nos termos requeridos e, bem assim, ser a R. ora recorrente integralmente absolvida do peticionado.
Conclui pedindo a procedência do recurso, em consequência revogando-se o despacho lavrado na acta de audiência de julgamento de 07/12/2016, na parte em que determina a admissibilidade do articulado apresentado pelas AA. a fls. 172.º e ss dos autos, com as legais consequências; e, sem prescindir, ser revogada a douta sentença proferida, absolvendo-se integralmente a R. J… nos termos alegados e com as legais consequências.
I.8 O Ministério Público emitiu parecer o parecer a que alude o art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência dos recursos.
I.8.1 Respondeu a R. J…, reiterando a posição assumida no recurso subordinado.
I.9 Foram colhidos os vistos legais e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.10 Questão prévia: admissibilidade do recurso subordinado d a R. J…, SA.
A J…, S.A., veio nos termos do disposto dos artigos 633.º do CPC e 81.º n.º 1 e n.º 4 do C.P.T., interpor RECURSO SUBORDINADO, relativamente despacho proferido na Audiência de Julgamento de 07/12/2012 no que concerne à admissibilidade legal do articulado apresentado pelas AA. a fls. 171 e ss, e da Sentença proferida a final.
Coloca-se a questão prévia de saber se no caso é admissível recurso subordinado.
O Código de Processo do Trabalho não regula – nem nunca regulou nas suas versões anteriores - exaustivamente o regime recursivo do processo laboral, daí resultando a necessidade de recorrer subsidiariamente ao regime recursivo do Código de Processo Civil em tudo o que não é especificamente regulado pela lei processual [art.º 1 n.ºs 1 e 2 al.a), CPT].
No que respeita ao recurso subordinado, o CPT limita-se a estabelecer que “Havendo recurso subordinado, deve ser interposto no mesmo prazo da alegação do recorrido, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores” [art.º 81.º/4].
A admissibilidade do recurso subordinado deve, assim, ser aferida face ao artigo 633.º, com a epígrafe “Recurso independente e recurso subordinado”, onde se dispõe:
1 - Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.
2 - O prazo de interposição do recurso subordinado conta-se a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária.
3 - Se o primeiro recorrente desistir do recurso ou este ficar sem efeito ou o tribunal não tomar conhecimento dele, caduca o recurso subordinado, sendo todas as custas da responsabilidade do recorrente principal.
4 - Salvo declaração expressa em contrário, a renúncia ao direito de recorrer ou a aceitação, expressa ou tácita, da decisão por parte de um dos litigantes não obsta à interposição do recurso subordinado, desde que a parte contrária recorra da decisão.
5 - Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respetivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre.
Com a clareza que lhe é peculiar, o Professor Alberto dos Reis [Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Reimpressão, 1984, p.286/287] em anotação ao art.º 682.º do Código de Processo Civil então vigente, cuja redacção tem correspondência nos n.ºs 1 a 3, do artigo.º 633.º do actual CPC, sobre a destrinça entre recurso independente e recurso subordinado e a delimitação do respectivo campo de aplicação, elucida o seguinte:
Pode dar-se o caso de a decisão ser desfavorável a mais do que um litigante. O fenómeno pode apresentar-se sobre dois aspectos, que Q… designa por decaimento (S…) paralelo e decaimento recíproco. Foram vencidos vários réus ou vários autores: decaimento paralelo. Venceram e foram vencidos, em parte, o autor e o réu; decaimento recíproco ou inverso.
Ora bem. Num e noutro caso pode suceder que um dos vencidos reaja contra a decisão, mediante recurso, e que outro ou os outros fiquem inactivos. Surge então o problema de saber qual o efeito do recurso em relação aos vencidos que não recorreram.
O art.º 682.º resolve o problema para o caso do decaimento recíproco; o art. 683.º dá a solução para o decaimento paralelo [este último tem correspondência no actual art.º 634.º, com a epígrafe “Extensão do recurso aos compartes não recorrentes”].
Prossegue mais adiante:
«Mas perante uma sentença em parte favorável ao autor e em parte favorável ao autor e em parte favorável ao réu, a disposição psicológica, o estado de espírito de qualquer dos litigantes pode apresentar-se nestes termos:
1) Resolução firme e decidida de impugnar a decisão naquilo em que lhe foi desfavorável;
2) Inclinação e tendência para se conformar com a decisão, caso a parte contrária não recorra.
Porque as realidades são estas, o art. 682.º pôs à disposição do vencido meios de dar satisfação a cada um dos interesses desenhados. Efectivamente, a parte vencida pode lançar mão ou de recurso independente ou de recurso subordinado. A 1.ª espécie ajusta-se à disposição psicológica descrita em primeiro lugar; a 2.ª espécie quadra perfeitamente ao estado de espírito definido em segundo lugar.
Na verdade, se o autor ou o réu está firmemente disposto a impugnar a decisão qualquer que seja a atitude que venha a tomar o seu adversário, não tem outra coisa a fazer senão interpor recurso independente, pois que com este recurso assegura novo exame da causa na parte em que a decisão lhe foi desfavorável. Chama-se independente este recurso, precisamente porque a sua sorte e o seu destino não ficam na dependência da resolução que haja de aportar a parte contrária.
Se, pelo contrário, o autor ou o réu só quer recorrer no caso de a outra parte impugnar a decisão, está naturalmente indicado que use o recurso subordinado, pois que, como o nome inculca, este recurso fica dependente das vicissitudes por que haja de passar o recurso de que depende – o recurso principal ou independente interposto pelo adversário».
Pois bem, no caso apenas decaíram as Rés, o que significa que estamos em presença de uma situação de decaimento paralelo.
Assim, as Rés podiam recorrer em recurso independente ou, não pretendo alguma delas seguir esse caminho e desde que pelo menos uma delas recorresse, poderiam então usar da faculdade possibilitada pelo art.º 634.º do CPC.
Foi o que se verificou com a Ré seguradora, que optou pela adesão ao recurso independente da ré empregadora “E…, Unipessoal, Lda”.
Não podiam era, como o veio fazer a Ré J…, apresentar recurso subordinado. O presente recurso subordinado interposto por esta R. não é, pois, admissível.
Não obstante, afigura-se-nos que em parte, o evidente propósito de impugnação pode ser entendido e convolado como adesão ao recurso da recorrente empregadora, pois se bem atentarmos nas conclusões 1 a 12, constata-se que nas mesmas não só são suscitadas questões igualmente colocadas por esta última, como para além disso os fundamentos são comuns.
Mas impõe-se entrar em maior detalhe. Nas conclusões 1 a 8, a R. J… pretende impugnar o despacho proferida na audiência de julgamento, em 7/12/2016, visando que os pedidos formulados nas alíneas D) e E) do requerimento de intervenção principal provocada de fls. 172, sejam considerados processualmente inadmissíveis. Na alínea D do aludido requerimento, as “AA. por si e a A. B… em representação do seu filho menor, (requerem) a condenação solidária das Rés, no pagamento”, dos vários definidos que depois elencam nas subalíneas c1 a c7, entre eles relevando o da subalínea c4, onde se lê: “Da quantia global de €60.000 ser paga às Autoras e ao filho menor do sinistrado, a título de responsabilidade por danos morais sofridos por eles e pela vítima”.
O propósito de impugnação da R. J… do despacho de 07-12-2016, vai para além do da recorrente empregadora, mas há um ponto comum: os pedidos da subalínea c4. Com efeito, a Ré empregadora no seu recurso independente impugnou também esse mesmo despacho para defender que “[O]s pedidos formulados no ponto c4 do requerimento de fls. 172 e ss. não podem ser considerados como desenvolvimento ou consequência dos pedidos primitivos”, pugnando pela inadmissibilidade do mesmo (cfr. conclusões 4 e 6).
Quanto aos demais referidos pela J… já o mesmo não acontece, estando por isso afastada a possibilidade de convolação do recurso subordinado para adesão ao recurso da Ré empregadora.
Para além disso, a R. J…, nas conclusões 9 a 12, vem impugnar a decisão sobre a matéria de facto nos mesmos termos que o faz a recorrente empregadora, isto é, pondo em causa os factos 78 e 92 da base instrutória dados como não provados.
Por conseguinte, não tendo apresentado recurso independente – sendo irrelevantes as razões -, quanto a estas questões, em concreto, a não admissibilidade do pedido na alínea D), subalínea c4, e a impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto aos factos 78 e 92 da base instrutória, os quais foram considerados não provados, era possível à recorrente J… ter aderido ao recurso independente da recorrente empregadora na parte em que também as suscita com idênticos fundamentos.
Assim, nessa consideração, por aplicação do princípio consagrado no art.º 193.º n.º3, do CPC, cremos justificar-se a convolação do recurso subordinado em adesão ao recurso da Ré empregadora.
Salienta-se, porém, que a mesma solução não pode já ser dada quanto a tudo o mais: nas conclusões 13 a 19 a J… pretende impugnar outros factos que não foram impugnados pela recorrente empregadora; e, nas conclusões 20 a 35 vem suscitar questões de direito que são contrárias aos interesses da recorrente empregadora. Assim, para impugnar aqueles factos e para suscitar estas questões, o meio adequado seria apenas o recurso de apelação independente, apresentado tempestivamente, ou seja, dentro do prazo de recurso contado a partir da notificação da sentença. Mas não é essa a situação, dado que por um lado optou expressamente pela interposição do recurso subordinado e, por outro, fez uso do prazo próprio para esta situação, contado o prazo a partir da notificação do requerimento de interposição do recurso pela recorrente empregadora.
Concluindo, decide-se rejeitar o recurso subordinado, mas convolando-se parte dele, nomeadamente a abrangida pelas conclusões 1 a 12, com as questões acima indicadas, como adesão ao recurso da Recorrente empregadora, nos termos do art.º 634.º do CPC.
II. Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas pela recorrente empregadora consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Na decisão proferida na audiência de julgamento em 7-12-2016, por não serem admissíveis os pedidos formulados no ponto c4, do requerimento de 26-11-2016, pela Autora B…, por si e em representação do seu filho menor, e por L…, filha do sinistrado.
ii) Na decisão sobre a matéria de facto, ao considerar não provados os factos da base instrutória sob os números 78 e 92 (conclusões 7 e 8); e, ao considerar provados os factos dos pontos 3.42, 3.58 , 3.62 (conclusão 9) e 3.52 (conclusão 10).
iii) Na aplicação do direito aos factos ao considerar que a Recorrente é responsável (solidária) pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho, nos termos do disposto no art.º 18.º da lei 98/2009, condenando-a solidariamente nos pedidos a que se referem as alíneas B), D) e E), do dispositivo da sentença.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O elenco factual fixado pelo tribunal a quo consiste no que abaixo transcrito, assinalando-se que se mantém a ordenação constante da sentença para facilitar a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto: Assim:
3.1. F… nasceu no dia 04-02-1968 e faleceu no dia 23 de Julho de 2014, no estado de casado com B…, conforme assento de óbito junto a fls. 28 dos autos, [A)].
3.2. B… nasceu em 19 de Novembro de 1970 e casou catolicamente, sem convenção antenupcial, com F… em 18 de Julho de 1992, conforme assento de nascimento junto a fls.50 e 51 e assento de casamento junto a fls.56, [B)].
3.3. Em 6 de Dezembro de 1993 nasceu L…, filha de F… e de B…, [C)].
3.4. Em 6 de Novembro de 2008 nasceu C…, filho de F… e de B…, [D)].
3.5. O trabalhador sinistrado era trabalhador da R. E… desde pelo menos 28/11/2005, [cfr. 85º]
3.6. A R. J… celebrou, a 20/12/2013, com o Município T… um contrato de empreitada denominado “Centro G… – …”, com vista à execução dessa obra pública que lhe foi adjudicada em sede de concurso público levado a cabo para o efeito, [61º].
3.7. A R. J… enquanto entidade adjudicatária da empreitada elaborou Plano de Segurança e Saúde específico para a execução da obra, [62º].
3.8. Plano que foi aprovado pelo Dono de Obra por despacho datado de 22/01/2014, [63º].
3.9. A R. J… tinha um técnico de segurança responsável pela empreitada, cuja presença não era permanente na obra, [83º].
3.10. À data de 22 de Julho de 2014, F… era trabalhador da R. E…, com a categoria profissional de carpinteiro e auferia da sociedade E…, Unipessoal, Ldª, a retribuição anual de €496,50 x 14 + €6,00 x 22 x 11, [I) e cfr. 65º].
3.11. O trabalhador sinistrado tinha larga experiência na execução de obras, [cfr. 86º].
3.12. No âmbito daquela empreitada a R. J… celebrou, a 15/01/2014, com a também R. E… um contrato de subempreitada cujo objecto consistia na execução dos trabalhos relativos a demolições, saneamento básico, reabilitação de elementos estruturais, alvenarias e estrutura de betão armado da empreitada denominada como “Centro G… – …”, [64º].
3.13. Os trabalhadores da ré “E… Unipessoal, Lda” encontravam-se a exercer funções no Centro G…, em …, no âmbito de um contrato de subempreitada celebrado entre a respectiva entidade patronal, aqui ré, e a J…, Lda, [21º], com o esclarecimento que, paralelamente ao contrato de subempreitada entre ambas celebrado, a E…, Unipessoal, Lda tinha cedido a utilização dos seus trabalhadores, incluindo do F…, à J…, Lda.
3.14. Nos termos do aludido contrato, a sociedade E… encontrava-se responsável pela realização dos trabalhos especificados no caderno de encargos anexo ao mencionado contrato de subempreitada, [22º], com o esclarecimento que, paralelamente ao contrato de subempreitada entre ambas celebrado, a E…, Unipessoal, Lda tinha cedido a utilização dos seus trabalhadores, incluindo do F…, à J…, Lda.
3.15. Ao trabalhador sinistrado haviam sido entregues capacetes, botas, colete reflector e protectores auriculares, [87º].
3.16. A E… muniu os respectivos trabalhadores de todo o equipamento de segurança individual necessário à realização dos trabalhos de picagem e limpeza, tendo entregue aos mesmos capacete de protecção, sapatos com biqueira e palmilha de aço, colete reflector e protectores auriculares, [cfr. 27º].
3.17. Também aqueles funcionários tinham disponíveis, na própria obra, os arneses a utilizar sempre que houvesse necessidade de realizar quaisquer trabalhos com risco de queda em altura, [cfr.28º], com o esclarecimento de que no local do sinistro não existiam nem foram colocados pontos de ancoragem dos arneses que permitissem a sua utilização pelos trabalhadores.
3.18. No dia 22 de Julho de 2014, cerca das 15 horas e 30 minutos, em …, F… foi vítima de um acidente quando exercia as funções de carpinteiro, [E)].
3.19. No dia 22 de Julho de 2014, cerca das 15 horas e 30 minutos, em …, F… foi vítima de um acidente quando exercia as funções de carpinteiro por conta, sob as ordens, direcção, autoridade e a fiscalização da entidade empregadora E…, Unipessoal, Ldª, [cfr. 1º e cfr. 65º], com o esclarecimento que, paralelamente ao contrato de subempreitada entre ambas celebrado, a E…, Unipessoal, Lda tinha cedido a utilização dos seus trabalhadores, incluindo do F…, à J…, Lda, estando nas circunstâncias de tempo e lugar referidas o referido F… a exercer as funções de carpinteiro, sob a direcção imediata do encarregado da obra da empresa J…, O…, de acordo com a programação do trabalho que este fazia.
3.20. No momento do acidente, o trabalhador acidentado encontrava-se a executar um trabalho completamente alheio à subempreitada negociada entre a aqui ré E… e a empreiteira principal [25º].
3.21. Os trabalhos previstos e programados para o dia dos factos, 22/07/2014, eram trabalhos de picagem e remoção do reboco antigo nas alvenarias das bancadas do Centro G… [66º].
3.22. O trabalho que o sinistrado se encontrava a efectuar no momento do acidente foi realizado a mando e sob a direcção imediata do encarregado da obra e funcionário do empreiteiro J…, Lda, Sr. K…, que, com desconhecimento da ré E…, afastou os funcionários desta dos trabalhos que se encontravam a executar (picagem e limpeza das alvenarias das bancadas), ordenando que fossem colocar as ditas placas na cobertura, [cfr.26º] , com o esclarecimento que, paralelamente ao contrato de subempreitada entre ambas celebrado, a E…, Unipessoal, Lda tinha cedido a utilização dos seus trabalhadores, incluindo do F…, á J…, Lda.
3.23. No dia dos factos, após o almoço, o trabalhador sinistrado e o colega M… encontravam-se sozinhos no local e iniciaram os trabalhos na cobertura sem utilizarem quaisquer equipamentos de protecção colectiva, [cfr. 84º]
3.24. O acidente ocorreu quando no momento em que se encontrava a executar trabalhos de assoalhamento da cobertura da parte posterior das bancadas do Centro G…, colocando placas de madeira (ripado), ocorreu um deslizamento das placas, provocando a projecção do sinistrado ao solo, [F)].
3.25. Os trabalhadores F… (trabalhador sinistrado) e M…, que se encontravam sozinhos no local de execução dos trabalhos, procediam à pregagem do meio das placas OSB Eco às vigas de madeira (ripado), a uma altura de 3,18 metros e num plano de inclinação de 30%, [5º]
3.26. A colocação das placas OSB Eco (que eram constituídas por uma superfície lisa) era feita a partir da pilha de placas (cerca de 80 placas) que havia sido, previamente, colocada sobre o ripado [cfr.6º e cfr.67º], com o esclarecimento que a referida pilha com cerca de 80 placas foi previamente colocada sobre o ripado, num plano de inclinação de 30%, pelo encarregado de obra da J…, O….
3.27. Verificou-se a colocação de uma pilha com cerca de 80 placas OSB Eco, com a dimensão de 2,50 metros de comprimento e 1,25 metros de largura, sobre o ripado com uma inclinação de 30%, a uma altura de 3,18 metros do solo, [13º]
3.28. E pelo peso exercido pela pilha sobre o ripado este podia ceder ou partir, verificando-se a possibilidade de deslizamento das placas face à inclinação (de 30%) do local onde se encontravam colocadas, [15º].
3.29. As placas que se encontravam empilhadas na data do acidente – e cujo deslize ocasionou a queda do trabalhador- era propriedade exclusiva do empreiteiro principal da obra, J…, Lda, e foram colocadas pela Ré J… na cobertura da bancada do Centro Hípico [23º e 95º].
3.30. Tendo sido empilhadas e colocadas no local do sinistro pelos funcionários da J…, Lda, sem qualquer intervenção da sociedade E… ou dos seus funcionários, [24º], com o esclarecimento que a referida pilha com cerca de 80 placas foi colocada sobre o ripado, num plano de inclinação de 30%, pelo encarregado de obra da J…, O….
3.31. Para além da altura em que os trabalhadores prestavam a sua actividade, o encarregado da obra da J…, Lda, O… colocou no telhado, cerca de 80 placas OSB eco, com 2,50 m de comprimento e 1,25 m de largura, sem fixação, num telhado com uma inclinação de 30 %, posicionadas na parte superior ao local em que os trabalhadores se encontravam, sem que tais placas estivessem
fixadas, [cfr. 36º].
3.32. Tendo sido colocadas placas que caíram sobre o sinistrado, [37º].
3.33. Tal procedimento de colocação das placas OSB Eco sobre o ripado foi a causa exclusiva para a ocorrência do dano no trabalhador F…, [cfr. 16º].
3.34. Foi devido ao referido em 3.23., 3.24., 3.25., 3.26., 3.27., 3.28., 3.29., 3.30., 3.31., 3.32., 3.33., 3.35., 3.39, 3.40., 3.41., 3.42., 3.43., 3.44., 3.45., 3.46., 3.47., 3.48., 3.49., 3.50., 3.51., 3.52., 3.57., 3.58. e 3.59. que se deu a queda do trabalhador, o qual foi mortalmente atingido pelo deslizamento das placas OSB Eco, as quais lhe provocaram lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, as quais se encontram descritas no Relatório de Autopsia Médico Legal junto aos autos, [40º].
3.35. O trabalhador recebeu a ordem para exercer as suas funções no telhado em questão, nas condições referidas, [38º].
3.36. Retiravam as placas da pilha aí colocada que transportavam manualmente para o local onde, primeiramente, a fixavam com pregos às ripas nas pontas e partes laterais, da esquerda para a direita, [8º].
3.37. E circulavam trabalhadores sob o local onde se encontrava colocada a pilha de placas e encontravam-se trabalhadores sobre o ripado ou placa, [14º].
3.38. Os trabalhadores F… (trabalhador sinistrado) e M… acediam ao local onde eram executados os trabalhos utilizando para o efeito uma escada de mão, [7º].
3.39. Durante a execução dos trabalhos, os trabalhadores F… (trabalhador sinistrado) e M… circulavam sobre as vigas de madeira (ripado) e posteriormente sobre as placas OBS Eco (que constituíam uma superfície lisa), entretanto fixadas, sem que ali existisse implementada qualquer medida de protecção colectiva, designadamente andaimes, guarda corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhado, tábuas de rojo ou as medidas de protecção individual, cinto de segurança, arnês e linha de vida, destinados a impedir o risco de queda em altura dos trabalhadores a partir da cobertura para o solo, [cfr. 9º].
3.40. Não havia livro de obra, no momento do evento os dois trabalhadores encontravam-se sozinhos, sem que estivesse presente o supervisor/responsável de obra e não havia plano de segurança e saúde específico para a execução da obra, [10º]
3.41. A prestação de trabalho na cobertura da parte posterior das bancadas do Centro G…, colocando placas de madeira (ripado), não obedecia a qualquer plano de segurança prévio, não tendo sido identificados tanto pela empreiteira principal como pela entidade patronal do sinistrado os riscos de tais operações, [32º].
3.42. Ao sinistrado não tinha sido ministrada qualquer formação de segurança relativamente ao trabalho que se encontrava a exercer,[33º].
3.43. No momento da execução dos trabalhos não estava presente um responsável tanto da entidade “E…”, como da “J…”, para zelar pela segurança dos trabalhadores em causa,[ 29º].
3.44. Não foram adoptadas quaisquer medidas de protecção colectiva na execução dos trabalhos de pregagem das placas OBS Eco no telhado, [cfr. 18º]
3.45. No momento em que o trabalhador F… (trabalhador sinistrado) executava o referido trabalho de pregagem das placas, em lugar cuja inclinação era de 30%, foi atingido por um conjunto de placas OSB Eco (25 placas – cada uma com a dimensão de 2,50 metros de comprimento e 1,25 metros de largura e que constituíam uma superfície lisa), bastante pesadas, que se encontravam empilhadas na parte superior ao local onde o mesmo se encontrava e cujo deslizamento o arrastaram e levaram a cair desamparado ao solo, duma altura de 3,18 metros, causando a sua morte, [11º]
3.46. A queda e arrastamento foi provocado pelo deslizamento das placas OBS eco, [cfr. 19º]
3.47. O deslizamento das placas ocorreu em consequência da inclinação (de 30%) do local onde se encontravam colocadas as placas e das vibrações provocadas quer pela deslocação e circulação dos trabalhadores sobre o ripado, quer pelas marteladas para pregagem das placas às ripas, [12º].
3.48. A adopção de medidas de segurança colectiva ou individual na execução dos referidos trabalhos, designadamente a utilização de guarda corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhado e tábuas de rojo ou a utilização de cintos de segurança providos de cordas que lhes permitiam prender-se a um ponto resistente da construção teriam, pelo menos, evitado a queda de F… no solo duma altura de 3,18 metros, [20º].
3.49. A qual ocorreu a uma altura superior a 3 metros ao solo e com inclinação superior a 30 %,, pelo deslizamento das placas OBS que provocou a projecção do sinistrado ao solo, que não pôde ser evitada por não haver qualquer medida de protecção colectiva, designadamente, andaimes, guarda corpos, plataformas de trabalho, escadas de trabalhador, [cfr. 30º].
3.50. Não tendo inclusive sido colocado por qualquer uma das entidades, à disposição dos trabalhadores as medidas de protecção individuais de cintos de segurança e linha de vida, destinados a impedir o risco de queda de uma altura superior a 3 metros, [cfr.31º], com o esclarecimento de que no local do sinistro não existiam nem foram colocados pontos de ancoragem dos arneses que permitissem a sua utilização.
3.51. Tais entidades não implementaram qualquer medida de protecção colectiva no local, [cfr. 34º].
3.52. Permitiram que o sinistrado exercesse a sua actividade a, pelo menos, 3 metros de altura, sem as medidas de protecção já elencadas, [35º].
3.53. A disponibilização pelas entidades responsáveis pela obra ao trabalhador de uma mera barreira protectora ou mesmo de pontos de ancoragem para a fixação de um arnês de protecção que impedisse a queda eram medidas de escasso significado económico, [cfr. 51º].
3.54. A “J…”não cooperou com a Ré “E…” no sentido de zelar pela segurança e saúde, pelo menos, dos trabalhadores F… (trabalhador sinistrado) e M… que na obra se encontravam a trabalhar [cfr. 41º].
3.55. Enquanto empreiteira geral, a “J…” não coordenou com a “E…”, a aplicação prática das aludidas medidas de segurança, higiene e saúde, [cfr. 42º].
3.56. Essas medidas de protecção foram verificadas na mesma empreitada na execução de uma outra cobertura cerca de um mês antes do acidente dos autos, [cfr. 77º]
3.57. Era praticável no local a aplicação de medidas de segurança colectiva, nomeadamente guarda corpos ou barreiras que impeçam a queda, [39º].
3.58. Não foi ministrada aos trabalhadores da ré E… acção de formação no módulo “trabalhos em cobertura”, [99º].
3.59. Não obstante, os mesmos foram incumbidos de realizar os trabalhos em causa nos autos, que ditaram a morte do trabalhador F…, [100º].
3.60. Tais trabalhos não estavam previstos contratualmente, [101º].
3.61. Mostrou-se necessária a sua execução, [102º].
3.62. Pela J… não foi ministrada prévia formação relativamente a tais trabalhos, [103º].
3.63. Após o acidente o sinistrado foi encaminhado para o Hospital H… e posteriormente para o Hospital I…, local onde veio a falecer no dia seguinte ao sinistro, [G)].
3.64. O sinistrado acabou por falecer no dia 23 de Julho de 2014 em virtude das lesões sofridas pela queda de que foi vítima, tal como consta no relatório da autópsia efectuada pelo IML do Porto, e constante de fls.35 a 41, as quais directa e necessariamente lhe provocaram a morte, [H)].
3.65. O sinistrado foi sepultado no cemitério de …, concelho de Lousada, pelo que houve trasladação, [M)].
3.66. Com o funeral do seu marido a A. despendeu a quantia de €1.490,00, [4º].
3.67. À data do acidente, a responsabilidade infortunística-laboral da entidade empregadora E…, Unipessoal, Ldª encontrava-se transferida para a seguradora D… - Sucursal em Portugal mediante contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice nº……., quanto ao trabalhador aqui sinistrado, [J)].
3.68. A remuneração respeitante ao sinistrado/falecido F… que se encontrava transferida para a ré seguradora, no âmbito do referido contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado entre si e a tomadora de seguro “E… Unipessoal, Lda”, sob a modalidade de folha de férias/mapa de salários, titulada pela apólice nº………, era no valor de €496,50 x 14 + €6,00 x 22 x 11, [L)].
3.69. O sinistrado, que na data do falecimento tinha 46 anos de idade, era uma pessoa robusta e trabalhadora, [58º].
3.70. O sinistrado era uma pessoa alegre e sem qualquer doença, [59º].
3.71. Tanto a Autora como os seus dois filhos, sempre viveram com o sinistrado numa completa partilha de vida, como uma autêntica família, [43º].
3.72. Para a Autora e para os seus filhos a perda do sinistrado, representa uma lacuna insubstituível no seu seio familiar, [44º].
3.73. Desde a data do sinistro que a Autora e os seus filhos sentem saudades da presença do pai e marido no seio familiar, [ 45º].
3.74. Por diversas vezes a Autora ainda hoje encontra os seus filhos a chorarem pela perda do pai, [46º].
3.75. As épocas festivas, nomeadamente o Natal, Páscoa e aniversários, que até à data do sinistro eram festejadas em comunhão e alegria pelo agregado familiar do sinistrado, e na presença deste, passaram devido à sua eterna ausência a ser datas de profunda tristeza e consternação, [47º].
3.76. O sinistrado era visto por diversas vezes na via pública na companhia da sua mulher e filhos, [48º].
3.77. As Autoras não conseguem esquecer o facto de o seu marido e pai ter falecido vítima de um acidente violento que lhe provocou a morte, [cfr. 49º].
3.78. Ainda hoje vivem com a dor emocional de terem perdido um ente querido, o qual era o sustento das suas vidas, trabalhando diariamente para poder sustentar uma mulher e dois filhos, [52º].
3.79. O seio familiar, com a morte do sinistrado, viu-se limitado no que concerne à sua capacidade económica para fazer face às despesas correntes do seu dia-a-dia, já que a viúva aufere e auferia à data do sinistro o vencimento mensal pelo exercício da profissão de Costureira, da quantia de €531,26 e o sinistrado auferia o vencimento anual de €496,50 x 14 + €6,00 x 11, contando o agregado familiar apenas com estas quantias para poder sobreviver, [53º].
3.80. O rendimento do agregado familiar após o sinistro passou de cerca de €1.000 para €500 mensais, [54º].
3.81. O agregado familiar do sinistrado tinha parcos e modestos rendimentos, sustentando dois filhos que actualmente ainda residem na casa de morada de família, [55º].
3.82. A viúva do sinistrado após o falecimento deste, apenas pode contar com um salário mínimo mensal fruto do seu trabalho, para assim poder sustentar a sua família, o que claramente provocou um decréscimo do nível de vida e qualidade do seu agregado familiar, já não podendo proporcionar aos seus filhos o acesso a bens e serviços típicos da sua idade, nomeadamente: idas a cinemas, compra de roupa nova, viagens escolares de estudo, férias escolares condignas, compra de material informático e didáctico, oferta de prendas nos aniversários e natal, [56º].
3.83. Todos os planos de vida que a família da Autora tinha perspectivado, nomeadamente no que concerne ao aforro de capital para no futuro poder proporcionar aos seus dois filhos o acesso ao ensino universitário, ficaram gorados em virtude da diminuição do vencimento do agregado familiar, [57º].
3.84. A Autora B… ficou sozinha a cuidar dos seus dois filhos, incumbindo-lhe a sua formação, educação e assistência, em fases cruciais de vida, faltando no seio familiar a figura e o apoio do pai, o qual tinha um papel insubstituível na formação e educação dos seus filhos, [60º].
3.85. Em deslocações da sua residência ao Tribunal de Penafiel para a tentativa de conciliação do dia 6 de Maio de 2014 despendeu a autora, na qualidade de beneficiária, a quantia de €10,00, [3º].
*
Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos anteriormente referidos, designadamente:
- o teor do item 2º da base instrutória [“O sinistrado no momento do acidente, actuava no cumprimento e de acordo com as instruções específicas fornecidas pela sua entidade patronal, a qual lhe havia ordenado que naquele dia executasse os trabalhos mencionados em F)”];
- que a pilha de cerca de 80 placas OSB Eco tenha sido, previamente, colocada sobre o ripado pelos trabalhadores F… (trabalhador sinistrado) e M…, [cfr. item 6º da base instrutória];
- que durante a execução dos trabalhos, os trabalhadores F… (trabalhador sinistrado) e M… não estivessem implementadas as medidas de protecção individual, capacete, botas, colete, luvas, óculos e máscara, [cfr. item 9º da base instrutória];
- que tenha sido a forma de execução pelos trabalhadores F… (trabalhador sinistrado) e M… dos trabalhos de pregagem das placas OBS Eco a causa exclusiva para a ocorrência do dano no trabalhador F…, [cfr. item 16º da base instrutória];
- o teor do item 17º da base instrutória [“O procedimento adoptado na execução dos trabalhos por parte de F… decorreu da sua exclusiva vontade e decisão ”];
- que não tenham sido adoptadas quaisquer medidas de protecção individual na execução dos trabalhos de pregagem das placas OBS Eco no telhado, [cfr. item 18º da base instrutória];
- que o deslizamento das placas OBS eco tenha sido provocado pela execução dos trabalhos por parte do F…, [cfr. item 19º da base instrutória];
- que o encarregado da obra e funcionário do empreiteiro J…, Lda, Sr. K… tenha ordenado, à revelia da respectiva entidade patronal, que os funcionários da ré E… fossem colocar as ditas placas na cobertura, [cfr. item 26º da base instrutória];
- que as tarefas de cuja realização os trabalhadores estavam incumbidos na data do sinistro não se tratassem de trabalhos com risco de queda em altura, [cfr. item 28º dabase instrutória];
- que não tenham sido colocadas por qualquer uma das entidades, à disposição dos trabalhadores as medidas de protecção individuais de botas, colete e luvas, [cfr. item 31º da base instrutória];
- que tais entidades não tenham implementado qualquer medida de protecção individual no local, [cfr. item 34º da base instrutória];
- que a sociedade E… tenha colocado no telhado, cerca de 80 placas OSB eco, com 2,50 m de comprimento e 1,25 m de largura, sem fixação, num telhado com uma inclinação de 30 %, posicionadas na parte superior ao local em que os trabalhadores se encontravam, sem que estas estivessem fixadas, [cfr. 36º];
- que enquanto empreiteira geral, a “J…” não tenha coordenado com todos os restantes subempreiteiros, a aplicação prática das aludidas medidas de segurança, higiene e saúde, [cfr. 42º];
- que a morte do sinistrado tenha sido exclusivamente provocada pela queda de uma altura de 3 metros, [cfr. 49º];
- o teor do item 50º da base instrutória [“A morte do sinistrado facilmente poderia ter sido evitada se as entidade responsáveis pela obra tivessem disponibilizado ao trabalhador uma mera barreira protectora ou mesmo um arnês de protecção que impedisse a queda ?”];
- o teor do item 68º da base instrutória [“Tais placas destinavam-se a ser aplicadas quando se iniciassem os trabalhos em altura ?”];
- o teor do item 69º da base instrutória [“A palete de placas OSB foi colocada no ponto mais distante da frente de trabalho, para minimizar qualquer impacto/acidente ?”];
- o teor do item 70º da base instrutória [“A palete de placas OSB foi colocada de forma estável e imóvel, travada com barrote, trave de contrapeso (para nivelar a mesma) e ainda por encetar ?”];
- o teor do item 71º da base instrutória [“A inclinação da cobertura era inferior a 15 % ?”];
- o teor do item 72º da base instrutória [“Sendo trabalhos sequenciais – a picagem e remoção do reboco antigo nas alvenarias das bancadas e a execução da cobertura da bancada, quer segundo as melhores práticas, quer de acordo com o programa de trabalhos da empreitada, os trabalhos na cobertura só iriam iniciar-se aquando o final dos trabalhos que estavam em execução - picagem e remoção dos rebocos ?”];
- o teor do item 73º da base instrutória [“A 22/07/2014, após o almoço, de forma inexplicável e para dar o seu melhor contributo para a execução da obra, sem a devida consciência dos riscos que corriam, dois trabalhadores da R. E… encetaram a palete e iniciaram os trabalhos de colocação das placas OSB ?”];
- o teor do item 74º da base instrutória [“ Os trabalhadores do subempreiteiro conheciam os procedimentos de segurança a respeitar na execução deste tipo de trabalhos ?];
- o teor do item 75º da base instrutória [“A Ré J… exigiu sempre na empreitada a utilização das proteções de segurança, quer coletivas, quer individuais, e que as todas as condições de segurança fossem verificadas ?”];
- o teor do item 76º da base instrutória [“Essas medidas de protecção foram verificadas na mesma empreitada em todos os trabalhos realizados em altura ?”];
- o teor do item 78º da base instrutória [“A R. J… adoptou as medidas de segurança quando foram realizadas obras semelhantes na empreitada ?”];
- o teor do item 79º da base instrutória [“A R. J… realizou visitas regulares de segurança às obras da empreitada, a última das quais havia ocorrido a 16/06/2014?”];
- o teor do item 80º da base instrutória [“A R. J… promoveu também, durante o decurso da empreitada diversas acções de formação aos trabalhadores dos subempreiteiros ?”];
- o teor do item 81º da base instrutória [“Nas acções de formação de 02/01/2014 e 10/06/2014 foram abordadas especificamente medidas de prevenção de acidentes de trabalho, perigos e riscos associados às tarefas a serem executadas ?”];
- o teor do item 82º da base instrutória [“A R. J… obrigou os subempreiteiros a verificar as prescrições de segurança e de saúde no trabalho ?”];
- que no dia dos factos, após o almoço, o trabalhador sinistrado e o colega M… tenham iniciado os trabalhos na cobertura sem utilizarem quaisquer equipamentos de protecção individual e que no decurso da aludida subempreitada lhes tenha sido dada formação, [cfr. 84º];
- que o trabalhador sinistrado soubesse da obrigatoriedade do uso quer dos equipamentos de protecção individual, quer dos equipamentos de protecção colectiva, designadamente em obras em altura, [cfr. 85º];
- que tenha sido ministrada ao trabalhador sinistrado formação em segurança nessa empreitada, [cfr. 86º];
- o teor do item 88º da base instrutória [“O trabalhador sinistrado descurou a segurança a que estava obrigado e executou arriscadamente os trabalhos que originaram o acidente o que causou a ocorrência do sinistro ?”];
- o teor do item 89º da base instrutória [“O procedimento adoptado pelo trabalhador sinistrado na execução dos trabalhos não previstos e não programados para o dia dos factos foi da sua exclusiva decisão e iniciativa?”];
- o teor do item 90º da base instrutória [“O trabalhador sinistrado executou trabalhos em altura sem utilizar os esquipamentos de protecção individual e colectiva que lhe haviam sido fornecidos e se encontravam na obra ?”];
- o teor do item 91º da base instrutória [“A R. J… fez observar todas as regras de segurança ?”];
- o teor do item 92º da base instrutória [“Os trabalhos que ocasionaram o acidente não estavam previstos, programados ou haviam sido sequer destinados para o dia dos factos ?”];
- o teor do item 93º da base instrutória [“Pelo que a R. J… não podia efectuar o planeamento e controle da observância das regras de segurança na execução de tal trabalho no dia dos factos ?”];
- o teor do item 94º da base instrutória [“O trabalhador sinistrado agiu sem cuidado e diligência ?”];
- o teor do item 96º da base instrutória [“Foi da iniciativa dos trabalhadores da E…, num ato de puro altruísmo, a execução dos trabalhos de colocação das mesmas na cobertura em causa ?”].
- o teor do item 97º da base instrutória [“Foi observado o Plano de segurança da obra para a execução de tal tarefa?”].
- o teor do item 98º da base instrutória [“O teor de tal plano nunca foi, sequer, dado a conhecer pelo empreiteiro á Ré E…?”].
III. Recurso da decisão proferida na audiência de julgamento em 7-12-2016
Insurge-se a recorrente E…, Unipessoal, Lda, contra a decisão proferida na audiência de julgamento em 7-12-2016, sustentando não serem admissíveis os pedidos formulados no ponto c4, do requerimento de 26-11-2016, pela Autora B…, por si e em representação do seu filho menor, e por L…, filha do sinistrado. Pedem a condenação solidária das Rés, no pagamento “Da quantia global de €60.000 ser paga às Autoras e ao filho menor do sinistrado, a título de responsabilidade por danos morais sofridos por eles e pela vítima”.
Na decisão recorrida consta, no que aqui interessa, o seguinte:
- «(..)
A questão que a interveniente E… Unipessoal, Ld.ª vem suscitar no seu requerimento de fls. 200 a 202 consiste essencialmente na alegada inadmissibilidade da sua intervenção, mormente em termos do momento processual em que a mesma foi requerida, sendo certo que tal intervenção foi oficiosamente determinada nos termos do disposto no artigo 127.º, n.º1 do C.P.T., norma essa especial relativamente aos artigos 314.º e ss do C.P.C., tendo o articulado deduzido pela autora, por si e em representação do seu filho menor sido deduzido na sequência de tal despacho oficiosamente proferido e totalmente fundamentado e justificado no aludido art.º 127.º, n.º1 do C.P.T., resultando assim processualmente sustentado o articulado de formulação de pedido contra as intervenientes E… Unipessoal, Ld.ª e J…, Ld.ª no já referido despacho e mencionado normativo.
Aliás, com a apresentação da contestação pela interveniente E… Unipessoal, Ld.ª a mesma não deduziu qualquer questão da inadmissibilidade legal da sua intervenção.
Ora, o art.º 18.º da LAT impõe necessariamente consequências diversas e mais extensas e gravosas relativamente ao peticionado contra a seguradora, pelo que, teria a autora de formular como o fez, pedido especifico contra a aludida interveniente.
Daí que, salvo o devido respeito, não se esteja perante qualquer ampliação de pedido, que consiste em aumentar qualitativa e quantitativamente o já peticionado contra a mesma parte, mas sim perante dedução de pedidos autónomos e específicos contra a aludida interveniente, o mesmo se referindo mutatis mutandis relativamente á interveniente J…, Ld.ª, sendo certo que quanto à mesma foi admitida a sua intervenção no despacho de fls. 243 e 244.
Pelo exposto, sem necessidade de ulteriores considerações, e sem prejuízo de mais uma vez se reforçar que o pedido formulado pela autora quer contra a ré seguradora, quer contra as intervenientes será apreciado, quanto ao seu mérito, na sentença final a proferir, não se vislumbra, conforme já referido no preambulo do despacho saneador, qualquer nulidade ou inadmissibilidade legal do articulado apresentado pela autora a fls. 171 e ss”.
Os argumentos da recorrente constam das conclusões 1 a 6.
Começa a recorrente por sustentar que [concl.1]“ A responsabilidade agravada prevista no art. 18º da L.A.T. e os factos em que a mesma assenta são inoponíveis à aqui Apelante, que os Autores não demandaram e cuja intervenção nunca requereram”.
Não tem a recorrente razão. A Ré seguradora na contestação veio declinar a sua responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho, sustentando que o acidente foi provocado pelo sinistrado e pela entidade empregadora. Quanto ao primeiro, na linha da posição que assumira na tentativa de conciliação, sustentou que a sua conduta “constituiu um comportamento temerário em alto e relevante grau e foi causalidade adequada e exclusiva para a ocorrência do dano”, para defender que “o procedimento adoptado na execução dos trabalhos por parte do F…, decorreu da sua exclusiva negligência grosseira”. Quanto à segunda, indo para além do que invocara na tentativa de conciliação, veio então dizer acrescer “ainda, que não foram adoptadas quaisquer medidas de protecção individual ou colectiva na execução dos trabalho de pregagem das placas OBS Eco no telhado”, as quais, caso tivessem sido adoptadas, “sempre teriam, pelo menos, evitado a queda do F… no solo duma altura de 3,18 metros”.
Nessa base, concluiu dizendo: a Ré não assume nem aceita qualquer responsabilidade da reparação do mesmo, em termos de indemnizações, pensões ou outras, em virtude do acidente ter sido provocado pelo próprio sinistrado e pela entidade patronal por inobservância das condições de segurança, higiene e saúde no trabalho”.
Em face desta posição, o Tribunal a quo em despacho devidamente fundamentado, proferiu a decisão seguinte:
-“Pelo exposto, e ao abrigo do preceituado no art.º 127.º n.º1 do CPT, determino a intervenção na presente acção da entidade empregadora E… Unipessoal, Lda (..) para o que deverá ser citada, devendo ser-lhe entregues cópias dos articulados já oferecidos”.
Estabelece o n.º1 do art.º 127.º do CPT: “Quando estiver em discussão a determinação da entidade responsável, o juiz pode, até ao encerramento da audiência, mandar intervir na acção qualquer entidade que julgue ser eventual responsável, para o que é citada, sendo-lhe entregue cópia dos articulados já oferecidos”.
Esta norma, numa solução que consiste num desvio ao princípio da estabilidade da instância, permite ao juiz determinar a intervenção de qualquer entidade que não foi inicialmente demandada, quando ocorram dúvidas quanto a apurar qual delas é a responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho e em caso de violação de regras de segurança se daí resultar a responsabilidade solidária delas, nos termos do art.º 18.º n.º1, da Lei 98/2009.
Por conseguinte, a partir do momento em que foi citada, com cópia de todos os articulados, a E… passou a assumir a posição processual de Ré, sendo-lhe oponíveis quer os factos alegados pela Autora na petição inicial quer os alegados pela Ré seguradora na contestação, esta imputando-lhe, também, a responsabilidade pela ocorrência do sinistro em consequência de falta de observância de regras de segurança.
Em segundo lugar vem a recorrente dizer que “À data de apresentação do requerimento de fls. 172 e ss., (..) já havia sido citada e contestado a ação, nunca tendo sido notificada – em nenhum momento ulterior do processo – para exercer o contraditório relativo aos factos invocados e aos pedidos formulados no aludido requerimento (mas tão-só em relação às intervenções aí requeridas).
Comecemos por elucidar sobre o conteúdo do requerimento de fls. 172.
Nesse requerimento, a filha do falecido sinistrado, que até então não interviera nos autos em razão de não poder ser considerada beneficiária, veio requerer a sua intervenção como parte principal, alegando o seguinte:
- 9 -As Autoras em virtude do sinistro que vitimou o seu marido/pai, ter como causa principal a actuação culposa das entidades responsáveis “E…” e “J…”, na violação das regras de segurança e saúde no trabalho, pretendem contra estas formular um pedido de indemnização por danos morais, nos termos previstos no art.º 18 da Lei 98/2009, de 4/9.
10- Tal pedido nos termos do art.º 496 n.º 2 do Cod. Civil, deve ser formulado em litisconsórcio necessário activo.
11- Pretende a Autora L…, intervir como parte principal nos presentes autos, tendo um interesse igual ao da Autora sua mãe, associando-se a esta.
12- Pretende aderir na íntegra aos articulados já apresentados nos presentes autos pela Autora sua mãe, bem como ao que por esta foi articulado no presente requerimento, para os termos e efeitos dos artigos 313 e 314 do Cód. Proc. Civil.
Por seu turno, a autora B…, viúva do falecido sinistrado, por si e em representação do filho menor de ambos, veio requerer a intervenção principal provocada da J…, alegando o desconhecimento “ao tempo da apresentação da sua petição inicial tanto a alegação da seguradora no que concerne à imputação do evento à entidade patronal, bem como, desconheciam o facto de a entidade “J…” ser uma eventual responsável pela verificação do evento, conforme o alegado por uma das Rés”.
No que respeita ao pedido de danos não patrimoniais, nesse requerimento, sob o título “pedido cumulativo”, alegando que “O sinistro ocorreu devido à actividade culposa das entidades mencionadas no ponto anterior, nomeadamente, pela inobservância das mais elementares regras de segurança, higiene e saúde no trabalho”, as autoras prosseguem mais adiante – nos artigos 41.º a 66.º, sob o subtítulo “Dos prejuízos não patrimoniais” – alegando factos, para depois concluírem dizendo, no que agora releva, o seguinte:
- (63) Pretendem a Autora B… por si e em representação dos seus filhos e a Autora L…, que a seguradora “D…”, a entidade patronal do sinistrado “E…” e a empreiteira geral da obra “J…” sejam solidariamente condenadas a pagar aqueles, a quantia global de Eur. 60.000 (sessenta mil) a título de compensação pelos danos morais sofridos.
(..)
(66) O presente pedido fundamenta-se no art.º 493 n.º 2, 496 ambos do C.C., art.º 28 do Cód. de Processo de Trabalho e art.º 18 da Lei 98/2009, 4 de Setembro.
Este requerimento foi notificado pelo ilustre mandatário das requerentes aos ilustres mandatários da seguradora e da ré empregadora.
Mercê dessa notificação, antes mesmo do Tribunal se pronunciar liminarmente sobre o requerimento, a R. empregadora veio apresentar requerimento, em 10-12-2015, onde, no essencial, assume as posições seguintes:
1. A Ré nada tem a opor a ambas as intervenções requeridas.
24. Por tudo o exposto, deverão os pedidos formulados nas als. D) e E) do requerimento acima identificado ser liminarmente rejeitados, com os fundamentos supra expostos – o que, expressamente, se requer.
25. Contudo, e por mero dever de patrocínio, vai desde já expressa e especificadamente impugnada toda a factualidade constante dos Pontos 20) e seguintes do aludido requerimento, a qual não corresponde à verdade.
Subsequentemente, o tribunal a quo proferiu o despacho seguinte: “Tendo em conta que foram suscitados dois incidentes de intervenção principal – intervenção espontânea e intervenção provocada -, e visto o disposto nos artigos 315º e 318º do CPC, determina-se a notificação das rés para se pronunciarem sobre os incidentes de intervenção deduzidos no prazo de 10 dias”.
A Ré nada veio dizer.
Decorrido o prazo sobre a notificação, o Tribunal a quo proferiu novo despacho admitindo o incidente de intervenção principal espontânea de L… e o incidente de intervenção principal provocada da sociedade J…, Lda., neste último caso tendo determinado a citação da “sociedade interveniente com cópia de todos os articulados já oferecidos pelas partes, por carta registada com A/R nos termos legalmente previstos, para contestar, querendo, a presente ação no prazo de 15 dias”.
É certo que a não houve um despacho a determinar a notificação da Ré para se pronunciar quanto ao alegado no requerimento de intervenção principal espontânea que foi admitida, mas também não era necessário. Com efeito, o n.º2, do ar.º 315.º, do CPC, não o impõe, apenas estabelecendo que “No caso de a intervenção mediante articulado próprio ser admitida, seguem-se os demais articulados, contando-se o prazo para a sua apresentação da notificação do despacho que a aceite.”
Portanto, se a Ré não apresentou qualquer articulado foi por opção sua, porventura por ter entendido ser desnecessário uma vez que por iniciativa sua se apressou, note-se, antes do momento próprio, a vir tomar posição sobre todo o requerimento.
Seja como for, o que ressalta à evidência é que a R. vem subtilmente deixar implícita a ideia de que não pode “exercer o contraditório relativo aos factos invocados e aos pedidos formulados no aludido requerimento” - acrescentando até, (mas tão-só em relação às intervenções aí requeridas)”, quando na verdade o fez.
Mais, a não ser agora no recurso, também nunca pôs em causa não ter podido exercer o contraditório. Nem arguiu qualquer nulidade, por omissão de notificação para esse efeito ou com qualquer outro fundamento que entendesse, nem tão pouco invocou este fundamento quando suscitou o despacho que agora vem impugnar, através do requerimento apresentado na audiência de julgamento, como se pode constatar pelo seu conteúdo:
- «No âmbito do requerimento apresentado pela autora B… e pela interveniente L… de 26-11-2015 foram deduzidos pedidos cumulativos aos formulados na petição inicial, pedidos esses que tanto a interveniente E… Unipessoal, Ld.ª como a interveniente J…, Ld.ª se opuseram expressamente por entenderem serem os mesmos processualmente inadmissíveis.
Pese embora os requerimentos apresentados pelas ditas intervenientes nesse sentido, a questão suscitada nos termos expostos não foi ainda objeto de apreciação judicial.
Entendendo que a decisão a proferir relativamente à admissibilidade dos referidos pedidos cumulativos se afigura essencial para o prosseguimento da instância e à realização do julgamento, requer-se a V.ª Ex.ª se digne a proferir decisão quanto á questão suscitada».
Neste quadro, o argumento improcede, em síntese, pelas razões seguintes:
i) Se porventura houvesse alguma nulidade que, salienta-se, nunca foi sequer arguida, estaria até sanada.
ii) O fundamento não tem, em bom rigor, correspondência na realidade processual: a Ré no seu requerimento de 10-12-2015, tomou antecipadamente posição relativamente às questões que agora vem dizer que não pode exercer o contraditório.
iii) Se mais não fez, nomeadamente apresentando articulado após ter sido notificada da decisão que admitiu o chamamento, apenas a si se deve.
Numa terceira linha de argumentação vem a R. invocar o art.º 129º, nº 3 do C.P.T., dizendo que “à data da apresentação do requerimento de fls. 172 e ss., o prazo previsto no citado normativo há muito se encontrava ultrapassado”.
Dispõe o artigo 129.º, com a epígrafe “Contestação”, o seguinte:
1 - Na contestação, além de invocar os fundamentos da sua defesa, pode o réu:
a) Requerer a fixação de incapacidade nos mesmos termos que o autor;
b) Indicar outra entidade como eventual responsável, que é citada para contestar nos termos do artigo anterior.
2 - A contestação de algum dos réus aproveita a todos.
3 - Se estiver em discussão a determinação da entidade responsável, ao autor e a cada um dos réus é entregue cópia da contestação dos outros réus, podendo cada um responder no prazo de cinco dias, mas apenas sobre aquela questão.3 - Se estiver em discussão a determinação da entidade responsável, ao autor e a cada um dos réus é entregue cópia da contestação dos outros réus, podendo cada um responder no prazo de cinco dias, mas apenas sobre aquela questão.
Para melhor se perceber em que termos lógicos pretende a recorrente enquadrar este argumento na estrutura da sua fundamentação, recorreu-se às alegações, tendo-se constatado, desde logo, que nas conclusões há uma inversão do percurso seguido nas alegações. Com efeito, seguindo a ordem que ai se encontra, nestas a recorrente usa primeiro os argumentos que aqui sintetiza, já por diferente ordem, nas conclusões 5 (inadmissibilidade da modificação objectiva da instância com a formulação de novos pedidos e a ampliação da causa de pedir) e 4 (os pedidos não podem ser considerados como desenvolvimento ou consequência dos pedidos primitivos), para depois então dizer o seguinte:
-“Em todo o caso – e mesmo na eventual improcedência de tudo o supra alegado, que não se consente –, ante a atribuição da oportunidade dos pedidos em análise ao apuramento da entidade responsável pelo sinistro (cfr. Ponto 5) do requerimento de fls. 172 e ss.) –, sempre se imporia ter presente a regra contida no art. 129º, nº 3 do C.P.T.,a invocação de novos factos e os pedidos formulados pelas Autoras no ponto C4 do seu requerimento de 26.11.2015 (cfr. requerimento de fls. 172 e ss.) não são processualmente admissíveis”.
Este argumento também não procede.
O artigo 129.º, com a epígrafe “Contestação”, estabelece o seguinte:
1 - Na contestação, além de invocar os fundamentos da sua defesa, pode o réu:
a) Requerer a fixação de incapacidade nos mesmos termos que o autor;
b) Indicar outra entidade como eventual responsável, que é citada para contestar nos termos do artigo anterior.
2 - A contestação de algum dos réus aproveita a todos.
3 - Se estiver em discussão a determinação da entidade responsável, ao autor e a cada um dos réus é entregue cópia da contestação dos outros réus, podendo cada um responder no prazo de cinco dias, mas apenas sobre aquela questão.
Carlos Alegre, reportando-se ao correspondente normativo do precedente Código do Processo do Trabalho, mas tendo inteira actualidade dado que a norma foi sem alteração elucida o seguinte:
- “De acordo com o n.º3, o que se passa é o seguinte: apresentada a petição inicial, o juiz ordena a citação do réu sendo-lhe entregue duplicado da petição (..); o réu contesta e indica como eventual responsável outra pessoa; em face disso, o Juiz ordena que seja citado também a pessoa indicada, sendo-lhe entregue duplicado da petição inicial (artigo 132.º, n.º1 al. b)) [no actual código art.º 129.º n.º1 al.b)]; se esta pessoa indicada contestar a petição inicial, de tal modo que resulte estar em discussão a determinação da entidade responsável, então o juiz manda entregar ao autor e a cada um dos réus citados, a contestação de todos os réus e a dos outros réus aos restantes (artigo 132.º n.º3) [no actual código artigo 129.º n.º3]; é a partir do momento dessa entrega que todos -autor e réus – tem o prazo de cinco dias para responder”[ Processo Especial de Acidentes de Trabalho, Almedina, Coimbra, 1986, p. 144].
Como se deixou assinalado, a Ré seguradora veio declinar a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do sinistro sustentado que o mesmo deveu-se a negligência grosseira do sinistrado e a violação de regras de segurança pela Ré empregadora. Em face dessa posição, o tribunal a quo proferiu despacho mandando intervir a Ré empregadora, para o efeito determinando a sua citação e a entrega de todos os articulados já oferecidos, ou seja, a petição inicial e a contestação da Ré seguradora.
O tribunal a quo invocou o artigo 127.º 1, mas o determinado enquadra-se igualmente no n.º 1. al .b), do art.º 129.º: a ré seguradora indicou eventual responsável e este foi citado para contestar (nos termos do artigo anterior).
A recorrente veio, então, apresentar a contestação, por sua vez procurando também declinar a sua responsabilidade para a atribuir à J…, quer por violação das regras de segurança quer ainda por alegada utilização do trabalho do falecido sinistrado em tarefas que não integravam a empreitada.
Importa ter presente que quando a recorrente ré apresentou a contestação as partes eram apenas a Autora B…, por si e em representação de seu filho menor, e a Ré seguradora. Por outro lado, não pode também esquecer-se que, em rigor, a recorrente entidade empregadora não veio contestar a petição inicial, mas antes impugnar a versão da Ré seguradora trazendo novos factos à acção.
Portanto, a autora não tinha interesse em contradizer a Ré empregadora. Mas como parece claro, confrontada com novos factos – quer pela R. seguradora quer pela R. empregadora – dos quais, a provarem-se, resultaria a aplicação do art.º 18.º da Lei 98/2009, teria que poder exercer os seus direitos reclamando a atribuição de prestações agravadas e, para além disso, na medida em que também ficou aberta essa possibilidade, de poder deduzir pedido de condenação em danos não patrimoniais.
Com efeito, n.º1, do art.º 18.º, da Lei 98/2009, estabelece: “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
Neste quadro, assistia à autora B… o direito processual o conferido pelos nºs 1 e 2, do art.º 28.º do CPT:
[1] É permitido ao autor aditar novos pedidos e causas de pedir, nos termos dos números seguintes.
[2] Se até à audiência de discussão e julgamento ocorrerem factos que permitam ao autor deduzir contra o réu novos pedidos, pode ser aditada a petição inicial desde que a todos os pedidos corresponda a mesma espécie de processos.
Ora, foi com fundamento em factos novos que a autora B… veio cumular o pedido que está aqui em causa, ou seja, de condenação em danos não patrimoniais, fazendo apelo ao art.º 28.º do CPT. E, querendo-o dirigir também quanto à R. J…, deduziu o incidente de intervenção principal provocada, que foi admitido, tendo essa decisão transitado em julgado.
Por outro lado, no que tange à autora L…, foi com esse fundamento – novos factos que a provarem-se, permitem a condenação em danos não patrimoniais – que veio deduzir o incidente de intervenção principal espontânea aderindo ao alegado pela autora B… e ao pedido de condenação solidária da já então R. empregadora e, para o caso de ser admitida a intervenção da J…. Incidente que também foi admitido, tendo essa decisão transitado em julgado.
Aliás, recorde-se, a Ré empregadora veio expressamente dizer nada ter a opor aos incidentes de intervenção suscitados.
Neste quadro, salvo o devido respeito, não tem fundamento invocar-se que foi ultrapassado o prazo do n.º3, do art.º 129 do CPT, já que o ai estipulado não tem aplicação à situação. De resto, quanto à autora L… essa invocação é destituída de qualquer lógica, diga-se, mesmo absurda, visto que quando a recorrente apresentou a sua contestação nem sequer tinha ainda intervenção nos autos.
No argumento seguinte vem a recorrente defender que [O]s pedidos formulados no ponto C4 do requerimento de fls. 172 e ss. não podem ser considerados como desenvolvimento ou consequência dos pedidos primitivos, atendendo não apenas a que assentam num distinto tipo de responsabilidade, como decorrem de factos que não foram sequer aventados previamente ao articulado das Rés seguradora e E… (designadamente, os insertos nos Pontos 20) e seguintes do requerimento em apreço)”.
Em face do que se disse acima parece-nos que a resposta está dada, não tendo este argumento cabimento.
É claro que esses factos não foram “sequer aventados previamente ao articulado das Rés seguradora e E…”. A autora B… e a sua filha L…, que então nem tinha intervenção nos autos, não tinham conhecimento dos novos factos que vieram a ser alegados pela R. seguradora - passando a defender que o acidente se ficou a dever também a violação das regras de segurança por parte da entidade empregadora, fundamento que não fora invocado na tentativa de conciliação -, nem muito menos dos que veio a Ré empregadora/recorrente alegar na sequência da determinação da sua intervenção, procurando declinar a sua responsabilidade para a atribuir à J… com base na alegação já referida.
Portanto, como é óbvio, não podia a Autora B… na petição inicial alegar factos que desconhecia e deduzir pedidos, designadamente o de condenação em danos não patrimoniais, que só tinham cabimento em face desses novos factos alegados pela seguradora e depois pela Ré empregadora.
É por essa razão, como pensamos ter deixado claro, que a situação colhe enquadramento no art.º 28.º 1 e 2, do CPT, não havendo pois qualquer violação dos normativos invocados (arts. 260º, 265º, n.ºs 1 e 2, e 552º, nº 1, al. d), todos do C.P.C. (aplicáveis ex vi art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.T.).
Por fim vem a recorrente dizer que o tribunal a quo não pode condenar extra vel ultra petitum, quanto aos pedidos formulados “no ponto C4 do requerimento de fls. 172 e ss. não só porque os mesmos pedidos reportam a indemnizações por danos não patrimoniais reclamados por familiares do sinistrado, mas igualmente porque a respetiva procedência depende, em todo o caso, da alegação e prova dos factos subjacentes aos direitos indemnizatórios reclamados, factos esses – eles próprios – inoponíveis à aqui Apelante, nos termos e com os fundamentos supra expostos”.
Sempre com o devido respeito, o argumento não tem qualquer relevância, sendo até ininteligível nesta situação dado surgir descontextualizado da questão colocada. O que a recorrente questiona é o despacho proferido na audiência de julgamento, por ter admitido os pedidos. Não vislumbramos, pois, qual o propósito da invocação do dever imposto ao juiz pelo art.º 74.º do CPT, de condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, nos casos pontuais previstos na norma, ou seja, quando estão em causa preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. Esse poder/dever do juiz é exercido na sentença e não se prende de todo com o disposto no art.º 28.º do CPT.
Concluindo, quanto a esta questão improcede o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Decorre das conclusões que a recorrente empregadora pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto do Tribunal a quo, no seu entender por haver erro de julgamento, ao considerar não provados os factos da base instrutória sob os números 78 e 92 (conclusões 7 e 8); e, ao considerar provados os factos dos pontos 3.42, 3.58, 3.62 (conclusão 9) e 3.52 (conclusão 9).
Para além disso, das alegações resulta que a recorrente pretende impugnar ainda os “Pontos 3.79), 3.80), 3.82) e 3.83) dos factos provados”. Porém, como se constata pela leitura das conclusões, nelas nada consta sobre esses pontos da matéria de facto.
Cumpre, como primeiro passo, indagar se nada obsta à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, verificando se foram observados ónus exigidos pelo art.º 640.º do CPC.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do NCPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados[n.º1, al. a)];
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [n.º1, al. b)];
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [n.º 1, al. c)];
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes [n.º2, al. a)].
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico da jurisprudência, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e, também, o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Atentos estes princípios, vejamos então.
Nas conclusões 7 a 10 a recorrente identifica os factos que impugna e o sentido em que os pretende ver alterados, em concreto quanto aos factos seguintes: 78 e 92 da base instrutória (conclusões 7 e 8); pontos 3.42, 3.58, 3.62 dos factos provados;(conclusão 9); e, ponto 3.52 também dos factos provados (conclusão 9).
Portanto, quanto a esses factos considera-se ter sido observado o que se entende exigível dever constar das conclusões.
Mas o mesmo já não se verifica quanto aos “Pontos 3.79), 3.80), 3.82) e 3.83) dos factos provados”, apenas mencionados nas alegações. Como logo se assinalou, nas conclusões nada consta sobre esses pontos da matéria de facto.
Daí que, quanto aos mesmos se rejeite a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Quanto aos primeiros cabe agora verificar se há a correcta indicação dos meios de prova em que a recorrente sustenta a impugnação. Deparamo-nos aqui com uma situação peculiar.
Se atentarmos nas conclusões 7 e 9, nelas faz a recorrente apelo, respectivamente, aos “depoimentos das testemunhas N… e O…” (conclusão 7), aos “depoimentos das testemunhas N… e P… “(conclusão 8) e aos elementos “testemunhais (depoimentos das testemunhas M… e P…)”, sendo de esperar que fossem invocados extractos dos mesmos, referido em concreto o que foi dito pelas testemunhas, indicados os pontos da gravação em que se encontram e, nessa base, sustentado que o Tribunal a quo não atendeu a essas partes dos testemunhos.
Contudo, recorrendo às alegações verifica-se não ser isso que acontece. Com efeito, relativamente a todas as invocações que faz dos testemunhos a recorrente menciona não o que terão dito, mas antes o que foi feito consignar pelo Tribunal a quo na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Senão vejamos:
- facto não provado 78 (da base instrutória): diz que “no depoimento da testemunha N… (Diretor de Obra da Ré J…, Ld.ª) – na parte do seu depoimento que mereceu credibilidade ao Tribunal e nas palavras do Meritíssimo Juiz a quo (cfr. douta Sentença recorrida) –, testemunha essa que “Confrontada com a fotografia junta a fls.337 (…) referiu que nessa execução de trabalhos vê-se a utilização da linha de vida e do arnês e (…) que nesses trabalhos as placas estavam na plataforma elevatória telescópica da J…, que as placas não estavam no telhado”.
- facto não provado 92 (da base instrutória): alega que a «este propósito, a testemunha N… (Diretor da obra em causa nos autos) esclareceu – na parte do seu depoimento que mereceu credibilidade ao Tribunal e nas próprias palavras do Meritíssimo Juiz a quo (cfr. douta Sentença recorrida) – que “estava previsto a colocação das placas ser feita após a conclusão dos tais trabalhos de picagem”»; e, ainda, que «a testemunha P… (Técnico de Segurança da Ré J…, Ld.ª) esclareceu – na parte do seu depoimento que mereceu credibilidade ao Tribunal e recorrendo, uma vez mais, ao preciso resumo constante da douta Sentença recorrida (para cujo teor também aqui se remete) – que “os dois trabalhadores F… e M… estavam a remover reboco nas alvenarias, não estando essa actividade ainda concluída quando aqueles trabalhadores foram realizar a tarefa no decurso da qual houve o acidente; que a testemunha não faz ideia porque é que esses trabalhadores deixaram de fazer os rebocos e começaram a fazer o outro trabalho, no decurso do qual houve o acidente”.
- Pontos 3.42), 3.58) e 3.62) dos factos provados: escreve que “M…, que – num depoimento a que, na douta decisão proferida, se atribui “total credibilidade” – confirmou ao Tribunal “que os trabalhadores da E… chegaram a ter uma formação de segurança no início da obra dada pela J…, tendo essa formação demorado 30 mn, tendo sido referido o perigo dos trabalhos em altura; que o Sr. K… esteve a ouvir o que o engenheiro da J… disse nessa formação” (sublinhado nosso) – cfr. resumo do depoimento da testemunha, conforme relatado na douta Sentença recorrida; e, que a testemunha P… – , sendo que – na parte do seu depoimento que mereceu credibilidade ao Tribunal e recorrendo, uma vez mais, ao resumo constante da douta Sentença recorrida (para cujo teor também aqui se remete) –, quando “Confrontada com o documento de fls.341 e ss., a testemunha confirmou tratar-se de um registo da acção de formação, efectuada quando começaram os trabalhos”.
Por conseguinte, em rigor, o que a recorrente põe em causa é o juízo lógico formulado pelo Tribunal a quo na articulação daqueles testemunhos com os demais meios de prova. Quanto ao conteúdo das declarações dessas testemunhas, servindo-se a recorrente das referências e resumos feitas pelo Tribunal a quo, não discorda da sua correcção.
Acresce referir que a recorrente procura sustentas as alterações pretendidas através de um juízo crítico.
Portanto, é neste pressuposto que se aceita ter a recorrente observado os ónus de impugnação e, consequentemente que se apreciará a impugnação quanto a essa matéria.
Resta o facto provado 3.52, que a recorrente entende dever ser excluído, quer por conclusivo quer por contrariar outros facos provados que aponta, mostrando-se igualmente preenchido o ónus de impugnação.
IV.1 Concretizando o conteúdo dos factos impugnados, deles consta o seguinte:
i) facto controvertido 78 da base instrutória: A R. J… adoptou as medidas de segurança quando foram realizadas obras semelhantes na empreitada?”.
ii) facto controvertido 92 da base instrutória: “Os trabalhos que ocasionaram o acidente não estavam previstos, programados ou haviam sido sequer destinados para o dia dos factos?”.
iii) factos provados: 3.42. Ao sinistrado não tinha sido ministrada qualquer formação de segurança relativamente ao trabalho que se encontrava a exercer; 3.58. Não foi ministrada aos trabalhadores da ré E… acção de formação no módulo “trabalhos em cobertura”; e, 3.62. Pela J… não foi ministrada prévia formação relativamente a tais trabalhos.
- facto provado 3.52. Permitiram que o sinistrado exercesse a sua actividade a, pelo menos, 3 metros de altura, sem as medidas de protecção já elencadas, [35º].
IV.2 Pretende a recorrente que se considere provado o facto controvertido da base instrutória sob o n.º 78, onde se questiona: “A R. J… adoptou as medidas de segurança quando foram realizadas obras semelhantes na empreitada”.
Adianta-se já que a pretensão não pode ser atendida.
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Entendimento igualmente sustentado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que o tribunal de recurso não pode considerar provadas alegações conclusivas que se reconduzam ao thema decidendum.
Importa ainda relembrar, que nos termos do disposto no n.º1 do art.º 5.º do CPC, [Às] partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles que se baseiam as excepções invocadas”.
Revertendo ao caso, o facto controvertido resulta do alegado pela R. J… no art.º 21, da sua contestação, lendo-se ai: “A R. J… adoptou as melhores e mais amplas medidas de segurança, designadamente quando foram realizadas obras semelhantes na empreitada”.
Trata-se de uma alegação conclusiva e a formulação adoptada no facto controvertido, embora com ligeira alteração, não foi o suficiente, nem poderia ser, para lhe retirar esse cunho conclusivo.
O facto controvertido foi, pois, incorretamente formulado. E, logo, nunca poderia merecer a resposta provado.
Nesta parte improcede, pois, a impugnação.
Segue-se o ponto 92º da base instrutória, defendendo a recorrente que deve ser dado como provado que “Os trabalhos que ocasionaram o acidente não estavam previstos, programados ou haviam sido sequer destinados para o dia dos factos”, invocando os testemunho de N… e P…, recorde-se, nos termos da súmula que foi efectuada pelo Tribunal a quo, bem assim que essa resposta “é amparada pelo contexto em que ocorreu o sinistro aqui em apreço (cfr. designadamente, 3.17), 3.22) e 3.56)), sendo o seu acolhimento a única solução coerente com o demonstrado no Ponto 3.21) dos factos provados”.
Diremos desde já, que pelas mesmas razões acima avançadas, também aqui a impugnação improcede dado estar-se perante uma alegação conclusiva que foi indevidamente levada aos factos controvertidos e, logo, mesmo que tivesse sido considerada provada, teria que ser eliminada.
De resto, os factos provados, embora não todos os que a recorrente invoca, permitem extrair essa conclusão. Nos factos invocados pela recorrente foi dado como provado o seguinte:
3.17. Também aqueles funcionários tinham disponíveis, na própria obra, os arneses a utilizar sempre que houvesse necessidade de realizar quaisquer trabalhos com risco de queda em altura, [cfr.28º], com o esclarecimento de que no local do sinistro não existiam nem foram colocados pontos de ancoragem dos arneses que permitissem a sua utilização pelos trabalhadores.
3.21. Os trabalhos previstos e programados para o dia dos factos, 22/07/2014, eram trabalhos de picagem e remoção do reboco antigo nas alvenarias das bancadas do Centro G… [66º].
3.22. O trabalho que o sinistrado se encontrava a efectuar no momento do acidente foi realizado a mando e sob a direcção imediata do encarregado da obra e funcionário do empreiteiro J…, Lda, Sr. K…, que, com desconhecimento da ré E…, afastou os funcionários desta dos trabalhos que se encontravam a executar (picagem e limpeza das alvenarias das bancadas), ordenando que fossem colocar as ditas placas na cobertura, [cfr.26º] , com o esclarecimento que, paralelamente ao contrato de subempreitada entre ambas celebrado, a E…, Unipessoal, Lda tinha cedido a utilização dos seus trabalhadores, incluindo do F…, á J…, Lda.
3.56. Essas medidas de protecção foram verificadas na mesma empreitada na execução de uma outra cobertura cerca de um mês antes do acidente dos autos, [cfr. 77º]
Cabe assinalar não vislumbrarmos qual a relação lógica entre os factos 3.17, 3.56 e o facto controvertido que a recorrente pretende ver provado. Apenas o facto 3.21 é conexo.
Por outro lado, a recorrente esquece ou não dá a devida relevância ao facto 3.20, onde consta provado: ”No momento do acidente, o trabalhador acidentado encontrava-se a executar um trabalho completamente alheio à subempreitada negociada entre a aqui ré E… e a empreiteira principal [25º]”.
Pois bem, se relacionarmos aqueles dois factos - 3.20 e 3.21 – com o facto 3.22, fica devidamente esclarecido e, mais do que isso, em termos concretos, quais os trabalhos que estavam previstos para aquele dia, que o sinistrado recebeu ordens para ir efectuar trabalho diverso, nomeadamente colocar as ditas placas na cobertura e, ainda, que este trabalho era alheio à subempreitada. Mas para além disso, esses factos permitem extrair uma conclusão, em concreto, a que foi incorretamente levada ao facto controvertido 92.
Assim, nesta parte improcede também a impugnação a decisão sobre a matéria de facto.
Prosseguimos para os factos provados 3.42; 3.58; e 3.62. onde se lê, pela mesma ordem:
- Ao sinistrado não tinha sido ministrada qualquer formação de segurança relativamente ao trabalho que se encontrava a exercer;
- Não foi ministrada aos trabalhadores da ré E… acção de formação no módulo “trabalhos em cobertura”;
- Pela J… não foi ministrada prévia formação relativamente a tais trabalhos.
Pretende a recorrente que sejam considerados não provados e, concomitantemente, que se passa a considerar provado “em substituição”: “No início da obra, foi ministrado ao trabalhador sinistrado e aos demais trabalhadores da “E…” uma acção de formação em cujo âmbito foram abordados os perigos dos trabalhos em altura”.
Em primeiro lugar importa deixar já claro que mesmo que os factos impugnados não recolham apoio na prova e, logo, devam ser dados como não provados, tal não implica que de sê como provado o contrário. Acresce que no caso, estando-se numa acção emergente de acidente de trabalho, há ainda lugar, como foi observado, à selecção dos factos assentes e organização da base instrutória com a indicação dos factos controvertidos decorrentes do alegado pelas partes.
Por conseguinte, para que se pudesse dar como provado o que pretende a recorrente era necessário que tivesse sido alegado e levado aos factos controvertidos. E, não se tendo provado, constaria da matéria de facto não provada, devendo então a recorrente indicar com precisão qual o facto não provado que pretende ver provado. De resto, tal como o fez relativamente aos factos antecedentes (78 e 92 da base instrutória, que não se provaram).
Feita esta nota, vejamos então se aqueles factos deveriam ter sido considerados não provados.
Os meios de prova invocados pela recorrente - recordando-se de novo que quanto aos testemunhos a recorrente limita-se a invocar o que o Tribunal a quo fez constar da fundamentação - são os seguintes:
- documento de fls. 342 dos autos, consistente no registo da ação de formação efetuada aquando da entrada dos trabalhadores em obra, assinado pelo trabalhador sinistrado.
- testemunho do colega do sinistrado – M… - que confirmou ao Tribunal “que os trabalhadores da E… chegaram a ter uma formação de segurança no início da obra dada pela J…, tendo essa formação demorado 30 mn, tendo sido referido o perigo dos trabalhos em altura”:
- testemunho de P…, engenheiro da J…, ” constando do resumo da fundamentação do Tribunal a quo que Confrontada com o documento de fls.341 e ss., a testemunha confirmou tratar-se de um registo da acção de formação, efectuada quando começaram os trabalhos”.
O documento em causa – fls.342 do processo físico e fls. 928 do histórico digital – é um impresso, com o timbre da J…, com o título “Registo de ação de formação”, onde constam, no alinhamento de subtítulos indicativos do impresso, as menções manuscritas seguintes:
- [subtítulo “Acção”]: “Sensibilização, informação e formação”;
- [subtítulo “Módulo”]: “Acolhimento”;
- [subtítulo “Monitor”]: “P…”;
- [subtítulo “Data”: “02.01.2014”;
- [subtítulo “Duração”]: “30 min.”;
- [subtítulo “Emp./Org.”]: “E…”;
- [subtítulo “Formando”]: consta em primeiro lugar (1) o nome de M… e em segundo lugar (2) o nome do sinistrato (F…).
- [subtítulo “Sumário”]: “Perigos e riscos associados às tarefas a serem executadas; Acidentes de trabalho; medidas de prevenção de acidentes de trabalho”.
Estamos perante um documento particular, não subscrito pelo autor, cujo valor probatório apenas releva em conjugação com outros meios de prova, nomeadamente os testemunhos indicados. Do documento, conjugado com os testemunhos invocados pode retirar-se que ao falecido e ao seu colega M… – que testemunhou nesse sentido, foi ministrada uma acção de formação de 30 minutos, onde terá sido “referido o perigo dos trabalhos em altura”. Não se sabe, pois, que tipos de perigos foram referidos, sendo certo que há uma ampla diversidade de trabalhos em altura e cada tipo de trabalhos requere medidas específicas, ainda que o propósito final seja prevenir as quedas em altura.
A testemunha P… confirmou que o documento corresponde a um registo essa acão, mas como também é mencionado pelo Senhor Juiz na fundamentação disse “já não se recorda da acção de formação que efectuou na obra destes autos”.
Portanto, da articulação destes meios de prova não pode de todo retirar-se que tenha sido ministrada alguma formação de segurança relativamente aos trabalhos que estava a executar quando ocorreu o acidente, nomeadamente, pregagem de placas OSB Eco a vigas de madeira (ripado), a uma altura de 3,18 metros e num plano de inclinação de 30%. Aliás, recorde-se, a própria recorrente veio dizer que estes trabalhos nem sequer estavam previstos na empreitada, não tendo lógica que agora venha procurar defender que foi ministrada formação sobre este tipo de trabalho específico.
Seja como for, o certo é que desta prova não se retira que tipo de formação foi ministrada, designadamente se incidiu sobre trabalhos em cobertura e, mais especificamente, sobre aquele tipo de trabalho em concreto.
Daí que também quanto a este ponto improceda a impugnação.
Por último, sustenta a recorrente que o ponto 3.52 encerra um juízo conclusivo e está em contradição com os factos provados 3.5), 3.13), 3.15), 3.16), 3.17), 3.20), 3.21), 3.22), 3.33), 3.35), 3.43), 3.54), 3.55), 3.56), 3.57) e 3.60).
Lê-se no facto 3.52. Permitiram que o sinistrado exercesse a sua actividade a, pelo menos, 3 metros de altura, sem as medidas de protecção já elencadas.
Defende a recorrente, como melhor se retira das alegações, que «a expressão “permitir”, ao caraterizar um comportamento que pode ser corporizado tanto por ações como por omissões, não traduz um facto cuja verificação possa ser objetivamente sindicável, mas sim uma conclusão que tem de derivar da ocorrência de factos concretos”.
Concorda-se com a recorrente, valendo aqui as considerações deixadas acima sobre factos conclusivos.
Assim sendo, nesta parte procede a impugnação e, em consequência, elimina-se o facto 3.52 do elenco dos factos provados.
V. MOTIVAÇÃO de DIREITO
Conforme resulta das conclusões 11, 12 e 24, a recorrente impugna a sentença na vertente da aplicação do direito aos factos, ainda que se considerem os factos considerados provados pelo tribunal a quo, ou seja, mesmo para ao caso de improcedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mas “tão só, na reapreciação da responsabilidade agravada” que lhe é imputada com fundamento no art.º 18.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, nomeadamente quanto aos pontos B), D) e E) do dispositivo da sentença.
Percorrendo as conclusões, constata-se que a recorrente, aceita expressamente ser “inegável a existência de uma óbvia e grosseira omissão na observância das regras de segurança adequadas à realização dos trabalhos que ocasionaram o sinistro” (conclusão 13), mas que diverge do decidido, em razão de ter sido condenada solidariamente naqueles pedidos, isto é, a pagar as prestações fixadas nas alíneas B e D e a indemnização por danos não patrimoniais fixada na alínea C, no essencial, com as linhas de argumentação seguintes:
i) (conclusão 14) “por estar em causa a apreciação da culpa ou negligência, a condenação dos diferentes intervenientes depende sempre da aferição da capacidade efetiva que os mesmos tinham de, por ação ou omissão, influenciar (positiva ou negativamente) a ocorrência do sinistro;
ii) (conclusão 16) “A factualidade tida por provada (designadamente ….dos factos provados) traz à evidência é que a aqui Apelante adotou todos os cuidados que, com razoabilidade, lhe eram impostos e exigíveis no contexto dos conhecimentos que possuía relativamente aos trabalhos a levar a cabo, face ao contratado com a empreiteira J…, Ld.ª;
iii) (conclusão 20) “pela ausência de factualidade suscetível de corporizar qualquer atuação culposa (..) da aqui Apelante (..) a respetiva condenação assenta, exclusivamente, na vigência da relação laboral com o trabalhador sinistrado;
iv) (conclusão 23) baseando-se a sua condenação “(..) por responsabilidade agravada nos termos previstos no art. 18º da L.A.T. – cfr. pontos B), D) e E) da decisão proferida – (..)” deveria ter sido isentada da responsabilidade aí prevista;
v) (conclusão 25) mesmo a existir a invocada responsabilidade subjetiva das sociedades E…, Ld.ª e J…, Ld.ª, “sempre se impunha que tivesse fixado os distintos graus em que as respetivas atuações concorreram para a verificação do sinistro, condenando as Rés na proporção das respetivas culpas e não, indistintamente, enquanto responsáveis solidárias”;
vi) (conclusão 29) “o funcionário da Ré J…, Ld.ª protagonizou a conduta determinante da execução dos trabalhos que ocasionaram o acidente nas condições em que foram levados a cabo, dando causa ao sinistro que vitimou o trabalhador falecido”, pelo que [conclusão 33] “a responsabilidade da Apelante deve ser fixada em proporção nunca superior a 10%, atribuindo-se, pelo menos, 90% da responsabilidade pelo evento infortunístico à Ré J…, Ld.ª e condenando as partes a satisfazer o crédito decorrente dos pontos B), D) e E) da condenação proferida na proporção das respetivas culpas” (e, conclusão 34).
Para que fique desde já bem claro, sendo o objecto do recurso delimitado pelas questões colocadas pela recorrente, quanto a tudo o mais transitou a sentença recorrida, não apenas no que respeita aos pontos A) e C) do dispositivo, mas também quanto a todas as questões que foram apreciadas e decididas ao longo da fundamentação da sentença, designadamente, no percurso lógico que conduziu às conclusões seguintes:
i) «(..) de concluir pela não descaracterização do acidente à luz da alínea a) do artigo 14º da LAT, pois face à factualidade apurada, não se pode concluir que tenha sido o sinistrado que tenha praticado qualquer acto ou omissão violador das condições e regras de segurança que eram exigidas e demandadas para a realização do trabalho que o sinistrado se encontrava a realizar aquando do acidente.
Assim, resulta evidente que nunca seria de descaracterizar o acidente com fundamento no disposto na al. a) do nº 1 do art. 14º da LAT».
ii) «(..) E assim, sendo necessária para a descaracterização uma negligência grosseira por parte do sinistrado, conclui-se que a sua conduta não merece tal desvalor, contrariamente ao que se pode afirmar relativamente à entidade J… e mesmo relativamente á entidade patronal do aludido sinistrado.
E era às Rés seguradora e entidade utilizadora J… que incumbia tal ónus da prova, que não lograram cumprir.
Improcede, pois, tal questão não sendo pois de descaracterizar o acidente sofrido pelo sinistrado, tendo, por isso, os autores direito à sua reparação».
iii) «(..) Com efeito, resulta da factualidade apurada que entre aquelas sociedades, para além de ter sido celebrado um contrato de subempreitada, foi ainda celebrado entre ambas um contrato de cessão de trabalho, entendendo-se como tal, seguindo-se Hueck-NIPPERDY, segundo citação do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7/5/85 (CJ, 1985, tomo III, págs.129 e ss.), o contrato pelo qual um empresário autónomo cede, transitoriamente, trabalhadores com os quais celebrou contratos de trabalho, a outra empresa, de modo a que continuando a relação de trabalho com o primeiro, os trabalhadores prestam serviço ao cessionário sob as ordens deste, ficando na titularidade do cedente todos os restantes elementos integrantes do conteúdo da relação de trabalho, designadamente a subordinação jurídica, o poder de direcção, determinação do tipo e local de trabalho, bem como a obrigação de pagar o salário.
iv) «(..) E caso a “J…” tivesse observado o cuidado exigível a qualquer encarregado de obra médio (bonus paterfamiliae) e tivesse empilhado devidamente as placas numa estrutura de apoio ao lado, ou junto à cobertura, tal teria impedido, para além de qualquer dúvida razoável, o deslizamento das placas para cima do sinistrado e a sua projecção e queda no solo.
Em suma, encontra-se demonstrada a existência de uma situação de violação de normas de segurança e saúde no trabalho por parte da aludida sociedade e bem assim demonstrado o nexo causal entre a inobservância dessas regras e a produção do acidente».
v) «(..) Assim, tendo em conta o que atrás já se deixou referido e a idade relativamente jovem da infeliz vítima (46 anos), afigura-se adequado e justo o peticionado montante de €60.000,00, o qual, aliás, está consentido pelos valores jurisprudenciais do Supremo Tribunal de Justiça que, amiúde, atingem tal quantia».
Com efeito, como se observa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 21-03-2016 [proc.º 210/07.6TCLRS.L1.S1, Conselheiro Álvaro Rodrigues, disponível em www.dgsi.pt], é “(..) entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – vd., por todos, Ac. do STJ de 12.07.2011, processo 129/07.4.TBPST.S1, www.dgsi.pt. Como diz Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579), citado no referido Acórdão do STJ, “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.».
V.1 O acidente dos autos verificou-se no dia 22 de Julho de 2014.
Assim, como bem entendeu o tribunal a quo, o regime jurídico atendível é o que emerge da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro [Regulamenta o regime de reparação de acidente de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do art.º 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro], que também se usa designar por NLAT (nova lei de acidentes de trabalho), entrada em vigor no dia 1 de Janeiro de 2010, conforme resulta do seu art.º 188.º.
Da extensa fundamentação da sentença, para a apreciação das questões suscitadas e de modo a perceber-se o percurso que foi seguido, relevam, no essencial, as partes seguintes:
- «b) Determinação da(s) entidade(s) responsável(eis) pela reparação dos danos emergentes do acidente e da natureza e âmbito dessa responsabilidade atento o disposto no artigo 18º da Lei nº98/2009
O artigo 18.º da LAT, intitulado «Atuação culposa do empregador», estatui que:
“(..)
Assim, para efeitos de aplicação dos artigos 18.º, n.º 1, e 79.º, n.º 3, cabe aos beneficiários do direito à reparação por acidente de trabalho, bem como às entidades seguradoras que pretendam ver desonerada a sua responsabilidade infortunística, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa do empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou que o mesmo resultou da inobservância por parte daqueles das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Todavia, não basta que se verifique um comportamento culposo da entidade empregadora ou a falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora para a responsabilizar, de forma agravada, pelas consequências do acidente ocorrido, tornando-se, ainda, necessária a prova do nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente”, (Ac. STJ, de 13-10-2016; www.dgsi.pt/jstj-Proc nº443/13.0TTVNF.G1.S1).
(..)
No concreto caso dos autos, impõe-se, desde logo, apreciar se o acidente que vitimou o sinistrado resultou da falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho, o que pressupõe a verificação dos seguintes requisitos:
a) que sobre a empregadora ou qualquer outra das entidades mencionadas no normativo já citado constante do nº1 do artº18º da LAT recaia o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança;
b) que aquela as não haja, efetivamente cumprido;
c) que se verifique uma relação de causalidade adequada entre aquela omissão e o acidente (v.g., entre outros, Acórdãos…).
(…)
E com efeito, a propósito da violação de regras de segurança por parte do empregador [com vista à sua responsabilização pela reparação do acidente nos termos do art. 18º, nº 1, da LAT] tem sido entendido que é necessário que a previsibilidade do risco lhe possa ou deva ser imputável, devendo o juízo de prognose quanto à avaliação desse risco ser feito em função das condições existentes a priori, perante o circunstancialismo que se verificava aquando do acidente, e não, a posteriori, perante a constatação do acidente.
(..)
Importa, assim, começar por examinar as regras sobre segurança no trabalho em causa nestes autos.
Desde logo, importa atentar no artigo 281.º do Código do Trabalho (cuja epígrafe é precisamente a de “ Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho), onde se estatui que:
(..)
De uma forma ainda mais incisiva, porque concretizada, dispõe o artigo 15º da aludida Lei nº102/2009, sob a epígrafe “Obrigações gerais do empregador”:
(..)
Por sua vez, nos termos do Artigo 16.º (“Actividades simultâneas ou sucessivas no mesmo local de trabalho”) :
(…)
Por sua vez, a Portaria nº101/96, de 3 de Abril (mencionada pela ACT a fls.23 v. do seu relatório de inquérito junto aos autos) veio estabelecer a regulamentação das regras gerais relativas a prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho, a aplicar nos estaleiros temporários ou móveis, que foram definidas por diploma legal que procedeu à transposição para o direito interno das disposições gerais da Directiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho, em conformidade com as regras complementares da mesma directiva.
(…)
Por sua vez o Decreto n.º 41.821, de 11/08/58, que aprovou o regulamento de segurança da construção civil, relativamente às obras em telhados estatui no seu art. 41.º que (..).”
Por sua vez, dispõe no seu artº44º (..).
Mais se estatuindo no artº159º do mesmo Regulamento que (…).
Sendo certo que de acordo com a disposição 4.1.1. do Anexo da Directiva 2001/45/CE, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, “deve dar-se prioridade às medidas de protecção colectivas em relação às medidas de protecção individual.”
(…)
A responsabilização do empregador é independente de culpa, ou seja, estamos no domínio da responsabilidade objetiva (vd. o já cit. art. 7.º da LAT). A responsabilidade subjetiva, ou seja, decorrente de culpa do empregador (noção que abrange o dolo e a negligência) está, contudo, presente nas situações em que a lei menciona como casos especiais de reparação previstos no art.º 18.º da LAT. Os requisitos deste preceito são os seguintes:
• Que o acidente tenha sido provocado pelo empregador seu representante, entidade contratada, ou empresa utilizadora de mão-de-obra, ou seja, que resulte de ato ilícito e culposo (seja na modalidade de ato negligente, seja na de ato doloso); ou
• Que o acidente tenha resultado da falta de observação por qualquer das entidades acima referidas das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Portanto, neste caso, a reparação (agravada) está a cargo do empregador, competindo ao trabalhador, nos termos gerais, provar que o acidente ocorreu por culpa do empregador ou seu representante ou por o mesma não ter culposamente cumprido as normas sobre segurança e saúde no trabalho, bem como a verificação de um nexo causal entre o ato ilícito culposo ou a violação das regras de segurança por parte empregador seu representante, entidade contratada, ou empresa utilizadora de mão-de-obra, e a ocorrência do acidente. Assim, o sistema português, no que concerne aos acidentes de trabalho, caracteriza-se por consagrar uma responsabilidade objetiva, com recurso à responsabilidade subjetiva para todas as matérias não especialmente reguladas.
Por outro lado, a verificação de acidente de trabalho não afasta a responsabilidade delitual sempre que se encontrem preenchidos os requisitos do art.º 18.º da LAT, já que no que toca ao empregador a existência duma responsabilidade objetiva não a desresponsabiliza em caso de culpa e, quanto a terceiros, sempre há direito de regresso por parte do empregador ou de quem efetivamente tenha procedido à reparação do dano.
(…)
Por sua vez, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 06-02-2013 (publicado no DR, 1ª Série, 45, de 05.03.2013, págs.1253 e ss.), o Supremo Tribunal de Justiça plasmou o seguinte entendimento a propósito do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, diploma que revoga a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e que entrou em vigor no 1 de Janeiro de 2010 (..):
“Disciplinando os casos de agravamento da responsabilidade derivada de actuação culposa do empregador, refere o n.º 1 daquele artigo que «Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
“A única inovação que resulta do n.º 1 do artigo 18.º da nova Lei dos Acidentes de Trabalho, relativamente às suas antecessoras, está na responsabilização solidária da empresa de trabalho temporário e da empresa utilizadora pela reparação do acidente sofrido pelo trabalhador decorrente do incumprimento das normas de segurança e na forma de efectivação dessa responsabilidade.
Enquanto na vigência da Lei n.º 100/97 e da sua antecessora, a empresa de trabalho temporário responsabilizada pelo acidente derivado do incumprimento de normas de segurança pelo utilizador, na sequência da sua condenação, podia exercer o direito de regresso contra a empresa utilizadora pelo contributo desta para o acidente, na vigência da nova lei a empresa utilizadora é responsabilizada, desde logo, no processo e, em caso de procedência da acção, condenada pagar ao sinistrado as indemnizações devidas, solidariamente com a entidade empregadora daquele, a empresa de trabalho temporário.
Deste modo, são apenas questões de simplificação processual, no que se refere ao apuramento da responsabilidade pelo acidente, que justificam a alteração legislativa, relegando as complexas questões inerentes ao funcionamento do direito de regresso entre a empresa de trabalho temporário e a utilizadora para fora do processo de acidente de trabalho, mas envolvendo as duas entidades no apuramento do processo causal do acidente e da responsabilidade pelo mesmo.
A solução consagrada na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, aprofunda e completa o regime de reparação do acidente, nada inovando no que se refere à responsabilização da entidade empregadora do sinistrado, a empresa de trabalho temporário, e da empresa utilizadora, sob cuja autoridade o trabalhador se encontrava quando ocorreu o acidente”.
(…)
Referindo ainda o nosso mais Alto Tribunal no aludido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência que “o Direito da União Europeia, relativo à segurança e saúde no trabalho, que tem a sua base naquela Directiva Quadro, assenta na imposição à entidade empregadora da obrigação de «assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspectos relacionados com o trabalho», tal como resulta do n.º 1 do artigo 5.º daquela Directiva.
Esta obrigação é intransferível para quaisquer outras entidades.
(..)
O que está em causa naquele dispositivo, tal como no invocado n.º 4 do artigo 273.º do Código do Trabalho de 2003, é efectivamente a coordenação da implementação das medidas tendentes à garantia daquele direito dos trabalhadores, em nada afectando a responsabilidade da empresa de trabalho temporário a atribuição à empresa utilizadora de trabalhadores temporários da obrigação de implementação das medidas tendentes à garantia daquele direito.
Conforme refere MANUEL M. ROXO, «o dever de coordenar incide sobre o titular do local de trabalho, ou seja a pessoa que, a qualquer título, detenha o controlo, a gestão ou a direcção da actividade no local de trabalho e que, por essa circunstância, dispõe de um conhecimento mais directo e mais global dos riscos que ele representa. A lei ao referenciar (…) a “empresa utilizadora” no caso de trabalho temporário, a “empresa cessionária”, no caso de cedência ocasional de trabalhadores (…), aponta para aquele critério da titularidade do local de trabalho como fulcral para a atribuição de um dever de coordenação».
Deste modo, aquele n.º 4 do artigo 273.º do Código do Trabalho de 2003, tal como o artigo 16.º da Lei n.º 102/2009, não transfere a responsabilidade da entidade empregadora dos trabalhadores temporários para as entidades a quem em concreto é atribuída a responsabilidade pela coordenação da sua implementação, no caso a empresa utilizadora, continuando os empregadores dos trabalhadores onerados com as obrigações que originariamente lhes incumbem.
O referido n.º 4 daquele artigo 273.º do Código de Trabalho é explícito no sentido de que os empregadores devem cooperar no sentido da protecção da segurança, mantendo deste modo a responsabilidade originária que lhes cabe, sendo, contudo, as obrigações de implementação atribuídas, no caso do trabalho temporário, às empresas utilizadoras, por força da necessidade de coordenação que está implícita àquele dispositivo.
Outra solução não podia efectivamente ser consagrada, dado o regime do trabalho temporário no que se refere à inserção dos trabalhadores cedidos na estrutura produtiva da empresa utilizadora, já acima referido.
No fundo, a entidade empregadora continua sempre onerada com as suas obrigações relativas à segurança e saúde no trabalho dos seus trabalhadores, obrigações estas que no caso do trabalho temporário são prosseguidas também pela empresa utilizadora, dada a sujeição do trabalhador cedido ao risco inerente à actividade prosseguida pelo utilizador.
O utilizador é o responsável pela implementação das medidas relativas à protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores que estão sujeitos ao risco da actividade por si prosseguida, medidas estas que garantem tanto a segurança e a saúde do trabalhador cedido, como a dos trabalhadores vinculados ao utilizador por um normal contrato de trabalho.
(..)
Importa, pois, aferir se houve no caso vertente violação de regras de segurança na construção civil por parte das demandadas entidade patronal e J… e se se verifica um nexo de causalidade adequada entre tal violação e o acidente, atento o disposto nos artºs 18º e 79º, ambos da LAT.
(…)
Assim, desde logo, resulta da factualidade provada que a ré I… era a entidade empregadora do trabalhador sinistrado na altura do sinistro, que entre essa empresa e a Ré J… tinha sido celebrado um contrato de subempreitada, sendo aquela a subempreiteira da Ré J… para realizar uma parte da obra, mas atenta a matéria de facto provada não podemos qualificar juridicamente a relação entre as referidas Rés como partes num puro contrato de subempreitada, na qual a Ré E… seria a subempreiteira e a Ré J… a empreiteira.
Com efeito, resulta da factualidade apurada que entre aquelas sociedades, para além de ter sido celebrado um contrato de subempreitada, foi ainda celebrado entre ambas um contrato de cessão de trabalho, entendendo-se como tal, seguindo-se Hueck-NIPPERDY, segundo citação do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7/5/85 (CJ, 1985, tomo III, págs.129 e ss.), o contrato pelo qual um empresário autónomo cede, transitoriamente, trabalhadores com os quais celebrou contratos de trabalho, a outra empresa, de modo a que continuando a relação de trabalho com o primeiro, os trabalhadores prestam serviço ao cessionário sob as ordens deste, ficando na titularidade do cedente todos os restantes elementos integrantes do conteúdo da relação de trabalho, designadamente a subordinação jurídica, o poder de direcção, determinação do tipo e local de trabalho, bem como a obrigação de pagar o salário.
Ora se é verdade que no caso em apreço a R. "J… " tinha sobre os trabalhadores da R. E…, incluindo o sinistrado, o poder de direcção imediata quanto às tarefas, ao modo, ao local a executar os trabalhos na obra em curso que extravasavam do contrato de empreitada celebrado entre ambas, incluindo o trabalho de colocação das placas na cobertura onde se deu o sinistro destes autos, não é menos certo que os trabalhadores da R. E…, entre eles a vítima, sempre lhe estiveram subordinados jurídica e economicamente, não tendo a R. E…, por isso, deixado de ser a entidade patronal e empregadora dos aludidos trabalhadores, designadamente do sinistrado.
*
Por outro lado, a factualidade provada evidencia que a “J…” não observou regras basilares de segurança e saúde no trabalho, desrespeitando deveres gerais e especiais de cuidado a que estava obrigada.
Com efeito, de acordo com a ficha 49 (Facts) da Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho (http://agency.asha.eu.int) que contém informações básicas sobre segurança no trabalho em telhados, relativamente ás Precauções no trabalho em telhados refere que (…).
E relativamente a “prevenção de quedas”:
(..)
Mais se alertando para os cuidados a ter com a “queda de materiais”:
(…)
Ora, resulta da factualidade provada que nenhuma dessas medidas de precaução foi tomada no caso destes autos, não se obstante estar em causa a realização de um trabalho numa cobertura com inclinação de 30% e em altura ( a mais de 3 metros de altura).
Nem se mostra terem sido cumpridas as “medidas de prevenção” indicadas noutra ficha sobre “Prevenção de acidentes de trabalho” divulgada a propósito da Campanha Ibérica de Prevenção de acidentes de trabalho sobre quedas em altura e trabalhos em cobertura (disponível no portal da ACT):
(…)
Ora, de igual modo, resultou provado que nenhuma dessas medidas preventivas foi implementada pela entidade utilizadora “J…”, nem que a entidade patronal tenha exigido à “J….” a observância de tais medidas, nem tal fiscalizou, relativamente aos seus trabalhadores, designadamente ao trabalhador sinistrado, a não ser quanto às medidas de protecção individual calçado de segurança, luvas de protecção e capacete de protecção que a entidade patronal forneceu ao sinistrado e ao seu colega de trabalho.
Com efeito:
- acumularam-se as cerca de 80 placas na cobertura, com 30% de inclinação, e num plano superior àquele em que o sinistrado ia trabalhar;
- não foi utilizada qualquer protecção colectiva;
-não existia linha de vida;
- não foi utilizada qualquer protecção individual;
-inexistência de plataforma de trabalho adequada para a deslocação dos trabalhadoresna cobertura;
- Não utilização de arnês (EPI);
- Inexistência de coordenação entre a J… e a E… na organização dos trabalhos e das medidas de segurança, mormente colectivas;
- A entidade patronal não exigiu à empresa executante “J…” as FPS;
- Os factores de risco inerentes aos trabalhos e as medidas preventivas a adotar não foram identificados, avaliados nem divulgados.
Assim, no que diz respeito às placas que deslizaram e ocasionaram a queda do sinistrado impõe-se concluir que houve violação de regras de segurança, pois a sua colocação numa cobertura com 30% de inclinação, num plano superior àquele onde o sinistrado e outro seu colega se encontravam a trabalhar, viola o disposto no nº1 do artº2º da Portaria nº101/96, de 3 de Abril (“os materiais, os equipamentos, bem como todos os elementos que existam nos locais e nos postos de trabalho, devem ter solidez e ser estabilizados de forma adequada e segura”) e bem assim o estatuído no nº2 do artº 10.º, cuja epígrafe é “queda de objectos”, nos termos do qual “2 - Os materiais e os equipamentos devem ser dispostos ou empilhados de forma a evitar a sua queda.”
E conforme estabelece o art. 41º do dito RSTCC:
“Sempre que haja vigamentos a nu ou os elementos de enchimento não tenham ainda adquirido a necessária consistência, é obrigatório o emprego de estrados e outros meios que evitem a queda de pessoas, materiais e ferramentas.”
Nada disso foi feito, conforme resulta da factualidade apurada.
O que deu causa ao acidente fatal dos presentes autos.
Com efeito, a J… podia e devia prever que, ao empilhar as aludidas 80 placas em cima da cobertura com o grau de inclinação de 30%, onde os trabalhadores iriam deslocar-se e provocar vibrações com a pregagem das placas à cobertura, e ao empilhar tais placas num plano superior àquele onde os trabalhadores iriam trabalhar, as aludidas placas podiam deslizar, como efectivamente deslizaram, atingindo os trabalhadores, como efectivamente atingiram o sinistrado, provocando a sua queda, o que também se verificou.
E dessa forma a “J…” podia e devia ter previsto que a colocação das placas no aludido local, para além de violar as mais elementares regras de segurança e de saúde, causavam perigo para a integridade física dos trabalhadores da “E…”, como se concretizou.
Impunha-se, pois, que a sociedade “J…” tivesse organizado e planificado a execução do trabalho em causa de outra forma, utilizando uma plataforma elevatória de apoio onde as placas estivessem devidamente empilhadas sem estarem em cima da cobertura, sem risco de deslizarem para cima dos trabalhadores, e de onde pudessem ser retiradas uma a uma consoante a execução dos trabalhos da sua colocação por pregagem à cobertura.
Verificando-se assim a existência de uma relação de causalidade entre a aludida situação de violação de regras de segurança e saúde no trabalho e a eclosão do acidente já que este apenas se deu pela apontada conduta temerária de empilhamento das placas num plano superior àquele onde o sinistrado se encontrava a trabalhar, numa cobertura com uma inclinação de 30% sujeita a várias vibrações pelas deslocações do sinistrado e do seu colega e das marteladas para pregagem das placas à cobertura.
E caso a “J…” tivesse observado o cuidado exigível a qualquer encarregado de obra médio (bonus pater familiae) e tivesse empilhado devidamente as placas numa estrutura de apoio ao lado, ou junto à cobertura, tal teria impedido, para além de qualquer dúvida razoável, o deslizamento das placas para cima do sinistrado e a sua projecção e queda no solo.
Em suma, encontra-se demonstrada a existência de uma situação de violação de normas de segurança e saúde no trabalho por parte da aludida sociedade e bem assim demonstrado o nexo causal entre a inobservância dessas regras e a produção do acidente.
Por outro lado, a aludida “J…” violou ainda as mais elementares regras de segurança e saúde no trabalho ao não colocar no local do trabalho em causa equipamentos de protecção colectiva, tendo dessa forma, violado o disposto no artº44º do Decreto n.º 41.821 de 11 de Agosto de 1958, nos termos do qual “no trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo”.
(…)
E resulta dos factos materiais provados a necessária vinculação causal entre a falta de observação das sobreditas normas e medidas de prevenção e a produção do acidente que vitimou o sinistrado, existindo entre aquela falta de observação e acidente uma ligação que, segundo as regras comuns da vida, permite afirmar que existindo a primeira provavelmente se daria o acidente, como efectivamente se deu.
(..)
Nesta parametrização, e partindo da situação real posterior ao facto, a falta de observação pela J… daquelas regras sobre segurança no trabalho foi a condição da eclosão do acidente, havendo entre os dois factos uma ligação que, segundo a regras comuns da vida, permite afirmar que, tendo existido o primeiro se deu o segundo.
Isto é, no contexto de um juízo de probabilidade ex post, tudo autoriza a concluir que o incumprimento das sobreditas regras sobre segurança no trabalho foi a causa adequada docconcreto acidente destes autos, pois este não poderia ter eclodido se a ré J… tivesse cumprido os deveres de proteção e organização do trabalho em causa.
Efetivamente, é possível afirmar-se que o acidente se verificou pela colocação na cobertura, com uma inclinação de 30%, de cerca de 80 placas, num plano superior da cobertura àquele onde o sinistrado e o seu colega exerciam o trabalho de colocação dessas mesmas placas, pois foi devido a essa colocação temerária das placas, em grande quantidade (quase uma centena) que levou a que, com os próprios movimentos dos trabalhadores na cobertura e com a vibração da pregagem das placas à cobertura, as restantes placas deslizassem e no seu movimento descendente atingissem o sinistrado, provocando a sua queda e consequentemente a sua morte, sendo possível afirmar que se as aludidas placas estivessem colocadas numa plataforma elevatória de apoio paralela à cobertura as placas não teriam atingido o sinistrado e este não teria caído, não se dando o sinistro fatal objecto da presente causa.
(..)
Estamos, pois, perante uma flagrante violação de regras de segurança pela “J…”, violação essa que foi causal do acidente, como se apurou.
Com efeito, concatenados os factos em presença, é ainda possível afirmar que da falta de colocação dos meios de protecção colectiva e/ou dos meios de protecção individual de linha de vida no local não permitiu sequer evitar a queda do sinistrado da altura de cerca de 3 metros a que trabalhava e bem assim que o mesmo pudesse ter sido atingido, já no chão, pelas cerca de duas dezenas de placas que deslizaram e caíram no chão, onde o sinistrado já se encontrava caído.
Do mesmo modo, a ausência de um plano de segurança específico para o referido trabalho potenciou a adopção pelo encarregado de obra da J… da conduta altamente temerária e violadora das mais elementares regras de segurança.
Pode-se, por isso, sustentar que se verifica nexo de causalidade entre a inobservância daquelas regras sobre segurança no trabalho por parte da J… e o acidente.
E é também de imputar à R. entidade patronal esta violação pois que, apesar de nada ter a ver directamente com a parte da obra por si executada, constituía um perigo evidente para os seus trabalhadores a colocação das aludidas placas naquelas condições.
E a entidade patronal tinha o dever de obstar a que os seus trabalhadores exercessem actividade na obra enquanto não fossem observadas as necessárias medidas de segurança.
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 281.º do Código do Trabalho (cuja epígrafe é precisamente a de “ Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho)“2 - O empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção.”
E “na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos á empresa” (nº3).
Aliás, nos termos do artº15º, nº2, da Lei nº102/2009 “o empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador”, tendo em conta princípios gerais de prevenção.
E como decorre do disposto no artº16º da Lei n.º 102/2009 de 10 de Setembro, quando várias empresas desenvolvem simultaneamente actividades com os respectivos trabalhadores, no mesmo local de trabalho, deverão os empregadores, tendo em conta a natureza das actividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da protecção, da segurança e da saúde, sendo as obrigações asseguradas pela empresa adjudicatária da obra ou do serviço, para o que deverão assegurar a coordenação dos demais empregadores.
Em suma, pode afirmar-se que o acidente ocorreu devido a violação de regras de segurança por parte do empreiteiro geral da obra, J…, o qual procedia à direcção do pessoal (incluindo o sinistrado) “de acordo com a programação do trabalho”, mas também por parte da entidade patronal.
Com efeito, o empregador não se pode alhear das condições concretas de segurança em que efectivamente os seus trabalhadores exercem a sua actividade, limitando-se a confiar o cumprimento dessas obrigações a terceiros (como o dono da obra, o empreiteiro geral, o subempreiteiro, o encarregado geral do subempreiteiro, o coordenador da obra ou outro), e o facto de a responsabilidade pela definição e observância das regras de segurança incumbir a um terceiro não exime o empregador da sua responsabilidade infortunística perante os seus trabalhadores, ainda que caiba a um terceiro a direcção e orientação da actividade destes.
Com efeito, o empregador nunca se pode alhear das condições concretas de segurança em que efectivamente os seus trabalhadores exercem a sua actividade, confiando o cumprimento dessas obrigações a terceiros, como o dono da obra, o empreiteiro geral, o subempreiteiro, o encarregado geral do subempreiteiro, o coordenador da obra ou outro.
Assim, a todo e qualquer empregador e também à aqui ré entidade patronal, impõe-se o dever de previamente ao envio dos seus trabalhadores para a obra, verificar se a mesma dispõe ou não de plano de segurança, inteirar-se sobre os riscos com que os seus trabalhadores vão ser confrontados, se esses riscos estavam ou não contemplados no plano de segurança elaborado, devendo abster-se de enviar os seus trabalhadores para a obra sempre que tal não suceda.
Mais se impõe ao empregador que informe os seus trabalhadores sobre os riscos concretos com que se vão deparar, quais os meios de segurança necessários e adequados a neutralizá-los e ainda que acompanhem e fiscalizem a actividade por eles concretamente desempenhada na obra ao longo da prestação laboral, verificando se as regras de segurança estão ou não a ser observadas, suprindo e reprimindo eventuais incumprimentos.
Concluindo pela negativa, era obrigação legal da entidade patronal do sinistrado recusar o envio dos seus trabalhadores para a obra enquanto não fossem adoptadas todas as regras de segurança legalmente estabelecidas.
Sendo certo que a entidade patronal do sinistrado, que ordenou a este a prestação de trabalho naquela obra, sujeitando o sinistrado à inobservância das condições de segurança que ali se verificava, igualmente violou as regras de segurança no trabalho a que estava obrigada.
Assim, ao não verificar se as condições de segurança dos seus trabalhadores estavam ou não a ser salvaguardadas e ao abstrair-se da actividade e das condições de trabalho concretas destes, confiando em terceiros, a ré entidade patronal omitiu deveres objectivos de cuidado que podia e devia ter observado, sendo consequentemente responsável perante o trabalhador e os seus beneficiários legais pelo incumprimento dessas regras de segurança, que foram causais do acidente, estando por via disso obrigada a satisfazer, a título principal e em termos agravados, (embora solidariamente com a ré J…) os créditos indemnizatórios que vêm reclamados pelos autores, sendo a ré seguradora apenas subsidiariamente, e sem qualquer agravamento, responsável pela satisfação de tais créditos.
A circunstância de o sinistrado ter ao seu dispor cinto ou arnês de segurança e de o não ter utilizado não exclui a responsabilidade da ré empregadora; com efeito, como já realçado na sentença recorrida, as medidas de segurança individuais não dispensam as de segurança colectiva quando estas são obrigatórias, necessárias e exequíveis e a estas se devendo dar prioridade. No caso, a colocação de uma linha de vida ou de um guarda corpos era obrigatória, necessária e exequível, podendo e devendo ter sido adoptada. E, por outro lado, não basta ao empregador distribuir o equipamento ao trabalhador, sendo ainda necessário dar-lhe instruções precisas no sentido de como e quando o utilizar.
Quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, actividades com os respectivos trabalhadores, no mesmo local de trabalho – estatui o n.º 4 do inciso – devem os empregadores, tendo em conta a natureza das actividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da protecção da segurança e da saúde, sendo as obrigações asseguradas pelas seguintes entidades b) a empresa em cujas instalações os trabalhadores prestam serviço; c) nos restantes casos, a empresa adjudicatária da obra ou serviço, para o que deve assegurar a coordenação dos demais empregadores através da organização das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho, sem prejuízo das obrigações de cada empregador relativamente aos respectivos trabalhadores, relembradas no n.º 5 seguinte.
Por outro lado, a implementação das medidas de segurança necessárias e adequadas aos concretos riscos, não se esgota na existência quer de um plano de segurança e saúde e da «memória descritiva», quer de uma estrutura de fiscalização, sendo antes necessário que, a todo o momento, sejam implementadas as medidas exigidas e necessárias.
Como tal, a Ré empregadora está também obrigada a satisfazer em termos agravados a reparação do acidente.
Impõe-se, assim, a responsabilização solidária da empresa entidade patronal do sinistrado e da empresa utilizadora “J…” pela reparação do acidente sofrido pelo trabalhador decorrente do incumprimento das normas de segurança e na forma de efectivação dessa responsabilidade, impondo-se a sua condenação a pagar aos beneficiários as indemnizações devidas, solidariamente com a entidade empregadora daquele.
Com efeito, concluindo-se ter existido inobservância das regras de segurança na obra ou actividade em que ocorreu o acidente e ser de imputar tal falta à empresa utilizadora da mão de obra do trabalhador sinistrado, a entidade patronal, que ordenou a prestação de trabalho naquela obra, não fica isenta da sua responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente, desde logo por incumbir á entidade patronal assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho.
E a entidade patronal tinha o dever de obstar a que os seus trabalhadores exercessem actividade na obra enquanto não observadas as necessárias medidas de segurança por parte da entidade utilizadora da mão de obra dos seus trabalhadores.
(..).
The last but not the least, vêm todos os Autores, incluindo a Autora L… peticionar a condenação solidária das Rés (excepto da seguradora) a pagar-lhes a quantia de €60.000, a título de danos morais por si sofridos com a morte do seu pai.
E conforme já se referiu, tal pedido é admissível quanto às Rés J… e E… atento o disposto no artº18º da LAT e a sua responsabilidade agravada nos termos do artº18º da LAT.
Como é sabido, estatui o art. 496.º do CC no que aqui importa:
(…)
Mandando a lei que se fixe a indemnização de forma equitativa - desde logo por ser difícil se não muitas vezes impossível a prova do montante de tais danos - quer a mesma afastar a estrita aplicabilidade das regras porque se rege a obrigação de indemnizar, (cfr. Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, I, págs. 491 e ss).
(..)
Assim, tendo em conta o que atrás já se deixou referido e a idade relativamente jovem da infeliz vítima (46 anos), afigura-se adequado e justo o peticionado montante de €60.000,00, o qual, aliás, está consentido pelos valores jurisprudenciais do Supremo Tribunal de Justiça que, amiúde, atingem tal quantia.
O que necessariamente implica concluir pela condenação solidária das Rés J… e E… a pagarem a todos os Autores a peticionada quantia de €60.000, na proporção de €20.000 para cada um dos Autores.
(..)».
V.2 Começamos por adiantar o nosso entendimento. Concordamos com as soluções encontradas pelo tribunal a quo, nomeadamente quanto aos pedidos aqui em causa – B), D) e E) - e na parte em que são impugnados, acompanhando-se, no geral, o percurso lógico e a fundamentação que a elas conduziu.
Embora procurando não repetir a fundamentação do Tribunal a quo, impõe-se justificar a posição afirmada.
Comecemos por contextualizar a relação laboral, importando ter presente que o tribunal a quo concluiu - sendo de ter presente, sem que tal tenha sido posto em causa pela recorrente no recurso -, que embora resultasse dos factos “que a ré E… era a entidade empregadora do trabalhador sinistrado na altura do sinistro, que entre essa empresa e a Ré J… tinha sido celebrado um contrato de subempreitada, sendo aquela a subempreiteira da Ré J… para realizar uma parte da obra” da matéria provada resultam também factos que obstam a que se considere estar-se apenas perante um “puro contrato de subempreitada, na qual a Ré E… seria a subempreiteira e a Ré J… a empreiteira”, dado constatar-se que “para além de ter sido celebrado um contrato de subempreitada, foi ainda celebrado entre ambas um contrato de cessão de trabalho (..)”.
Com efeito, decorre dos factos provados, desde logo os sob os n.ºs 3.13 e 3.14, que “paralelamente ao contrato de subempreitada entre ambas celebrado, a E…, Unipessoal, Lda tinha cedido a utilização dos seus trabalhadores, incluindo do F…, à J…, Lda”.
É esse acordo contratual entre a recorrente empregadora e a J…, em paralelo com o contrato de subempreitada, que explica o facto de o sinistrado e o seu colega de trabalho M… terem recebido ordens directas do “encarregado da obra da empresa J…, O…, de acordo com a programação do trabalho que este fazia (facto 3.19), para realizarem os trabalhos em cuja execução ocorreu o fatídico acidente de trabalho.
Trabalhos esses, note-se, que eram “completamente alheio(s) à subempreitada negociada entre a aqui ré E… e a empreiteira principal”, ou seja, a J… (facto 3.20). Sendo que os “Os trabalhos previstos e programados para o dia dos factos, 22/07/2014, [entenda-se, no âmbito do contrato de subempreitada] eram trabalhos de picagem e remoção do reboco antigo nas alvenarias das bancadas do Centro G… (facto 3.21).
Visto noutro ângulo, o acidente de trabalho não ocorreu na execução de trabalhos que a E… assumiu realizar no âmbito do contrato de subempreitada, mas antes quando o sinistrado e o trabalhador M…, embora sendo trabalhadores daquela, foram utilizados pela J…, para efectuar trabalhos a cargo desta, “a mando e sob a direcção imediata do encarregado da obra e funcionário do empreiteiro J…, Lda, Sr. K…, que, com desconhecimento da ré E…, afastou os funcionários desta dos trabalhos que se encontravam a executar (picagem e limpeza das alvenarias das bancadas), ordenando que fossem colocar as ditas placas na cobertura, [cfr.26º]”, utilização que se circunscreveu no facto de paralelamente ao contrato de subempreitada ter sido acordada a cedência da força de trabalho daqueles trabalhadores (3.22).
O artigo 288.º do CT/09, com a epígrafe “Noção de Noção de cedência ocasional de trabalhador”, estabelece o seguinte: “A cedência ocasional consiste na disponibilização temporária de trabalhador, pelo empregador, para prestar trabalho a outra entidade, a cujo poder de direcção aquele fica sujeito, mantendo-se o vínculo contratual inicial”.
Esta noção foi introduzida pelo Código do Trabalho de 2003. Anteriormente, a cedência ocasional de trabalhadores encontrava-se regulada nos artigos 26º a 30º do Decreto-Lei nº 358/89, de 17 de Outubro - revogados pelo art.º 21º, nº 1, al. n), da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto – mas sem que naqueles fosse dada uma noção dessa realidade.
Pelas palavras de Pedro Romano Martinez [Cedência Ocasional de Trabalhadores – Quadro Jurídico, intervenção em 25 de Fevereiro de 1999, colóquio sobre Trabalho Temporário Porto] “Na cedência ocasional, um trabalhador de determinada empresa passa a desenvolver a sua actividade noutra empresa, sob a direcção desta, mantendo a relação contratual com a primeira empresa, que continua a ser a sua entidade empregadora. Esta estrutura triangular, em que o trabalhador de uma empresa trabalha para outra entidade, sob as ordens desta última, só pode subsistir ocasionalmente, isto é, de modo temporário. Finda a cedência ocasional, o trabalhador volta a prestar a sua actividade junto da entidade empregadora”.
A cedência ocasional é admitida exclusivamente nas condições, de verificação cumulativa, estabelecidas nas alíneas a) a d), do artigo 289.º, do CT, em concreto:
a) O trabalhador esteja vinculado ao empregador cedente por contrato de trabalho sem termo;
b) A cedência ocorra entre sociedades coligadas, em relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou entre empregadores que tenham estruturas organizativas comuns;
c) O trabalhador concorde com a cedência;
d) A duração da cedência não exceda um ano, renovável por iguais períodos até ao máximo de cinco anos.
Quando as mesmas não se verifiquem, estar-se-á, como o expressa o n.º1 do artigo 289.º, perante uma cedência ocasional ilícita.
Cabe ainda assinalar que a cedência ocasional de trabalhador depende de acordo entre cedente e cessionário, sujeito a forma escrita, que deve conter determinadas menções (art.º 290.º do CT/09).
A cedência ocasional de trabalhador quando ilícita ou sem observância do acordo escrito “confere ao trabalhador cedido o direito de optar pela permanência ao serviço do cessionário em regime de contrato de trabalho sem termo” (art.º 292.º/1 CT/09).
No caso, em princípio, está-se perante uma cedência ilícita, desde logo, porquanto em face dos facos provados parece ser de concluir que não se está perante “sociedades coligadas, em relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou entre empregadores que tenham estruturas organizativas comuns”, não se verificando uma das condições cumulativas exigidas pelo n.º1 do art.º 289.º, acima referidas.
Contudo, para as questões em apreço é irrelevante. Apesar de se estar perante uma cedência ocasional ilícita, na realidade das coisas estavam presentes os elementos típicos da cedência ocasional, designadamente, a estrutura triangular, em que o trabalhador de uma empresa trabalha para outra entidade, sob as ordens desta última, no âmbito de um acordo contratual em que a primeira aceitou pôr à disposição da segunda a força de trabalho de trabalhadores seus.
Tendo, por isso, aplicação o disposto no artigo 291.º, no que aqui releva:
1 - Durante a cedência ocasional, o trabalhador está sujeito ao regime de trabalho aplicável ao cessionário no que respeita ….(à) segurança e saúde no trabalho (..).
2 - O cessionário deve informar o cedente e o trabalhador cedido sobre os riscos para a segurança e saúde inerentes ao posto de trabalho a que este é afecto.
Por outro lado, pese embora a fragmentação do estatuto do trabalhador, designadamente no que respeita à sujeição às ordens da empresa cessionária – o empregador não só cede o seu trabalhador para prestar a sua actividade ao cessionário, como também delega temporariamente o respectivo poder de direcção - mantém-se em toda a sua dimensão os deveres da entidade cedente, que continua a ser a sua entidade empregadora, entre eles os que decorrem da aplicação do regime de acidentes de trabalho (Pedro Romano Martinez, intervenção citada). Dito de outro modo, mesmo nos casos em que o trabalhador é vitima de acidente de trabalho quando presta a sua actividade no âmbito de uma cedência ocasional, tem plena aplicação o princípio afirmado no artigo 7.º da Lei 98/2009: «É responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, bem como pela manutenção no posto de trabalho, nos termos previstos na presente lei, a pessoa singular ou colectiva de direito privado ou de direito público não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço”.
Mas a responsabilidade do empregador não se esgota no dever geral de reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho que, como se sabe, em regra acaba por recair sobre a entidade seguradora desde que aquele tenha a sua responsabilidade infortunística transferida, como o impõe o art.º 79.º n.º1, da LAT, ao dispor: “O empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro”.
O artigo 18.º da LAT estabelece o seguinte: [18.º/1] “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
Ora, como defende o Desembargador Luís Azevedo Mendes, em entendimento que acompanhamos, “o conceito de representante do empregador inclui quer uma entidade por ele contratada (por exemplo, um empreiteiro ou um subempreiteiro), quer uma empresa utilizadora de mão-de-obra, no caso do empregador ser uma empresa de trabalho temporário ou no caso de cedência ocasional de trabalhadores (..)” [inApontamentos em torno do artigo 18º da LAT de 2009: Entre a clarificação e a inovação da efetividade da reparação dos acidentes de trabalho, Prontuário de Direito do Trabalho, nº 88-89, janeiro-agosto 2011, CEJ/Coimbra Editora, pág. 125 e seguintes].
Nesta consideração, conclui-se que nos termos da previsão do n.º1, do art.º18.º, da LAT, mesmo nos casos em que o trabalhador sofre um acidente de trabalho durante a prestação da sua actividade à empresa cessionária e por actuação culposa desta, a entidade cedente, na medida em que continua a ser a empregadora, continua a ser responsável pela reparação dos danos emergentes, ainda que o possa ser solidariamente e não apenas a título individual.
Em suma, como também se elucida naquele estudo:
« A natureza solidária dessa obrigação no âmbito do art.º 18 da LAT de 2009, ou seja, no caso de responsabilidade do empregador pela reparação “agravada” do acidente em caso de actuação culposa de terceiro, parece hoje evidente porque é a própria lei que o refere nesse mesmo artigo.
A solidariedade ocorrerá quando a responsabilidade do empregador, para além das prestações normais previstas na legislação especial sobre acidentes de trabalho, concorra com alguma ou alguma das demais entidades indicadas no art.º18. (cada um responde pala integralidade dos danos e a prestação efectuada por um a todos libera) [Op.cit. p.137].
Nesses casos, a entidade empregadora poderá é exercer o direito de regresso, nos termos previstos no n.º3, do mesmo artigo, dispondo: Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele.
Importa também assinalar que, como entendeu o Tribunal a quo, a doutrina afirmada no acórdão uniformizador de jurisprudência de 06-02-2013 [proc.º 289/09.0TTSTB-A.S1, Conselheiro Leones Dantas, disponível em www.dgsi.pt], tem aqui inteira aplicabilidade, ao considerar-se que “A responsabilidade pela reparação de acidente de trabalho prevista na Base XVII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, e no artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, resultante da violação de normas relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho, por parte de empresa utilizadora, e de que seja vítima trabalhador contratado em regime de trabalho temporário, recai sobre a empresa de trabalho temporário, na qualidade de entidade empregadora, sem prejuízo do direito de regresso, nos termos gerais”.
Com efeito, embora o aresto se debruce especificamente sobre um acidente de trabalho ocorrido com trabalhador contratado em regime de trabalho temporário, o certo é que entre essa figura e cedência ocasional de trabalhador existem “fortes afinidades (..), na medida em que em ambos os casos é idêntica a estrutura triangular da relação laboral: Na cedência, à semelhança do que acontece com o trabalho temporário, o conjunto de direitos e deveres que compõem a esfera patronal é partilhado por dois sujeitos distintos: cedente e cessionário. Estes dois sujeitos permanecem na relação jurídica ao longo de toda a duração da cedência e entre eles é partilhado o estatuto do empregador” [Maria Regina Gomes Redinha, CEDÊNCIA OCASIONAL DE TRABALHADORES, Anotação aos artigos 322º a 329º do Código do Trabalho de 2003, texto disponível em https://sigarra.up.pt/flup/pt/pub_geral.pub_view?pi_pub_base_id=49728].
Por outras palavras, como se sintetizou no acórdão da Relação de Lisboa de 19-11-2008 [Proc.º 4815/2008-4, Desembargador Seara Paixão], “[T]anto o trabalho temporário como a cedência de trabalhadores se caracterizam pela cisão do estatuto do empregador em que direcção e organização do trabalho pertencem ao utilizador, mas as obrigações contratuais (nomeadamente as remuneratórias), os encargos sociais, e, inclusivamente, o exercício do poder disciplinar, pertencem à entidade cedente”.
Ora, a doutrina afirmada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 06-02-2013 assenta no pressuposto de que a empresa utilizadora, na medida em que “recebe o poder de enquadrar a prestação de trabalho com a inerente componente normativa que da mesma deriva detém”, esse “poder de enquadramento da prestação de trabalho (..) permite afirmar que a empresa utilizadora é uma representante da entidade empregadora do trabalhador”. Elucidando-se de seguida:
- «A forma como essa conformação é feita projecta-se sobre a relação existente entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário, tudo se passando como se esse poder de conformação fosse assumido pela empresa de trabalho temporário.
É por isso mesmo que esta assume o poder disciplinar sobre o trabalhador, o que implica a verificação da forma como o trabalho foi orientado pela utilizadora e do eventual incumprimento por parte do trabalhador das orientações que lhe foram definidas.
Esta representação, tal como tem sido referido na jurisprudência desta secção, deriva da assunção de poderes de natureza directiva sobre a conformação da relação de trabalho pela empresa utilizadora, sendo alheia ao instituto da representação, tal como o mesmo é conformado no Direito Civil, nomeadamente nos artigos 258.º e ss. do Código Civil.
Mas esta situação evidencia igualmente que a empresa de trabalho temporário tem importantes obrigações relativamente à forma como a empresa utilizadora enquadra o trabalhador e não pode alhear-se das condições a que aquele está sujeito”.
Em suma, com fundamentação transponível para os casos de cedência ocasional de trabalhador, a doutrina afirmada neste aresto vai de encontro ao entendimento que acima deixámos afirmado quanto ao sentido e alcance da expressão “representante” contia no art.º 18.º/1, da Lei 98/2009.
Uma última nota para justificar a aplicabilidade ao caso concreto da doutrina afirmada no AUJ de 06-02-2013. Embora a interpretação afirmada se reporte à Base XVII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, e ao artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, a mesma tem inteira aplicação ao actual art.º 18.º1, da Lei 98/2009, norma correspondente àquelas, pois como também se elucida no final do aresto, a “solução consagrada na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, aprofunda e completa o regime de reparação do acidente, nada inovando no que se refere à responsabilização da entidade empregadora do sinistrado, a empresa de trabalho temporário, e da empresa utilizadora, sob cuja autoridade o trabalhador se encontrava quando ocorreu o acidente”.
Revertendo ao caso, ainda que a actuação culposa – pressuposto da aplicação do artigo 18.º da LAT – fosse de imputar exclusivamente à J…, sempre a Ré empregadora teria que responder solidariamente pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho, abrangendo estes, conforme expressamente previsto no n.º1, “ a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
Por conseguinte, não tem a Recorrente fundamento quer para pugnar por ser “isentada da responsabilidade” prevista no artigo 18.º e absolvida dos pedidos que pôs em causa [B), D) e E)], nem tão pouco para pretender que se fixassem “distintos graus em que as respetivas atuações concorreram para a verificação do sinistro, condenando as Rés na proporção das respetivas culpas”, no seu entender devendo a sua ser “fixada em proporção nunca superior a 10%, atribuindo-se, pelo menos, 90% da responsabilidade pelo evento infortunístico à Ré J…”, para se condenarem as “as partes a satisfazer o crédito decorrente dos pontos B), D) e E) da condenação proferida na proporção das respetivas culpas”.
Por último, a alegada falta de culpa da recorrente. Defende esta que os factos provados evidenciam que adotou todos os cuidados que, com razoabilidade, lhe eram impostos e exigíveis no contexto dos conhecimentos que possuía relativamente aos trabalhos a levar a cabo, face ao contratado com a empreiteira J…, Ld.ª.
Começaremos por relembrar que a impugnação da matéria de facto improcedeu, excepto quanto ao facto 3.52.
Não obstante, permanecem válidas as considerações deixadas pelo tribunal a quo na sentença recorrida a este propósito, não assistindo razão à recorrente.
Em traços gerais, importa relembrar que sobre a Ré, enquanto empregadora recaía, desde logo, os deveres de assegurar ao trabalhador sinistrado, mesmo ao ceder a sua força de trabalho à R. J…, “condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção”, designadamente, mobilizando os meios necessários “nos domínios da prevenção técnica, (e) da formação”, cabendo-lhe, ainda, cooperar com J… nesse propósito de assegurar a protecção da segurança (art.º 281.º 2, 3 e 4, do CT).
Como refere o tribunal a quo, a Ré empregadora não podia alhear-se das condições concretas em que iam ser executados os trabalhos para os quais cedeu o trabalhador sinistrado e outro seu trabalhador. Significa isso, que no mínimo era-lhe exigível que soubesse quais os tipos de trabalho que iam ser executados e em que condições de segurança.
Só desse modo poderia, por si ou em coordenação com a J…, assegurar a formação adequada dos trabalhadores para a realização daquele tipo de trabalhos. E, também só desse modo, poderia minimamente garantir que ficavam definidas as condições para execução desses trabalhos com a necessária segurança.
Ora, de acordo com o provado, nada disso foi observado. Com efeito, nem sequer existia um plano de segurança específico, nem os trabalhadores da Ré, o sinistrado e o companheiro M… receberam qualquer formação específica para a realização daquele tipo de trabalhos.
Se a Ré tivesse cumprido com os seus deveres, certamente os seus trabalhadores teriam sentido a segurança suficiente para recusar executar aquele trabalho naquelas condições e, se necessário fosse, desobedecerem à ordem do encarregado da J…, sem o receio que com toda a probabilidade sentiram de porem em risco os seus postos de trabalho.
Como bem refere o Tribunal a quo o empregador não se pode alhear das condições concretas de segurança em que efectivamente os seus trabalhadores exercem a sua actividade, limitando-se a confiar o cumprimento dessas obrigações a terceiros (como o dono da obra, o empreiteiro geral, o subempreiteiro, o encarregado geral do subempreiteiro, o coordenador da obra ou outro), e o facto de a responsabilidade pela definição e observância das regras de segurança incumbir a um terceiro não exime o empregador da sua responsabilidade infortunística perante os seus trabalhadores, ainda que caiba a um terceiro a direcção e orientação da actividade destes. (..) a todo e qualquer empregador e também à aqui ré entidade patronal, impõe-se o dever de previamente ao envio dos seus trabalhadores para a obra, verificar se a mesma dispõe ou não de plano de segurança, inteirar-se sobre os riscos com que os seus trabalhadores vão ser confrontados, se esses riscos estavam ou não contemplados no plano de segurança elaborado, devendo abster-se de enviar os seus trabalhadores para a obra sempre que tal não suceda”.
Os factos provados revelam uma realidade inaceitável e com consequências trágicas. A entidade empregadora não tem fundamento para alijar as suas responsabilidades, escudando-se na J… e na actuação do seu encarregado, fazendo tábua rasa dos seus deveres para com os trabalhadores que, seguramente, negligenciou, limitando-se a disponibilizar a força de trabalho do sinistrado e do outro trabalhador, sem cuidar de saber sequer em que trabalhos iriam ser utilizados e quais as condições que seriam asseguradas para a realização dos mesmos.
Se podem existir graus de culpa distintos, essa é questão que aqui não releva. A finalidade da presente acção é exclusivamente a de assegurar aos beneficiários legais a reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho e, como se deixou dito, enquadrando-se o caso na responsabilidade agravada do art.º 18.º, sempre a Ré empregadora teria que responder solidariamente pela “ totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
Concluindo, improcede o recurso.
VI. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação nos termos seguintes:
I. Não admitir o recurso subordinado da R. J…, mas convolando-se parte dele, nomeadamente a abrangida pelas conclusões 1 a 12, com as questões ai suscitadas, como adesão ao recurso da Recorrente empregadora, nos termos do art.º 634.º do CPC.
II. Em julgar o recurso da Ré empregadora parcialmente procedente no que respeita à impugnação da decisão sobre a matéria de facto e totalmente improcedente na vertente da impugnação da decisão na aplicação do direito aos factos.
III. Em consequência, confirma-se a sentença.

- Custas do recurso: cada uma das RR suportará as custas do seu recurso, no caso das recorrentes Seguradora e J…, em função da adesão ao recurso (art.º 527.º do CPC).

Porto, 21 de Fevereiro de 2017
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira