Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9287/13.8TBVNG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL
Nº do Documento: RP201904119287/13.8TBVNG.P2
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º795, FLS.240-251)
Área Temática: .
Sumário: I - O tipo legal objetivo da fraude fiscal consiste na ocultação de factos (ou valores não declarados) que devam ser revelados à administração tributária e que vise a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias (artigo 103º, nº 1, b), do Regime Geral das Infrações Tributárias aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de junho).
II - O sujeito passivo que obteve a isenção de IMT (relativamente à aquisição de imóveis para revenda) que caduca por efeito do decurso do prazo de três anos não tem qualquer dever legal especial de informar a administração fiscal do decurso de tal prazo e da caducidade (ope legis) da sua isenção, mas, apenas, de solicitar a sua liquidação no prazo de 30 dias contado do termo do referido prazo, não significando o seu silêncio (a ausência da solicitação da liquidação) qualquer ocultação de factos que devam ser revelados à administração tributária e, nesse sentido, não preenchendo tal comportamento o tipo objetivo do crime de fraude fiscal, previsto e punível pelo artigo 103º, nº 1, b), do R.G.I.T..
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº9287/13.8TBVNG.P2

Acórdão deliberado em conferência na 2º secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
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I. B… veio interpor recurso da sentença proferida no processo comum singular nº9287/13.8TBVNG do juízo local criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 2, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que o condenou como autor material de um crime de fraude fiscal, p.p. 103º, n.º 1, al. b), do RGIT na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis) no total de €1200, 00. (mil e duzentos euros).
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I.1. Sentença recorrida (que se transcreve parcialmente nos segmentos com interesse para a apreciação do recurso).
1. Relatório
Para julgamento em processo comum e intervenção de tribunal singular, O Ministério Público deduziu acusação contra:
“C…, SA” (…)
D… (…)
B… (…)
imputando-lhes a prática dos factos descritos a fls. 151, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, passiveis de integrar a prática pelos arguidos, de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artº 103º, nº1, al. b), do RGIT.
Porque não fosse possível a notificação do arguido B…, foi declarado contumaz e ordenada a separação de processos, dando origem ao presente.
O arguido apresentou-se em julgamento, prestou TIR e foi designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento, que se realizou na sua ausência, com observância do formalismo legal.
Proferiu-se sentença, objecto de recurso, na decorrência do qual a sentença veio a ser declarada nula, por violação do disposto no artº 358º, nº1, do C.P.P., bem assim por existir omissão de pronúncia quanto a factos alegados em sede de contestação e que não integram o elenco dos provados ou não provados.
Reabriu-se a audiência, dando-se cumprimento ao disposto no artº 358º, nº1, do C.P.P..(…)
2. Dos factos
Com relevância para a decisão da causa resultam provados os seguintes factos:
2.1. A sociedade comercial “C…, SA”, foi constituída em 2002 e dedica-se à construção de prédios para venda; compra e venda de imóveis; compra, venda e revenda dos adquiridos para esse fim; arrendamento e trespasse de imóveis de e para a sociedade; constituição e comercialização de loteamentos.
2.2. Na sua qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais encontra-se colectada em sede Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) pelo exercício da actividade principal de “construção de edifícios residenciais e não residenciais”, CAE ….., e actividade secundária de “compra e venda de bens imobiliários”, CAE ….., pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2.
2.3. A sociedade arguida começou por ser uma sociedade por quotas, passando a partir de 01/07/2008 a assumir a forma de sociedade anónima.
2.4. Nos anos de 2006 a 2008, o arguido era gerente e /ou administrador da sociedade, consoante o caso, e como tal seu legal representante.
2.5. Com o inicio da actividade referida, devidamente declarado às finanças, a sociedade arguida vinculou-se às inerentes obrigações fiscais, nomeadamente, as de entregar à Administração Tributária as quantias devidas a titulo de Imposto Municipal sobre as Transmissões (IMT) referentes aos imóveis por si transaccionados (adquiridos/revendidos).
2.6. De tais obrigações fiscais tinha o arguido perfeito conhecimento, bem sabendo que estavam legalmente obrigados a entregar ao Estado – Fazenda Nacional – nos prazos fixados na Lei, as quantias devidas a título de tal imposto.
2.7. No entanto, o arguido com o objectivo de não liquidar o IMT e consequente não pagamento do imposto devido, por ter sido dado um destino diferente aos prédios rústicos a seguir referidos adquiridos para revenda, não solicitou no prazo legalmente previsto a liquidação do IMT, obtendo, assim, vantagem correspondente ao valor de imposto devido.
2.8. Assim:
2.8.1. Por escritura pública de permuta realizada em 30 de Junho de 2006, realizada perante o Notário E…, no seu Cartório Notarial, sito na Rua …, n.º …, em Santa Maria da Feira, o arguido D…, actuando na qualidade de sócio gerente da sociedade arguida C…, SA e em representação desta, permutou com F… o prédio rústico sito no Lugar …, freguesia …, inscrito na matriz sob o artigo 1181, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número mil quinhentos e um, pelo valor de €517.500,00 e com G… um prédio rústico, com a área de cinco mil seiscentos e oitenta e nove metros quadrados, situado no lugar …, freguesia de …, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1205, pelo preço total 435.000,00€, declarando o arguido no momento da escritura que os imóveis em causa se destinavam a revenda.
2.8.2. Por escritura pública de compra e venda realizada em 02 de Setembro de 2008, realizada perante o Notário E…, no seu Cartório Notarial, sito na Rua …, n.º …, em Santa Maria da Feira, o arguido B…, actuando na qualidade de presidente do conselho de administração da sociedade arguida C…, SA e em representação desta, comprou a H… e I… o prédio rústico sito nos limites dos lugares de … e …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob o artigo …., com o valor patrimonial de 52,73€m descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número mil seiscentos e noventa e três, pelo preço total de €515.000,00, declarando o arguido no momento da celebração da escritura que o imóvel em causa se destinava a revenda.
2.8.3. Por escritura pública de compra e venda realizada em 25 de Julho de 2008, realizada perante a Notária J…, no seu Cartório Notarial, sito na Av. …, n.º …./…., …, …. - …, Porto, B… e D…, actuando na qualidade de administradores da sociedade arguida “C…, SA” e em representação desta, compraram a K… e L… o prédio urbano composto por terreno para construção denominado lote A-8.10, sito em …, Rua …, …, freguesia de …, Concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob o artigo …., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o numero três mil quinhentos e quarenta e cinco, pelo preço total de €500.000,00, declarando os arguidos no momento da celebração da escritura que o imóvel em causa se destinava a revenda.
2.9. Nessa sequência da permuta e compra e venda efectuadas, as transmissões em causa ficaram isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis com o fundamento no artigo 7.º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, ficando tal exarado nas referidas escrituras públicas.
2.10. A isenção de IMT, pela aquisição de prédios para revenda, prevista no artigo 7.° do CIMT, está condicionada a que o adquirente exerça normal e habitualmente essa actividade e que os prédios assim adquiridos sejam revendidos, sem que seja novamente para revenda, no prazo de 3 anos, caducando a isenção caso não se verifique essa revenda, no prazo legal, ou logo que se verifique que foi dado um destino diferente aos prédios adquiridos para revenda, em conformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 11°, do CIMT.
2.11. Os mencionados imóveis não foram alienados no prazo de três anos, como referido na escritura pública, sendo devida a liquidação do imposto - IMT - pela referida aquisição.
2.12. Contudo, a sociedade, através de D… e B…, não entregou no Serviço de Finanças da localização do Imóvel (nos termos do artigo 34.º, n.º 2, do CIMT) a correspondente declaração relativa à aquisição do imóvel, não solicitando a respectiva liquidação de IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões), no prazo de 30 dias a contar da data em que isenção ficou sem efeito (nos termos do artigo 34.º e 36.º, n.º 6).
2.13. Nem o fizeram após terem sido notificados para demonstrar o cumprimento dos requisitos de que dependeu a atribuição da isenção em causa.
2.14. Por escritura publica de compra e venda realizada em 14 de Dezembro de 2007, realizada perante o notário M…, no seu cartório notarial sito em …, Freguesia de …, o arguido B…, actuando na qualidade de sócio gerente da sociedade arguida “C…, Lda” e em representação desta, comprou a N…, O…, P… e Q… a parcela de terreno para construção urbana sito em …, …, Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número nove mil oitocentos e setenta e cinco, inscrito na matriz sob o artigo ….., pelo valor de €285.000,00, declarando o arguido no momento da celebração da escritura que o imóvel em causa se destinava a revenda.
2.15. Nessa sequência, a transmissão em causa ficou isenta de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis com o fundamento no artigo 7.º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, ficando
tal exarado na referida escritura pública.
2.16. O mencionado imóvel não foi alienado no prazo de três anos, como referido na escritura pública.
2.17. A sociedade, através do arguido não entregou no Serviço de Finanças da localização do Imóvel (nos termos do artigo 34.º, n.º 2, do CIMT) a correspondente declaração relativa à aquisição do imóvel, não solicitando a respectiva liquidação de IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões), no prazo de 30 dias a contar da data em que isenção ficou sem efeito (nos termos do artigo 34.º e 36.º, n.º 6).
2.18. Nem o fez após a sociedade arguida ter sido notificada para demonstrar o cumprimento dos requisitos de que dependeu a atribuição da isenção em causa.
2.19. Em 27-06-2008 foi emitido pela Câmara Municipal de Loulé o alvará de construção n.º 537/2008, autorizando a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, naquele
artigo, prédio esse que foi efectivamente construído pela sociedade arguida e participada a sua conclusão à matriz predial urbana da freguesia de … - Loulé, em 18-05-2010, tendo dado origem ao artigo ….., fracções A, B e C.
2.20. O artigo … urbano de … (lote de terreno), deu origem ao artigo ….. (também lote de terreno), com a participação de um modelo 1 do IMI em
26-11-1008, com motivo de prédio melhorado, e que se traduziu num aumento da área total do terreno de 1.832,22 m2 para 2.048,91 m2.
2.21. A Câmara Municipal de Loulé emitiu alvará de construção n.º 537/2008, emitido em 27-06-2008, autorizando a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, piscinas e muros de vedação, no artigo ….. urbano de ….
2.22. Em 18-05-2010, a sociedade arguida participou através da declaração modelo 1 do IMI, a conclusão da construção, do prédio em regime de propriedade horizontal, no lugar de …, …, ao qual foi atribuído o artigo n.º ….. urbano da freguesia de … - Loulé, com as fracções A, B e C, construído no artigo ….. (lote de terreno), e participado à matriz, em 26-11-2008, como proveniente do artigo ….., também lote de terreno, artigo este adquirido em 14-12-2007, com a indicação de destinado a revenda.
2.23. Em 18-05-2010 foi o artigo ….. (terreno para construção) desactivado, por ter dado origem a um novo artigo.
2.24. O IMT não pago é de €32.879,60, €15.500, €25.750 e €18.525, respectivamente.
2.25. Ao não solicitar a liquidação de IMT tal como devia e podia, no prazo legal de 30 dias após a caducidade da isenção, os arguidos, na qualidade de legais representantes da sociedade arguida e agindo em nome desta, agiram no propósito, que lograram alcançar, de evitar a liquidação daquele imposto.
2.26. Com a conduta dos arguidos a sociedade arguida omitiu valores que efectivamente auferiu, obtendo, assim, um benefício pecuniário a que não tinha direito à custa do erário público da Fazenda Nacional e em detrimento do Estado.
2.27. Ao não entregar a declaração em causa, a que sabia estar legalmente obrigado, o arguido enquanto legal representante da sociedade, omitiu ao Fisco as transacções efectuada e os respectivos valores, impedindo que a Administração Fiscal tivesse conhecimento dos lucros obtidos, conseguindo, assim, obter uma vantagem patrimonial que pretendiam, no valor de €32.879,60, €15.500,00, €25.750,00 e €18.525,00., por aplicação das taxas e regras de tributação aos valores de aquisição dos artigos urbano …., rústicos …. e …., todos da freguesia de …, Vila Nova de Gaia e artigo …., de …, ….
2.28. Até à presente data e sem qualquer causa justificativa, a sociedade, através do arguido, não regularizou a sua situação fiscal e nada pagou à Fazenda Publica a titulo de IMT e recusam-se a satisfazer as suas obrigações fiscais em divida, encontrando-se o Estado patrimonialmente prejudicado naqueles valores resultante da aplicação do taxa de 5% e 6,5% consoante se trate de prédios rústicos ou urbanos (nos termos dos artigos 12.º, n.º1, 18.º, n.º 2 e 17.º, n.º, 1, al. c) e d), do CIMT).
2.29. O arguido estava consciente das obrigações que sobre ele impedia de entregar à Administração Fiscal os supra referidos montantes de IMT, que era devido ao Estado a título de tal imposto e que, não obstante, integraram no seu património e no da sociedade arguida.
2.30. Actuando por si e na qualidade de legal representante da sociedade arguida, actuando em nome e no interesse colectivo desta.
2.31. Ao não entregar a respectiva declaração respeitante à aquisição ocorrida, actuou com o intuito de omitir o lucro da sociedade arguida, de molde a não pagar ao Estado o IMT que era devido, fazendo-o seu e da sociedade arguida, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia, que se destinava aos cofres do Estado, pelo que não o podiam utilizar em seu benefício pessoal ou em proveito daquela sociedade, bem assim como não o podia integrar no seu património ou no daquela.
2.32. Actuou com o objectivo de se locupletar com tais quantias, obtendo, para si e para a empresa arguida, um enriquecimento patrimonial ao qual sabia não ter qualquer direito, bem como com o propósito de causar o correlativo prejuízo ao Estado Português, como de facto causou pois, ao não entregarem à Administração Fiscal aqueles montantes de IMT diminuíram as receitas tributárias e, por via disso, lesaram o erário público da Fazenda Nacional naquele montante global que não entrou nos cofres do Estado, e de forma indirecta a generalidade dos contribuintes cumpridores.
2.33. Para além disso, ao actuar como actuaram, isto é, ao não entregarem no prazo legal de 30 dias ao Fisco as declarações para não pagar o IMT devido, ofenderam e colocaram em crise a segurança e o tráfico jurídico, em especial o tráfico probatório que tais documentos visam atestar, violando, desse modo, a verdade e a transparência fiscal e, consequentemente, impediram o Estado Português de concretizar a sua pretensão de lhe ver revelados todos os factos fiscalmente relevantes, lesando também, e por via disso, o regular funcionamento do sistema tributário e a realização da justiça fiscal, pondo ainda em causa os deveres de lealdade e colaboração que devem pautar as relações tidas com a Fazenda Nacional, defraudando-a através do não pagamento de tais montantes de IMT.
2.34. O arguido agiu de forma livre, voluntária, deliberada bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
2.35. A administração fiscal, por via das actualizações das inscrições matriciais quanto á propriedade dos imoveis da sociedade tinha conhecimento dos factos que motivavam a liquidação de IMT,
2.36. Do CRC do arguido nada consta.
Com relevância para a decisão da causa não se provou que:
- o arguido actuou com a intenção de obter benefícios fiscais em sede de IRC.
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3. Motivação
O tribunal alicerçou a convicção sobre os factos provados no conjunto da prova produzida em audiência, concatenada com as regras da experiência, designadamente:
- escritura publica a fls. 22 a 29, quanto á venda do prédio mencionado em 2.8.1.,
- escritura de fls. 36 e 37, quanto à compra e venda do prédio id. em 2.8.2.;
- escritura publica a fls. 30 a 34, quanto à compra e venda do prédio id. em 2.8.3.
- escritura publica a fls. 58 a 60, quanto à compra e venda do prédio id. em 2.1.14.,
Em face das quais concluímos a data em que se verificou cada uma das aquisições, valores declarados, destino declarado dos prédios.
- demonstração de liquidação de fls. 96 a 109, que no confronto com as regras e taxas legais de apuramento do imposto, permitem concluir qual o valor devido a titulo de IMT
- declarações das Inspectoras tributárias T…, que elaborou parecer de fls. 96 a 109, confirmando o modo como foi calculado o imposto e os factos que resultaram provados, bem assim como S…, sendo que ambas depuseram de forma espontânea, convicta e credível.
- informação a fls. 495, da qual resulta que a quantia liquidada a titulo de IMI se encontra ainda em divida.
- CRC junto aos autos, quanto aos antecedentes criminais.
Quanto ao conhecimento pela administração fiscal a da afectação dos prédios, o tribunal alicerçou a convicção nas certidões prediais juntas aos autos.
Quanto aos factos não provados, resultou de ausência de prova bastante. Com efeito, as Inspectores tributárias fazem menção a um eventual beneficio em sede de IRC, mas a verdade é que dos autos não constam qualquer facto objectivo, nem aquelas o mencionaram, que comprove que pela omissão da liquidação o arguido e a empresa que representava, lograria qualquer beneficio em sede de IRC.
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4. Enquadramento Jurídico - Penal
O arguido vem acusado da prática, como autor material, de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 104°, n.° 1 da Lei n.° 15/2001, de 05.06. (doravante designado, apenas, pela sigla RGIT.
Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no artº 103º, que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. (…) Por outras palavras, constituem fraude fiscal as condutas tipificadas nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 103º do RGIT (ocultação de factos ou valores fiscalmente relevantes ou celebração de negócio simulado) que sejam pré-ordenadas à não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou à obtenção de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição de receitas tributárias (É elemento do tipo, a “diminuição de receitas fiscais ou tributárias”).
Disto resulta que este ilícito, á semelhança dos demais crimes fiscais, tem subjacente a existência de uma relação tributária, impondo deveres ao “sujeito passivo”, cujo incumprimento traduz a infracção fiscal.
A noção de relação jurídica fiscal, ou relação tributária é uma relação complexa, quanto aos seus elementos (titulares activos, sujeitos passivos e conteúdo). Quanto ao conteúdo, a par da relação tributária clássica entre os contribuintes, por um lado, e a administração tributária, por outro, há relações que se desenvolvem entre os próprios particulares, como as que se traduzem no dever de reter o imposto alheio, no dever de repercutir o imposto, no direito do sub-rogado, no direito de regresso (vide CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Coimbra, 2005, pág. 236.) O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, e a tributação do património pessoal ou real deve concorrer para a igualdade entre os cidadãos, conforme consagrado nos arts. 103º, n.º 1, e 104º, n.º 3 da CRP, pelo que é da maior evidencia, quer no plano teórico quer no plano prático, que o lançamento dos impostos, mostrando-se a coberto da tutela da lei ordinária, sustentada pela lei fundamental, reclama para a sua cobrança um regime punitivo deferido ao Estado, sem o qual aquela superior e pública finalidade se mostraria seriamente comprometida, integrando-se, como se integra, o delito de fuga aos impostos naquilo que se apelida de «delinquência patrimonial de astúcia». (cfr. ac. do STJ de 9-03-05, consultado no mesmo site). Sobre a matéria, salienta-se a obra “O crime de fraude fiscal no novo Direito Penal Tributário Português, dos professores Figueiredo Dias e Costa Andrade (RPCC, ano 6º, Jan-Março, p. 76), onde a dado passo pode ler-se: “ O imposto apresenta-se como o meio privilegiado ao dispor de um Estado de Direito para assegurar as prestações sociais, que tornam possível, na conhecida fórmula de Fosthoff, que o cidadão viva não só no Estado, mas também do Estado. (…) A consciência colectiva adquiriu (ou pretende-se que adquira, acrescentamos nós) o sentimento de que o não pagamento de impostos é ofensivo da igualdade tributária dos cidadãos, da proporcionalidade contributiva, inviabilizando a fuga aos impostos a realização das finalidades do Estado, fazendo-as recair agravadamente sobre outros, inscrevendo-se o direito penal fiscal num movimento de eticização, obediente aos princípios da legalidade, igualdade e justiça social, com apoio nos arts. 101º a 104º da Constituição da República Portuguesa.”
Ao nível do IMT a obrigação de liquidação do imposto devido recai sobre o devedor ( a denominada obrigação declarativa), como decorre do disposto no artº 19º, do C.I.T. De resto, o art. 30º da Lei Geral Tributária, ao definir o objecto da relação jurídica tributária, refere expressamente como integrando tal relação, “o direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto”.
O fim desta ilicitude é, de forma clara e directa uma ocultação da informação dirigida à Administração Fiscal, a qual tem como competência, no âmbito das suas funções, a fiscalização, avaliação e controlo da matéria colectável.
“C…, S.A” e o arguido são titulares de relações jurídico tributárias, pois entre estes e a administração fiscal, por força das actividades económicas desenvolvidas pela sociedade arguida se estabeleceu uma relação que lhes impõe inúmeros deveres, como seja o de declarar efectuar a liquidação do IMT devido pelas aquisições realizadas, logo que caduque o facto que motivou a isenção – artº 11º e 19º, do CIMT.
Com efeito, a isenção de IMT, pela aquisição de prédios para revenda, prevista no artigo 7° do CIMT, está condicionada a que o adquirente exerça normal e habitualmente essa actividade e que os prédios assim adquiridos sejam revendidos, sem que seja novamente para revenda, no prazo de 3 anos, caducando a isenção caso não se verifique essa revenda, no prazo legal, ou logo que se verifique que foi dado um destino diferente aos prédios adquiridos para revenda, em conformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 11°, do CIMT.
E, como resulta dos factos provados (…)
Ou seja, caduco o fundamento que motivou a isenção, o arguido apesar de consciente do dever de auto - liquidar o respectivo imposto, assim não fez, sabendo que com a sua conduta punha em crise a confiança no sistema fiscal e nos documentos que lhe servem de suporte.
Alega aquele que dessa omissão nenhum prejuízo resultou para a administração fiscal, que tinha em seu poder os elementos que permitiam aquela liquidação, como viria a suceder, em obediência ao disposto no artº 36º, do CIMT, com base no quer consta das escrituras publicas comunicadas à administração fiscal, pelo que não se pode falar em ocultação de factos que ponham fora do conhecimento da administração fiscal dados relevantes ao apuramento de imposto devido e, consequentemente, não se mostram preenchidos os elementos objectivos do tipo de ilícito.
Salvo o sempre devido respeito, discordamos da posição assumida pelo arguido.
Com efeito, se é verdade que o tipo abstractamente configurado na norma legal carece de concretização, de factualização, para que seja possível, em concreto, a imputação do crime, não é menos verdade que a mera ocultação de factos ou valores é um dos elementos do crime de fraude fiscal. Ou seja, neste tipo de crime, não importa que a administração fiscal dispusesse ou não de elementos que lhe permitissem a liquidação do imposto devido, uma vez que estamos perante uma situação em que o imposto é auto - liquidável – artº 19º, do CIMT, ou seja, impende sobre o devedor a obrigação de proceder á entrega da pertinente declaração de liquidação, de declarar a verdade fiscal, de efectuar o pagamento por sua iniciativa, de molde a permitir a cobrança atempada das receitas fiscais, não cumprindo, prima facie; à administração fiscal essa liquidação, fiscalização, que poderia nem ocorrer, não fosse, para acautelar situações como a dos autos, a obrigação de terceiros comunicarem á administração fiscal a realização de negócios em relação aos quais é devido o imposto.
Mais se diga que tratando-se, como se trata nos autos, de situação de caducidade da isenção, melhor controlada pelo contribuinte, este encontra-se numa posição privilegiada para saber quando efectuar a liquidação. Não o fazendo, a administração fiscal pode nem sequer detectar em prazo a situação e liquidar o imposto, com o inerente perigo de comprometimento da arrecadação de impostos.
No preceito em apreço, pune-se a omissão de um dever tributário que é imposto sobre o devedor ou quem o representa, de declarar o imposto devido, independentemente do conhecimento pela
administração tributária dos elementos necessários àquela liquidação. Dai que a jurisprudência fale em crime de perigo abstracto, ou seja, não se exige a prova de que a conduta do devedor comprometeu a liquidação do imposto, antes que assim poderia suceder.
E, no caso dos autos, dúvidas não temos que aquela omissão, não fora a actividade de ente alheio ao obrigado fiscal, aquela omissão poderia conduzir ao não pagamento do IMT devido.
Assim, mostrando-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do tipo de crime, concluímos que o arguido, com a sua conduta, constituiu-se autor do crime pelo qual vinha acusado.
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I.2. Recurso do arguido (conclusões que se reproduzem parcialmente).
2.) O Arguido alegou factos concretos na contestação no sentido de que a Administração Fiscal possui sempre todas as informações necessárias para proceder à liquidação do IMT independentemente da solicitação dessa liquidação pelo sujeito passivo e que efectivamente possuía tais informações, como, aliás, seria normal, no que respeita ao caso sub judice, não dependendo de qualquer comunicação do Arguido para esse escopo.
3.) Com efeito, constam da contestação, além do mais, os seguintes factos: “Pelo contrário, a obrigação de solicitar a liquidação do IMT na sequência da caducidade da isenção não tem como objectivo cientificar a Administração Fiscal sobre as aquisições efectuadas e respectivos valores, pois de tais factos sempre aquela teve conhecimento, pelas seguintes vias: Actualização das inscrições matriciais no que respeita à propriedade dos imóveis pela sociedade arguida, nos termos do disposto no artigo 13.º do CIMI; Comunicação notarial das escrituras, nos termos do disposto no artigo 49.º do CIMT. Ora, não é susceptível de ocultação aquilo que já é conhecido. O próprio sistema baseiase no pressuposto de que a Administração Fiscal não depende da iniciativa do sujeito passivo do imposto para proceder à liquidação oficiosa do IMT, nos termos do disposto nas normas supra citadas. Tal circunstância é ainda mais evidente na situação referente ao imóvel ….., na medida em que no mesmo foi construído um prédio em regime de propriedade horizontal, o que foi comunicado pela sociedade arguida à Administração Fiscal, na sequência do que lhe foi atribuído o novo artigo …...”.
4.) Tratase de factos relevantes para a decisão da causa e, como tal, integram o objecto do processo, tal como o mesmo é delimitado (cfr. artigo 339.º, n.º 4, do Código de Processo Penal).
5.) Na primeira sentença proferida pelo Tribunal a quo existia uma omissão total relativamente a tais factos, o que deu origem à anulação da mesma, mantendose, porém tal vício na segunda sentença, de que ora se recorre, posto que o Tribunal a quo somente de forma muito parcial, fragmentária e selectiva se pronunciou sobre os factos alegados na contestação do Arguido, ora recorrente.
6.) Com efeito, surpreendese na sentença de que ora se recorre o seguinte facto provado: “2.35. A administração fiscal, por via das actualizações das inscrições matriciais quanto à propriedade dos imóveis da sociedade tinha conhecimento dos factos que motivaram a liquidação de IMT.”.
7.) Tal facto provado, todavia, e como facilmente se percebe no cotejo com a contestação, não passa de um tímido reflexo do que efectivamente ali foi alegado pelo Arguido, ora recorrente.
9.) É substancialmente diferente dar como provado que a Administração Fiscal tinha conhecimento dos factos que motivaram a liquidação de IMT do que dar como provado que aquela sempre teve conhecimento das aquisições efectuadas e respectivos valores, quer por via da actualização das inscrições matriciais, quer por via da comunicação notarial das escrituras, quer, ainda, por via da comunicação feita pela sociedade arguida da construção de um imóvel em regime de propriedade horizontal no imóvel …...
14.) (..) nada, a esse nível, fez constar do segmento dos factos não provados e tampouco da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, pelo que padece a sentença da nulidade cominada no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, que o Arguido aqui suscita, para os devidos efeitos legais.
19.) (…) reconhecendo o Tribunal a quo que tais questões foram alegadas pelo Arguido e pronunciandose, inclusivamente, sobre elas na fundamentação de direito da sentença, não se compreende a razão pela qual não se pronunciou sobre elas na fundamentação de facto, como se lhe impunha, nos termos do disposto nos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
20.) Como se verá infra, para efeitos do crime pelo qual o Arguido foi condenado, “ocultação” tem que ter o significado de impedir ou obstar ao conhecimento, pelo que é absolutamente necessário para a boa decisão da causa saber se a administração fiscal sempre teve conhecimento das transacções e valores necessários para proceder à liquidação do IMT ou se, pelo contrário, estava, para esse efeito, dependente da solicitação de tal liquidação pela sociedade arguida.
21.) Ainda que se não entenda verificarse a nulidade cominada no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do código de Processo Penal, estamos, manifestamente, pelo menos, perante o vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do mesmo diploma legal, que o Arguido aqui suscita, para os devidos efeitos legais.
23.) Mas tal situação acaba igualmente por estar relacionada com outro problema da sentença, que se traduz na contradição insanável da fundamentação.
24.) Concatenando os vários segmentos da fundamentação da sentença, verificase claramente que, por um lado, o Tribunal a quo baseou toda a fundamentação de facto na ideia de que o Arguido “omitiu” algo da Administração Fiscal, repetindo sistematicamente nos factos provados que o mesmo “omitiu” “valores” “auferidos” ou “lucros obtidos” pela sociedade arguida, assim como as “transacções efectuadas e
respectivos valores”, por mero efeito da não solicitação da liquidação do IMT, e, por outro, que admitiu na fundamentação de direito que a Administração Fiscal tinha conhecimento dos factos relevantes para proceder à respectiva liquidação oficiosa, sem depender da solicitação do Arguido, como se pode verificar pela leitura do segmento da fundamentação de direito supra citado.
25.) Tal contradição tornase ainda mais evidente na medida em que dos factos provados constantes de 2.19. a 2.23. consta que a sociedade arguida edificou um prédio em regime de propriedade horizontal no imóvel inscrito na matriz predial urbana de … sob o artigo ….. e que tal facto foi formalmente participado à mesma matriz, através do modelo 1 do IMI, dando origem ao novo artigo matricial ……, correspondente a prédio em regime de propriedade horizontal.
26.) É certo que na fundamentação de direito o Tribunal a quo desvalorizou o facto da Administração Fiscal possuir conhecimento dos factos relevantes para a efectiva liquidação do IMT, independentemente da respectiva solicitação pelo Arguido, mas isso significa ignorar que o crime imputado ao Arguido se consubstancia na conduta típica de “ocultar” “factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária”, nos termos do disposto no artigo 103.º, n.º 1, alínea b), do RGIT.
28.) (…) a sentença não poderia basear toda a factualidade provada na ideia de que o Arguido efectivamente ocultou algo da Administração Fiscal e, simultaneamente, admitir na fundamentação de direito que tal ocultação não existiu, considerandoa, enfim, irrelevante no que diz respeito ao preenchimento do tipo objectivo de um ilícito típico que assenta, justamente, na ideia de “ocultação”.
29.) Acresce ainda que, na sequência da anulação da primeira sentença, da sentença de que ora se recorre veio a constar um novo facto provado, que é o seguinte: “2.35. A administração fiscal, por via das actualizações das inscrições matriciais quanto à propriedade dos imóveis da sociedade tinha conhecimento dos factos que motivaram a liquidação de IMT.”
30.) Mesmo não reflectindo tal facto o que efectivamente foi pelo Arguido alegado na sua contestação, conforme supra explanado, parecenos inequívoco que o mesmo é contraditório com outros factos provados, supra transcritos, cujo significado é o não conhecimento pela Administração Fiscal dos elementos necessários à liquidação do IMT e na ocultação desses elementos pelo Arguido.
31.) O que não pode ocorrer, por encerrar uma manifesta contradição, é a Administração Fiscal não ter conhecimento e ter conhecimento, em simultâneo, bem como lhe ter sido ocultado, mas ter conhecimento, em simultâneo.
32.) Por consequência, incorre a sentença no vício de contradição insanável da fundamentação, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, o que o Arguido suscita, para os devidos efeitos legais.
35.) Da mera leitura da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto pode facilmente concluirse que a mesma é manifestamente lacunar relativamente às diversas asserções que o Tribunal a quo fez constar dos factos provados.
36.) É possível, desde logo, assinalar na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto dois níveis diferentes de fundamentação, pois, se, por um lado, os meios de prova referentes aos negócios jurídicos, respectivas datas e valores, assim como em relação à liquidação do IMT correspondente a cada um deles, são merecedores de exame concreto, por outro, os demais “factos” provados são totalmente omitidos na motivação em termos de exame concreto.
37.) Encontramse nesta situação as seguintes asserções: 2.26., 2.27., 2.28., 2.29., 2.31, 2.32. 2.33. dos factos provados (…)
38.) O primeiro grupo de alusões de natureza conclusiva que constam dos segmentos acima transcritos a que importa fazer referência são de “a sociedade arguida omitiu valores que efectivamente auferiu”, “o arguido enquanto legal representante da sociedade, omitiu ao Fisco as transacções efectuadas e os respectivos valores, impedindo que a Administração Fiscal tivesse conhecimento dos lucros obtidos” e “Ao não entregar a respectiva declaração respeitante à aquisição ocorrida, actuou com o intuito de omitir lucro da sociedade arguida” (2.26., 2.27. e 2.31 dos factos provados).
39.) Ainda se compreenderia a afirmação de que o Arguido “omitiu” as “transacções efectuadas e os respectivos valores”, desde que estivesse inserida na fundamentação de direito, e de acordo com uma noção muito ampla do conceito derivado do verbo “omitir”, uma vez que efectivamente não solicitou a liquidação do IMT (pese embora a Administração Fiscal tivesse conhecimento dos dados necessários para proceder a tal liquidação).
40.) Mas no que concerne à conclusão de que o Arguido “omitiu” “valores auferidos” e “lucros obtidos”, não há esforço de entendimento possível que permita identificar o percurso lógico seguido pelo Tribunal a quo, até porque – cabe sublinhar – tais expressões deveriam corresponder a factos concretos carecedores de outros meios de prova para além de testemunhas.
41.) A expressão “omitiu” tem natureza manifestamente conclusiva, o que significa que não poderia integrar o elenco factual, merecendo outrossim lugar na fundamentação de direito, mediante a integração por factos concretos que tivessem resultado provados ou não provados.
54.) A motivação da sentença não permite perceber de que forma chegou o Tribunal a quo à conclusão de que o Arguido actuou com o objectivo de se “locupletar” dos valores correspondentes ao IMT, quando, por um lado, não existe prova – que tenha sido objecto de exame crítico do Tribunal a quo – de que o Arguido tenha embolsado quaisquer valores, e, por outro, a única conduta que poderia ser ao mesmo assacada é a de não ter solicitado a liquidação do IMT.
55.) Outra conclusão a que o Tribunal a quo incorrectamente inseriu na fundamentação de facto é de que o Arguido se recusa a satisfazer as obrigações fiscais em causa (2.28. dos factos provados, supra transcrito).
56.) A palavra “recusamse” é uma conclusão que não pode ser retirada simplesmente do facto de não ter sido pago, mas sim de factualidade concreta que não ficou a constar da fundamentação de facto.
63.) De qualquer forma, o IMT não é um imposto de substituição, em que o obrigado tem que transferir para o Estado um determinado valor que lhe foi entregue pelo sujeito passivo da relação jurídicotributária, situações que normalmente são tratadas em sede de abuso de confiança fiscal.
64.) Mesmo que se admita que, embora forçadamente, se possa chegar à conclusão – mas não em sede de factos provados, como ocorre na sentença – de que os valores devidos a título de IMT integraram o património da sociedade arguida, é totalmente impossível chegar à conclusão de que tais valores integraram o património do Arguido.
65.) É, pois, impossível entender de que forma o Tribunal a quo chegou a tal conclusão, uma vez que nada vem reflectido na motivação da decisão sobre a matéria de facto a esse propósito.
70.) Acresce que o Arguido foi condenado a título doloso, para o que, igualmente, não foi produzida prova e tampouco se distingue no segmento da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto qualquer menção à apreciação da prova para efeitos da factualidade referente à dimensão subjectiva do crime.
71.) Pelo supra explanado, é manifesto que o Tribunal a quo não procedeu a um exame crítico das provas que permitisse chegar às conclusões ora em apreço, o que conduz, inexoravelmente, a uma evidente situação de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, o que o Arguido aqui suscita, para os devidos efeitos legais.
72.) Em sede de mérito, sem prescindir no que respeita às questões supra suscitadas, não podemos concordar com o entendimento jurídico perfilhado pelo Tribunal a quo, na medida em que a mera não solicitação da liquidação do IMT não preenche o tipo objectivo do crime em causa.
85.) (…) o preenchimento da alínea b) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT exige, porém, uma conduta de efectiva ocultação de factos ou de valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária, o que não se verifica no presente caso.
86.) Para constituir facto típico, a ocultação em causa tem que corresponder a uma acção cujo efeito seja a colocação fora do conhecimento da Administração Fiscal de determinados factos ou valores.
87.) Pelo contrário, a obrigação de solicitar a liquidação do IMT na sequência da caducidade da isenção não tem como objectivo cientificar a Administração Fiscal sobre as aquisições efectuadas e respectivos valores, pois de tais factos sempre aquela teve conhecimento, pelas seguintes vias: Actualização das inscrições matriciais no que respeita à propriedade dos imóveis pela sociedade arguida, nos termos do disposto no artigo 13.º do CIMI; Comunicação notarial das escrituras, nos termos do disposto no artigo 49.º do CIMT.
88.) Não é susceptível de ocultação aquilo que já é conhecido, baseandose o próprio sistema no pressuposto de que a Administração Fiscal não depende da iniciativa do sujeito passivo do imposto para proceder à liquidação oficiosa do IMT, nos termos do disposto nas normas supra citadas.
89.) Tal circunstância é ainda mais evidente na situação referente ao imóvel ….., na medida em que no mesmo foi construído um prédio em regime de propriedade horizontal, o que foi comunicado pela sociedade arguida à Administração Fiscal, na sequência do que lhe foi atribuído o novo artigo …...
90.) Por consequência, se a declaração de solicitação de liquidação do IMT não tem o escopo ou o efeito de dar a conhecer à Administração Fiscal as transmissões, e respectivos valores, sobre as quais incide o imposto, em virtude de aquela já possuir tal conhecimento, a omissão de apresentação de tal declaração não é subsumível na alínea b) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT.
91.) Os factos pelos quais o Arguido foi condenado são, na realidade, puníveis como contraordenação, e não como crime, nos termos do disposto no artigo 114.º, n.ºs 1, 2 e 5, alínea c), do RGIT.
95.) Nem todas as omissões referentes a obrigações perante a Administração Fiscal são tipificadas como crime, como se tem vindo a explanar, impedindo o princípio da legalidade consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, previsto no artigo 1.º, n.º 1, do Código Penal, que se considere como ocultação algo que efectivamente o não é, sendo igualmente certo que o n.º 3 do mesmo artigo 1.º proíbe expressamente o recurso à analogia.
96.) Por consequência, padece de inconstitucionalidade material o artigo 103.º, n.º 1, do RGIT, por violação do artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, na interpretação segundo a qual pode subsumirse no elemento típico objectivo de ocultação a mera omissão de não solicitação de liquidação do IMT, ainda que a administração fiscal tenha conhecimento e esteja na posse de todos os elementos necessários para proceder à liquidação do imposto.
97.) Padece a mesma norma de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da intervenção mínima, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, na interpretação segundo a qual a mera omissão de solicitação da liquidação do IMT pode ser considerada como ocultação de factos, apesar dos mesmos serem do conhecimento da administração tributária, para efeitos de preenchimento do ilícito típico previsto naquela norma.
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I.3. Resposta do MºPº (motivação que se reproduz parcialmente).
a) Quanto à nulidade decorrente da suposta violação do art.º 379.º al. c) do CPP (…)
Salvo o devido respeito, não se verifica o mencionado vício, na verdade, o ponto dos factos provados que o arguido sindica, dá integral cumprimento ao determinado no Douto Acórdão do Tribunal da Relação, no qual se menciona que o que importava esclarecer era se, A Administração fiscal possuía, nesta situação, as informações necessárias para proceder à liquidação do IMT, independentemente da solicitação dessa liquidação, pelos arguidos” (…).
Conclusão a que sempre chegaria, aliás (se o supra mencionado ponto carecesse – que não carecesse - de ser interpretado), pelo teor da douta sentença no seu todo, bastando atentar – como o próprio arguido admite, que no item reservado ao “Enquadramento jurídico-Penal, ou seja, à matéria de Direito, é concretamente analisada e apreciada a situação colocada pelo arguido, concretamente, “Alega aquele que dessa omissão nenhum prejuízo resultou para a administração fiscal, que tinha em seu poder os elementos que permitiam aquela liquidação, como viria a suceder, em obediência ao disposto no art.º 36.º do CIMT, com base nas escrituras públicas comunicadas à administração fiscal, pelo que não se pode falar de ocultação de factos que ponham fora do conhecimento da administração fiscal dados relevantes ao apuramento do imposto devido e, consequentemente, não se mostram preenchidos os elementos objectivos do tipo de ilícito”, concluindo-se pela irrelevância de tal facto, por se entender – posição com a qual se concorda -, pelos motivos doutamente explanados (mormente com base na natureza auto - liquidável do dito imposto e derivado do facto de se tratar de crime de perigo abstracto), que o facto de a Administração Fiscal se encontrar na posse de tal conhecimento, não contende com o preenchimento do tipo de crime em análise (…)
b) Quanto ao alegado vício de contradição insanável na fundamentação.(…)
A contradição só será insanável, no entanto, quando não possa ser ultrapassada com recurso à decisão, no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência.(…)
Na verdade, o percurso lógico do julgador, ao longo de todo o texto da sentença, é sempre susceptível de ser seguido, de forma clara, sendo que toda a factualidade dada como provada e não provada se harmoniza entre si, sem quaisquer contradições, bem como a fundamentação da sentença conduzindo, naturalmente, à conclusão da prática, pelo arguido, do crime em causa.(…)
Não apresentando a sentença, outrossim, qualquer deficiência ao nível da fundamentação, no que concerne à motivação, uma vez que se mostram devidamente elencados os meios de prova quer de ordem testemunhal, quer documental, que serviram de base à convicção do tribunal, devida e criticamente analisados (ainda que de forma concisa) ao longo do texto da sentença, não só no item motivação, mas, também, na parte respeitante ao enquadramento jurídico-penal dos factos.
Acresce, aliás que, no caso dos autos a prova é, como é bom de ver, essencialmente de natureza documental e o teor dos documentos valorados (que não foi posto em causa), devidamente descriminado na sentença, fala por si, impondo, naturalmente, a fixação da matéria de facto no sentido decidido pelo Tribunal.
c) Alega, ainda, o recorrente que terá ocorrido erro notório na apreciação da prova (…)
O erro notório na apreciação da prova ocorre, por exemplo, quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou, ainda, quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (…).
Ora, na douta decisão recorrida, não se mostram verificados, nem sequer alegados, factos constitutivos de tal vício.
Efectivamente, não se pode qualificar como “erro” e muito menos “notório”, uma mera discordância do recorrente em relação à forma como o tribunal recorrido apreciou a prova, quanto à relevância que deu a um determinado depoimento ou declaração, em detrimento de outro ou de outra (e a isto, no fundo, se resume o recurso interposto), pois que as razões que subjazem ao juízo do julgador não são sindicáveis da forma como o recorrente pretende fazer, e só poderiam ser postas em causa, caso não fossem fundamentadas em dados objectivos, se contrariassem as regras da experiência, ou se operassem no âmbito dos meios de prova subtraídos à livre apreciação do julgador, o que manifestamente não se verifica.(…)
d) Por último, apenas de referir que, ao contrário do mencionado pelo recorrente, a sua conduta integra, claramente o conceito de ocultação, para efeitos do tipo de crime previsto no art.º 103.º n.º 1 al. b) do RGIT, mostrando-se verificados os elementos objectivos e subjectivo do tipo de crime de fraude fiscal, dando-se por integralmente reproduzido a propósito o enquadramento e análises jurídicos, constantes da douta sentença, que, por aprofundado, dispensa considerandos adicionais.
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I.4. Parecer do Ministério Público na Relação (síntese por reprodução parcial), que obteve resposta do recorrente (no sentido já expresso no recurso).
(…) A sentença mostra-se devidamente fundamentada, clara e logicamente estruturada, com apreciação crítica da prova produzida, como resulta da respectiva fundamentação, satisfazendo os requisitos do artº 374º do Código de Processo Penal (…).
Ora, do texto da decisão recorrida não ressalta qualquer contradição ou insuficiência lógica, designadamente entre os factos provados.
Igualmente não padece a decisão recorrida de qualquer erro notório na apreciação da prova, vício que há-de resultar de forma evidente do texto da decisão recorrida, o que não sucede.
Divergência da recorrente quanto à apreciação dos factos - expressa na motivação e nas conclusões do recurso em que se limita a manifestar a discordância relativamente ao modo como o Tribunal “a quo” valorou a prova produzida, contrapondo a sua própria análise valorativa - não é susceptível de configurar erro notório na apreciação da prova, nos termos do artº 410º, nº 2-c) do Código de Processo Penal (…)
Divergência do recorrente quanto a apreciação dos factos não é susceptível de configurar omissão de pronúncia, a menos que se entendesse este vicio como “omissão de pronúncia em sentido favorável ao impetrado”
O Tribunal a quo efectuou criteriosa valoração das provas produzidas, que demonstram concordantemente a prática, pelo arguido, dos factos integradores do crime pelo qual foi condenado, cuja norma punitiva, pelo limiar mínimo estabelecido, não viola qualquer princípio constitucional, qual seja o de intervenção mínima do direito penal.
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II. Do objecto do recurso.
O objecto do recurso está limitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente.
São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões e se vão além também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente (neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336).
O recorrente apresenta a sua discordância, não obstante a absoluta desconsideração de concentração, nas conclusões, da sua motivação, dirigida;
1º à validade da sentença (argui a nulidade da mesma por ausência de pronúncia sobre questão que deveria apreciar);
2º à existência de vícios da sentença resultantes do seu texto, por si só ou conjugadas com as regras da experiência);
3º ao erro de julgamento na decisão sobre a matéria de direito (enquadramento jurídico penal dos factos) e;
4º à inconstitucionalidade das normas punitivas no sentido em que foram interpretadas.
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II.1. Da nulidade da sentença.
A sentença é nula quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse conhecer (artigo 379º, nº1, alínea c), do Código de Processo Penal), conceito que se reconduz ao objecto do
processo, definido essencialmente pela acusação e pela defesa (artigo 339º, nº4, do Código de Processo Penal).
O recorrente entende que o tribunal não apreciou os factos alegados na contestação (fls.488 a 489) - Pelo contrário, a obrigação de solicitar a liquidação do IMT na sequência da caducidade da isenção não tem como objectivo cientificar a Administração Fiscal sobre as aquisições efectuadas e respectivos valores, pois de tais factos sempre aquela teve conhecimento, pelas seguintes vias: Actualização das inscrições matriciais no que respeita à propriedade dos imóveis pela sociedade arguida, nos termos do disposto no artigo 13.º do CIMI; Comunicação notarial das escrituras, nos termos do disposto no artigo 49.º do CIMT. Ora, não é susceptível de ocultação aquilo que já é conhecido. O próprio sistema baseiase no pressuposto de que a Administração Fiscal não depende da iniciativa do sujeito passivo do imposto para proceder à liquidação oficiosa do IMT, nos termos do disposto nas normas supra citadas. Tal circunstância é ainda mais evidente na situação referente ao imóvel ….., na medida em que no mesmo foi construído um prédio em regime de propriedade horizontal, o que foi comunicado pela sociedade arguida à Administração Fiscal, na sequência do que lhe foi atribuído o novo artigo …...” - revelando-se insuficiente a forma parcial, fragmentária e selectiva com que se manifestou (2.35. A administração fiscal, por via das actualizações das inscrições matriciais quanto à propriedade dos imóveis da sociedade, tinha conhecimento dos factos que motivaram a liquidação de IMT.).
Esta omissão já havia sido assinalada por este tribunal superior (cfr. Acórdão de fls.579 a 588), em relação à sentença originária, quando ordenou a reabertura da audiência (que culminou na sentença ora recorrida) para apreciar se a administração fiscal possuía as informações necessárias para proceder à liquidação do IMT independentemente da solicitação dessa liquidação pelos arguidos, único facto encontrado na contestação que entendeu integrar o objecto do processo e que na sentença recorrida se apreciou, categoricamente, no sentido afirmativo.
Não existe, assim, qualquer nulidade da sentença omissão de pronúncia, improcedendo o recurso nesta parte.
*
II.2. Dos vícios resultantes do texto da sentença.
O recorrente percorre os três fundamentos de recurso estabelecidos no artigo 410º, nº2, do Código de Processo Penal, vícios que apresentam dois traços em comum:
1º terão de resultar do texto da decisão recorrida (sem auxílio de elementos intraprocessuais narrativamente estranhos e extraprocessuais);
2º por si só (autónomos) ou conjugada com as regras da experiência.
*
II.2.1. Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Invoca o recorrente o vício aludido no artigo 410º, nº2, alínea a), do Código de Processo Penal que consiste na insuficiência (incompletude) da matéria de facto para a decisão de direito.
O recorrente enquadra em tal vício a ausência de apreciação da rigorosamente mesma “alegada matéria de facto” da contestação “desconsiderada” pelo julgador e já apreciada em sede de invalidade da sentença. A questão suscitada e apreciada em sede validade da sentença judicial é insusceptível de constituir, subsidiariamente, qualquer fundamento de recurso.
*
II.2.2. Da contradição insanável entre a fundamentação e a matéria de facto não provada.
Invoca o recorrente o vício aludido no artigo 410º, nº2, alínea b), do Código de Processo Penal relativamente à contradição entre a fundamentação de direito e os factos provados.
A contradição (insanável) poderá existir:
a) entre os factos dados como provados;
b) entre os factos dados como provados e os não provados;
c) na fundamentação probatória da matéria de facto e;
d) entre a fundamentação e a decisão (casos em que a fundamentação aponta para uma dada decisão e a decisão recorrida é desconexa com a fundamentação apresentada).
Parece-nos de mediana clareza que o julgador entende que a ausência de autoliquidação do IMT por parte do recorrente, na qualidade de representante legal da sociedade comercial que beneficiou de uma isenção anteriormente concedida e ulteriormente caducada, representa uma ocultação de factos ou valores que deviam ter sido revelados à administração tributária. Não existe qualquer contradição mas, tão só (uma vez que o tipo legal de ilícito criminal apresenta elementos objectivos normativos ou, pelo menos, conceitualmente complexos) uma determinada concepção jurídico penal que será apreciada em sede de decisão sobre a matéria de direito.
*
II.2.3. Do erro notório na apreciação da prova.
O vício do artigo 410º, nº2, alínea c), do Código de Processo Penal ocorre quando a leitura da decisão revela que o facto foi considerado provado ou não provado de maneira contrária a todas as evidências, de forma clamorosamente errada, com base num erro de raciocínio do julgador, que consiste em ter retirado da prova uma ilação manifestamente errada, insusceptível de levar ao convencimento de qualquer pessoa.
Nos termos recursivos apresentados, o fundamento invocado é, verdadeiramente, a ausência a ausência de exame crítico das provas, vício referente à validade da sentença (cfr. artigos 379º, nº1, alínea a), e 374º, nº2, do Código de Processo Penal) que, nos termos supra expostos, não mereceu qualquer adesão por parte deste tribunal superior.
Improcede, na totalidade, o recurso nesta parte.
*
II.3. Do erro de julgamento relativamente à decisão sobre a matéria de direito.
Reside, neste segmento recursivo, a verdadeira discordância do recorrente e com toda a razão, nos termos infra expostos.
O imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) incide, objectivamente, sobre as transmissões, a titulo oneroso, do direito de propriedade sobre imóveis situados no território nacional e, subjectivamente, sobre o adquirente, constituindo-se no momento em que ocorrer a transmissão (artigos 1º, nº1, 2º, nº1, 4º e 5º, nº2, do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis aprovado pelo Decreto-Lei nº287/2003, de 12 de Novembro e doravante designado por CIMT).
A sua liquidação, porque precede o acto ou facto translativo dos imóveis e condiciona a sua celebração e/ou o seu registo predial (artigos 48º, 49º e 50º do CIMT), é de iniciativa do interessado (artigo 19º, nº1, do CIMT).
São isentas de IMT as transmissões objectivamente previstas que sejam destinadas para revenda e subjectivamente efectuadas por sociedade comercial ou pessoa singular cuja actividade normal e habitual tenha por objecto a compra de prédios para revenda, certificada pelos serviços de finanças (artigo 7º, nºs 1, 2 e 3 do CIMT), isenção reconhecida a requerimento do comprador junto dos serviços competentes para a decisão antes da liquidação que seria de efectuar não fosse tal isenção (artigo 10º, nº1, do CIMT).
A isenção caduca, fica sem efeito, logo que se verifique que:
1. aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente;
2. os mesmos não foram revendidos dentro de prazo de três anos ou;
3. os mesmos foram revendidos para nova revenda (artigo 11º, nº5, do CIMT).
Neste caso, deve o sujeito passivo solicitar, no prazo de 30 dias, a respectiva liquidação (artigo 34º, nº1, do CIMT). Se a mesma não for pedida, as finanças promovem a sua liquidação oficiosa e notificam o sujeito passivo para pagar no prazo de 30 dias, sem prejuízo dos juros compensatórios e da sanção que ao caso couber, seguindo-se a competente execução fiscal no caso de não cumprimento daquela obrigação.
O tipo legal objectivo da fraude fiscal consiste na ocultação de factos (ou valores não declarados) que devam ser revelados à administração tributária e que vise a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias (artigo 103º, nº1, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei nº15/2001, de 05 de Junho).
Este tipo legal de ilícito, de perigo (em relação ao bem jurídico protegido – o património do Estado na sua componente tributária) e de mera actividade (em relação à conduta), reconduz-se a um crime de perigo abstracto concreto (ou crime de aptidãoGermano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, UCE, 2018, pág.225 – ou de resultado cortado Jakobs, citado por Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, O crime fiscal no novo direito penal tributário português, RPCC, ano 6º, fasc.1º, pág.78).
Os últimos autores citados referem que, no que respeita ao tipo objectivo, será apenas necessário o atentado à verdade ou transparência corporizada nas diferentes modalidades de falsificação previstas e que existe consumação ainda que nenhum dano/enriquecimento indevido venha a ter lugar (ob. cit., pág.91).
A sociedade comercial representada pelo recorrente adquiriu, para declaradamente revender no âmbito da sua actividade comercial certificada pela administração fiscal, quatro imóveis (tendo beneficiado da isenção do IMT), e não procedeu à revenda dos mesmos no prazo de três anos contado das respectivas aquisições, facto que decorre inexoravelmente do decurso do tempo e que opera por mero efeito da lei.
A administração tributária tem conhecimento:
- das isenções (as escrituras públicas foram-lhe comunicadas);
- da certificação da actividade da sociedade comercial adquirente (que emitiu) que lhe permitiu obter o reconhecimento das isenções nos negócios jurídicos de aquisição dos imóveis;
- do percurso do registo predial dos direitos inscritos relativamente aos imóveis (relativamente aos quais tem acesso directo) e, principalmente;
- das inscrições matriciais dos imóveis (de que é editora e gestora).
A ausência de solicitação da liquidação do IMT (no caso de caducidade da sua isenção pelo decurso do prazo para revenda) por parte do sujeito passivo representa uma omissão, seguramente, mas versará sobre uma declaração de factos (não ter revendido o imóvel nos três anos subsequentes ao reconhecimento da isenção) que o sujeito passivo tem obrigação de revelar à administração fiscal?
A resposta terá de ser negativa.
Não existe qualquer dever legal de informar a administração fiscal do decurso do prazo de três anos sem revenda dos imóveis (entendido como facto) mas, tão só, por força da caducidade da isenção do IMT, solicitar a sua liquidação no prazo de 30 dias contado do termo do referido prazo (dito de forma mais clara, o imposto surge na esfera patrimonial do sujeito passivo no primeiro dia após o decurso do prazo de três anos, entendido como razoável para a celebração do acto de revenda por parte de quem, profissional, habitual e normalmente desenvolve tal actividade, reconhecida pela administração fiscal em todos e cada um dos negócios jurídicos de aquisição dos imóveis).
Não se deve obnubilar a existência das chamadas obrigações acessórias do sujeito passivo que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações e prestação de informações (cfr. artigo 31º, nº1, da Lei Geral Tributária, aprovada pela Lei nº398/98, de 17 de Dezembro).
Tal obrigação adquire contornos de dever legal de informação quando os factos que a administração fiscal desconhece se localizam na esfera do conhecimento ou ciência privativa do sujeito passivo (no caso das pessoas colectivas, sem natureza biopsicológica, dos seus representantes) e os mesmos são insusceptíveis de serem objecto de conhecimento pela administração fiscal (por mero exemplo, veja-se a desnecessidade de cumprimento do dever de o sujeito passivo declarar alterações, para efeitos de tributação do IVA, de qualquer dos elementos constantes da declaração de início de actividade quando as alterações resultem de factos sujeitos registo na conservatória do registo comercial e a entidades inscritas no ficheiro central de pessoas colectivas não submetidas a registo comercial- artigo 32º, nºs 1 e 2, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado aprovado pelo Decreto-Lei nº102/2008, de 20 de Junho)
Tal dever legal, onde a ocultação de informação é susceptível de preencher o tipo objectivo do crime de fraude fiscal, encontra-se disperso por várias normas, adquirindo uma particular acuidade, pela similitude significativa no âmbito do destinatário normal e comum da norma jurídica, entre a isenção fiscal e o benefício fiscal. Tal dever é estabelecido em sede de benefícios fiscais, relativamente aos factos que possam fazer cessar a situação em que o benefício se baseava e que a administração tributária não conheçaartigo 9º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº215/89, de 01 de Julho).
A omissão verificada traduz um pura situação de incumprimento de uma obrigação tributária (o sujeito passivo e a administração fiscal sabem que após o decurso do prazo de três anos [facto futuro] o primeiro, se não proceder à revenda do imóvel [facto incerto] vê surgir a obrigação tributária na sua relação tributária por força da caducidade da sua isenção) e deve ser tratada como tal, não configurando qualquer tipo legal de crime por ausência, desde logo, dos seus elementos do tipo objectivo.
Em conclusão, de natureza sintética: o sujeito passivo que obteve a isenção do pagamento de IMT (relativamente à aquisição de imóveis para revenda) que caduca por efeito do decurso do prazo de três anos não tem qualquer dever legal especial de informar a administração fiscal do decurso de tal prazo e da caducidade (ope legis) da sua isenção mas, apenas, de solicitar a sua liquidação no prazo de 30 dias contado do termo do referido prazo, não significando o seu silêncio (a ausência de solicitação da liquidação) qualquer ocultação de factos que devam ser revelados à administração tributária e, nesse sentido, não preenchendo tal comportamento o tipo objectivo do crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103º, nº1, alínea b), do RGIT.
Nestes termos será a sentença revogada e o arguido absolvido do crime cuja prática lhe era imputada.
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III. Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, absolvendo o recorrente B… da prática do crime pelo qual foi pronunciado.
Sem custas (artigo 513º, nº1, do Código de Processo Penal).
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Porto, 11 de Abril de 2019
João Pedro Nunes Maldonado
Francisco Mota Ribeiro