Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1500/14.0T2AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONFISSÃO JUDICIAL
INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO FUTURO IMPREVISÍVEL
Nº do Documento: RP201803191500/14.0T2AVR.P1
Data do Acordão: 03/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º671, FLS.365-385)
Área Temática: .
Sumário: I - A aceitação de um facto pela parte a quem ele desfavoreça, embora em quantidade ou grau menos elevado do que aquele com que foi estimado pela parte a quem favorece, não deixa de consubstanciar confissão, na exata medida da quantidade ou grau admitidos.
II - Consequentemente, o reconhecimento pela ré de que a incapacidade que afetou o autor por via das lesões sofridas no ajuizado acidente de trânsito é de 15 pontos, que o autor havia estimado em 20 pontos, não pode, pois, deixar de valer como confissão parcial da valoração por este efetuada, na medida dessa sua aceitação, em percentagem mais baixa.
III - O dano biológico deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse, posto que há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso constituindo o prejuízo a indemnizar, irrelevando para este efeito o facto de as lesões sofridas pelo lesado não terem implicado, de forma imediata, a perda de rendimento.
IV - Nos casos em que não há (imediata) perda de capacidade de ganho, não existindo, como não existe, qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade, já que só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efetiva por causa da incapacidade, por só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento.
V - Na apreciação, em sede de recurso, da justeza do montante arbitrado a título de compensação por danos não patrimoniais, estando em causa critérios de equidade, o quantum indemnizatur atribuído apenas deve ser reduzido quando afronte manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida.
VI - O dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente, pelo que o sujeito do direito ofendido somente poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, ou seja, depois de lesado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1500/14.0T2AVR.P1
Origem: Comarca de Aveiro, Santa Maria da Feira – Instância Central – 2ª Secção Cível, Juiz 2
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
B… intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra Companhia de Seguros C…, S.A. alegando, em síntese, ter sido vítima de acidente de viação quando seguia como passageiro no veículo ligeiro segurado na ré, imputando ao seu condutor a exclusiva responsabilidade por tal evento, sendo que em consequência do mesmo sofreu danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
Conclui pedindo a condenação da demandada a pagar-lhe:
a) a quantia de €445.850,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir citação e até integral pagamento;
b) o que se liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença.
Citada a ré apresentou contestação, na qual aceitou a responsabilidade do condutor do veículo segurado, impugnando, contudo, os factos atinentes às consequências do acidente, quer a nível dos danos sofridos quer no que toca aos valores peticionados pelo demandante.
Foi proferido despachado saneador em termos tabelares, definiu-se o objeto do litígio e elaboraram-se os temas da prova.
Realizou-se a audiência final com observância do formalismo legal, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu julgar “a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, conden[ar] a Ré D…, S.A., a pagar ao A. B…:
a) a quantia de €40.200,00, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento;
b) a quantia de €50.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a partir da prolação da presente sentença e até integral pagamento.
c) absolver a Ré da restante quantia peticionada”.
Não se conformando com o assim decidido, veio a ré interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
1. A Recorrente discorda do arbitramento de uma indemnização a título de dano biológico na vertente de dano patrimonial.
2. Resultou provado que, pese embora tenha sido atribuído ao Recorrente uma Incapacidade Permanente Geral de 10 pontos, essa incapacidade não se repercutiu na sua capacidade de ganho e, consequentemente, não afectou a sua esfera patrimonial.
3. Não se tendo provado a perda de rendimentos, não se verifica a existência de danos patrimoniais decorrentes do acidente de viação em causa nos autos.
4. As lesões que determinaram a fixação da IPG são compatíveis com o exercício da actividade escolar do Recorrente e com a eventual e futura actividade profissional do mesmo, implicando, todavia, o emprego de esforços suplementares.
5. A indemnização devida a título de dano biológico pode apenas ser ponderada e quantificada enquanto dano não patrimonial.
6. Sucede que o Recorrido é também compensado por esse dano biológico. mediante o arbitramento de uma indemnização a titulo de danos não patrimoniais.
7. A concomitante condenação da Recorrente no pagamento de uma indemnização pelo dano biológico e de uma compensação por danos não patrimoniais implica uma duplicação de indemnizações.
8. Caso assim não se entenda, sem conceder, a Recorrente discorda do montante indemnizatório fixado a este título.
9. Não resultou demonstrado nos autos que esse défice da integridade tisico - psíquica tenha alguma repercussão no exercício da sua actividade habitual e futura actividade profissional do Recorrido.
10. Nas situações em que o dano biológico não tem qualquer repercussão na capacidade de ganho do lesado, o critério fundamental a utilizar pelo Julgador terá de ser, incontornavelmente, a equidade.
11. A Douta Sentença em crise peca pelo montante excessivo arbitrado a este título, especialmente se, em nome do princípio da igualdade, forem tidas em conta outras decisões proferidas por tribunais superiores, designadamente, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do processo nº 3529/12.4TBVCT.G1, datado de 25.05.2016; o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo nº. 288/2002.L1.S1, datado de 07.06.2011; e o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo nº. 6358/07.3TBBRG.G1.S1, datado de 08.05.2012.
12. Impõe-se a alteração da decisão objecto do presente recurso no que respeita ao valor arbitrado a título de danos patrimoniais, uma vez que o montante indemnizatório fixado se afigura manifestamente exagerado.
13. A Recorrente discorda ainda do montante fixado pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais.
14. Quanto se trata de uma indemnização devida a título de danos não patrimoniais, é impreterível conjugar o critério da equidade com o princípio da igualdade e da uniformização jurisprudencial, que visa evitar a discrepância entre os montantes indemnizatórios atribuídos a este título pelos tribunais superiores de que são exemplo, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, datada de 17.11.2011, no âmbito do processo nº. 4482104.3TBSTS.P1.S1; o acórdão proferido por este Douto Tribunal no âmbito do processo nº. 3602/07, datado de 10.01.2008; o caso também submetido à consideração do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo nº. 4244/07, datado de 18.12.2007; e, finalmente, o caso submetido à análise do Douto Tribunal da Relação do Porto que, no âmbito do processo nº. 2993/08.0TBPVZ.P1, proferiu um acórdão em 17.03.2011.
15. O montante de €50.000,00 atribuído a título de danos não patrimoniais não se apresenta como adequado à luz dos princípios de equidade e razoabilidade que devem pautar a aplicação da justiça, não se encontrando em sintonia com outras indemnizações que os tribunais superiores têm aplicado.
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Por seu turno, o autor recorreu subordinadamente apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
1.ª – O recorrente alegou (art. 53.º da p.i.) que “… a R. admite que o A. é portador de uma IPG de 15 pontos, que implica esforços acrescidos”, factualidade que a recorrida não impugnou na sua douta contestação.
2.ª – E, no art. 95.º do mesmo articulado, o recorrente alegou que está afeto de um “dano estético fixável no grau 3, numa escala de 0 a 7.”
3.ª – Esta factualidade (vertida nos arts. 53.º e 95.º da p.i.) não foi alvo de impugnação por parte da R..
4.ª – Nos arts. 11.º, 12.º e 13.º da sua contestação, a recorrida afirmou que observou o Autor nos seus serviços clínicos, que procederam à avaliação clínica e que estes concluíram que o Autor ficou “com sequelas que, à luz da Tabela de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, lhe conferem uma desvalorização de 15 pontos,” e ficou afetado de um dano estético de grau 3 (numa escala crescente de 7 graus.
5.ª – As sobreditas alegações subsumem-se à afirmação ou confissão expressa de factos feitas pelo mandatário no articulado da contestação, pelo que, atento o disposto nos arts. 46.º e 465.º, n.º 2, ambos do C.P.C., somente poderiam ser retiradas enquanto o Autor, aqui recorrente, as não tivesse aceitado especificadamente.
6.ª – Através do seu requerimento de fls.. (com a referência citius 22284171) o ora recorrente declarou “que aceita, especificadamente e sem reservas, as confissões feitas pela Ré nos referidos artigos 11.º, 12.º e 13.º da douta contestação.”.
7.ª – Até ao momento da apresentação nos autos do aludido requerimento de aceitação especificada, a recorrida não se tinha retratado, nem havia retirado as afirmações em apreço.
8.ª – Portanto, não sofrerá dúvidas que as afirmações em causa se subsumem ao conceito legal de confissão, tal como o define o art. 352.º do Código Civil.
9.ª – Tais afirmações valem, pois, como PROVA POR CONFISSÃO JUDICIAL, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 452.º e seguintes do C.P.C., sendo de relevar que têm FORÇA PROBATÓRIA PLENA contra a recorrida, enquanto confitente, atento o que se diz no art. 358.º, n.º 1 do Código Civil.
10.ª – Sabendo-se que a prova por confissão judicial se sobrepõe hierarquicamente a todas as demais provas, nomeadamente à prova pericial, face à prevalência e eficácia absolutas da confissão, teria, forçosamente, de ser desconsiderado o relatório da perícia médica efetuada.
11.ª – O Mº Juiz a quo estava obrigado a levar em conta e vinculado a dar como provada a matéria factual alvo da mencionada confissão, produzida pela recorrida e aceite especificadamente pelo recorrido.
12.ª – Assim, por virtude da confissão havida, é meridianamente certo que deverá ser revogado o douto despacho com a referência citius 95992092, incluindo a factualidade em causa (IPG de 15 pontos e Dano Estético de 3/7) na “matéria assente”.
13.ª – Em consonância, deverá ser alterado o teor dos pontos 33) e 35) dos factos provados, substituindo-se pelo seguinte texto: Ponto 33 - “Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 15 pontos.”. Ponto 34 – “Dano estético permanente fixável no grau 3/7.”.
14.ª – O montante fixado na douta sentença (€40.000,00) como indemnização devida ao A. pelo dano patrimonial decorrente da Incapacidade Permanente Geral de que este ficou a padecer (15 pontos), é escasso e não valoriza conveniente o mencionado dano.
15.ª – Escassez esta que é ainda mais visível quando, como acima de defendeu, se tenha em conta a IPG de 15 pontos.
16.ª – No cálculo deste dano patrimonial, deverá levar-se em conta o salário que o recorrente, previsivelmente, auferiria na atividade profissional viria a exercer como engenheiro I2….
17.ª – Não será excessivo prever que, munido da licenciatura em causa, o recorrente obtivesse, no mercado do trabalho, ocupação que lhe proporcionasse um rendimento mensal de €2.000,00, pelo menos.
18.ª – Deverá ser este o rendimento mensal a levar em conta, conjuntamente com os demais fatores relevantes, no cômputo da indemnização devida.
19.ª – A indemnização destinada a compensar o dano resultante da IPG deve, tal como tem sido entendimento dominante na jurisprudência dos nosso Tribunais, representar um capital que proporcione o rendimento, em abstrato, perdido e se extinga no fim do tempo provável de vida do lesado.
20.ª – Ultimamente, tem-se entendido – e bem – que o lesado precisa de manter o nível de rendimento enquanto viver, mesmo para além da idade da reforma.
21.ª – É, com efeito, depois do final da vida ativa que o lesado mais necessidades tem e mais precisa de manter um nível de rendimentos que lhe permita satisfazer essas suas necessidades suplementares.
22.ª – Será adequado, na esteira do que tem sido decidido pelo nossos Tribunais Superiores, que, em casos como o presente, se recorra, como auxiliar de cálculo da indemnização pelo dano material emergente da IPG, à fórmula de cálculo utilizada no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/04/1995 – CJ – Ano XX – Tomo II.
23.ª – Esta fórmula, na verdade, tem em conta vários fatores relevantes, tais como a progressão na carreira, a erosão monetária, e o crescimento dos rendimentos salariais.
24.ª – Os valores assim encontrados deverão, depois, ser temperados à luz das circunstâncias concretas de cada caso e da equidade.
25.ª – Através da mencionada fórmula, considerando que o recorrente auferiria, como engenheiro, a retribuição mensal mínima de €2.000,00, que tinha 24 anos à data do acidente, a incapacidade permanente parcial de 15 pontos, e o período de vida até aos 70 anos e a progressiva baixa da taxa de juro (neste momento e face à realidade atual, inferior a 2%) encontramos um capital de, aproximadamente, €165.000,00.
26.ª – Temperando este montante à luz das regras da equidade, afigura-se-nos que será justo e equilibrado atribuir ao recorrente, como compensação pela IPG de 15 pontos que o afeta e inerente dano patrimonial, a indemnização de €115.000,00.
27.ª – O Tribunal a quo não atribuiu ao recorrente qualquer indemnização destinada a ressarcir o prejuízo patrimonial inerente à perda do ano escolar, estribado no entendimento de que se trata de um dano imprevisível, visto pressupor, por um lado, um salário também imprevisível e, por outro lado, a imediata colocação profissional logo após a conclusão da licenciatura.
28.ª – Parece-nos, todavia, que, ao contrário do que se disse na douta sentença, será adequado afirmar que terminar um curso no ano projetado e começar a trabalhar logo de seguida é algo que não é inconcebível ou surpreendente, constituindo antes algo plausível e provável.
29.ª – Sabe-se, por outro lado, que, na área das engenharias tecnológicas, como é o caso, existe carência de licenciados e não se regista qualquer dificuldade de obtenção de emprego.
30.ª – E, ainda que assim não fosse – e é – sempre a perda do ano escolar implicaria o retardamento de um ano na procura de emprego e no ingresso no mercado de trabalho.
31.ª – O inerente prejuízo patrimonial afigura-se, assim, evidente e deverá ser calculado com base na retribuição que, previsivelmente, o recorrente iria auferir.
32.ª – Esta retribuição não seria inferior a 2.000,00€ por mês, visto ser este o salário “normal” auferido por um licenciado em I2…, como pode confirmar-se, aliás, através da simples consulta da internet e dos vários sites que abordam a matéria.
33.º - Mesmo que assim não se entenda, dizem-nos as estatísticas que a remuneração mensal média dos licenciados se cifra, no nosso país, em cerca de 1.250,00€ mensais.
34.ª – Portanto, no cálculo da indemnização deverá ter-se em conta a retribuição mensal de 2.000,00€, ou, quando assim não se entenda, a remuneração de 1.250,00€ por mês e, por conseguinte, a indemnização que o recorrente terá direito a haver da recorrida como ressarcimento do dano patrimonial inerente à perda do ano escolar deverá corresponder ao montante de 24.000,00€ (2.000,00€ x 12 meses), não devendo, em caso algum ser inferior a 15.000,00€ (1.250,00€ x 12 meses).
35.ª – A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os artºs 483.º, 496.º, n.º 1, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil.
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O autor apresentou contra - alegações, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela ré.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II. DO MÉRITO DO RECURSO
1. Definição do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, são as seguintes as questões solvendas
Do recurso principal interposto pela ré:
da (não) indemnização do dano biológico como dano patrimonial;
da excessividade dos montantes arbitrados a título de indemnização pelo dano futuro e como compensação pelos danos não patrimoniais.
Do recurso subordinado interposto pelo autor:
da impugnação do despacho que indeferiu a reclamação apresentada pelo autor relativamente à identificação do objeto do litígio e seleção dos temas da prova;
da insuficiência do montante fixado para reparação do dano biológico;
da indemnização do dano patrimonial inerente à perda do ano escolar.
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2. Factualidade considerada provada na sentença
O tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1 - No dia 4 de março de 2012, pelas 02,45 horas, na Rua …, na proximidade do prédio com o número de polícia 6, freguesia de …, concelho de Oliveira do Bairro, ocorreu um acidente de viação que consistiu no despiste do veículo ligeiro de passageiros de matrícula .. - .. - VQ, conduzido por E… e propriedade de F… (A).
2 - O A. seguia neste veículo como passageiro (B).
3 - O veículo de matrícula .. - .. - VQ circulava na Rua …, no sentido Quinta … – … (C).
4 - A condutora do veículo imprimia ao mesmo uma velocidade superior a 80 km/hora e quando descrevia uma curva fechada, que se apresentava para o seu lado esquerdo, perdeu o controlo do veículo, travou “a fundo”, seguiu em frente e despistou-se (D).
5 - O veículo invadiu a berma direita da Rua … (sentido Quinta … – …) e aí acabou por embater num poste de iluminação que derrubou (E).
6 - Seguidamente, foi embater ainda numa árvore junto da qual ficou imobilizado (F).
7 - As lesões sofridas pelo A atingiram a consolidação médico - legal e a fase sequelar a 28/12/2012 (G).
8 - O A. nasceu a 14 de novembro de 1988 – fls. 57 (H).
9 - A responsabilidade civil por danos a terceiros emergentes de acidente de viação com o veículo .. - .. - VQ estava validamente transferida para a Ré, à data do acidente, através de contrato de seguro titulado pela apólice ........... - doc. fls. 79/82 (I).
10 - O A. foi assistido no local pelos Bombeiros, foi imobilizado em plano duro e com colar cervical e foi transportado para os serviços de urgência do Hospital G….
11 - O A. queixava-se de violentas dores a nível lombar e maxilar.
12 - Foram-lhe realizados vários exames e diagnosticada fratura do maxilar inferior.
13 - Por esse motivo, o A. foi transferido, ainda a 04/03/2012, para os Hospitais H….
14 - Aqui fez vários exames que revelaram fratura aberta da mandíbula, fratura do malar esquerdo e fratura do côndilo esquerdo.
15 - No serviço de cirurgia facial dos Hospitais H…, o A. foi submetido a intervenção cirúrgica consistente em redução e osteossíntese da fratura sinfisiária e redução com gancho da fratura malar esquerda.
16 – A 07/03/2012 foi-lhe dada alta para o domicílio, com indicação para seguimento posterior em consulta externa.
17 – Foi-lhe dada indicação para fazer dieta pastosa durante 4 a 6 semanas, higiene oral rigorosa, cinesioterapia mandibular e fazer levante dentro do tolerável pela dor.
18 - O A. continuou a sentir dores intensas ao nível da região lombar e coluna vertebral, que se foram agravando com o passar dos dias.
19 - Por essa razão o A. recorreu novamente ao serviço de urgência dos H…, a 11/04/2012, foi internado no serviço de ortopedia e realizou radiografia da coluna lombar que revelou fratura da extremidade anterior dos corpos vertebrais L1/L2.
20 - O A. ficou internado no Serviço de Ortopedia e foi submetido, a 17/04/2012, a nova intervenção cirúrgica, consistente em atrodese L1/L2, com enxerto alógeno intersomático.
21 - Este segundo internamento prolongou-se até 24/04/2012, data em que lhe foi dada alta, com indicação para prosseguir os tratamentos em regime de consulta externa: fazer pensos, retirar pontos aos 15 dias e deambular com colete.
22 - O A. frequentou a consulta externa de cirurgia maxilo-facial até janeiro de 2013.
23 - E frequentou a consulta externa de ortopedia até Março de 2015, tendo ficado de regressar em 2017 para eventual extração de material de osteossíntese.
24 – O A. apresenta as seguintes sequelas: a) Face: cicatriz arredondada e rosada, localizada na região malar esquerda, imediatamente no limite superior dos pelos da barba, medindo 0,5 cms. de diâmetro; boa oclusão dentária com abertura bucal de 4,5 cms., sendo dolorosa na amplitude máxima; sem crepitação a nível das articulações temporo - mandibulares; b) Ráquis: cicatriz longitudinal nacarada de características operatórias, localizada na linha média da região lombar, com 12 cms. de comprimento por 0,5 cms. de largura; mobilidade da coluna lombar conservada mas dolorosa nos últimos graus.
25 – A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável a 03/01/2013.
26 – O défice funcional temporário total situou-se entre 04/03/2013 e 09/05/2012, sendo assim fixável num período de 67 dias.
27 – A este período deverão ser acrescidos 8 dias para eventual cirurgia de extração de material de osteossíntese.
28 – O défice funcional temporário parcial situou-se entre 10/05/2012 e 03/01/2013, sendo assim fixável num período de 239 dias.
29 - A este período deverão ser acrescidos 22 dias para a recuperação funcional após a eventual cirurgia de extração de material de osteossíntese.
30 – Período de repercussão temporária na atividade escolar total fixável num período total de 67 dias, acrescidos de 30 dias para eventual cirurgia de extração de material de osteossíntese.
31 - Período de repercussão temporária na atividade escolar parcial fixável em 239 dias.
32 – Quantum doloris fixável no grau 5/7.
33 - Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 10 pontos.
34 – As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade escolar, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
35 – Dano estético permanente fixável no grau 2/7.
36 – Repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7.
37 – O A. sente dificuldades em realizar tarefas que impliquem a movimentação de objetos pesados.
38 – Tem dificuldades em correr por causa das dores que sente e não pode fazer caminhadas prolongadas.
39 – Tem dores lombares quando está muito tempo sentado, designadamente ao computador.
40 – Tem, por vezes, dificuldades em dormir e descansar por causa das dores que sente.
41 – O A. revela alguma irritabilidade após o acidente.
42 – E convive menos com os amigos.
43 - Na altura do acidente o A. frequentava o 1º ano da licenciatura de I1… na Universidade I….
44 - Por virtude das lesões sofridas e seu tratamento o A. não pôde frequentar aulas nem comparecer a exames.
45 - Por isso não obteve aproveitamento e perdeu o ano escolar.
46 – E mudou para o curso de engenharia I2….
47 - O A. durante três meses teve de usar colete de contenção lombar e durante seis semanas teve de se alimentar à base de líquidos e comida pastosa.
48 - Tem, por vezes, de recorrer a medicação álgica devido a dores na região lombar.
49 - Em consequência do acidente ficaram destruídas as roupas (umas calças, uma camisa, um blusão) que o A. usava.
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3. Factualidade considerada não provada na sentença
O Tribunal de 1ª instância considerou ainda não provados os seguintes factos:
a) o A. claudique na marcha;
b) o A. tenha visto a sua vida sexual afetada por virtude da presença de dor;
c) o A. padeça de perturbações de stress pós traumático e de perturbação e ansiedade generalizada;
d) denote fragilidades emocionais, fisiológicas, comportamentais e cognitivas, que influenciam o seu desajustado funcionamento físico e psicológico;
e) nomeadamente revela nervosismo, impulsividade, apatia, cefaleias, baixa autoestima, insegurança, baixa capacidade de atenção e concentração, baixa tolerância à frustração, comportamento de evitamento, medos recorrentes e redução de autonomia;
f) como sequela do traumatismo craniano, sente cefaleias e tonturas, e tem perdas de memória e falta de concentração;
g) o A. sofreu, ainda, lesão no nervo ótico, o que lhe afeta a acuidade visual;
h) o A. despendeu numa consulta médica €200,00;
i) o A. despendeu, ainda, €1.000,00 em transportes para acorrer a tratamentos, e €500,00 em refeições,
j) ficaram destruídos em consequência do acidente um par de sapatos e um telemóvel;
k) o A. contratou os serviços de uma empregada doméstica, durante 6 meses, por ter ficado impossibilitado de realizar as suas tarefas pessoais, como deitar-se, levantar-se, vestir-se, calçar-se, alimentar-se, tratar da sua higiene diária e deslocar-se aos tratamentos, tendo despendido pelos referidos serviços domésticos a quantia de €4.500,00.
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4. Do recurso do despacho que decidiu e indeferiu a reclamação apresentada pelo autor relativamente à identificação do objeto do litígio e seleção dos temas da prova; da sua relevância na definição do quadro factual relevante
Como se deu nota, ambas as partes interpuseram recurso da sentença: a ré a título principal e o autor de forma subordinada.
Invocando o disposto no nº 3 do art. 644º, veio o autor, para além do mais, impugnar nesta sede o despacho prolatado pelo decisor de 1ª instância que julgou improcedente a reclamação que, ao abrigo do nº 2 do art. 596º, apresentara no sentido de ser incluída na matéria assente a factualidade alegada nos artigos 53º e 95º da petição inicial.
Considerando que a sua apreciação poderá contender com a definição do quadro factual a atender para o conhecimento das demais questões que balizam o objeto dos recursos, começaremos, pois, por conhecer primeiramente dessa questão.
Na essência, pretende o autor apelante que a materialidade que alegou nos artigos 53º e 95º da petição inicial deve considerar-se provada porquanto não foi alvo de impugnação por parte da ré, convocando, para tanto, o regime vertido no art. 46º que, sob a epígrafe Confissão de factos feita pelo mandatário, estabelece que “[A]s afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo de forem retificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente”.
Quid juris ?
Nos referidos artigos da petição inicial alegou o autor que “[A] ré admite que o autor é portador de uma IPG de 15 pontos, que implica esforços acrescidos” (art. 53º), e que “[está afetado de um] dano estético fixável no grau 3, numa escala de 0 a 7” (art. 95º).
No artigo 7º da contestação que apresentou, a ré expressamente declarou “aceita[r] os factos alegados nos artigos (…) 53º e 95º da petição inicial”.
É certo que no articulado inicial (cfr. art. 52º) o autor alegou que “as sequelas que o afetam implicam que seja portador de uma incapacidade permanente geral (IPG), que lhe diminui a capacidade física e de ganho de, pelo menos, 20 pontos” e “sendo o dano estético fixável no grau 3, numa escala de 0 a 7” (art. 95), registando-se outrossim que no exame médico-legal realizado no âmbito do presente processo se considerou que, em consequência das sequelas resultantes do ajuizado acidente, o autor ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em dez pontos, apresentando um dano estético permanente fixável no grau 2/7.
Após a realização da referida perícia, o autor apresentou o requerimento que se mostra junto a fls. 204/205, no qual declarou aceitar, especificadamente e sem reservas, as confissões feitas pela ré no seu articulado de defesa, sendo que até à apresentação desse requerimento esta não se tinha retratado, nem havia retirado as afirmações vertidas, designadamente, no aludido art. 7º da contestação.
Nestas circunstâncias, independentemente do resultado da perícia médico-legal (cuja força probatória é, nos termos do art. 389º do Cód. Civil, fixada livremente pelo tribunal), afigura-se-nos claro que, por mor do funcionamento da regra vertida no transcrito art. 46º, ter-se-ão de considerar provadas, por confissão judicial escrita (que, em consonância com o estabelecido no nº 1 do art. 358º do Cód. Civil, “tem força probatória plena contra o confitente”), as proposições factuais constantes dos arts. 53º e 95º da petição inicial.
Na verdade, como em análoga situação se decidiu no acórdão desta Relação de 18.05.2017[2], a valoração de um facto pela parte a quem ele desfavoreça, embora em quantidade ou grau menos elevado do que aquele com que foi estimado pela parte a quem favorece, não deixa de consubstanciar confissão, na exata medida da quantidade ou grau admitidos.
Consequentemente, o reconhecimento pela ré de que a incapacidade que afetou o autor por via das lesões sofridas no ajuizado acidente de trânsito é de 15 pontos, que o autor havia estimado em 20 pontos, não pode, pois, deixar de valer como confissão parcial da valoração por este efetuada, na medida dessa sua aceitação, em percentagem mais baixa.
Deste modo, na procedência das conclusões 1ª a 13º do recurso interposto pelo autor, haverá que incluir na matéria de facto assente as mencionadas afirmações de facto, passando os pontos nºs 33 e 35 a ter a seguinte redação:
“défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 15 pontos” (ponto nº 33);
“dano estético permanente fixável no grau 3/7” (ponto nº 35).
*
4. FUNDAMENTOS DE FACTO
Face à decisão que antecede, passa a ser a seguinte a factualidade relevante provada:
1 - No dia 4 de março de 2012, pelas 02,45 horas, na Rua …, na proximidade do prédio com o número de polícia 6, freguesia de …, concelho de Oliveira do Bairro, ocorreu um acidente de viação que consistiu no despiste do veículo ligeiro de passageiros de matrícula .. - .. - VQ, conduzido por E… e propriedade de F… (A).
2 - O A. seguia neste veículo como passageiro (B).
3 - O veículo de matrícula .. - .. - VQ circulava na Rua …, no sentido Quinta … – …. (C).
4 - A condutora do veículo imprimia ao mesmo uma velocidade superior a 80 km/hora e quando descrevia uma curva fechada, que se apresentava para o seu lado esquerdo, perdeu o controlo do veículo, travou “a fundo”, seguiu em frente e despistou-se (D).
5 - O veículo invadiu a berma direita da Rua … (sentido Quinta … – …) e aí acabou por embater num poste de iluminação que derrubou (E).
6 - Seguidamente, foi embater ainda numa árvore junto da qual ficou imobilizado (F).
7 - As lesões sofridas pelo A atingiram a consolidação médico-legal e a fase sequelar a 28/12/2012 (G).
8 - O A. nasceu a 14 de novembro de 1988 – fls. 57 (H).
9 - A responsabilidade civil por danos a terceiros emergentes de acidente de viação com o veículo .. - .. - VQ estava validamente transferida para a Ré, à data do acidente, através de contrato de seguro titulado pela apólice ........... - doc. fls. 79/82 (I).
10 - O A. foi assistido no local pelos Bombeiros, foi imobilizado em plano duro e com colar cervical e foi transportado para os serviços de urgência do Hospital G…..
11 - O A. queixava-se de violentas dores a nível lombar e maxilar.
12 - Foram-lhe realizados vários exames e diagnosticada fratura do maxilar inferior.
13 - Por esse motivo, o A. foi transferido, ainda a 04/03/2012, para os Hospitais H….
14 - Aqui fez vários exames que revelaram fratura aberta da mandíbula, fratura do malar esquerdo e fratura do côndilo esquerdo.
15 - No serviço de cirurgia facial dos Hospitais H…, o A. foi submetido a intervenção cirúrgica consistente em redução e osteossíntese da fratura sinfisiária e redução com gancho da fratura malar esquerda.
16 - A 07/03/2012 foi-lhe dada alta para o domicílio, com indicação para seguimento posterior em consulta externa.
17 – Foi-lhe dada indicação para fazer dieta pastosa durante 4 a 6 semanas, higiene oral rigorosa, cinesioterapia mandibular e fazer levante dentro do tolerável pela dor.
18 - O A. continuou a sentir dores intensas ao nível da região lombar e coluna vertebral, que se foram agravando com o passar dos dias.
19 - Por essa razão o A. recorreu novamente ao serviço de urgência dos H…, a 11/04/2012, foi internado no serviço de ortopedia e realizou radiografia da coluna lombar que revelou fratura da extremidade anterior dos corpos vertebrais L1/L2.
20 - O A. ficou internado no Serviço de Ortopedia e foi submetido, a 17/04/2012, a nova intervenção cirúrgica, consistente em atrodese L1/L2, com enxerto alógeno intersomático.
21 - Este segundo internamento prolongou-se até 24/04/2012, data em que lhe foi dada alta, com indicação para prosseguir os tratamentos em regime de consulta externa: fazer pensos, retirar pontos aos 15 dias e deambular com colete.
22 - O A. frequentou a consulta externa de cirurgia maxilo-facial até janeiro de 2013.
23 - E frequentou a consulta externa de ortopedia até Março de 2015, tendo ficado de regressar em 2017 para eventual extração de material de osteossíntese.
24 - O A. apresenta as seguintes sequelas: a) Face: cicatriz arredondada e rosada, localizada na região malar esquerda, imediatamente no limite superior dos pelos da barba, medindo 0,5 cms. de diâmetro; boa oclusão dentária com abertura bucal de 4,5 cms., sendo dolorosa na amplitude máxima; sem crepitação a nível das articulações temporo-mandibulares; b) Ráquis: cicatriz longitudinal nacarada de características operatórias, localizada na linha média da região lombar, com 12 cms. de comprimento por 0,5 cms. de largura; mobilidade da coluna lombar conservada mas dolorosa nos últimos graus.
25 - A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável a 03/01/2013.
26 - O défice funcional temporário total situou-se entre 04/03/2013 e 09/05/2012, sendo assim fixável num período de 67 dias.
27 - A este período deverão ser acrescidos 8 dias para eventual cirurgia de extração de material de osteossíntese.
28 - O défice funcional temporário parcial situou-se entre 10/05/2012 e 03/01/2013, sendo assim fixável num período de 239 dias.
29 - A este período deverão ser acrescidos 22 dias para a recuperação funcional após a eventual cirurgia de extração de material de osteossíntese.
30 - Período de repercussão temporária na atividade escolar total fixável num período total de 67 dias, acrescidos de 30 dias para eventual cirurgia de extração de material de osteossíntese.
31 - Período de repercussão temporária na atividade escolar parcial fixável em 239 dias.
32 - Quantum doloris fixável no grau 5/7.
33 - Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 15 pontos.
34 - As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade escolar, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
35 - Dano estético permanente fixável no grau 3/7.
36 - Repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7.
37 - O A. sente dificuldades em realizar tarefas que impliquem a movimentação de objetos pesados.
38 - Tem dificuldades em correr por causa das dores que sente e não pode fazer caminhadas prolongadas.
39 - Tem dores lombares quando está muito tempo sentado, designadamente ao computador.
40 - Tem, por vezes, dificuldades em dormir e descansar por causa das dores que sente.
41 - O A. revela alguma irritabilidade após o acidente.
42 - E convive menos com os amigos.
43 - Na altura do acidente o A. frequentava o 1º ano da licenciatura I1… na Universidade I….
44 - Por virtude das lesões sofridas e seu tratamento o A. não pôde frequentar aulas nem comparecer a exames.
45 - Por isso não obteve aproveitamento e perdeu o ano escolar.
46 – E mudou para o curso de I2….
47 - O A. durante três meses teve de usar colete de contenção lombar e durante seis semanas teve de se alimentar à base de líquidos e comida pastosa.
48 - Tem, por vezes, de recorrer a medicação álgica devido a dores na região lombar.
49 - Em consequência do acidente ficaram destruídas as roupas (umas calças, uma camisa, um blusão) que o A. usava.
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6. FUNDAMENTOS DE DIREITO
6.1. Da razoabilidade do montante arbitrado a título de indemnização do dano biológico
No ato decisório sob censura fixou-se em €40.000,00 o montante da indemnização pelo dano biológico.
Ambas as partes se rebelam contra o referido segmento decisório, preconizando o autor que esse montante deve ser fixado em €115.000,00, enquanto a ré apelante se limita a alegar que “o montante indemnizatório fixado se afigura manifestamente exagerado”.
Pese embora não tenha enunciado o iter seguido para o apuramento do aludido quantitativo, depreende-se que o decisor de 1ª instância apelou essencialmente à equidade tendo qualificado o dano em questão como dano de natureza patrimonial, qualificação essa da qual discorda igualmente a ré apelante.
Como emerge do substrato factual apurado, aquando da ocorrência do ajuizado acidente de trânsito o autor não desenvolvia qualquer atividade profissional remunerada, estando, assim, em causa a indemnização pelo que se vem denominando de dano biológico.
Como é consabido, entre nós, inexiste um consenso sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido tal dano[3].
Uma primeira posição (que se vem perfilando como claramente maioritária) configura-o como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; um outro posicionamento admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, segundo uma análise casuística, pelo que, em função das consequências da lesão (entre patrimoniais e não patrimoniais), variará também o próprio dano biológico; por último, uma terceira posição que o qualifica como dano - base ou dano-evento que deve ser ressarcido autonomamente.
Como quer que seja, independentemente da sua integração jurídica nas categorias do dano patrimonial ou do dano não patrimonial - ou eventualmente como tertium genus, como dano de natureza autónoma e específica, por envolver prioritariamente uma afetação da saúde e plena integridade física do lesado -, o certo é que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui inequivocamente um dano ressarcível, englobando-se as sequelas patrimoniais da lesão sofrida seguramente no domínio dos lucros cessantes, ressarcíveis através da aplicação da denominada teoria da diferença. Daí que a posição majoritária (que igualmente sufragamos) venha considerando que este dano deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse: há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso constituindo o prejuízo a indemnizar, irrelevando para este efeito o facto de as lesões sofridas pelo demandante não terem implicado, de forma imediata, a perda de rendimento[4].
Neste conspecto, a casuística que sufraga tal posição vem recorrentemente enfatizando que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento do trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico/patrimonial - porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente da sua atividade laboral, designadamente num jovem, condicionando as suas hipóteses de emprego, diminuindo as alternativas possíveis ou oferecendo menores possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho.
Assentando na qualificação do aludido dano como dano patrimonial futuro, debrucemo-nos agora sobre as particularidades do caso concreto no concernente à determinação do respetivo quantum indemnizatur.
Como deflui do regime vertido nos arts. 564.º e 566.º, nº 3 do Cód. Civil, o princípio geral a presidir à tarefa de determinação desse quantum deve assentar em critérios de equidade, sendo tal noção absolutamente indispensável para que a justiça do caso concreto funcione, devendo, assim, ser rejeitados puros critérios de legalidade estrita.
No entanto, a equidade não corresponde a arbitrariedade. Por isso, de há longo tempo, a jurisprudência pátria[5], num esforço de clarificação na matéria, tem procurado definir critérios de apreciação e de cálculo do dano em causa, assentando fundamentalmente nas seguintes ideias-força:
1ª) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendi­mento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
2ª) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equi­dade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso nor­mal das coisas, é razoável;
3ª) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equi­dade;
4ª) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que per­mitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
5ª) E deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já se aproxima dos 78 anos, e tem tendência para aumentar[6]).
Acolhendo tais diretrizes, revertendo ao caso sub judicio, temos ainda que ter em consideração, fundamentalmente, os seguintes fatores relativos ao autor: a sua idade à data do acidente (23 anos, posto que nasceu no dia 14 de novembro de 1988) e o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 15 pontos de que ficou afetado em consequência desse evento súbito.
Já se deu nota que na data do acidente o demandante não exercia ainda atividade remunerada.
Nestas circunstâncias vêm-se advogando que para efeito de apuramento do quantum indemnizatur há que partir de um vencimento superior ao salário mínimo, de preferência de um valor próximo do salário médio nacional[7] –[8], sendo certo que, a propósito deste fator, alguma jurisprudência[9] vem considerando que nos casos, como o presente, em que não há (imediata) perda de capacidade de ganho, não existindo, como não existe, qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade, já que só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efetiva por causa da incapacidade, por só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento.
Na esteira deste entendimento (que reputamos acertado), na busca do tratamento paritário, no cálculo que efetue, o julgador terá que partir de uma base uniforme que possa utilizar em todas as situações, para depois temperar o resultado final com elementos do caso que eventualmente aconselhem uma correção, com base na equidade. Só assim será possível uniformizar minimamente o tratamento conferido aos lesados, afigurando-se razoável que se tome por base um rendimento de €850,00 x 14[10].
Como assim, tendo por referência um rendimento anual de €11.900,00, a indemnização a arbitrar deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinguirá no termo do período provável da vida do lesado, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa), com uma dedução que razoavelmente se pode estimar em 1/4, dado o facto de ocorrer uma antecipação do pagamento de todo o capital[11].
De acordo com os enunciados fatores, considerando que o autor ficou afetado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 15 pontos, temos que a perda patrimonial anual corresponde a €1.785,00 (€850,00 x 14) x 15%, o que permitiria alcançar, ao fim de 55 anos de vida (considerando-se, neste ponto, que à data do acidente o autor contava 23 anos de idade e que a sua esperança média de vida se situa nos 78 anos de idade), o montante de €98.175,00, apurando-se um valor de €73.631,25 após se operar o apontado desconto de ¼.
Como assim, sopesando o quadro factual apurado, relevando especialmente que as sequelas sofridas pelo demandante implicam esforços suplementares na sua atividade pessoal e escolar, parece-nos mais justo e equilibrado - quer na vertente da justiça do caso, quer na ótica da justiça comparativa -, fixar em €75.000,00 (setenta e cinco mil euros) o montante destinado a reparar o dano em causa.
Procedem, pois, parcialmente as conclusões 9ª a 17ª do recurso interposto pelo autor, improcedendo, de igual modo, as conclusões 1ª a 12ª do recurso interposto pela ré.
*
6.2. Da adequação do montante arbitrado a título de compensação pelos danos não patrimoniais
Na decisão recorrida foi fixado em €50.000,00 (cinquenta mil euros) o montante da compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante.
A ré discorda do valor arbitrado por considerar que o mesmo “não se apresenta como adequado, sendo exagerado”.
Atentemos.
Para a cabal compreensão da problemática da ressarcibilidade de danos não patrimoniais há a considerar que, como deflui do art. 70º do Cód. Civil, na personalidade humana há uma organização somático-psíquica, cuja tutela encontra tradução na ideia de personalidade física ou moral.
Essa organização como refere CAPELO DE SOUSA[12] “(...) é composta não só por bens ou elementos constitutivos (v.g. a vida, o corpo e o espírito), mas também por funções (v.g. a função circulatória e a inteligência), por estados (p. ex., a saúde, o prazer e a tranquilidade) e por forças, potencialidades e capacidades (os instintos, os sentimentos, a inteligência, o nível de educação, a vontade, a fé, a força de trabalho, a capacidade criadora, o poder de iniciativa, etc.)”.
E mais adiante[13], afirma o referido autor “dado que a personalidade humana do lesado não integra propriamente o seu património, acontece que da violação da sua personalidade emergem direta e principalmente danos não patrimoniais ou morais, prejuízos de interesses de ordem biológica, espiritual ou moral, não patrimonial que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados que não exatamente indemnizados, com a obrigação pecuniária imposta ao agente.”
Nos termos do art. 496.º, nº1 do Código Civil, “[N]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e, prossegue-se no nº 3 do mesmo preceito, “[O] montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º”.
O legislador fixou, assim, como critérios de determinação do quantum indemnizatur por danos não patrimoniais: a equidade (artigo 496.º, nº 3); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (art. 494º ex vi da primeira parte do nº 3 do art. 496.º).
A responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume uma dupla função: compensatória e punitiva.
Compensatória porquanto o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, porque se atende à extensão e gravidade dos danos (art. 496.º, nº 1).
A função punitiva advém da circunstância da lei enunciar que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso[14].
O art. 496.º, nº 1 do Código Civil confia, assim, ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custos ou despesas, mas no intuito de arbitrar à vítima a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afetada. Daí que os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma medição mas sim a uma valoração.
A gravidade do dano dever aferir-se por um padrão objetivo e não por um padrão subjetivo derivado de uma sensibilidade requintada ou embotada. Na fixação do montante da compensação deve também atender-se aos padrões adotados pela jurisprudência, à flutuação do valor da moeda, à gravidade do dano tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima bem como outras circunstâncias do caso que se mostrem pertinentes.
Isto dito, importa agora ponderar o quadro factual que nos autos se mostra assente a este respeito.
Está provado que:
O A. foi assistido no local [do acidente] pelos Bombeiros, foi imobilizado em plano duro e com colar cervical e foi transportado para os serviços de urgência do Hospital G… (ponto nº 10);
O A. queixava-se de violentas dores a nível lombar e maxilar (ponto nº 11);
Foram-lhe realizados vários exames e diagnosticada fratura do maxilar inferior (ponto nº 12);
Por esse motivo, o A. foi transferido, ainda a 04/03/2012, para os Hospitais H… (ponto nº 13);
Aqui fez vários exames que revelaram fratura aberta da mandíbula, fratura do malar esquerdo e fratura do condilo esquerdo (ponto nº 14);
No serviço de cirurgia facial dos Hospitais H…, o A. foi submetido a intervenção cirúrgica consistente em redução e osteossíntese da fratura sinfisária e redução com gancho da fratura malar esquerda (ponto nº 15);
A 07/03/2012 foi-lhe dada alta para o domicílio, com indicação para seguimento posterior em consulta externa (ponto nº 16);
Foi-lhe dada indicação para fazer dieta pastosa durante 4 a 6 semanas, higiene oral rigorosa, cinesioterapia mandibular e fazer levante dentro do tolerável pela dor (ponto nº 17);
O A. continuou a sentir dores intensas ao nível da região lombar e coluna vertebral, que se foram agravando com o passar dos dias (ponto nº 18);
Por essa razão o A. recorreu novamente ao serviço de urgência dos H… 11/04/2012, foi internado no serviço de ortopedia e realizou radiografia da coluna lombar que revelou fratura da extremidade anterior dos corpos vertebrais L1/L2 (ponto nº 19);
O A. ficou internado no Serviço de Ortopedia e foi submetido, a 17/04/2012, a nova intervenção cirúrgica, consistente em atrodese L1/L2, com enxerto alógeno intersomático (ponto nº 20);
Este segundo internamento prolongou-se até 24/04/2012, data em que lhe foi dada alta, com indicação para prosseguir os tratamentos em regime de consulta externa: fazer pensos, retirar pontos aos 15 dias e deambular com colete (ponto nº 21);
O A. frequentou a consulta externa de cirurgia maxilo - facial até janeiro de 2013 (ponto nº 22);
E frequentou a consulta externa de ortopedia até Março de 2015, tendo ficado de regressar em 2017 para eventual extração de material de osteossíntese (ponto nº 23);
O A. apresenta as seguintes sequelas: a) Face: cicatriz arredondada e rosada, localizada na região malar esquerda, imediatamente no limite superior dos pelos da barba, medindo 0,5 cms. de diâmetro; boa oclusão dentária com abertura bucal de 4,5 cms., sendo dolorosa na amplitude máxima; sem crepitação a nível das articulações temporo-mandibulares; b) Ráquis: cicatriz longitudinal nacarada de características operatórias, localizada na linha média da região lombar, com 12 cms. de comprimento por 0,5 cms. de largura; mobilidade da coluna lombar conservada mas dolorosa nos últimos graus (ponto nº 24);
Quantum doloris fixável no grau 5/7 (ponto nº 32);
Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 15 pontos (ponto nº 33);
As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade escolar, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares (ponto nº 34);
Dano estético permanente fixável no grau 3/7 (ponto nº 35);
Repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7 (ponto nº 36);
O A. sente dificuldades em realizar tarefas que impliquem a movimentação de objetos pesados (ponto nº 37).
Tem dificuldades em correr por causa das dores que sente e não pode fazer caminhadas prolongadas (ponto nº 38).
Tem dores lombares quando está muito tempo sentado, designadamente ao computador (ponto nº 39);
Tem, por vezes, dificuldades em dormir e descansar por causa das dores que sente (ponto nº 40);
O A. revela alguma irritabilidade após o acidente (ponto nº 41);
E convive menos com os amigos (ponto nº 42).
O A. durante três meses teve de usar colete de contenção lombar e durante seis semanas teve de se alimentar à base de líquidos e comida pastosa (ponto nº 47);
Tem, por vezes, de recorrer a medicação álgica devido a dores na região lombar (ponto nº 48).
O tribunal a quo, apelando aos fatores enunciados no citado art. 494º, e tendo por base a descrita factualidade, decidiu, como se deu nota, fixar em €50.000,00 a compensação pelos danos em causa.
Num bosquejo, ainda que breve, pela jurisprudência[15] –[16] - com o que se procura dar expressão à preocupação da normalização ou padronização quantitativa da compensação devida por esta espécie dano, e, por essa via, aos princípios da igualdade e da unidade do direito e ao valor eminente da previsibilidade da decisão judicial – verifica-se que em situações análogas à dos presentes autos (mormente no que tange ao coeficiente de desvalorização e quantum doloris) têm sido fixados montantes semelhantes ao que foi arbitrado na decisão recorrida.
Registe-se, de qualquer modo, que nesta matéria, ao invés de buscar exemplos que possam servir de comparação, entende-se mais significativo salientar que o Supremo Tribunal de Justiça[17] vem acentuando que estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida, como igualmente acentua que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica.
Tais considerações aliadas ao quadro factual conhecido, globalmente considerado, mas com particular relevo para o sofrimento experimentado pelo autor quer aquando da produção da lesão, quer posteriormente, designadamente com as duas intervenções cirúrgicas e subsequentes tratamentos a que foi submetido (sendo que a este respeito o quantum doloris foi estimado no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente), o dano estético permanente de que ficou portador (fixável no grau 3 numa escala de sete graus de gravidade crescente) e bem assim o prejuízo de afirmação pessoal (mormente traduzido na repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, sendo fixável no grau 2 numa escala de sete graus de gravidade crescente), levam-nos a considerar como razoável e équo, nos termos do art. 566º, nº 3 do Cód. Civil, o montante arbitrado a esse título na decisão sob censura.
Improcedem, assim, as conclusões 14ª e 15ª formuladas pela recorrente.
*
6.3. Da indemnização do dano inerente à perda de um ano escolar
Relativamente a este concreto dano escreveu-se na sentença recorrida que «[b]aseia-se este pedido numa retribuição futura imprevisível e pressupõe a imediata colocação profissional após a conclusão da licenciatura. Trata-se de um dano futuro imprevisível, pelo que este pedido tem de ser julgado improcedente”.
O autor apelante insurge-se contra o referido segmento decisório, argumentando que, devido ao acidente, perdeu um ano escolar, o que acarretará que irá iniciar um ano mais tarde a sua atividade profissional de engenheiro I2…, perdendo os rendimentos inerentes a esse ano.
Portanto, a questão que se coloca é a de saber se tal dano futuro deve (ou não) ser considerado no cômputo da indemnização devida ao autor em resultado do ajuizado acidente de trânsito.
Dispõe, a este propósito, o nº 2 do art. 564º do Cód. Civil, que “[N]a fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (…)".
Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. Nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado.
No transcrito inciso normativo estabelece-se um distinguo entre dano (futuro) previsível e imprevisível.
O dano é futuro e previsível quando se pode prognosticar, conjeturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência; no caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível.
Na economia da referida normatividade a aludida destrinça assume especial relevância posto que o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente, pelo que o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado.
No concernente aos danos previsíveis, tem sido corrente subdividi-los entre os certos e os eventuais.
Dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível; já o dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético.
Este carácter eventual pode conhecer vários graus, isto é, desde um grau de menor eventualidade, de menor incerteza, em que não se sabe se o dano se verificará imediatamente, mas se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro mediato mais ou menos longínquo, até um grau em que nem sequer se pode prognosticar que o prejuízo venha a acontecer nem futuro mediato, em que mais não há que um receio.
Naquele grau de menor incerteza, o dano futuro deve considerar-se como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável; já naquele grau de maior incerteza, o dano eventual, esse que mais não seja que um receio, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não indemnizável antecipadamente (isto é, só indemnizável na hipótese da sua efetiva ocorrência[18]).
De qualquer modo, só perante cada caso concreto é que será possível fazer a avaliação do grau de previsibilidade em ordem a determinar se o dano é ou não indemnizável antecipadamente, sendo que neste domínio, como bem sublinha ALMEIDA COSTA[19], “há sempre um determinado espaço, uma terra de ninguém, onde só mediante o julgamento é possível estabelecer a certeza que o direito tem que realizar”.
Assim sendo, revertendo ao caso em apreço, resultou provado que o autor frequentava o 1º ano da licenciatura de I1…. (ponto nº 43) e que por virtude das lesões sofridas e seu tratamento não pôde frequentar aulas nem comparecer a exames (ponto nº 44), não obtendo, por isso, aproveitamento e perdeu o ano escolar (ponto nº 45).
Ora, na presença da descrita materialidade, o invocado dano futuro não passa de uma hipotética eventualidade (já que pressupõe, naturalmente e desde logo, a conclusão com êxito da licenciatura), que nem sequer é mediatamente certa, tanto mais que, como se provou (ponto nº 46), o autor entretanto mudou para o curso de I2…[20].
Nestas circunstâncias, condenar quem haja ofendido o direito de outrem a indemnizar o ofendido, ainda não lesado, por um mero receio cuja mediata concretização é meramente hipotética, carece de sentido, de justificação prática, de utilidade, uma vez que sempre seria necessário que, em futura ação, se viesse a determinar se o receio, se a eventualidade se transformou em realidade.
Consequentemente, na espécie, o invocado dano assume-se como meramente eventual, naquele grau de maior incerteza que equivale à imprevisibilidade.
Como assim, não sendo o dano imprevisível indemnizável como dano futuro, o pedido do autor em apreço tem, necessariamente, que improceder, como improcedeu.
***
III. DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
i) - julgar improcedente a apelação interposta pela ré, confirmando-se a decisão recorrida;
ii) - julgar parcialmente procedente a apelação interposta pelo autor, em consequência do que se altera a decisão recorrida, condenando-se a ré no pagamento àquele da quantia de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico, confirmando-se, no mais, a decisão recorrida.
Custas a cargo de autor e ré na proporção do respetivo decaimento.

Porto, 19.03.2018
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
Fátima Andrade
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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Proferido no processo nº 4135/14.4TBMAI.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] Cfr., sobre a questão e por todos, ANA LUÍSA MONTEIRO DE QUEIROZ, Do Dano Biológico, 2013, págs. 34 e seguintes; ÁLVARO DIAS, Dano Corporal – Quadro epistemológico e aspectos ressarcitórios, 2001, pág. 123 e seguintes e MARIA DA GRAÇA TRIGO, Adoção do conceito de dano biológico pelo Direito Português, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, vol. VI, 2012, pág. 653 e seguintes.
[4] Cfr., neste sentido e por todos, acórdãos do STJ de 19.05.2009 (processo nº 298/06.0TBSJM.S1), de 20.5.2010 (processo nº 103/2002) e de 10.10.2012 (processo nº 3008/09), acessíveis em www.dgsi.pt.
[5] Cfr., inter alia, acórdãos do STJ de 10.02.98 e de 25.06.02, publicados na CJ, Acórdãos do STJ, ano VI, tomo 1º, pág. 66 e ano X, tomo 2º, pág. 128.
[6] Segundo as Tábuas de Mortalidade relativas ao triénio 2014-2016, a esperança de vida à nascença em Portugal foi estimada em 77,61 anos para os homens e de 83,33 anos para as mulheres.
[7] Cfr., neste sentido, ÁLVARO DIAS, ob. citada, pág. 297 e acórdãos do STJ de 3.06.2003 (processo nº 03A1270), de 18.12.2003 (03A3897), de 25.11.2009 (processo nº 397/03.0GEBNV.S1) e de 9.07.2014 (processo nº 686/05.0TBPNI.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[8] De acordo com a informação colhida na base de dados PORDATA, o salário médio nacional no ano de 2012 cifrou-se no valor de €914,10.
[9] Cfr., inter alia, acórdão da Relação de Lisboa de 22.11.2016 (processo nº 1550/13.4TBOER.L1-7) e acórdão do STJ de 26.01.2012 (processo nº 220/2001.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt, sendo que neste último aresto expressamente se enfatiza que o desenvolvimento da noção do dano biológico em Itália partia, entre outros, do pressuposto da “irrelevância do rendimento do lesado como finalidade da liquidação do ressarcimento”.
[10] Assim, RITA SOARES, O dano biológico quando da afetação funcional não resulte perda da capacidade de ganho – o princípio da igualdade, in Julgar, nº 33, págs. 126 e seguintes.
[11] Tem sido esta a solução preconizada, designadamente, pelo Conselheiro SOUSA DINIS em trabalho publicado na CJ, Acórdãos do STJ, ano V, tomo 2º, págs. 15 e seguintes.
[12] In O Direito geral da personalidade, 1995, pág. 200.
[13] Obra citada, pág. 458.
[14] Neste sentido expressamente se pronuncia PAULA MEIRA LOURENÇO in A função punitiva da responsabilidade civil, 2006, págs. 283 e seguintes.
[15] Cfr., inter alia, os seguintes acórdãos do STJ, acessíveis em www.dgsi.pt:
acórdão de 7.04.2016 (processo nº 237/13.2TCGMR.G1.S1), que fixou em €50.000 a compensação por danos não patrimoniais de vítima que: (i) esteve internada durante três semanas, tendo mantido o repouso após a alta hospitalar; (ii) passou a ter incontinência urinária; (iii) as suas lesões estabilizaram em 13-04-2012; (iv) o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7; (v) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; (vi) as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (vii) o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7; (viii) a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7;
acórdão de 07.10.2010 (processo nº 370/04.1TBVGS.C1) fixou em €50.000 a compensação por danos não patrimoniais de vítima que sofreu várias fraturas e um traumatismo crânio-encefálico, com inerentes dores (de grau 5 numa escala até 7), esteve hospitalizado duas vezes, foi sujeito a intervenções cirúrgicas e a tratamento em fisioterapia, teve de se deslocar, por longo tempo, com o auxílio de canadianas, ficou, como sequelas permanentes, com cicatrizes na perna, claudicação da marcha, dificuldade em permanecer de pé, em subir e descer escadas e, bem assim, impossibilitado de correr e praticar desporto que antes praticava, passou, de alegre e comunicativo, a triste, desconcertado e ansioso;
acórdão de 26.01.2012 (processo nº 220/2001-7.S1), manteve-se o montante compensatório de €40.000 por danos não patrimoniais de lesado cujo internamento hospitalar se prolongou por quase 3 meses, com várias intervenções cirúrgicas, tendo tido dores de grau 5 numa escala de 7 e cuja incapacidade absoluta para o trabalho (relevando aqui na sua vertente não patrimonial) se prolongou por cerca de ano e meio, tendo ficado, com a estabilização clínica, com dores e dismetria dos membros inferiores;
acórdão de 07.05.2014 (processo nº 1070/11.TBVCT.G1.S1), fixou em €60.000 (a reduzir em 1/3 em virtude da culpa do lesado) a compensação por danos não patrimoniais de lesado que sofreu lesões graves no crânio, que demandaram cerca de um mês de internamento hospitalar em regime acamamento e tendo ficado com perdas de memória, necessidade da orientação fora do seu trajeto normal, parestesias na região malar esquerda e pé esquerdo, síndrome subjetivo pós comocional, com insónias, irritabilidade e perturbação com o barulho, sem crises epiléticas, cicatriz na região malar esquerda de 3 cm e limitação na elevação do braço esquerdo.
[16] Para uma análise da casuística sobre esta temática, vide ANA PINHEIRO LEITE, A equidade na indemnização dos danos não patrimoniais, em especial págs. 65 e seguintes, trabalho acessível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/16261/1/Leite_2015.pdf.
[17] Cfr., por todos, acórdão de 7.12.2011 (processo nº 461/06.4GBVLG.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt.
[18] Como se refere no acórdão do STJ de 11.10.94 (processo nº 084734), acessível em www.dgsi.pt, não se exclui a hipótese de o dano de maior incerteza, o receio, em um outro momento temporal, se converter em dano certo e, portanto, antecipadamente indemnizável. A avaliação é sempre feita com referência a um dado momento temporal e só é válida para esse momento.
[19] In Direito das Obrigações, 11ª ed., págs. 591 e seguinte.
[20] Cfr., neste sentido, acórdãos do STJ de 23.05.2002 (Revista n.º 1162/02 - 2.ª Secção - relator Moitinho de Almeida) e de 13.11.2003 (Revista n.º 3511/03 - 7.ª Secção – relator Quirino Soares), sendo que neste último - em situação análoga à que se discute nestes autos - se decidiu que “só se justificaria a atribuição de uma verba indemnizatória caso o lesado tivesse programado para o ano seguinte ao do período normal da conclusão do curso a realização de atividades ou a aquisição de bens que só nesse ano e com o dinheiro então ganho seria possível realizar ou adquirir”, acrescentando, mais adiante, que “de outro modo, o atraso é compensável no futuro, e apenas é compatibilizável como dano emergente, por causa das maiores despesas implicadas na repetição de um ano letivo”.