Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10853/15.2T8VNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
SEGUNDA PRESTAÇÃO
Nº do Documento: RP2018121810853/15.2T8VNG-B.P1
Data do Acordão: 12/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º861, FLS.144-147)
Área Temática: .
Sumário: I - A segunda prestação da remuneração fixa do administrador da insolvência vence-se, assim, seis meses após a data da sua nomeação, mas se na data em que o processo for encerrado ainda não tiver decorrido esse prazo, a segunda prestação vence-se na data de encerramento do processo, sem prejuízo do disposto no n.º1 do art.º 39.º do CIRE.
II - O sucede é uma antecipação, por força das circunstâncias, da data de vencimento da 2.ª prestação, que assim será antecipada, fazendo-a coincidir com a data de encerramento do processo, o que em nada belisca o direito a essa mesma prestação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 10853/15.2 T8VNG-B.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 1
Recorrente – B…
Recorrida – Massa Insolvente de C…
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Maria do Carmo Domingues
Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – C… requereu no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia a sua declaração de insolvência, o que foi efectivamente declarado, por sentença de 18.01.2016, devidamente transitada em julgado.
Nessa mesma decisão foi nomeada Administradora da Insolvência (A.I.) a ora apelante. E ainda foi decidido prescindir-se da realização da assembleia de credores, cfr. art.º 36.º n.ºs 1 al. n), 3 e 4 do CIRE, sem prejuízo do disposto no art.º 36.º n.º 3 do mesmo diploma.
Todavia, não se dispensou a A.I. de juntar aos autos, no prazo de 45 dias, o relatório a que alude o art.º 155.º do CIRE, solicitando-se ainda que a A.I. se pronunciasse sobre o pedido de exoneração do passivo e para notificar os credores para se pronunciarem sobre o dito relatório e sobre o pedido de exoneração do passivo, comprovando esse facto nos autos.
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Em 7.03.2016 a A.I. juntou aos autos o relatório a que alude o art.º 155.º do CIRE, concluindo, nele, pelo encerramento do processo nos termos do art.º 232.º do mesmo diploma.
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Nessa mesma data a A.I. juntou aos autos a lista definitiva de credores, em cumprimento ao disposto no art.º 129.º do CIRE.
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Por decisão de 3.07.2017, foi declarado o encerramento do processo de insolvência, nos termos do disposto nos art.ºs 230.º n.º 1, al. d) e 232.º n.º 2, ambos do CIRE e, foi também deferido à requerente da insolvência o pedido de exoneração do passivo restante, tendo a A.I. sido nomeada fiduciária.
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Por requerimento de 8.11.2017, a A.I. requereu a dispensa de prestação de contas e o pagamento da 2.ª prestação da sua remuneração.
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Em 4.06.2018 foi proferido despacho de onde consta: “(…)
Remuneração da A.I.:
- A A.I. foi nomeada em 18.01.2016.
- Nos presentes autos foi dispensada a realização de assembleia de credores, mas foi fixado o prazo de 45 dias para junção do relatório do art.º 155º do CIRE.
- Em 07.03.2016 foi junto o relatório do art.º 155º do CIRE, concluindo pelo encerramento do processo nos termos do art.º 232º do CIRE.
- Em 07.03.2016 a A.I. deu cumprimento ao disposto no art.º 129º do CIRE.
A partir desta data, mais nenhum acto processual foi praticado pela A.I. nos autos, pelo que, a sua intervenção esgotou-se com a elaboração do relatório do art.º 155º do CIRE e a junção da lista definitiva de credores, cfr. art.º 129º do CIRE e ambas as intervenções ocorreram num período que se circunscreveu a dois meses.
A 2ª prestação de remuneração fixa apenas se vence 6 meses após a nomeação.
Deste modo, entendemos que a A.I. apenas tem a haver a 1ª prestação de remuneração fixa, porquanto a sua intervenção nos autos não ultrapassou os 6 meses, e as duas prestações de despesas, o que já lhe foi pago através de nota emitida em 26.06.2017, nada mais lhe sendo devido pelo exercício das funções de A.I., sem prejuízo do que lhe vier a ser fixado pelas funções de fiduciária.
Notifique”.
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Não se conformando com tal decisão, dela veio a A.I. recorrer de apelação pedindo que a sua revogação e substituição por outra que determine o pagamento da 2.ª prestação fixa da sua remuneração.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. A última intervenção da recorrente no processo em causa teve lugar em 24.07.2017, ou seja mais de um ano sobre a data da sua nomeação como AI, que ocorreu em 18.01.02016, pelo que só por lapso na decisão recorrida que “ocorreram num período circunscrito de 2 meses”.
2. Nos termos do artigo 23.º n.º 1, do artigo 29.º, n.º 2, ambos do CIRE e do artigo 1.º n.º 1 da Portaria n.º 451/2005, de 20.01: o AI tem direito a ser remunerado pelos actos praticados; a remuneração fixa é de €2.000,00, paga em 2 prestações de igual montante, uma aquando da sua nomeação e a segunda 6 meses após tal nomeação.
3. A jurisprudência tem defendido e decidido no sentido de que a remuneração ao AI será sempre no valor de €2.000,00, ainda que se entenda que o processo tenha encerrado antes de decorrido os seis meses após a nomeação do AI.
4. Entende-se, pois, que o facto de o processo encerrar antes de decorridos os seis meses, não gera caducidade ou extinção do direito, visando antes garantir a sua tempestividade, pelo que a segunda prestação se vence na data do encerramento do processo, caso este ocorra em momento anterior ao decurso de seis meses – Veja-se: TRP Acórdão de 19.06.2017; TRG Acórdão de 19.01.2017, Relator Jorge Teixeira, in www.dgsi.pt; TRL, Acórdão de 7.11.2017, relator José Capacete, in www.dgsi.pt.
5. À recorrente é devida, a título de remuneração fixa, a quantia de €2.000,00 não só porque praticou actos no processo após o decurso de seis meses a contar da sua nomeação, como igualmente os normativos legais aplicáveis no tocante à remuneração devem ser interpretados no sentido de que a segunda prestação se vence na data do encerramento do processo, caso este ocorra antes do decurso dos seis meses.
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Não há contra-alegações.

II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões da recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da apelante é questão a apreciar no presente recurso:
– Do alegado direito ao pagamento da 2.ª prestação da remuneração da Sr.ª A.I..
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Preceitua o art.º 60.º do CIRE que o administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis.
A remuneração do administrador e as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, constituem um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo Cofre Geral dos Tribunais na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta, cfr. art.º 32.º n.º 3, do CIRE.
E, no respectivo estatuto de administrador judicial – estabelecido pela Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro (doravante designado por EAJ) -, no seu art.º 22.º, estabelece-se que: “O administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas.”
A remuneração do administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou do administrador da insolvência em processo de insolvência, quando nomeados pelo juiz compreende, assim, uma parte fixa e uma parte variável, cujos montantes são estabelecidos, conforme se estabelece, em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia.
Na sequência da aprovação do EAJ não foi publicada a portaria a que se reporta a previsão em referência permanecendo, assim, em vigor a Portaria n.º 51/2005, de 20.01, que na vigência do Estatuto do Administrador da Insolvência, aprovado pela Lei n.º 32/2004, de 22/7, regulamentava o montante fixo de remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, bem como as tabelas relativas ao montante variável de tal remuneração, em função dos resultados obtidos. De facto, esta Portaria para além de em nada contrariar o novo acto legislativo (EAJ) harmoniza-se com este em toda a linha.
Prevê o n.º 1 do art.º 1º da referida da Portaria, para o administrador da insolvência, uma remuneração fixa de €2.000,00 e, o n.º 2 aprova as tabelas para o cálculo da parte variável da remuneração em função dos resultados obtidos com a liquidação da massa insolvente.
Como refere Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência”, pág. 251, a “
liquidação destina-se a permitir a satisfação, ao menos parcial, dos credores do insolvente, para o que é necessário que o seu património seja convertido numa quantia pecuniária que possa ser repartida por esses credores. Para esse efeito, haverá que proceder á cobrança dos créditos e à alienação dos bens e direitos compreendidos na massa insolvente, em ordem a obter os valores necessários a esse pagamento”.
Por conseguinte, é inegável – e nem a apelante nem a 1.ª instância o põe em em causa – o direito do administrador de insolvência a ser remunerado, bem como a ser reembolsado das despesas que haja feito no desempenho e para o desempenho das suas funções.
Sobre o pagamento da remuneração em causa, preceitua o art.º 29.º n.º2, do EAJ, que a mesma “é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data de encerramento do processo”. “Vencendo-se, em regra, a 2.ª prestação, seis meses após a nomeação do AI, da expressão “mas nunca após a data de encerramento do processo”.
Assim sendo, a remuneração é de €2.000,00, tal como está fixado na Portaria n.º 51/2005, de 20.01, estabelecendo-se que tal remuneração (no valor de €2.000,00) será paga em duas prestações, com vencimento:
-a primeira, na data da sua nomeação;
- a segunda, seis meses após tal nomeação mas nunca após a data de encerramento do processo.
A segunda prestação da remuneração fixa do administrador da insolvência vence-se, assim, seis meses após a data da sua nomeação, mas se na data em que o processo for encerrado ainda não tiver decorrido esse prazo, a segunda prestação vence-se na data de encerramento do processo.

Convém ainda chamar à colação o preceituado no n.º2 do art.º 1.º da referida Portaria n.º 51/2005, de 20.01, segundo o qual:
2 - No caso de o administrador da insolvência exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador, aquele terá direito somente à primeira das prestações referidas no n.º 2 do artigo 26.º da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência”.
E ainda o preceituado no n.º4 do art.º 29.º da Lei n.º 22/2013, de 26.02 (EAJ), segundo o qual:
“4 - Nos casos previstos no artigo 39.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador da insolvência é reduzida a um quarto do valor fixado pela Portaria referida no n.º 1 do artigo 23.º.”
Ora, segundo o n.º 1 do art.º 39.º do CIRE: “Concluindo o juiz que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, faz menção desse facto na sentença de declaração da insolvência, dando nela cumprimento apenas ao preceituado nas alíneas a) a d) e h) do n.º 1 do artigo 36.º, e, caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara aberto o incidente de qualificação com carácter limitado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 36.º”.
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No caso em análise, o que está inegavelmente em causa é o tempo do pagamento/vencimento da remuneração do administrador da insolvência, cuja fixação resulta da lei, num valor determinado e fixo, não dependentes de qualquer pedido ou justificação (nascimento/constituição da obrigação de pagamento).
Logo, é ilegal que se o processo, por hipótese venha a ser encerrado antes de terem decorrido seis meses sobre a nomeação do AI, este deixe de ter direito, ou veja ser-lhe negado o direito à 2.ª prestação da remuneração. Pois “in casu” o que apenas sucede é uma antecipação, por força das circunstâncias, da data de vencimento da 2.ª prestação, que assim será antecipada, fazendo-a coincidir com a data de encerramento do processo, o que em nada belisca o direito a essa mesma prestação.
Neste sentido, veja-se o Ac. da Rel. de Lisboa de 2.07.2015, in www.dgsi.pt, segundo o qual “sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art.º 9.º do Código Civil), se fosse sua intenção que o administrador judicial não teria direito às duas prestações, tê-lo-ia dito expressamente como no caso do exercício das funções por menos de seis meses devido a substituição por outro administrador ou como nos casos em que estabeleceu reduções da remuneração”.
Aplicável à presente situação é o disposto no citado n.º 2 do art.º 29.º da Lei n.º 22/2013, de 26.02 (EAJ), que, como se viu, expressamente estatui que, a remuneração prevista no n.º1, do art.º 23.º, desse mesmo diploma, é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação.
Ao caso não é aplicável o disposto no supra citado n.º 1 do art.º 39.º do CIRE, pois que só cerca de um ano e meio após a prolação da decisão de insolvência – datada de 18.01.2016 - é que o processo veio a ser encerrado – por decisão de 3.07.2017 -, nos termos do art.º 230.º n.º1 al. d) do CIRE, ou seja, por insuficiência da massa pela constatação da A.I. de tal facto e por correspectiva informação prestada nos autos, data em que efectivamente a mesma cessou funções de A.I. no processo.
Também não se verifica assim uma situação de exercício de funções pela A.I. por período inferior a seis meses, por motivo de substituição da ora apelante por outro A.I., pelo que não tem aplicação o disposto n.º2 do art.º 1.º da Portaria n.º 51/2005, de 20.01.
Pelo que temos, pois, de concluir que à Sr.ª Administradora de Insolvência, nomeada nestes autos, lhe é devida a referida remuneração de €2.000,00, a pagar em duas prestações, cada uma delas de €1.000,00, nos termos precisos estabelecidos no já citado art.º 29.º n.º2, do EAJ e, de acordo com o entendimento expresso acima.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, conclui-se que a 2.ª prestação da remuneração fixa do administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz vence-se seis meses após a data da sua nomeação, mas se na data em que o processo for encerrado ainda não tiver decorrido esse prazo, - o que não se verifica “in casu”-, a segunda prestação vence-se na data do encerramento do processo.
Assim sendo, procedem as conclusões da apelante.

IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação procedente e em revogar a decisão recorrida, ordenando em sua substituição que se ordene o pagamento à Sr.ª A.I., ora apelante, da quantia relativa à 2.ª prestação da sua remuneração.
Custas pela massa insolvente.

Porto, 2018.12.18
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues