Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8440/14.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MADEIRA PINTO
Descritores: DENÚNCIA
ARRENDAMENTO COMERCIAL
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
MONTANTE
DANO
NULIDADE DE SENTENÇA
Nº do Documento: RP201805308440/14.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL(2013)
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º135, FLS.275-282)
Área Temática: .
Sumário: I - A denúncia do arrendamento relativa à fracção B) do prédio após a propriedade horizontal, agora apenas loja, aceite pela senhoria, não pode deixar de se estender a todo esse locado, deixando a ré de ter título legítimo (arrendamento) para a sua ocupação posterior a 31.07.2013.
II - Em virtude dessa ocupação ilegítima e da qual auferiu pagamentos de terceiros pelo aparcamento de viaturas, a ré constituiu-se na obrigação de indemnizar a usufrutuária – segunda autora- a título de enriquecimento sem causa, nos termos do artº 473º, nºs 1 e 2, do Código Civil de 1966.
III - O tribunal logrou apurar o montante mensal líquido do enriquecimento da ré, pelo que não há fundamento para relegar a fixação do montante que a ré deve restituir à 2ª A. em consequência da ocupação abusiva e ilegítima desse espaço pela mesma, para liquidação em execução de sentença- artº 609º, nº2, NCPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 8440/14.1T8PRT.P1
Relator: Madeira Pinto
Adjuntos: Carlos Portela
José Manuel Araújo de Barros
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Sumário:
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I- Relatório:
B… e marido C… e D… intentaram acção declarativa em processo comum contra E…, Lda, pedindo que a ré seja condenada a reconhecer o direito de propriedade e de usufruto, respectivamente dos 1º e 2º AA sobre a fracção A destinada a estacionamento coberto e fechado, situado na cave e parte do rés-do-chão do prédio identificado no art. 1º da PI, com entrada pelo nº 195-A da Praça …, na cidade do Porto; que seja condenada a reconhecer que não detém título que legitime a sua ocupação do espaço que integra a mesma fracção A situado ao nível do rés-do-chão do mesmo prédio e a abster-se de praticar quaisquer actos que ofendam o direito de propriedade e de usufruto das AA sobre o mesmo espaço; que seja condenada a entregar-lhes, livres de pessoas e de coisas, o espaço integrante da fracção acima identificada e que seja condenada a pagar à 2ª autora, a título de indemnização pela privação do uso e fruição daquele espaço em consequência da sua ocupação abusiva e ilegítima desse espaço, a quantia de 12.320,00€, acrescida de 800,00€ por cada mês de ocupação, desde o dia 1 de Outubro de 2014 até efectiva entrega, bem como nos juros que se vencerem sobre as quantias em dívida à 2ª A. em cada momento, até efectivo e integral pagamento, à taxa de 4% ao ano.
Para o efeito alegaram que a Ré, por virtude de contrato de trespasse celebrado com a respectiva inquilina, passou a ser arrendatária de duas fracções do prédio do qual são proprietários os primeiros autores e usufrutuária a segunda autora, arrendamentos esses que são distintos entre si em termos de contratos de arrendamento, sendo que o da fracção A diz respeito à Cave e o da fracção B diz respeito ao R/C, pelo que quando a Ré denunciou o contrato referente à fracção B deveria ter entregue todo o espaço do R/C que ocupava; no entanto mantém-se a ocupar uma área desse R/C de cerca de 207,00 m2 sem qualquer título que a legitime e cujas utilidades goza sem pagar aos AA qualquer contrapartida.
A Ré apresentou contestação, invocando a excepção de caducidade da presente acção e, impugnou motivadamente a factualidade invocada pelos autores na petição inicial alegando que apenas denunciou o arrendamento referente à fracção B, mantendo-se arrendatária da fracção A, fracção essa que engloba parte do R/C, precisamente o espaço que os AA pretendem que a Ré entregue, concluindo que não é devida essa entrega nem a quantia mensal reclamada pelos AA pelo não uso de parte da fracção A porque está abrangido no direito de arrendamento da Ré.
Foi dispensada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, onde foi julgada improcedente a excepção da caducidade e foram fixados os factos assentes e temas de prova.
Procedeu-se a julgamento e veio a ser proferida sentença, datada de 08.11.2016, que julgou totalmente procedente a presente acção e condenou a Ré:
a) a reconhecer o direito de propriedade e de usufruto, respectivamente dos 1º e 2º AA sobre o rés-do-chão do prédio identificado no art. 1º da PI, com entrada pelo nº 195-A da referida Praça …;
b) a reconhecer que não detém título que legitime a sua ocupação do espaço situado ao nível do rés-do-chão do mesmo prédio e a abster-se de praticar quaisquer actos que ofendam o direito de propriedade e de usufruto das AA sobre o mesmo espaço;
c) a entregar-lhes, livres de pessoas e de coisas, o espaço situado ao nível do R/C do prédio identificado em 1º da PI ;
d) a pagar à 2ª autora, a título de indemnização pela privação do uso e fruição daquele espaço em consequência da sua ocupação abusiva e ilegítima do mesmo, a quantia de €14.725,53, acrescida de €545,39 por cada mês de ocupação, desde a data da sentença (Novembro de 2016) até efectiva entrega desse espaço, bem como os juros que se vencerem sobre as quantias em dívida à 2ª A. em cada momento, até efectivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor.
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos alegados nos articulados:
1. Os 1ºs AA. são donos e legítimos possuidores da raiz ou nua propriedade de um prédio urbano, composto de sete pavimentos e logradouro, situado na Praça …, nºs …, … e …-., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 1548/19940428, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 13900;
2. A 2ª A. é legítima usufrutuária do mesmo prédio;
3. A raiz ou nua propriedade e o usufruto do prédio supra identificado advieram ao património dos AA. por partilha e doação efectuadas em 27/03/2010 (Docs. de fls. 23 a 44 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
4. Os invocados direitos de propriedade e de usufruto encontram-se registados, respectivamente, a favor dos 1ºs e da 2ª AA. pelas apresentações nºs 135 e 136 de 2010.04.07 ( Docs. de fls. 45 a 52 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
5. O prédio acima identificado encontra-se constituído em propriedade horizontal, sendo composto por 14 fracções, de entre as quais a fracção “A”, destinada a estacionamento coberto e fechado, situada na cave e parte do rés-do-chão, com entrada pelo nº 195-A da referida Praça …, inscrita na respectiva matriz sob o artigo 13.900, com o valor patrimonial de 185.200,00€ e, pela fracção “B”, destinada a comércio, situada em parte do rés-do-chão do mesmo prédio, com entrada pelo nº … da mesma Praça …, inscrita na respectiva matriz sob o artigo 13.900 (Docs. de fls. 53 a 59, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
6. Em 23-11-1972, mediante escritura pública outorgada na secretaria Notarial da Feira, os ante possuidores do prédio em causa nos presentes autos, F… e esposa, G…, deram de arrendamento a “H…, Lda”, “a loja, armazém e primeiro andar direito” do identificado prédio, pelo prazo de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos, pela renda anual de 264.000$00, pagável em duodécimos mensais de 22.000$00, destinando-se a parte arrendada “…á exploração e comércio de todos os artigos que a arrendatária negoceia ou venha a negociar…” – como expressamente resulta das cláusulas 1ª, 2ª e 3ª e do preâmbulo do contrato (Doc. junto a fls.60 a 67, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
7. Os referidos armazém e loja correspondiam, respectivamente, à cave e rés do chão do prédio das AA., supra identificado e, hoje integram as fracções “A” e “B” do mesmo prédio;
8. Entretanto, mediante aditamento celebrado na Secretaria Notarial da Feira em 13 de Fevereiro de 1974, os mesmos F… e esposa, G…, na qualidade de senhorios, e a “H…, Lda”, na qualidade de arrendatária, procederam á alteração do referido contrato de arrendamento, cindindo “… em dois o referido contrato de arrendamento – um, relativo ao rés do chão, com os números cento e noventa e três e cento e noventa e cinco A e ao primeiro andar direito, com o número cento e noventa a cinco de polícia…; outro relativo á cave, com o número cento e noventa e cinco A de polícia, que se rege por cláusulas iguais…”, esclarecendo que “…os dois contratos em que foi cindido o primeiro ficam a ser distintos, nada tendo a ver um com o outro, e que deles apenas ficam comuns as cláusulas que não colidam com as agora estabelecidas”;
9. E por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Espinho no dia 09 de Fevereiro de 1983, os mesmos F… e esposa, G…, na qualidade de senhorios, e a “H…, Lda”, na qualidade de arrendatária, procederam a nova alteração do referido contrato de arrendamento, mais uma vez cindindo em dois o referido contrato, passando a ser “…um, relativo ao rés do chão com os números cento e noventa e três e cento e noventa e cinco-A, assim deixando de constar do contrato o primeiro andar direito com o número cento e noventa e cinco e outro relativo á cave com o número cento e noventa e cinco-A”;
10. Na mesma escritura, expressamente esclareceram senhorios e arrendatária “…que os dois contratos em que foi cindido o primeiro ficam a ser efectivamente distintos, nada tendo que ver um com o outro e que deles ficam comuns as cláusulas que não colidam com as agora estabelecidas”( (Doc. junto a fls. 68 a 72, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
11. Passados cerca de 10 anos sobre a referida alteração do contrato, e da cisão deste em dois, a herança aberta por óbito dos primitivos senhorios, representada pela cabeça-de-casal I…, mediante aditamento aos contratos em causa nos presentes autos, em 29 de Janeiro de 1993 autorizou a arrendatária “… a proceder às obras de pintura, beneficiação e decoração, que a mesma pretenda para o exercício das actividades constantes do contrato de arrendamento e, nomeadamente, para o comércio de electrodomésticos e de exposição e venda de viaturas automóveis” (Documento junto a fls. 73 e 74, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
12. Mediante escritura pública outorgada no dia 27 de Abril de 1994, a arrendatária “H…, Lda”, trespassou à ora R., E…, LDA.,
“a) um estabelecimento comercial de rés do chão, destinado ao comércio de electrodomésticos e de exposição e venda de viaturas automóveis, correspondente á loja, com entrada pelos números cento e noventa e três e cento e noventa e cinco-A, do prédio urbano sito na Praça …, números cento e noventa e três e cento e noventa e cinco, da freguesia de …, na cidade do Porto, inscrito na respectiva matriz sob o artigo dez mil e quarenta e quatro, por cuja ocupação é paga a renda mensal de setenta e quatro mil oitocentos e quarenta e sete escudos”.
b) Estabelecimento comercial de cave, destinado a garagem de viaturas e armazenagem de mercadorias, correspondente á cave com entrada pelo número cento e noventa e cinco A, do supra identificado prédio, por cuja ocupação é paga a renda mensal de setenta e quatro mil oitocentos e quarenta e sete escudos.” (Doc. junto a fls. 75 a 79, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
13. Por força do aludido trespasse, a ora R. sucedeu, assim, na posição de arrendatária do rés do chão e da cave do prédio das AA., por força de dois contratos “distintos, nada tendo que ver um com o outro”, tendo um por objecto o rés do chão e outro a cave do mesmo prédio;
14. Mediante cartas remetidas às AA. sob registo e com aviso de recepção com data de 2013.03.11, a R., “na qualidade de arrendatária da fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio sito na Praça …, nº …, freguesia de …, no Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto com o nº 1548/19940428-B, com o artigo matricial 13900 (…), veio, “…nos termos dos artºs 1110º e 1100º do Código Civil, proceder á denuncia do respectivo contrato de arrendamento para fim não habitacional celebrado em 23/11/1972, com os aditamentos de 13/02/1974 e 09/02/1983, de duração indeterminada iniciado em 01/01/1973”, com efeitos a partir de 31/07/2013 ( (Doc. junto a fls. 80 a 83, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
15. A R., não obstante a denúncia efectuada, permaneceu no gozo e fruição de parte do rés- do- chão do prédio das AA;
16. No ano de 1970, Alvará de Licença Nº 72 de 13/02/1970, os proprietários K… e F…, referem na Memória Descritiva, acompanhada das respectivas plantas, para efeitos de aprovação da construção por parte da Câmara Municipal do Porto:
“Pretendem os requerentes construir na Praça …, desta cidade, e de acordo com a planta topográfica inclusa, um edifício composto por 8 pisos, isto é, cave, R/Chão, cinco andares e um andar ao nível do 8º piso, de acordo com o superiormente definido para o local em cércea e ocupação de logradouro.
I – Programação
Na cave e em parte do r/chão, projectou-se uma garagem unicamente para a recolha de viaturas, vencendo-se o desnível dos dois pisos por uma rampa destinada à utilização de automóveis, e ainda por um monta cargas e um ascensor.
Não se prevêem serviços de lavagem e lubrificação de viaturas. No r/chão, ocupando a restante área, projectou-se um estabelecimento comercial com instalações sanitárias e a entrada para os andares superiores que, com acessos verticais, utilizarão uma escada e os meios mecânicos já referenciados.” (Doc. junto a fls. 117 a 120, e que aqui se dá por integralmente reproduzido);
17. Em 16/02/1972, os mesmos proprietários supra identificados apresentam um requerimento na Câmara Municipal do Porto referente ao mesmo prédio a solicitar “… autorizar para que o mesmo seja considerado em regime de propriedade horizontal de acordo com a Lei nº 40333, o esquema junto e a descrição que se segue:
Fracção A – Garagem, sita na Praça … nº …, composta de instalações sanitárias, duche, vestiários e rampa ligando os dois pisos. Percentagem de 39,6%.
Fracção B – Estabelecimento comercial, sito na Praça …, nº …, composto de estabelecimento e sanitários. Percentagem de 4,7%. ….”, Propriedade Horizontal deferida por Despacho de 27/06/1972 (Doc. junto a fls. 121 a 138, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais);
18. A R., não obstante a denúncia efectuada, permaneceu no gozo e fruição de parte do rés-do-chão, destinado a garagem-recolha e parqueamento de viaturas, que integra actualmente, juntamente com o espaço da cave, a fracção “A” do mesmo prédio, após a constituição do mesmo em propriedade horizontal;
19. Espaço do rés-do-chão do prédio das AA onde a Ré recolhe 6 veículos automóveis, sendo que um ocupa dois lugares;
20. E por cuja recolha e parqueamento cobra mensalmente aos respectivos proprietários a quantia total de €545,39;
21. O contrato de arrendamento foi celebrado anteriormente à constituição do prédio em propriedade horizontal;
22. A 2ª A. está privada de utilizar a referida parte do rés-do-chão para nele recolher e aparcar os veículos que nela recolhe e aparca a Ré e de receber a respectiva contrapartida monetária;
23. A Ré com a denúncia operada entregou a totalidade da actual fracção “B” e manteve-se na posse e fruição da totalidade da actual fracção “A”;
24. Descrição predial actual das fracções:
a) quanto à fracção A: Composição: Praça …, … de recolha de viaturas/Garagem- parqueamento de viaturas na cave e no rés do chão;
b) quanto à fracção B: Composição: Praça …, … - …;
25. Descrição matricial actual das fracções:
a) quanto à fracção A: localização da fracção: Praça …, …, Andar/Divisão: CV/RC, com a área bruta privativa de 884.1400 m2;
b) quanto à fracção B: localização da fracção: Praça …, …, Andar/Divisão: RC, com a área privativa bruta de 110.1500 m2;
26. Consta do registo predial do imóvel, a constituição da propriedade horizontal pela AP 5321 de 2012/09/28, figurando como zonas comuns de utilização exclusiva: Fracção “A”, entrada pelo nº 195-A;
27. A única entrada (portão de garagem), para a actual fracção A encontra-se no nº … ao nível do rés-do-chão, não tendo tal fracção qualquer outro local de acesso;
28. A actual fracção B está fisicamente delimitada, sendo uma loja destinada a comércio, com entrada pelo nº 193;
Na sentença foi ainda considerado que “Todos os demais artigos dos articulados apresentados pelas partes consideram-se irrelevantes para a decisão da causa, conceitos conclusivos e/ou de direito”.
Seguiu-se a respectiva motivação de facto e fundamentação de Direito.
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Em 06.01.2017, a ré veio interpor o presente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
I
Os factos dados como provados não conduzem à decisão proferida pelo tribunal.
II
O tribunal fez uma interpretação errada da prova documental junta aos autos, nomeadamente do Contrato de Arrendamento de 23/11/1972, Aditamento ao Contrato de 13/02/1974, Alteração ao Contrato 09/02/1983, Trespasse de 27/04/1994, descrições prediais e matriciais, Alvará de 13/02/1970 e pedido de Propriedade Horizontal de 16/02/1972,
III
O juiz, apesar de livre na apreciação da prova, tem de formar a sua convicção através da análise ponderada e cuidadosa dos documentos existentes no processo e da prova testemunhal produzida, o que não aconteceu,
IV
Acabando o tribunal por dar uma interpretação à declaração negocial totalmente contrária ao expresso nos contratos e à realidade dos fins dados a cada um dos espaços pela primitiva arrendatária e pela Apelante em clara violação do artº 236º do Cód. Civil,
V
Pretendendo dividir um espaço que é indivisível por não reunir as condições físicas e legais para tal, em total violação do R.J.U.E,
VI
Criando uma situação de divisão que não encontra fundamento na realidade física e jurídica unitária do espaço garagem composto pela cave e pelo rés-do-chão.
VII
O espaço loja sempre foi autónomo do espaço garagem composto pela cave e rés- do-chão, aos quais sempre foi dada uma utilização diferente pela primitiva arrendatária e Apelante ao longo de mais de quarenta anos.
VIII
O tribunal julgou incorrectamente o ponto 20 dos Factos Provados.
IX
O valor da indemnização deveria de ser relegado para execução de sentença, de forma a poder ser apurado qual o real valor cobrado pela Apelante ao longo do tempo pelas seis recolhas, ao não o fazer o tribunal violou os limites da condenação previstos no artº 609º do Cód. Civil.
X
O tribunal concluiu mal a partir dos factos que deu como assentes e, no limite, cometeu a nulidade prevista no artº 615º, nº 1 alínea c) do C.P.C.;
XI
Se assim não for entendido, é certo que o tribunal cometeu um erro de julgamento que deverá de ser rectificado.
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogada a sentença.
Contra alegaram os autores concluindo, em primeiro lugar, pela rejeição do recurso quanto à matéria de facto por incumprimento dos ónus de impugnação e pela intempestividade quanto à questão de direito e, mesmo que assim não seja, concluem pela improcedência da apelação e pela manutenção do julgado.
Admitido o recurso pelo despacho da senhora juiz a quo de fls 338, subiram os autos a esta Relação e, por despacho do Relator de 23.05.2017, não admitiu o recurso interposto pela ré, por não respeitar os ónus de impugnação da matéria de facto e o recurso da questão de direito por ser intempestivo.
Deste despacho reclamou a ré para a conferência, que manteve a decisão do Relator.
Em recurso de revista interposto pela ré, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 08.02.2018, que revogou aquele nosso acórdão e ordenou o conhecimento do recurso de apelação interposto pela ré, tanto na questão da alteração da matéria de facto, como de reapreciação da decisão de direito.
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II - DO RECURSO:
O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido e no recurso não se apreciam razões ou argumentos, antes questões- artºs 627º, nº1, 635º e 639º, nºs 1 e 2, CPC, na redacção da Lei nº 41/2013, de 26.06.2013, aplicável ao presente processo face ao disposto no artº 8º desta Lei.
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II.1 - Impugnação da matéria de facto:
Na conclusão VIII das alegações de recurso da apelante consta a referência de que “O tribunal julgou incorrectamente o ponto 20 dos Factos Provados”, sem que seja indicado o concreto sentido da alteração que pretende ver introduzida (se não provado totalmente ou se provado um valor mensal inferior ao considerado provado na decisão recorrida ou se não ficou concretamente apurado qualquer valor); também não são indicados nas conclusões de recurso os concretos meios probatórios em que se fundamenta essa impugnação.
De acordo com o douto acórdão do STJ de 08.02.2018, os ónus de impugnação da matéria de facto previstos no artº 640º, º, nº1 e 2, al. a), NCPC, encontram-se cumpridos, com referência às conclusões VIII e IX e páginas 25 a 29 do corpo das alegações de modo que entende o STJ que a apelante pretende, com base no depoimento da testemunha L…, que transcreve, que o referido seja alterado no sentido de se considerar não provado o valor exacto que a recorrente obtém pelo “espaço de rés do chão do prédio das autoras onde a ré recolhe seis veículos”.
Em obediência ao douto aresto do Tribunal superior apreciemos a impugnação de facto em causa.
No corpo das alegações da apelação, o que se verifica é que a recorrente faz considerações genéricas sobre a decisão da matéria de facto e as conclusões de direito da sentença recorrida misturando a sua argumentação no sentido de que “Se o tribunal tivesse apreciado devidamente a prova documental e testemunhal a decisão final teria de ser diferente”.
Procede a apelante à transcrição de depoimentos da testemunha M…, sobre a questão de saber se os espaços correspondentes à cave e rés do chão do prédio das apeladas eram ou não susceptíveis de divisão, que nem sequer era objecto de prova; da testemunha N…, sobre a questão de que “(a apelante) antes de operar a denúncia do Contrato de Arrendamento referente à loja, propôs ao colaborador/comissionista que consigo trabalhava na venda de viaturas próprias e de viaturas da apelante expostas no stand que falasse directamente com a senhoria, aqui apelada, no sentido de apurar qual o valor que lhe cobraria pela renda desse espaço - loja/stand - sendo plena convicção de todas as partes, apelante, senhoria e interessado, que o espaço a ser objecto de um novo contrato de arrendamento era o referente à loja com entrada pelo nº 193” e da testemunha L…, funcionária administrativa da ré que tratava do processamento das cobranças das viaturas aparcadas, referindo que “Com o depoimento da testemunha da Apelante L…, verifica-se já ser outro o valor actualmente cobrado”, valor que, aliás foi o considerado provado no facto 20 da sentença recorrida.
Na motivação da sentença recorrida escreveu-se, quanto à prova deste facto 20 que:
Também para dar como provados os factos vertidos nos pontos 19 e 20, atendeu-se à articulação da documentação junta a fls. 142 a 146, com as declarações de parte da co-Autora que confirmou que que apenas estão aparcadas 6 viaturas face à exiguidade de espaço no R/C, tal como referira o legal representante da Ré no seu depoimento, pagando um dos proprietários por dois, tal como confirmou a testemunha O… que ocupa esses espaços, valores mensais devidamente esclarecidos pela testemunha L… que é a funcionária da Ré que trata de receber mensalmente os valores de cada um dos proprietários das viaturas aparcadas, que inclusivamente rectificou um dos valores mencionados pela Ré no seu articulado por entretanto ter sido substituído um dos ocupantes, mencionando cada um dos valores cobrados e o valor total mensal actualmente recebido pela Ré”.
A recorrente transcreve parte do depoimento da referida testemunha L… para fundar a pretendida alteração da resposta ao facto provado “20- E por cuja recolha e parqueamento cobra mensalmente aos respectivos proprietários a quantia total de €545,39” para não provado.
Assim:
[00:04:34] Mandatário2: Com IVA.
[00:04:35] MS: Com IVA sim, todos com IVA.
(…)
[00:07:55] Mandatário2: Então neste momento qual é o valor atual?
[00:07:57] MS: Oh senhor doutor 500,00€ e poucos, eu só se tivesse a maçada de somar, que eu assim não sei, são 500,00€ e poucos.
[00:08:07] Mandatário2: E 44.
[00:08:09] Meritíssima Juiz: Quanto é que paga a Sr.ª D. P…?
[00:08:11] Mandatário2: 47,36€ senhora doutora.
[00:08:23] Mandatário2: Portanto temos, recapitulando, 47.36€ da D. P…, 65,00€ Dr. Q…, da sociedade S… 103,53€, e 145,00€…
[00:08:36] MS: O Sr. T… ou a Sr.ª D. U… que são 2 viaturas também.
[00:08:41] Mandatário2: E o Sr. V….
[00:08:42] MS: E 184,50€ do Sr. V…”.
Ora, foi precisamente com base no depoimento desta testemunha, que era quem tratava das cobranças dos referidos aparcamentos, conjugados com os recibos de fls 142 a 146, que a senhora juíza a quo formulou a sua livre convicção para dar o referido facto como provado e devendo ter em conta a data mais recente, que era a do encerramento da produção de prova em julgamento, considerando o tema da prova II enunciado pelo despacho de 07.12.2015 (fls 222), de acordo com o disposto nos artºs 596º, nº1, 607º, nºs 4 e 5 e 611º, nºs 1 e 2, todos do NCPC. Mas, resulta evidente dos aludidos recibos de aparcamento e das declarações da referida testemunha que os valores cobrados pela ré-apelante eram com IVA à taxa legal de 23%, imposto que a ré está obrigada a entregar ao Estado, pelo que o valor mensal líquido recebido pela ré é de €419,95.
Pelo exposto, a resposta ao facto 20 da sentença é alterada por esta Relação desta forma: “Por essa recolha de automóveis a ré aufere a quantia mensal líquida de €419,95”.
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II.2 - Nulidade da sentença:
Na conclusão X a apelante diz que “O tribunal concluiu mal a partir dos factos que deu como assentes e, no limite, cometeu a nulidade prevista no artº 615º, nº 1 alínea c) do C.P.C.”.
Tão vaga é esta conclusão e nenhum apoio claro advém do corpo das alegações, que é difícil perceber se é a toda a decisão ou apenas a parte da decisão de direito da sentença recorrida que a apelante se refere. Seja como for, não está demostrada, nem claramente alegada, a pretensa nulidade da sentença por vício de oposição entre os fundamentos e a decisão-erro lógico- prevista na referida norma legal.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do artº 615º do CPC.
Nos termos daquele preceito, é nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada[1].
A sentença é nula por oposição dos fundamentos com a decisão nos termos da 1ª parte da al. c) do nº 1 do citado artº 615º quando os fundamentos invocados devessem logicamente conduzir a uma decisão diferente da que a sentença expressa, ou seja, quando os fundamentos apontam num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente[2].
Os “fundamentos” de que se fala na al. c) do nº 1 do artº 615º são apenas os fundamentos de direito.
A oposição entre fundamentos de facto constitui vício da decisão da matéria de facto (contradição), que consubstancia nulidade processual, que pode ser invocada perante o Tribunal que proferiu a sentença ou em sede de recurso, sendo mesmo de conhecimento oficioso e, eventualmente, sanável por este segundo Tribunal (cfr. artº 662º, nº 2, al. c)).
A oposição entre fundamentos de facto e fundamentos de direito, a oposição entre fundamentos de direito entre si e a oposição entre fundamentos de facto e a decisão constituem erros de julgamento, que sujeitam a sentença a ser alterada ou revogada em sede de recurso, mas não a viciam formalmente.
Na fundamentação de direito da sentença recorrida, concluiu-se pela procedência total dos pedidos formulados das autoras, sendo, assim, a decisão o corolário lógico da fundamentação, o que basta para que não se verifique a nulidade prevista na 1ª parte da al. c) do nº 1 do citado artº 615º.
Como se alcança do teor das conclusões de recurso, a autora reporta-se à oposição entre fundamentos de facto e fundamentos de direito, ou seja, ao erro na aplicação do direito, que é um erro de julgamento e que não acarreta a nulidade da sentença.
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II.3 - Mérito da acção:
Nas conclusões de recurso diz a apelante que
IV
Acabando o tribunal por dar uma interpretação à declaração negocial totalmente contrária ao expresso nos contratos e à realidade dos fins dados a cada um dos espaços pela primitiva arrendatária e pela Apelante em clara violação do artº 236º do Cód. Civil,
V
Pretendendo dividir um espaço que é indivisível por não reunir as condições físicas e legais para tal, em total violação do R.J.U.E,
VI
Criando uma situação de divisão que não encontra fundamento na realidade física e jurídica unitária do espaço garagem composto pela cave e pelo rés-do-chão.
VII
O espaço loja sempre foi autónomo do espaço garagem composto pela cave e rés- do-chão, aos quais sempre foi dada uma utilização diferente pela primitiva arrendatária e Apelante ao longo de mais de quarenta anos”.
Por isso, entende que “XI- (…) é certo que o tribunal cometeu um erro de julgamento que deverá de ser rectificado”.
Ora, na sentença recorrida foi aplicado o direito aos factos provados da seguinte forma:
Em matéria de interpretação da declaração negocial, o art. 236, n.º 1 do CC refere que, “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
Acerca das circunstâncias atendíveis para a interpretação, referem-se, na doutrina, entre outras, “os termos do negócio, os interesses nele compreendidos e o seu mais razoável tratamento, o objectivo do declarante, as negociações preliminares, as relações negociais precedentes das partes, os usos do declarante e os da prática que possam interessar”.
Ora, um declaratário normal, colocado perante o contrato de arrendamento datado de 1972 e suas alterações de 1974 e 1983, celebrado entre os então proprietários do imóvel e a então arrendatária, concluiria que, de facto, acabaram por vigorar entre eles dois contratos de arrendamento distintos, tal como eles próprios o disseram expressamente nos referidos documentos escritos que os titulam, um arrendamento relativo ao rés do chão e outro arrendamento relativo à cave, numa altura em que o imóvel não estava constituído em propriedade horizontal.
E foi isso que, de facto e de direito, foi transmitido à aqui Ré aquando do trespasse dos estabelecimentos comerciais da anterior arrendatária para ela, pois que, como tais estabelecimentos comerciais estavam a laborar em prédio arrendado, com o referido trespasse dos estabelecimentos foi transmitida à Ré a posição contratual de arrendatária em cada um daqueles contratos de arrendamento.
Isto é, a partir da escritura pública de trespasse datada de 27/4/1994, a Ré, por força do aludido trespasse, sucedeu, assim, na posição de arrendatária do rés do chão e da cave do prédio das AA., por força de dois contratos “distintos, nada tendo que ver um com o outro”, tendo um por objecto o rés do chão e outro a cave do mesmo prédio.
É certo que, em 2012, veio a ser constituída e registada a constituição da propriedade horizontal do referido prédio pelos actuais proprietários e, que a descrição predial actual das fracções mudou, tendo a descrição predial da fracção A- Serviços de recolha de viaturas/Garagem- parqueamento de viaturas na cave e no rés do chão, com entrada pela Praça …, …, enquanto a fracção B: Praça …, … - Rés do chão - Comércio (coincidente com a descrição matricial respectiva).
É um facto que os contratos de arrendamento não se harmonizam com a descrição actual das fracções após a constituição da propriedade horizontal, pois que o R/C está actualmente cindido em 2 frações, sendo a fracção A composta não apenas pela cave mas também por parte do R/C, a parte que vai para além da loja fisicamente delimitada, loja essa que actualmente é a fracção B, porém, tem a Ré a obrigação de saber que os contratos de arrendamento não sofreram qualquer alteração após essa constituição da propriedade horizontal, quando as partes podiam tê-lo feito, se houvesse acordo nesse sentido.
Os contratos devem ser pontualmente cumpridos e só podem modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art. 406º nº 1 do CCivil).
Assim sendo, não tendo aqueles contratos de arrendamento existentes entre AA e Ré sido modificados e, não consubstanciando a mera constituição da propriedade horizontal caso previsto na lei que os modifique sem necessidade de acordo dos contraentes, não se impondo as alterações decorrentes da propriedade horizontal relativamente à descrição das fracções aos contratos de arrendamento anteriormente celebrados, mesmo após aquela constituição da propriedade horizontal, a Ré manteve-se arrendatária de todo o Rés do chão por força de um contrato de arrendamento e, era arrendatária de toda a cave por força de outro contrato de arrendamento, contratos esses distintos entre si.
Como assim era, a Ré não podia ter denunciado apenas parte do rés-do-chão (a parte correspondente à actual fracção B), pois que, nenhum contrato de arrendamento tinha sobre a fracção B mas sobre todo o R/C, porém, fê-lo nesses termos, ao remeter cartas às AA com data de 2013.03.11, em que “na qualidade de arrendatária da fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio sito na Praça …, Nº …, freguesia de …, no Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto com o nº 1548/19940428-B, com o artigo matricial 13900 (…), veio, “…nos termos dos artºs 1110º e 1100º do Código Civil, proceder á denuncia do respectivo contrato de arrendamento para fim não habitacional celebrado em 23/11/1972, com os aditamentos de 13/02/1974 e 09/02/1983, de duração indeterminada iniciado em 01/01/1973”, com efeitos a partir de 31/07/2013 (ponto 14 dos factos provados e doc. junto a fls. 80 a 83, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
Tendo denunciado aquele arrendamento da fracção B, relativo ao R/C, denuncia aceite pelas AA, não pode permanecer a ocupar qualquer espaço do R/C, já que se tem de considerar denunciado todo o arrendamento relativo ao R/C.
A arrendatária não pode, de forma abusiva, cindir ela em dois o espaço de um único contrato de arrendamento e, apenas entregar parte do espaço que lhe estava cedido por força daquele arrendamento; não pode, sem o acordo dos outros contraentes modificar, de mote próprio e unilateralmente um contrato.
Tendo feito a opção de denunciar um dos arrendamentos de que era titular, o contrato de arrendamento relativo ao R/C, deixando de pagar a renda respectiva, deixou de ter título que legitime a ocupação de qualquer espaço desse R/C, só podendo manter-se a ocupar a cave, sendo obrigada a entregar tal espaço livre e devoluto desde a data em que produziu efeitos a cessação do contrato de arrendamento pela denúncia por si operada.
Tendo-se mantido a ocupar propriedade alheia desde 31/7/2013 até agora, terá inevitavelmente de indemnizar a usufrutuária desse imóvel, a quem pertence o direito de uso e fruição daquele espaço do R/C”.
Corrobora-se esta interpretação dos factos provados e a respectiva subsunção jurídica.
Na verdade, a apelante adquiriu por trespasse de 27.04.1994, o estabelecimento comercial, correspondente a loja de comércio de electodomésticos e exposição e venda de automóveis, sito no rés do chão e o estabelecimento comercial, correspondente a garagem de recolha de viaturas e armazenagem de mercadorias, sito na cave, do prédio referenciado nos autos, tendo sucedido nas posições contratuais da anterior arrendatária “H…, Lda”, nos dois contratos de arrendamento comercial distintos.
A propriedade horizontal que veio a ser constituída posteriormente em relação a todo o prédio urbano onde se situam os arrendados, não afecta os direitos e obrigações de senhoria e inquilina nem o âmbito dos arrendamentos, como refere a sentença recorrida. Assim, a denúncia do arrendamento relativa à fracção B) do prédio após a propriedade horizontal, agora apenas loja, aceite pela senhoria, não pode deixar de se estender a todo esse locado, deixando a ré de ter título legítimo (arrendamento) para a sua ocupação posterior a 31.07.2013.
Em virtude dessa ocupação ilegítima e da qual auferiu pagamentos de terceiros pelo aparcamento de viaturas, a ré constituiu-se na obrigação de indemnizar a usufrutuária – segunda autora- a título de enriquecimento sem causa, nos termos do artº 473º, nºs 1 e 2, do Código Civil de 1966, como considerou a sentença recorrida.
O tribunal logrou apurar o montante do valor indemnizatório, correspondente ao valor cobrado pela exploração comercial da ré, ou seja o montante mensal líquido de €419,95-facto provado 20.
Não há, pois, fundamento para relegar a fixação do montante que a ré deve restituir à 2ª A. em consequência da ocupação abusiva e ilegítima desse espaço pela mesma, para liquidação em execução de sentença- artº 609º, nº2, NCPC- assim soçobrando a conclusão IX do recurso.
Assim sendo, tendo a segunda autora formulado o pedido da alínea d) da petição inicial de condenação da ré “a título de indemnização pela privação do uso e fruição daquele espaço em consequência da sua ocupação abusiva e ilegítima desse espaço, a quantia de 12.320,00€, acrescida de 800,00€ por cada mês de ocupação, desde o dia 1 de Outubro de 2014 até efectiva entrega, bem como nos juros que se vencerem sobre as quantias em dívida à 2ª A. em cada momento, até efectivo e integral pagamento, à taxa de 4% ao ano”, apenas procede parcialmente tal pedido, nos termos expostos.
De referir que a sentença recorrida, não acolheu, na fundamentação de direito, todo este pedido e, erradamente, concluiu que julgava totalmente procedente a acção e condenou a ré na totalidade das custas, o que importa também corrigir nesta sede.
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III - DECISÃO:
Nestes termos, acordam os juízes nesta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação da ré e, em consequência, alterar o facto provado 20) e a sentença recorrida de modo que se condena a ré a restituir à segunda autora, a título de enriquecimento sem causa, a quantia mensal líquida de €419,95 (quatrocentos e dezanove euros e noventa e cinco cêntimos), desde o mês de Agosto de 2013 até efectiva entrega do espaço acima referenciado, acrescida de juros de mora que se vencerem sobre as quantias em dívida à 2ª A. em cada momento, até efectivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor e se mantem a sentença no restante.
Custas da acção e do recurso na proporção de 93,6% pela ré - apelante e o restante pela autora - recorrida.

Porto. 30.05.2018
Madeira Pinto
Carlos Portela
Joaquim Correia Pinto
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[1] Abílio Neto, CPC Anotado, 22ª ed., pág. 948.
[2] Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, pág. 141 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 690.